Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1021/15.4T8PTG.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
PRESSUPOSTOS
SINAIS VISÍVEIS E PERMANENTES
ÓNUS DA PROVA
ABUSO DO DIREITO
BOA FÉ
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS – DIREITO DAS COISAS / POSSE / USUCAPIÃO DE IMÓVEIS / SERVIDÕES PREDIAIS / CONSTITUIÇÃO DAS SERVIDÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DELIMITAÇÃO SUBJECTIVA E OBJECTIVA DO RECURSO.
Doutrina:
- Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, Volume II, Coimbra Editora, 1999, p. 243;
- Menezes Leitão, Direitos Reais, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2015, p. 361;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1984, p. 632, 634 e 635.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º, N.º 1, 1296.º, 1547.º, N.º 1, 1548.º, 1549.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.º 4.
Sumário :
I - Não pode confundir-se a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por usucapião com a alegação e prova de factos para efeitos de constituição de uma servidão por destinação do pai de família.

II - Para a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, prevista no n.º 1 do art. 1547.º do CC, é necessário que: (i) os dois prédios ou as duas fracções do prédio em causa tenham pertencido ao mesmo proprietário; (ii) existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro; e (iii) que os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo (cfr. art. 1549.º do CC).

III - Não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários de constituição da relação de serventia mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente”.

IV - Apenas se extraindo da prova a existência no prédio do réu de um “corredor”, com um certo traçado arquitectónico, que era utilizado há mais de 50 anos pelo autor e, antes dele, pelos seus pais e outras pessoas, tal não é suficiente para considerar verificado tal pressuposto.

V - Ainda que se considerassem verificados todos os pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família, resultando provado que o autor deixou decorrer nove anos sobre as obras realizadas pelo réu, com o encerramento do “corredor” através de diversas construções – antes de, com a presente acção, reagir contra o desrespeito do alegado direito real de servidão –, sempre estaria a actuar em exercício abusivo do direito, por violação manifesta do princípio da boa fé (art. 334.º do CC).

VI - Incidindo sobre o autor o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado (cfr. art. 342.º, n.º 1, do CC), a falta de prova dos mesmos tem como consequência o não reconhecimento do direito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou, em 22/07/2015, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Município de Portalegre, pedindo, nomeadamente, que este seja condenado a reconhecer que, sobre o seu prédio urbano, conhecido por ....., sito na rua ......., com os nºs de polícia .., .. e .., Portalegre, composto de ...., com vinte e três divisões, e primeiro andar, com dezassete divisões, para habitação, indústria e armazém, inscrito na matriz sob o artigo ...., da freguesia de São Lourenço, concelho de Portalegre, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o nº ....., existe uma servidão de passagem ou trânsito, a pé, com cerca de 2 a 3 metros de largura, 3 a 5 metros em altura, em rectângulo e abóbada, e 20 a 40 metros de comprimento, constituída por usucapião ou destinação do pai de família, a favor do prédio urbano de que é proprietário o A., situado em .... - Parque ....-, com a área total de 1786,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo .., da freguesia da Sé e São Lourenço, composto da esplanada Cine-Parque, com várias dependências, destinadas a bufete, escritórios e cabine, confrontando a norte, sul, nascente e poente, com AA, desanexado do artigo 240 do Livro B-3 da Suprimida de Portalegre, inscrito e registado na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, sob o nº ..../....., repondo a passagem conforme se encontrava antes das obras efectuadas, abstendo-se, no futuro, de perturbar ou impedir o uso da dita passagem e indemnizando o A. por todos os prejuízos sofridos, quer patrimoniais, quer morais, a determinar em execução de sentença, alegando factos que, em seu entender, conduzem à procedência das suas pretensões.


Por sentença de fls. 260 foi a acção julgada parcialmente procedente, com a seguinte decisão:

“Atento o que se deixou exposto e ao abrigo do quadro jurídico que se deixou traçado, julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e, em consequência decido:

A) Reconheço e condeno o réu a reconhecer, que pelo prédio identificado em 6), que lhe pertence, existe uma servidão de passagem pedonal, constituída por usucapião, a favor dos prédios do autor identificados de 10) a 12), Tal passagem tem entrada pelo alçado principal do prédio do réu, confinante com a Rua ...., no local a que correspondia a entrada com o n° 24 de polícia (antes da realização das obras) e onde hoje se encontra uma janela, com a extensão de 2,40 metros, e a partir da qual se desenvolve através do prédio do réu, um trajeto com 10,5 metros de extensão, 3 metros de largura, e altura não concretamente apurada, e que culmina numa outra reentrância, também com 2,40 metros de largura que dá acesso aos sobreditos prédios do autor;

B) Reconheço e condeno o réu a reconhecer o direito do autor, dos seus arrendatários e de qualquer pessoa, de utilizarem a passagem assim constituída para acederem, a pé, da Rua ...., aos seus prédios;

C) Condeno o réu a realizar obras de molde a repor a entrada da passagem a partir da Rua ....s, com 2,40 metros de largura, onde será colocada porta, que a possuir chave, será entregue ao autor; a realizar obras de molde a que a partir daquela entrada seja reposto o trajeto com 3 metros de largura, 10,5 metros de comprimento, com teto com altura que permita a passagem de qualquer pessoa; e por último, a realizar obras de molde a deixar aberta a reentrância que existia no alçado posterior; a eliminar a escadaria que a partir dela construiu, realizando obra que permita o acesso ao prédio dos autores, por parte de qualquer pessoa, nomeadamente por cidadãos com deficiência fisica/motora;

D) Condeno o réu a abster-se por qualquer via, ou modo, de perturbar ou impedir que o autor e os seus rendeiros e utentes em geral façam uso da alegada servidão de passagem;

E) No demais, absolvo o réu dos pedidos.

F) Condeno autor e réu no pagamento de custas judiciais, na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente (art. 527º do Código de Processo Civil).”


Inconformado, o Município de Portalegre interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

A fls. 333, foi proferido acórdão que julgou a apelação procedente, absolvendo o R. dos pedidos.


2. Vem o A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

I - Como resulta claro da matéria de facto dada como provada - de 1 a 6, 8 a 15, e, certidão da sentença da partilha em sede de inventário - desde o tempo dos pais do A. e antes destes e do A., dos anteriores proprietários, quando os prédios vulgarmente conhecidos por "Fábrica ...." e, "Cine Parque e dependências" existia e estava estabelecida e foi constituída uma servidão de passagem a pé ou pedonal, através do prédio hoje do Município de Portalegre ("F...."), a favor dos prédios hoje do Autor ("Cine Parque e dependências").

II - Tal acesso (servidão) que era parte integrante do edifício ("F....") reabilitado pelo Município de Portalegre, foi usado pelo Autor, antes dele por seus pais, bem como, por outras pessoas, sem oposição de ninguém, pacífica e publicamente, durante mais de 50 anos - vide certidão do inventário e matéria de facto provada - 1 a 6 e 8, 13, 14, 15, 16, 18 e 20.

III - À luz da matéria de facto dada como provada (1 a 6 e 8 a 20) como pode o acórdão sindicado questionar a não existência da servidão de passagem, constituído[a] por usucapião?

IV - Acresce que a perícia junta aos autos dá dela existência de forma inequívoca; tal serventia, de um prédio a favor do outro, em benefício do outro, mantém-se à luz do disposto no art° 1549 do Código Civil.

V - Na verdade, na conferência de interessados (veja-se certidão do inventário) aquando da divisão ou separação dos prédios -"F...." e "Cine Parque e dependências" -, entre o A. e o seu irmão, herdeiros de seus pais, declararam que o faziam “com todas as serventias”, e sem qualquer outra alusão.

VI - Como assim, manteve-se a servidão por destinação de pai de família - artº 1549 C.C..

VTI - Se, mais tarde, o irmão do A., BB, vendeu o prédio ao Município de Portalegre, livre de ónus ou encargos, tal declaração, não vincula o A., tão pouco pode prejudicar o direito do prédio deste, sobre o prédio que actualmente é do Município de Portalegre, direito esse constituído por destinação de pai de família.

VIII - Também o protocolo, subscrito pelo A. e pelo Réu Município de Portalegre, em momento nenhum, põe em causa a aludida servidão de passagem pelo n° 24 de polícia que o Município de Portalegre eliminou, ao eliminar a passagem;

IX - O A., como o Município de Portalegre reconhece, a fls. 7/12 das suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, apenas autorizou o estaleiro, a reabilitação e recuperação.

X - Inexistiu "consentimento tácito", como refere o Município de Portalegre ao seu recurso, tão-pouco o A. abusou do seu Direito.

XI - Aliás, não se vislumbra da matéria de facto dada como provada, qualquer abuso de direito por parte do A., tão pouco nenhum fundamento por parte do Acórdão aqui questionado revela esse abuso - quando? como? porquê? em quê que se materializa?

XII - O Acórdão não o explica.

XIII - E, a que "troca" se reporta o Acórdão? Também não a fundamenta, não a explica, nem nos documentos, nem nos factos dados como provados, nomeadamente, nos factos 20 e 21 e, do protocolo, isso, inequivocamente, resulta.

XIV - Consequentemente, devem V. Exas manter a decisão proferida em 1ª instância”


         O Recorrido contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

“A posse do Recorrente sobre o prédio em questão, iniciou-se em data não alegada, mas nunca antes de 25 de Março de 1998, uma vez que, até então, o poder exercido no aludido prédio, nomeadamente pelos pais do Autor, assentava no direito de propriedade, não sendo confundíveis as duas situações. Assim, não decorreu qualquer prazo que permitisse ao Recorrente adquirir o pretenso direito de passagem, por usucapião.

Para que se constitua uma servidão por destinação do pai de família é necessária a existência de sinais visíveis e permanentes, que revelem, sem margem para dúvidas, a serventia de um prédio para outro, o que, nos presentes Autos não ficou provado! Desde o início e praticamente dez anos antes do início dos presentes Autos, o Recorrente conhecia o destino que o Município pretendia dar aos prédios adquiridos, acordou na forma de recolocação dos seus próprios arrendatários afectados pela obra, aceitou permutar três "edifícios adjacentes à fachada norte da F...." ("sic") por um "pavilhão industrial a construir pela Câmara Municipal de Portalegre ..." e, mais importante, obrigou-se a ("sic") "autorizar a utilização da faixa confinante a Norte dos Colégio e Igreja de S. Sebastião e F.... de Lanifícios de Portalegre para estaleiro da obra de recuperação e reabilitação dos referidos edifícios"!”


Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias):

1 - O Autor AA é filho de CC e de DD;

2- Por óbito de CC correu, pelo Tribunal Judicial da extinta Comarca de Castelo de Vide, o inventário facultativo, com o nº 1/90, no âmbito do qual desempenhou as funções de cabeça-de-casal, o Autor AA

3- A conferência de interessados foi realizada em 25 de março de 1998;

4 - As verbas levadas à aludida conferência de interessados foram aquelas que constavam da descrição de bens de fls. 283 a 306 do referido processo de inventário, designadamente, a verba nº 42, com a seguinte descrição: “Prédio urbano, com a área coberta de 895 m2, sito na F...., Rua ......, com oitenta e cinco vãos, composto de rés-do-chão com vinte de três divisões e primeiro andar com dezassete divisões para habitação indústria e armazém. Um logradouro com 1627 m2, designado por esplanada “Cine Parque”, com várias dependências destinadas a bufete, escritório e cabine com a área coberta de 303 m2. Confrontações: norte - próprio, sul e nascente - Rua .... e poente com a via pública e ....... Inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2020, sem registo, com o valor tributável de sete milhões quinhentos e noventa e seis mil setecentos e oitenta escudos”;

5- Na dita conferência, os interessados deliberaram quanto à composição dos respetivos quinhões, tendo acordado, por unanimidade, que os imóveis fossem adjudicados da seguinte forma: ”Ao interessado BB, são adjudicadas as verbas (…). Parte da verba nº quarenta e dois que se desanexa pela forma seguinte: A parte urbana constituída pelo edifício conhecido por F...., sito na Rua ...., com os nºs de polícia, 22, 24 e 26, com todas as suas serventias e que corresponde a menos de um terço da totalidade do artigo 2020 da freguesia de S. Lourenço, concelho e cidade de Portalegre e que para efeitos de adjudicação lhe é atribuído o valor de dois milhões de escudos. A parte desanexada deste artigo é a que corresponde à delimitação feita a verde na planta que, com os requerimentos ao Chefe da Repartição de Finanças do Concelho de Portalegre e ao Presidente da Câmara Municipal de Portalegre, se juntam após rubricados pela Exma. Srª Juiz, passando a fazer parte integrante desta ata.

Ao interessado AA são adjudicadas as verbas (…): A parte da verba nº quarente[a] e dois, restante da desanexação supra referida a que se atribui o valor de cinco milhões quinhentos e noventa e seis mil setecentos e oitenta escudos …”;

6 - No dia 3 de março de 2009, por documento escrito, denominado “Título de Compra e Venda”, e na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, perante a Exma. Srª Conservadora do Registo Predial, FF, GG, HH, estes representados o ato pelo primeiro, declararam vender ao Município de Portalegre - ali representado por II -, livre de ónus ou encargos e pelo preço global de €1.496.393,60, os seguintes prédios: a) prédio urbano, destinado a habitação, indústria e armazém, sito na F...., inscrito na matriz sob o art. 2681, da freguesia de S. Lourenço, concelho de Portalegre, e descrito na Conservatória do Registo Predial desta cidade, sob o nº .....; b) prédio urbano, destinado a delegação da FNAT, garagem para indústria e indústria de manufaturas de tapeçarias de Portalegre, sito no Parque ........., nºs 1, 2, 3 e 4, inscrito na matriz predial sob o artigo1695 da freguesia de São Lourenço, concelho de Portalegre, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, sob o nº ....;

7- Em 2006, a Ré instalou nesses prédios a sua sede, após obras de restauro e alteração que efetuou no edifício, ao abrigo do programa Pólis;

8 - Tal prédio, antes das obras de alteração terem sido efetuadas e na sua fachada principal - edifício conhecido por F...., sito na rua .... - tinha três números de polícia ou entradas, respetivamente os nºs 22, 24 e 26;

9 - Os prédios antes referidos estavam inscritos a favor dos vendedores, sob as descrições 0000000000 e 0000000000, ambas da Conservatória do Registo Predial de Portalegre, e relativamente a qualquer deles não constava a inscrição de qualquer servidão ou serventia de passagem que os onerasse;

10 - O prédio urbano situado em São Lourenço - Parque ..... -, com a área total de 1786,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo 57, da freguesia da Sé e São Lourenço, composto de esplanada Cine-Parque, com várias de pendências, destinadas a bufete, escritórios e cabine, confrontando a norte, sul, nascente e poente, com AA, desanexado do artigo 240 do Livro B-3 da Suprimida de Portalegre, encontra-se inscrito e registado na Conservatória do Registo Predial de Portalegre, sob o nº 000000000, a favor de AA, por o ter adquirido, por partilha em inventário, por óbito de CC;

11- O prédio urbano situado em São Lourenço, denominado F...., com a área total de 2126,36 m2, inscrito na matriz sob o artigo 58, da freguesia da Sé e São Lourenço, composto de parcela de terreno para estacionamento, confrontando a norte e poente com AA, nascente com o Parque ..... e a sul com a Câmara Municipal de Portalegre, encontra-se inscrito e registado na Conservatória do Registo Predial de Portalegre sob o nº 0000000000, a favor de AA, por o ter adquirido, por usucapião;

12- O prédio urbano situado no Parque ....., F...., avenida general ......., 5 e 6 e rua do Saco, com a área total e coberta de 2866,81 m2, encontra-se inscrito: a) na matriz sob o artigo 49, da freguesia da Sé e São Lourenço, com a seguinte composição e confrontações: rua do Saco e Parque .......... Edifício composto de um piso destinado a armazéns e atividade industrial, com a área coberta de 429,54 m2; b) na matriz sob o artigo 50: F..... Edifício composto de um piso destinado a armazéns e atividade industrial, com a área coberta de 210,40 m2; c) na matriz sob artigo 51: F..... Edifício composto de um piso destinado a armazéns e atividade industrial, com a área coberta de 93,55m2; d) na matriz sob o artigo 1940: avenida General ......., nºs 5 e 6. Edifício para habitação e indústria; composto de rés-do-chão e primeiro andar com a área coberta de 221,55 m2; e) na matriz sob o artigo 55: dentro da F..... Edifício composto de rés-do-chão esquerdo, central e direito, para armazém, primeiro andar lado poente, primeiro andar esquerdo, frente e direito, lado sul para habitação, com a área coberta de 387,59 m2; f) na matriz sob o artigo 54 - Parque ....... Edifício composto de rés-do-chão para indústria e habitação, primeiro andar esquerdo e direito, para habitação, com a área coberta de 313,10 m2; g) na matriz sob o artigo 1039 - rua 31 de janeiro e Parque .... Edifício para comércio, habitação, serviços e armazéns e atividade industrial, com a área coberta de 922,48 m2; h) na matriz sob o artigo 59 - F.... - Terrenos situados dentro de aglomerados urbano onde não é permitido construir e sem afetação agrícola, com a área de 288,60m2. Confronta a norte com beco Saco, Parque ...... e ...., a sul com rua ...., a nascente com Parque ...... e avenida General ......., e a poente com a rua 31 de janeiro e ......... e encontra-se inscrito e registado a favor do Autor, por o ter adquirido em partilha de herança de AA, sob o nº .../ .... na Conservatória do Registo Predial de Portalegre;

13- Pelo sobredito nº 24 de polícia do prédio conhecido como F...., acedia-se da rua ...., aos prédios antes referidos, situados nas traseiras do prédio do Réu Município de Portalegre, através de duas entradas (uma no alçado principal - com porta -, outra no alçado posterior), ambas com a largura aproximada de 2,40 metros, desenvolvendo-se o acesso através do prédio ora pertencente ao Réu, ao longo de um corredor com 10,50 metros extensão e 3 metros de largura, piso em pedra e com teto abobadado, de altura não concretamente apurada:

14 - Tal entrada existia, desde há mais de 50 anos, e possibilitava a circulação pedonal, através do acesso que a partir dela se desenvolvia, da rua .............para o interior da zona do Cine-Parque e para diversos prédios do Autor, onde se encontravam instaladas oficinas, empresas e residências ali existentes, permitindo, também, o transporte, por parte dos comerciantes, utentes e habitantes, de bens de pequeno porte;

15 - Tal acesso foi, assim, usado pelo Autor e, antes dele, pelos seus pais, bem como por outras pessoas, e sempre foi utilizado à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, pacífica e publicamente;

16 - Com as obras de restauro e alteração efetuadas no seu prédio, o Réu fechou a sobredita entrada, assim impedindo o Autor, os rendeiros deste, bem como o público em geral de por ali passarem ou de por ela acederem aos prédios do Autor;

17 - O Réu eliminou a porta correspondente ao nº 24 de polícia, substituindo-a por uma janela. Na fachada posterior colocou um vão envidraçado, com uma porta de vidro;

18 - Na fachada posterior, o Réu construiu uma escadaria, ladeada por um muro de suporte;

19 - Tudo sem o consentimento do Autor;

20 - O Autor tem tido dificuldade em arrendar os prédios;

21- Após as sobreditas alterações, introduzidas pelo Réu, no seu prédio, quem pretenda aceder, a pé, da rua .... aos sobreditos prédios do Autor, tem de percorrer uma maior distância;

22- No dia 5 de janeiro de 2006, entre o Município de Portalegre, na qualidade de primeiro signatário, e o ora Autor, AA, na qualidade de segundo signatário, foi assinado um documento, intitulado “Protocolo”, onde, além do mais, se fez constar:” (…) A Câmara Municipal de Portalegre adquiriu em tempo oportuno os edifícios dos Colégio e São Sebastião e Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre para neles instalar o Centro de Congressos, a Galeria de Exposições Temporárias, o Executivo Municipal, o Posto de Turismo, Serviços Municipais e Municipalizados e o Centro de Monitorização Ambiental. (…) A recuperação e reabilitação do Colégio e Igreja de S. Sebastião e da Real Fábrica (…) terá de ser entendida como motor de requalificação do tecido urbano onde se insere. (…) É objetivo prioritário o reforço da atratibilidade e a consolidação da centralidade deste conjunto urbano, disponibilizando alojamento, atividades de lazer, comerciais e de serviços, recuperando qualificadamente a vida urbana no centro histórico de Portalegre, que nas últimas décadas tem sofrido um progressivo empobrecimento e desertificação. A reestruturação desta área reveste de particular delicadeza pela sua localização na cidade, pela sua relação com o conjunto edificado de S. Sebastião e Real Fábrica de Lanifícios e pela sua proximidade ao Jardim da Corredoura. (…) Clausulado do Protocolo (…) Cláusula Primeira 1. O primeiro signatário promete desenvolver um projeto de loteamento para os terrenos adjacentes a Norte ao conjunto edificado do Colégio e Igreja de S. Sebastião e Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre, regrando a sua ocupação através da quantificação dos diferentes parâmetros urbanísticos, da definição da sua forma urbana, da rede viária e dos equipamentos. Cláusula Quarta 1. O primeiro signatário promete proceder ao realojamento de um fogo de habitação existente no edifício adjacente à fachada Norte da F...., bem como proceder a relocalização da oficina de pintura de automóveis, da oficina de estofador e da oficina de torneiro existentes nos edifícios adjacentes à fachada Norte da F..... 2. O segundo outorgante promete permutar os edifícios referidos na alínea anterior, situados no interior da parcela da cerca de S. Sebastião, Freguesia de S. Lourenço e inscritos na Matriz Predial Urbana de Portalegre, sob os Art.........../Verba 39, Art. ........./Verba 40, e artº ......../Verba 42, pelo pavilhão industrial a construir pela Câmara Municipal de Portalegre onde as mesmas serão instaladas, sem qualquer compensação. A escritura de permuta será outorgada, nos 60 dias seguintes após o realojamento ou a relocalização dos arrendatários das parcelas constantes da alínea anterior. (…). 4. O segundo signatário promete autorizar a demolição dos referidos edifícios imediatamente após o realojamento ou a relocalização dos arrendatários das parcelas constantes da alínea anterior sem qualquer outra compensação. (…)”.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos delimita-se pelas conclusões dos mesmos.  

Assim, no presente recurso, está em causa a seguinte questão:

- Constituição da servidão de passagem sobre o prédio do R. a favor do prédio do A. por usucapião ou por destinação do pai de família.


5. Recorde-se ter o A. formulado o pedido de reconhecimento de servidão de passagem sobre o prédio do R. a favor do prédio do A. com fundamento na sua constituição por usucapião ou por destinação do pai de família. Em sede de recurso de revista retoma o A. ambos os fundamentos.

      Vejamos a questão da invocada constituição da servidão de passagem por usucapião (art. 1548º do Código Civil).

A 1ª instância admitiu ter-se a servidão de passagem constituído por usucapião, com base na prova do uso pedonal da passagem descrita no facto 13 há mais de 50 anos pelo A., seus pais e demais pessoas (cfr. factos 14 e 15). Porém, tal como entendeu a Relação, destes factos apenas resulta o uso “do corredor com 10,50 metros extensão e 3 metros de largura, piso em pedra e com teto abobadado, de altura não concretamente apurada” (facto 13) correspondente ao direito de propriedade e não ao direito real (servidão de passagem) que o A. pretende ver reconhecido.

Na verdade, para a prova da posse correspondente à servidão de passagem apenas podem relevar factos posteriores à partilha dos bens deixados por CC e à desanexação do prédio do A. (partilha e desanexação que ocorreram em 25/03/1998 – factos 3 a 5). Ora, não apenas não foram alegados factos posteriores a essa data, susceptíveis de integrar o corpus e o animus possessório correspondentes à servidão de passagem, como, de qualquer forma, o período de tempo decorrido entre o referido ano de 1998 e o ano de 2006, no qual tiveram lugar as obras promovidas pelo R. (pelas quais se encerrou o acesso ao “corredor” em causa nos autos), sempre seria insuficiente para completar qualquer dos prazos de usucapião por posse não titulada (cfr. art. 1296º do CC).

      Conclui-se, assim, pela não constituição por usucapião da servidão de passagem sobre o prédio do R. a favor do prédio do A.


6. Quanto à alegada constituição da servidão de passagem por destinação do pai de família, que o acórdão recorrido também afastou, tal possibilidade encontra-se, em abstracto, prevista no nº 1 do art. 1547º do CC, e os seus pressupostos estão definidos no art. 1549º do mesmo Código, nos termos seguintes:

“Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão, quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.”


Na lição de Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, 1984, pág. 635), trata-se “de uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou as fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes”, sendo que “tanto faz que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, que um seja rústico e outro urbano” (cit., pág. 632).

Enumeram-se os seguintes pressupostos (cit., págs. 632 e segs.):

- É necessário que os dois prédios em causa ou as duas fracções do prédio tenham pertencido ao mesmo proprietário;

- É necessário que existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro;

- Exige-se que os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo.


        Vejamos se tais pressupostos se encontram preenchidos no caso dos autos.

Não existem dúvidas quanto à verificação do primeiro pressuposto, uma vez que o prédio urbano do A. e o prédio urbano do R. pertenceram ao mesmo proprietário (o pai do A. e, subsequentemente, o A. e irmãos, na qualidade de herdeiros), tendo, no caso, o primeiro prédio sido desanexado do segundo no acto da partilha.

        Também se afigura preenchido o pressuposto da separação do domínio de um e outro prédio sem que do documento respectivo – no caso, o documento de partilha (factos 4 e 5) – constasse declaração oposta à constituição do encargo. Com efeito, do facto 5 resulta que, de tal documento, consta que a desanexação se fazia “com todas as suas serventias” (sendo, para o efeito, irrelevantes os termos da posterior celebração do contrato de compra e venda do segundo prédio entre os irmãos do A. e o R. (facto 6) uma vez que tais termos são inoponíveis ao A.).

        Contudo, como se entendeu no acórdão recorrido, não foram provados factos que permitam concluir pela verificação do pressuposto da existência de sinais visíveis e permanentes, que – aquando da desanexação e da separação do domínio dos dois prédios – revelem inequivocamente uma relação estável de serventia do prédio do R. em relação ao prédio do A., no que se refere à passagem pedonal pelo “corredor” em causa nos autos.

A respeito deste pressuposto, afirmam Pires de Lima/Antunes Varela (ob. cit., pág. 634) que “Os sinais hão-de revelar a serventia de um prédio para com o outro. Isto significa que hão-de ter sido postos ou deixados com ‘a intenção’ de assegurar certa utilidade a um, à custa ou por intermédio do outro.”

Não é líquido que seja exigível a prova de uma vontade subjectiva do proprietário ou proprietários (no caso dos autos, o A. e irmãos, na qualidade de herdeiros do primitivo proprietário) de constituição da relação de serventia, mas não se dispensa a prova de sinais que revelem “a vontade ou consciência de criar uma situação de facto estável e duradoura, uma situação que objectivamente corresponda à de uma servidão aparente (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, Vol. II, Coimbra Editora, 1999, pág. 243), posição a que expressamente adere Menezes Leitão (Direitos Reais, 5ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, pág. 361, nota 747).

Ora, dos factos 13 a 15 apenas se extrai a prova de um certo traçado arquitectónico do prédio do R., a saber, a existência de um “corredor com 10,50 metros [de] extensão e 3 metros de largura, piso em pedra e com teto abobadado, de altura não concretamente apurada”¸ assim como a prova da utilização de tal “corredor”, há mais de 50 anos, “pelo Autor e, antes dele, pelos seus pais, bem como por outras pessoas”.

De tais factos (como da demais factualidade dada como provada) não resulta a prova de sinais visíveis e permanentes, que mostrem de forma inequívoca a alegada relação de serventia entre os dois prédios, reportada aos actos de partilha e de desanexação que ocorreram em 25/03/1998.

Com efeito, não pode confundir-se a alegação e prova de factos para efeitos da constituição da servidão por usucapião (os quais, no caso dos autos, se revelaram insuficientes, como se concluiu no ponto 5 do presente acórdão) com a alegação e prova de factos para efeitos da constituição da servidão por destinação do pai de família, alegação e prova que não foram feitas ou não o foram em termos bastantes. Nem tão pouco pode retirar-se do facto de, no documento da partilha, se ter previsto que a desanexação do prédio do A. se fazia “com todas as suas serventias” qualquer prova da vontade de constituir a concreta serventia que aqui se discute, na medida em que o volume e a complexidade arquitectónica do conjunto urbano “de S. olde a configurar a existência de outras serventias entre os prédios que o integram.

       O que está em causa na presente acção não é saber se existem ou não relações de serventia entre os prédios em que tal conjunto urbano foi dividido, mas sim apurar se existe ou não a concreta relação de serventia alegada pelo A. quanto ao “corredor” descrito no facto 13. Incidindo sobre o A. o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado (cfr. art. 342º, nº 1, do CC), a falta de prova dos mesmos tem como consequência o não reconhecimento do direito.

Conclui-se, pois, pela não constituição da alegada servidão de passagem por destinação do pai de família.


7. De qualquer forma, ainda que se concluísse em sentido diverso, considerando-se verificados todos os pressupostos da constituição da servidão por destinação do pai de família, sempre seria de ajuizar, como fez a Relação, que o A. – ao ter deixado decorrer nove anos sobre as obras realizadas pelo R., com o encerramento do “corredor” descrito no facto 13 (através das construções descritas nos factos 16 a 18), antes de, com a presente acção, reagir contra o desrespeito do alegado direito real de servidão – sempre estaria a actuar em exercício abusivo do direito, por violação manifesta do princípio da boa fé (cfr. art. 334º do CC). Vir invocar, em sede de revista, que a sua inacção se ficou a dever a anterior disputa judicial entre as partes, quando oportunamente se limitara a alegar (artigo 42º da p.i.) ter o R. reconhecido a servidão de passagem na referida acção, não permite dar como justificada tal inacção.

Além do mais, o “Protocolo” celebrado entre as partes em 05/01/2006 (facto 22), ao prever a futura permuta dos edifícios dos autos pertencentes ao A. com um pavilhão industrial a construir pelo R. Município, demonstra a vontade das mesmas partes de, a médio prazo, passarem para o R. a titularidade (do direito de propriedade) sobre todo o conjunto urbano “de S. Sebastião e Real Fábrica de Lanifícios”. Caberia ao A. alegar e provar os termos em que as pretensões da presente acção se compatibilizam com o teor do dito “Protocolo” ou, em alternativa, alegar e provar o incumprimento do mesmo pelo R. Município. Não tendo feito nem uma coisa nem outra, reforça-se o juízo de que, com a presente lide, actua o A. em desrespeito dos princípios impostos pela boa fé nas relações negociais.

Pelo que – tanto pela inacção do A. ao longo de nove anos como pela (ao menos aparente) actuação contraditória do A. nas relações com o R. – se tem de concluir que, ainda que se considerassem verificados todos os pressupostos da constituição da servidão de passagem por destinação do pai de família, sempre, pelo princípio ínsito no art. 334º do CC, se teria de considerar ilegítimo o exercício de tal direito.


8. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 13 de Setembro de 2018


Maria da Graça Trigo (Relatora)


Maria Rosa Tching


Rosa Maria Ribeiro Coelho