Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4308/10.9TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO SILVA GONÇALVES
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
BOA FÉ
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Obrigações, II Vol., pp. 105/107.
- Dias Ferreira, “ Código Civil” Anotado, II, 1895, p. 24.
- Guilherme Moreira e Vaz Serra, BMJ, 46.º, p. 31.
- José Carlos Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, pp. 64, 187.
- Mota Pinto, Obrigações, p. 294.
- Pessoa Jorge, Ensaio, p. 380.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 801.º, 802.º, 808.º, 810.º, 898.º, 908.º, 913.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12-02-2009, CITADO NO AC. STJ DE 12.03.2013 (WWW.DGSI.PT);
-DE 24-01-2012 (WWW.DGSI.PT);
-DE 12-03-2013 (WWW.DGSI.PT).
Sumário :
I - Havendo resolução do contrato, a jurisprudência e a doutrina dominantes inclinam-se para a defesa da indemnização do chamado “dano de confiança” (quer o credor tenha ou não efectuado a sua contraprestação), por haver incompatibilidade de cumulação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.

II - Este princípio atrás exposto – a incompatibilidade de cumulação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo – não pode ser arquitetado em termos absolutos, podendo o julgador, inventariando os princípios da boa fé a assinalar no caso concreto, ser forçado a admitir aquela liminar antipatia indemnizatória.

III - A indemnização rogada pelos autores, correspondente ao valor da fração prometida adjudicar aos recorrentes/autores – € 86 252,50 – não tem a justificá-la os princípios que regem a indemnização advinda da resolução do contrato firmado entre os demandantes e os 1.ºs demandados.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




AA e mulher BB intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, EE e mulher FF e BANCO GG, S.A.., NIPC …, pedindo o seguinte:

1. Sejam os negócios celebrados entre todos os Réus declarados nulos, e consequentemente ser reconhecida a titularidade do direito de propriedade aos AA, ordenando-se o cancelamento de todos os registos a favor daqueles e, por outro lado, a realização do registo de propriedade a favor dos aqui AA, com custas e demais encargos legais a cargo dos Réus,

Ou para o caso de assim não se entender

II) Sempre deverá ser considerada a resolução do contrato promessa de permuta celebrado entre AA e 1.º s Réus, por impossibilidade ou incumprimento imputável aos 1.º s Réus e, neste caso, ser reconhecido o direito de os autores serem indemnizados pelo valor correspondente à fracção em questão, acrescido dos respectivos juros legais calculados até efectivo e integral pagamento, sendo certo que para inteira satisfação deste crédito, deverá ser reconhecido o direito de retenção dos AA sobre aquela, perante terceiros, nomeadamente os aqui Réus, tudo com custas e demais encargos legais da responsabilidade dos Réus.


Em simples contestação “a Banco GG., S.A.”conclui que deverá ser julgada:

1) Inepta a petição Inicial, quanto aos pedidos formulados contra o Réu Banco GG, por ininteligível a causa de pedir, nos termos do disposto no art.º 193 n.º 2., alínea a), do C.P.Civil,

Ou, caso assim não se entenda,

1) Seja declarada a inoponibilidade de qualquer nulidade ao Réu Banco GG, pelo decurso do prazo de mais de três anos desde a conclusão do negócio, ou seja desde as escrituras lavradas em 30 de Outubro de 2006, e por via disso julgada improcedente a acção

2) Quanto ao mais, ser a acção julgada improcedente por não provada e, por via disso, ser o Réu absolvido de todos os pedidos contra ele formulados, com todas as legais consequências.


Por sua vez, os demandados EE e FF apresentaram contestação que culminam pedindo que se julgue a acção totalmente improcedente e não provada e, em consequência, sejam os Réus absolvidos do pedido.


Em réplica os autores contestam os argumentos dos réus e formulam pedido de prova documental.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

A) Declara-se nulo o negócio - compra e venda - outorgado entre os Réus CC, DD, EE e FF, quanto ao alegado preço de 75000 euros e seu pagamento/quitação 23;

B) Declara-se nulo por simulação o negócio - compra e venda - outorgado entre os Autores e os Réus CC e DD com a escritura referida supra em 2.1.8., nulidade não oponível aos Réus EE e FF e Banco GG, S.A.;

C) Declara-se resolvido o contrato promessa de permuta celebrado entre Autores e 1.º s Réus (referido em 2.1.4.), por impossibilidade de cumprimento imputável aos 1.º s Réus;

D) Absolvem-se os Réus dos restantes pedidos;


Inconformados apelaram os autores para a Relação de Guimarães que, por acórdão de 4.12.2014 (cfr. fls. 447 a 457), negou procedência ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

Irresignados, recorrem agora para este Supremo Tribunal os autores - revista excecional admitida por acórdão deste STJ datada de 24.03.2015 (cfr. fls. 566 a 570) -  que alegaram e apresentaram a seguintes conclusões:

1. Foi entendimento do Acórdão recorrido, na sequência do que referiu como sendo a posição clássica da nossa jurisprudência, que em caso de resolução contratual a tutela legal se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado.

2. Todavia, ao ter-se atido à «regra geral» da tutela do interesse contratual em resultado da resolução, o Acórdão recorrido não terá atentado na situação concreta destes autos e não terá analisado a argumentação que os recorrentes apresentaram em sede da Apelação, onde citaram jurisprudência e doutrina que punham (e põem) em causa a aplicação dessa «regra geral».

3. Na verdade, na situação dos autos a resolução não pode ter o seu efeito útil e normal, qual seja, a reposição do status quo ante, com a restituição aos Recorrentes do terreno que estes transmitiram aos recorridos, pessoas singulares, pois que estes últimos edificaram um imóvel nesse terreno, que por isso se incorporou neste.

Ora:

4. A decisão do Acórdão recorrido está em contradição com (entre outros), o Ac. STJ de 2013.11.28 (Proc. n.º 268/03.0TBVPA.P2.S1), cuja cópia se junta, onde foi sentenciado que, precisamente, assiste ao credor que procede à resolução do contrato o direito a ser indemnizado com base no interesse contratual positivo se se verificar a impossibilidade prática de, por via da resolução, reverter integralmente a situação fáctica inicial que existira entre as partes se o contrato não tivesse sido celebrado.

5. Não obstante em ambas as situações - a do Acórdão recorrido e a do citado - se verificar a impossibilidade da reposição do status quo ante como consequência da resolução,

- aquele entendeu que não era possível ao credor obter indemnização com base no interesse contratual positivo;

- e este, ao invés, entendeu que é efectivamente legítimo ao credor obter indemnização com base no interesse contratual positivo.

6. Constata-se assim que sobre a mesma questão fundamental de direito, e no domínio da mesma legislação, os referidos arestos são contraditórios - o que legitima a presente Revista Excecional (CPC, art. 672° n.º 1 al. c)).

7. O sumário do citado Acórdão deste Supremo mostra-se claro quanto a esse entendimento, designadamente quando estatui que «Independentemente da admissibilidade de formulação de um autónomo pedido de indemnização por danos ligados ao interesse contratual positivo, decorre do próprio instituto da resolução do contrato, cujo efeito está equiparado ao das invalidades, que - não sendo possível a restituição em espécie das prestações efectuadas reciprocamente com base no contrato resolvido - deve restituir-se o valor correspondente, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 289.º do CC».

8. Perante a incorporação da edificação no terreno dos Autores, ora Recorrentes, é manifesto que se verifica a impossibilidade de o mesmo lhes ser restituído, ou seja, está impedida a reposição do status quo ante, pelo terá de se aplicar o preceito citado a final pelo Acórdão deste Supremo: sendo impossível devolver em espécie o terreno aos Autores, deverão estes ser compensados pelo respectivo valor pecuniário.

9. E, estando determinado nos factos assentes que o valor da fracção prometida atribuir aos ora Recorrentes é de, pelo menos, € 86.252,50 (facto n.º 24), deverão os 1.º s Réus ser condenados a pagar este montante aos Autores, acrescido de juros moratórios.

10. Por outro lado, o entendimento do Acórdão atrás citado por forma alguma se trata de uma opinião isolada, antes é uma corrente jurisprudencial já firmada em decisões unívocas deste Supremo - e por vezes de forma mais expressiva ainda - cotejem-se os Acórdãos deste Supremo de 2007.07.05, Proc. n.º 0762009 e de 2013.03.12, Proc. n.º 1097/09.

11. Trataram-se de situações análogas à dos presentes autos e cujas decisões se mostram contraditórias com a do Acórdão recorrido - donde se conclui que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito - igualmente se legitimando, por esta via, a presente Revista Excecional - CPC, art. 672.° n.º 1 al. a), cuja procedência deverá conduzir à condenação dos Réus, nos termos peticionados.

12. Quanto ao pedido de decretamento do direito de retenção, o Acórdão recorrido decidiu que os Recorrentes não dispunham de um crédito e, como tal, não poderia decretar a existência de uma garantia para o mesmo (situação que já não se verificará se o crédito for reconhecido por este Tribunal);

13. Contudo, não foi apenas esse o argumento do Acórdão recorrido para negar a existência desse direito, pois que também afirma que «não ficou provado que os recorrentes tivessem a posse da fracção prometida, porquanto não se provou que tivesse ocorrido a tradição do bem objecto do contrato promessa de permuta»;

14. Ora, esta afirmação resultou de patente lapso, pois que dos pontos n.ºs 14. a 19., enumerados nas páginas 6 e 7 do próprio Acórdão recorrido, consta precisamente o inverso.

15. No Acórdão recorrido encontram-se interpretados e aplicados por forma inexacta, salvo o devido respeito, os art.º s 433.º, 434.º n.º 1, 289.º n.º 1, 754.º e 755.º al. f) do Cód. Civil.

Terminam pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e se condenem os réus nos termos peticionados.


Contra-alegaram os recorridos ”Banco GG, S.A.” (cfr. fls. 520 a 526) e EE e mulher FF (cfr. fls. 532 a 546), pedindo a manutenção do julgado.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As instâncias consideraram provados os factos seguintes:

Na 1ª instância foram dados como provados os factos seguintes:

1. (A) Os 1 ° s Réus foram declarados insolventes por sentença de 08/10/2010, no âmbito do proc. 895/10.0TJVNF, que corre seus termos no 5.° Juízo Cível deste Tribunal. - Cf. doc. a fls. 37.

2. (B) A fração "D", que corresponde a um edifício de cave, rés-do-chão, andar e garagem, registada na CRP sob o n.º … e inscrita na matriz respectiva sob o artigo … - Gondifelos, foi registada em 02/10/2006 pela Ap. 52, a favor dos aqui 2.° s Réus. - Cf. doc. a fls. 44.

3. Por escritura lavrada a fls. 57 do Livro 3-F, do 2° Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão os AA, no dia 29 de Outubro de 1998 (junta a fls. 23 e segs. e que aqui se dá por reproduzida), AA (casado com BB) declarou comprar o prédio urbano, constituído por parcela de terreno destinada à construção urbana, com a área de oitocentos e dez metros quadrados, sita no Lugar de …, freguesia de Gondifelos, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e omissa à matriz, a HH e mulher II.

4. No dia 25 de Maio de 1999, entre AA e 1.º s Réus, foi celebrado um Contrato Promessa de Permuta (junto a fls. 25 e segs. e que aqui se considera reproduzido), com reconhecimento notarial das assinaturas do A. e 1° Réu, maridos, no qual figuram como primeiros outorgantes os aqui 1.º s Réus e como Segundos Outorgantes os AA..

5. No sobredito contrato os AA. prometeram permutar o prédio referido em 3. supra, por uma fração que seria um apartamento ou moradia tipo T3 com garagem a construir pelos 1.º s Réus.

6. Os AA., na qualidade de proprietários do prédio referido, prometeram trocar e autorizaram informalmente que os 1.º s Réus construíssem um edifício sujeito a propriedade horizontal, sendo certo que em troca os AA., receberiam dos 1.° s Réus uma das frações.

7. Porque os 1.º s Réus necessitavam obter financiamento bancário com vista à construção do edifício, na mesma altura, solicitaram aos AA. que, para efeitos meramente formais transferissem a propriedade do prédio referido em 1°, afim de, por sua vez, poderem constituir hipoteca a favor de uma instituição bancária, uma vez que, a garantia do imóvel era pressuposto e essencial para conseguir o referido financiamento.

8. Acedendo a tal pedido os AA, no mesmo dia da celebração do contrato de Permuta, por escritura de compra e venda Lavrada a fls. 55 a 56, do Livro 511-D, do 1° Cartório Notarial de Barcelos (a fls. 28 e segs. e que aqui se dá por reproduzida), transferiram a titularidade do imóvel em questão para os 1° s Réus.

9. Não obstante a declaração de quitação constante dessa escritura a verdade é que não ocorreu o pagamento do preço.

10. Os AA entregaram aos 1° s RR o prédio que prometeram trocar.

11. Reunidas as condições necessárias, isto é, financiamento à construção e projeto de Licenciamento Camarário aprovado, os 1° s Réus, efetivamente, construíram no citado prédio, não cinco, mas apenas quatro frações, porquanto foi esta a aptidão construtiva autorizada pela Câmara Municipal.

12. Sendo certo que ficou estabelecido informalmente que a última fração, em termos de situação geográfica no próprio terreno e designação na propriedade horizontal, consubstanciava aquela a que os 1° s Réus prometeram entregar aos AA, ou seja, nestes termos a prometida fração n.º 5, afinal passou a designar-se por n.º 4 ou fração "D".

13. Os AA., desde o início, acompanharam a construção desta moradia, alterando certos pormenores, promovendo a escolha de materiais, referida na cláusula quarta do contrato promessa, conforme as suas vontades, e sobretudo fiscalizando a obra, na firme convicção de que esta lhes pertenceria.

14. Apesar dos vários atrasos ocorridos na construção e consequentemente na conclusão da fração, e apesar ainda do prazo de entrega estabelecido no contrato de permuta já ter decorrido, a verdade é que, mesmo antes da emissão do respectivo Alvará de Licença de Utilização, os 1° s Réus entregaram aos AA. as chaves da fração "D".

15. Não obstante o Alvará de Licença de Utilização só ter sido emitido em 25 de Setembro de 2002, a verdade é que os 1° Réus entregaram as chaves da casa aos AA, em data indeterminada anterior a essa, cerca de 2001/2002.

16. Os AA., sobre fração "D", que corresponde a um edifício de cave, rés-do-chão, andar e garagem, com a área coberta de 79,60 m2 e descoberta de 49,50 m2, registada na CRP sob o n.º … e inscrita na matriz respectiva sob o artigo … - Gondifelos, vêm cuidando dela, designadamente em atos de conservação e manutenção de exteriores;

17. Á vista de todas as pessoas;

18. Sem a oposição de quem quer que seja;

19. De forma ininterrupta.

20. Desde data indeterminada posterior à conclusão o imóvel que os AA, vinham a solicitar aos 1° s Réus, a celebração da escritura, através da qual pudessem registar a seu favor a fração em causa.

21. Apesar das tentativas encetadas pelos AA., os 1° s Réus protelaram tal concretização.

22. Só em Junho de 2006, é que os 1° s Réus, entregaram aos AA., alguns documentos necessários para promover a escritura pública, designadamente a certidão de teor da Conservatória do Registo Predial junta a fls. 43 e segs.

23. Que o ato (negócio) referido infra em 27. serviu, por parte dos Réus CC e DD, para enganar e prejudicar os AA., e visava, por parte dos 1º s e 2º s RR., realizar algum dinheiro por parte dos mesmos, tendo estes pago aos primeiros, do preço declarado, apenas 27000 euros.

24. O valor da moradia é de cerca de 86.252,50 euros.

25. A pedido e solicitação dos Réus EE e mulher FF, o Banco GG SA, concedeu-lhes dois mútuos garantidos por Hipoteca, a saber:

- Por escritura lavrada em 30.10.2006, no Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi concedido aos supra indicados RR, um mútuo no montante de 75.000,00 € (setenta e cinco mil euros), pelo prazo de quarenta e cinco anos e dez meses;

- Por escritura lavrada, também em 30.10.2006, no Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, foi concedido um mútuo no montante de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros), pelo prazo de quarenta e cinco anos e dez meses (escritos de fls. 75 e segs. que aqui se dão por reproduzidos).

26. Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes dos supra referidos mútuos, foram constituídas duas hipotecas voluntárias a favor do ora Réu Banco GG, SA sobre a fração "D" correspondente a uma habitação Moradia n.º 4, composta por cave, rés-do-chão e andar, uma garagem e logradouro, descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º …, inscrita na matriz no art.º …, cujo registo se encontra averbado pelas Ap. 53 de 2006/10/02 e Ap. 54 de 2006/10/02.10

27. Por escritura de compra e venda, com mútuo e hipoteca, lavrada a fls. 80, do Livro 59-A, do Cartório Notarial do Licenciado JJ, sito na cidade e concelho de Vila Nova de Famalicão, em 30 de Outubro de 2006, os 2° s Réus declararam comprar aos 1° s Réus, pelo preço de 75.000 euros, que estes declararam já ter recebido, a fração autónoma designada pela letra "D", correspondente à moradia número quatro, com entrada pela Rua da Estrela, n.º 34, destinada à habitação, de cave, rés-do-chão e andar, uma garagem e logradouro, do prédio urbano sito na dita Rua da …, freguesia de Gondifelos (cf. escrito de fls. 75 e segs. que aqui se considerar reproduzido).

28. Para a concessão dos supra identificados mútuos, e como preliminar dessa mesma concessão foi efetuada uma avaliação ao imóvel, datada de 12.09.2006.

29. Avaliação esta, cujo respetivo custo foi debitado e pago pelos 2° s RR…

30. Os Réus EE, DD e Banco GG, S.A., ignoravam o negócio referido em 2.1.4. supra.



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Em 29.10.1998, os autores adquiriram a HH e mulher II o prédio urbano, constituído por parcela de terreno destinada à construção urbana, com a área de oitocentos e dez metros quadrados, sita no Lugar de …, freguesia de Gondifelos, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n. … e omissa à matriz.

Em 25.05.1999, os autores e 1.º s Réus celebraram o contrato-promessa de permuta documentado a fls. 25 e segs., através do qual os autores e os 1.º s réus prometeram permutar este prédio por uma fração, que seria um apartamento ou moradia tipo T3, com garagem, a construir pelos 1.º s réus nesse mesmo prédio.

Os autores, proprietários do prédio, prometeram, deste modo, trocar e autorizaram informalmente que os 1.º s réus construíssem um edifício sujeito a propriedade horizontal, em troca recebendo os autores dos 1.° s Réus uma das frações.  

Com vista a obter financiamento bancário destinado à construção deste projetado edifício, e para efeitos meramente formais, os autores transferiram para os 1.º s réus a propriedade do imóvel anteriormente adquirido (cfr. fls. 28 e segs.); apesar da declaração de quitação constante dessa escritura a verdade é que não ocorreu o pagamento do preço.

O valor da moradia é de cerca de € 86.252,50.


Não obstante o Alvará de Licença de Utilização só ter sido emitido em 25 de Setembro de 2002, o certo é que os 1° s réus, em data indeterminada anterior a essa (cerca de 2001/2002), entregaram as chaves da casa (fração D) aos autores, que dela vêm cuidando.

Apesar das tentativas encetadas pelos autores, os 1° s réus protelaram a concretização da celebração da escritura referente ao contrato prometido; e, por escritura de compra e venda, com mútuo e hipoteca, de 30 de Outubro de 2006, os 2.º s réus adquiriram aos 1.º s réus aquela fração autónoma designada pela letra "D".

Neste contexto negocial, o “Banco GG, SA” concedeu aos 2.º s réus dois mútuos, no montante global de € 100.000,00 (75.000,00 + 25.000,00); e, para garantia do cumprimento das obrigações emergentes dos supra referidos mútuos, foram constituídas duas hipotecas voluntárias sobre a fração "D", a favor do réu “Banco GG, SA”.


As instâncias declararam nulos os negócios (o referente ao contrato de compra e venda outorgado entre os réus CC, DD, EE e FF (quanto ao alegado preço de 75000 euros e seu pagamento/quitação 23); o alusivo ao contrato de compra e venda, outorgado entre os autores e os réus CC e DD, por simulação) e decretaram resolvido o contrato promessa de permuta celebrado entre os autores e os 1.º s Réus, por impossibilidade de cumprimento imputável a nestes últimos.


Estão as partes (recorrentes e recorridos) concordantes com esta expressada jurisdicional resolução.

Os recorrentes/autores pretendem, todavia que, tendo sido decretada a resolução do contrato-promessa de permuta celebrado entre autores e 1.º s réus por impossibilidade de cumprimento imputável a estes últimos, por via disso e com fundamento na indemnização com base no interesse contratual positivo, lhes seja reconhecido o direito de serem ressarcidos pela quantia de 86.252,50 (o valor da fracção prometida atribuir aos autores/recorrentes, integrada na edificação que os 1.º s réus incorporaram no terreno).

Sendo impossível devolver em espécie o terreno aos autores, deverão estes ser compensados pelo valor pecuniário da fração que lhes deveria ser atribuída, concluem os recorrentes.



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I. A resolução operada num contrato bilateral tem o seu fundamento, essencialmente, no inadimplemento da obrigação da outra parte contratante - a resolução surge motivada por factores supervenientes e exteriores ao próprio «corpo» negocial, que geram situações violadoras da disciplina contratual originária  (José Carlos Brandão Proença; A Resolução do Contrato no Direito Civil; pág. 64) - e o seu regime legal há-de ter em consideração a situação que assim foi criada, ou seja, a desvinculação do contrato tornada efectiva por uma das partes e a necessidade recuperatória do que já foi prestado no âmbito desse mesmo negócio jurídico.


Neste contexto, a questão que ora nos surge é a de saber se, paralelamente à obrigação de indemnização entendida em termos gerais (artigos 801.º, 802.º e 808.º e 810.º, do C. Civil), o acto que consubstancia a resolução do contrato é ainda passível, só por si, de gerar responsabilidade civil indemnizatória pelo interesse positivo, ou seja, cobrindo os danos (danos emergentes e lucros cessantes) que o credor não teria tido se a obrigação tivesse sido devidamente cumprida; a indemnização pelo interesse positivo coloca o credor na posição em que ele estaria se a obrigação tivesse sido devidamente acatada.

A polémica sobre a cumulação destas indemnizações, já existente no Código Civil de 1886 - em sentido positivo Guilherme Moreira e Vaz Serra (BMJ; 46.º; pág. 31) e em sentido negativo Dias Ferreira (C. Civil Anot.; II, 1895, pág. 24) -  mantém-se ainda hoje com denotada acuidade, embora a jurisprudência (v.g. Ac. do STJ de 24-01-2012; www.dgsi.pt) e a doutrina dominantes (A.Varela (Obrigações, II Vol., pág. 105/107; Mota Pinto; Obrigações, pág. 294 e Pessoa Jorge; Ensaio, pág. 380),  com o fundamento em que há incompatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela resolução, basear-se nele para obter uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento, se inclinem para a defesa da indemnização do chamado “interesse contratual negativo ou de confiança”, quer o credor tenha ou não efectuado a sua contraprestação,


Este entendimento apoia-se não só na tese da incompatibilidade lógica entre a retroatividade do meio resolutivo e o pedido de uma indemnização (pelos danos positivos) que pressuporia a subsistência ou a manutenção do contrato, mas também no regime indemnizatório (no quadro do "interesse negativo") previsto nos artigos 898.º e 908.º do C.Civil para a anulação da venda de bens alheios e bens onerados (ou defeituosos, por remissão do art.º 913.º), em caso de dolo de um dos contraentes ou do vendedor - José Carlos Brandão Proença; ob. cit. pág. 187): a indemnização terá em conta apenas o interesse contratual negativo, ou seja, cobrirá os danos (danos emergentes e lucros cessantes) que o credor não teria tido se o contrato nunca tivesse sido negociado nem celebrado e não abrangerá, porque coloca o credor na posição em que ele estaria se a obrigação tivesse sido pontualmente realizada, os danos (danos emergentes e lucros cessantes) que o credor não teria tido se a obrigação tivesse sido devidamente cumprida, ou seja, a indemnização pelo interesse positivo e que redundaria em que o credor alcançasse o mesmo propósito correlativo ao exacto cumprimento do cessado pacto.


II. Este princípio atrás exposto - a incompatibilidade de cumulação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo (ressarcibilidade dos danos emergentes e lucros cessantes que o credor não teria tido se o contrato nunca tivesse sido negociado nem celebrado) e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo (a indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes que o credor não teria tido se a obrigação tivesse sido devidamente cumprida, em resultado da resolução do contrato) - não pode ser arquitetado em termos absolutos, podendo nós encontrar pormenorizados casos da nossa coeva vivência que são suscetíveis de implicar uma diferenciada tomada de posição sobre esta temática, isto é em que, inventariando os princípios da boa-fé a assinalar em detalhado caso concreto, o julgador seja forçado a admitir aquela liminar antipatia indemnizatória.

   

Discorramos no que afirma o Ac. deste STJ de 12-02-2009, citado no Ac. STJ de 12.03.2013 (www.dgsi.pt):

Há, pois, que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem, a nosso ver, uma palavra a dizer o princípio de boa fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, 659 e os Ac.s deste Tribunal de 30.10.1997 (BMJ 470, 565) e de 25.1.2007 (este no referido sítio da Internet) e para estas figuras remete o artigo 433.º do referido código.

Prezemos também o que, a este propósito, difunde aquele aresto deste STJ de 12.03.2013 (www.dgsi.pt): …não podendo deixar de entender-se que, em caso de cumulação da indemnização com a resolução, os danos a ressarcir encontram, naturalmente, o seu campo privilegiado de incidência no denominado interesse contratual negativo, também não poderá deixar de reconhecer-se que o efectivo prejuízo causado pelo incumprimento definitivo deve ser reparado, posto que o postule a tutela dos interesses de reintegração em jogo no caso, à luz da ponderação do princípio da boa fé e na medida do adequado à função e ao equilíbrio nos efeitos da liquidação resolutiva das prestações contratuais.


Assentimos, naturalmente, na bondade destes discernimentos; e, neste contexto, incluímo-nos no lema de quem, renegando a conceção assente na firmeza da abrangência universal, sempre e impreterivelmente, da indemnização pelo interesse contratual negativo, se haverá de propender para a indemnização pelo interesse contratual positivo quando, após avaliarmos que os princípios da boa fé aconselham esta opção, oportuna e cuidadosamente ajuizarmos que pormenorizado circunstancialismo jurídico-factual aponta para este último posicionamento jurisdicional.

    

Porém, a indemnização rogada pelos autores, correspondente ao valor da fracção prometida adjudicar aos recorrentes/autores (€ 86.252,50), não tem a justificá-la os princípios que regem a indemnização advinda da resolução do contrato firmado entre os demandantes e 1.º s demandados, porquanto a situação criada aos recorrentes pela resolução do contrato não se contém nesta denotada racional perspectiva.

Não está comprovado na ação que a pedida indemnização de € 86.252,50, que corporiza a invocada indemnização pelo interesse contratual positivo, tenha a aprová-la as regras da lealdade, justeza e honestidade comportamental, exigíveis para nos movermos no enquadramento desta doutrinal conceção.

 

Recordemos que foram os autores quem, também no seu interesse e com vista a que pudesse ser concretizado o negócio que desejavam aprontar, participaram na materialização da nulidade do negócio simulado; e que, se assim fosse, se aproveitariam de uma dupla vantagem, proibida pelos ditames da equidade: - beneficiariam da propriedade do terreno projetado ceder em troca da fração e, concomitantemente, ficariam favorecidos com o valor da fração que só lhes seria atribuída em resultado da validade da permuta acordada.


Saberão os recorrentes usar dos meios técnico-jurídicos que lhes permitam alcançar a legítima tutela do real prejuízo que a incorporação da edificação no seu terreno lhes inflige.


Concluindo:

1. Havendo resolução do contrato, a jurisprudência e a doutrina dominantes inclinam-se para a defesa da indemnização do chamado “dano de confiança” (quer o credor tenha ou não efectuado a sua contraprestação), por haver incompatibilidade de cumulação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.

2. Este princípio atrás exposto - a incompatibilidade de cumulação entre a indemnização pelo interesse contratual negativo - não pode ser arquitetado em termos absolutos, podendo o julgador, inventariando os princípios da boa-fé a assinalado caso concreto, ser forçado a admitir aquela liminar antipatia indemnizatória.

3. A indemnização rogada pelos autores, correspondente ao valor da fracção prometida adjudicar aos recorrentes/autores - 86.252,50 - não tem a justificá-la os princípios que regem a indemnização advinda da resolução do contrato firmado entre os demandantes e 1.º s demandados.

    

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 04 de Junho de 2015.


António da Silva Gonçalves (Relator)

Fernanda Isabel Pereira

Pires da Rosa