Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3167/17.5T8LSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: INTERPRETAÇÃO DAS SENTENÇAS
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / EFEITO DO RECURSO.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS.
Doutrina:
- ESTEVÃO MALLET, Ensaio sobre a Interpretação das Decisões Judiciais, Editora LTr, São Paulo, 2009, p. 41, 64 e 65;
- VAZ SERRA, RLJ n.º 110, p. 42.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA A) E 676.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 1.º, N.º 2, 83.º E 87.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 457/10.1TTSTB.E1.S1;
- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 536/11.8TTPRT-A.P1.S1.
Sumário :

I - A interpretação das sentenças não se queda pelo elemento literal, importando atender ao seu elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Seção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


I. Relatório

AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra "BB, S.A.", pedindo: a anulação da avaliação de desempenho da A. efetuada em 2015, referente ao ano de 2014; a anulação da avaliação de desempenho da A. efetuada em 2016 e referente ao ano de 2015; a condenação da R. no pagamento dos beneficios e prémios decorrentes de uma avaliação em conformidade com parâmetros semelhantes aos dos seus Colegas de Departamento, em montante a apurar em liquidação de sentença, mas devendo corresponder no mínimo à aplicação ao ordenado da A. da percentagem do maior prémio atribuído no contexto do seu Departamento, em referência à prestação de trabalho dos anos de 2014 e 2015; a condenação da R. no pagamento dos aumentos salariais referentes aos anos de 2015 e 2016, com a devida atualização da retribuição da A. e no pagamento dos respectivos retroativos até à data de efetivo pagamento correspondendo, no mínimo, aos maiores aumentos percentuais que tiveram lugar no respetivo departamento, em cada um dos anos; a condenação da R. no pagamento da indemnização de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), por danos não patrimoniais na pessoa da A. e em benefício desta; a condenação da R. no pagamento dos juros, à taxa legal, contados desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.

Na petição inicial, em sede de meios de prova, a A. requereu, sob a alínea

b):

“Requer-se ainda a V. Ex.ª que a R. seja notificada para juntar aos autos:

- Nos termos do artigo 43.º da presente p.i., a síntese dos resultados de avaliação de desempenho referentes ao ano de 2014 e 2015;
- Indicação do número de trabalhadores da R. que não obtiveram prémios de desempenho em cada um dos anos indicados e respetiva justificação (decorrente de avaliação — identificando inequivocamente os que decorreram de incumprimento de objetivos / "Outros Motivos");
- Nos termos do artigo 91.º da presente P.I. as avaliações de desempenho dos restantes Colaboradores inseridos no Departamento da A., com o mesmo enquadramento funcional, bem como os respetivos parâmetros de avaliação e respetiva ponderação;
- Comprovativos dos respetivos prémios de produtividade e dos aumentos salariais dos trabalhadores atrás indicados.”
Em sede de resposta a A. completou o requerimento referente aos meios de prova nos seguintes termos:

“Requer-se, concretizando, e tal como já suscitado na PI, que a R. seja notificada para juntar aos autos:
- Nos termos do art. 43.º da presente p. i., a síntese dos resultados de avaliação de desempenho referentes ao ano de 2014 e 2015;

- Indicação do número de trabalhadores da R. que não obtiveram prémios de desempenho em cada um dos anos indicados e respectiva justificação (decorrente de avaliação – identificando inequivocamente os que decorreram de incumprimento dos objectivos/"Outros Motivos");

- Nos termos do artigo 91.º da P.I. as avaliações de desempenho dos restantes Colaboradores inseridos no Departamento da A. (2014: CC; DD; EE; 2014 e 2015: FF, GG e HH), bem como das suas chefias diretas em 2014 e 2015 (II; JJ e KK), bem como os respetivos parâmetros de avaliação e respetiva ponderação;

- Em co-relação com o ponto anterior, que sejam juntos igualmente os respetivos planeamentos dos objetivos e acões imputados a todos os colaboradores atrás indicados e chefias, com indicação da respetiva quantificação, métricas e percentagem nos períodos em causa;

- Comprovativos dos respetivos prémios de produtividade e dos aumentos salariais dos trabalhadores atrás indicados;

- Número de trabalhadores da equipa que se encontrem em situação comparável com a A. (tabela : nome, funções, anos de experiência na respetiva função, data de admissão na R.) e junção das respetivas fichas semelhantes à da A., anexada com a contestação.”
- Em 29.12.2017 foi proferido o seguinte despacho :
- “Notifique a ré para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos os documentos referidos na alínea b), segundo e terceiro ponto do requerimento probatório da autora formulado na petição inicial (repetidos no segundo e terceiro ponto do requerimento probatório da autora formulado na resposta), bem como os documentos referidos no quarto, quinto e sexto ponto do requerimento probatório da autora formulado na resposta.”

Em 15.01.2018 a R. apresentou requerimento onde refere sob o art. 6.º:

“A informação individualizada referente a prémios de produtividade e aumentos salariais dos trabalhadores acima identificados – contendo a identificação de cada trabalhador –, bem como a informação contida numa tabela com nomes, funções, anos de experiência na respectiva função, data de admissão e ainda a informação contida na ficha individual de cada um consubstancia também informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar, reportados a cada um dos trabalhadores envolvidos, designadamente: nome completo, morada, naturalidade, data de nascimento, número de contribuinte, número de bilhete de identidade/cartão de cidadão, número de beneficiário da segurança social, estado civil, número de dependentes, número de identificação bancária (NIB), taxa de retenção (IRS), valores acumulados, números de dias de ausência, motivo de justificação de faltas, situações de baixa médica e outros eventuais elementos daquela esfera privada.” A R. requereu, por conseguinte, que fosse dispensada da junção de tal documentação.

Em 01.03.2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Defiro parcialmente o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, devendo a mesma apresentar a documentação em causa expurgada dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento.
Defiro também o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, na parte respeitante à junção dos documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção.”

Em 20 de Março de 2018 a A. requereu o cumprimento pela R. do determinado quanto à junção de documentos.

Em 20.04.2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique-se a Ré para juntar aos autos, até ao início da audiência, os documentos cuja junção foi determinada, com a identificação dos trabalhadores visível e também os referentes ao período de tempo objeto dos presentes autos, por só assim ser possível apurar do alegado pelas partes. Naturalmente que o nome dos trabalhadores não porá em causa qualquer direito de privacidade dos visados...”
A R. recorreu deste despacho de 20.04.2018.
O Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso de apelação. No seu Acórdão afirma não ter havido violação do disposto no 628.º do CPC, porquanto “o despacho de 01.03.2018 não se pronunciou expressamente sobre a questão atinente ao nome dos trabalhadores e apenas efectuou uma referência genérica à segunda parte do art. 6.º do requerimento da R. de 15.01.2018”. Acresce, ainda segundo o Acórdão do Tribunal da Relação, que “o despacho recorrido não ofende o caso julgado formal e apenas vem esclarecer o anterior despacho”.
Inconformada a Ré recorreu de revista.
O referido recurso foi “interposto de harmonia com o disposto nos artigos 671.º, n.º 3 e 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, nos termos dos quais, independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado, que é o fundamento de interposição do presente recurso de revista”. Precisamente por ter sido invocada a ofensa do caso julgado, foi admitido, por despacho do Relator, o presente recurso, embora com efeito meramente devolutivo.
A Ré e ora Recorrente apresenta as seguintes Conclusões[1] no seu recurso:

1. O presente recurso é interposto de harmonia com o disposto nos artigos 671.º, n.º 3 e 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, nos termos dos quais, independentemente do valor da causa e da sucumbência é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado, que é o fundamento de interposição do presente recurso de revista.
2. Se assim não se entender, então o recurso é de revista, excecional, de harmonia com o disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC, porquanto está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
3. De facto, trata-se da questão de definir qual é o alcance do caso julgado e qual é a noção de trânsito em julgado, que deverá se adotada, no caso concreto reportado a douto despacho proferido em primeira instância, datado de 1.3.2018, notificado à Ré, por ofício de 2.3.2018 (Ref Citius 374166057) – do qual nenhuma das partes interpôs recurso e por isso transitou em julgado – e que notificou a Ré, para (no segmento que agora releva) juntar documentação cuja junção a Autora tinha requerido, mas, como consta daquele despacho, "expurgada dos dados pessoais e da esfera privada pessoal e familiar que se refere na 2.ª parte do artigo 6.º do referido requerimento." (requerimento este apresentado pela Ré, de 15.1.2018).
4. Ora, um desses dados pessoais que a Ré identificara na referida 2.ª parte do mencionado artigo 6 do seu referido requerimento de 15.1.2018 é justamente o nome dos trabalhadores.
5. Todavia, foi proferido um segundo despacho judicial (que contrariou o anterior) notificado por ofício de 23.4.2018 (Ref Citius 375814513), no qual consta o seguinte: "Notifique-se a Ré para juntar aos autos, até ao início da audiência, os documentos cuja junção já foi determinada, com a identificação dos trabalhadores visível e também os referentes ao período de tempo objecto dos presentes autos, por só assim ser possível apurar do alegado pelas partes. Naturalmente que o nome dos trabalhadores não porá em causa qualquer direito de privacidade dos visados."
6. Tal douto despacho acima transcrito foi proferido contrariando o douto despacho anterior, datado de 1.3.2018, que havia sido notificado à Ré, por ofício de 2.3.2018 (Ref Citius 374166057) e que transitou em julgado.
7. Não obstante o acima exposto, o douto Acórdão recorrido veio decidir que: “Entendemos que não foi violado o disposto no artigo 628.º do CPC pelas razões que passaremos a indicar: O despacho de 01.03.2018 não se pronunciou expressamente sobre questão atinente ao nome dos trabalhadores e apenas efectuou uma referência genérica à segunda parte do artigo 6.º do requerimento da R. de 15.012018. Aliás a primeira parte do referido artigo 6.º alude aos "nomes ". O despacho recorrido não ofende o caso julgado formal e apenas vem esclarecer o anterior despacho. Acresce ainda que a identificação dos trabalhadores a que respeitam os documentos afigura-se essencial para os fins pretendidos com a junção de tais documentos."
8. O decidido no douto Acórdão recorrido não se enquadra na noção de decisão transitada em julgado, nem a respeita, antes põe em causa o princípio da segurança e certeza jurídica e da estabilidade e manutenção das decisões judiciais já proferidas e que não tenham sido objeto de recurso.
9. A decisão preconizada pelo douto Acórdão abriria a porta a que, em qualquer momento, durante a pendência de um processo judicial, uma decisão judicial não impugnada, pudesse ser alvo de alteração, o que - como parece evidente - não poderá ser admissível no âmbito de um sistema jurídico que assenta justamente no respeito pelas decisões judiciais já transitadas em julgado e no cumprimento destas, nos exatos termos que nelas constem e que delas resultem.
10. Requer-se também que o presente recurso tenha efeito suspensivo – uma vez que a aplicação do douto Acórdão recorrido inevitavelmente tornaria inútil qualquer eventual decisão posterior que o viesse a revogar, como se requer –, e para esse efeito requer-se que seja tomada em consideração a caução que a Ré prestou (por meio de depósito autónomo, no âmbito do recurso de apelação anteriormente interposto) ou, se assim não se entender, requer-se que para o efeito seja então admitida a prestação de caução em valor que o Tribunal entender como sendo o adequado, uma vez que não existe neste momento qualquer condenação da Ré, nos presentes autos, em qualquer valor, e subida imediata, para o Supremo Tribunal de Justiça.
11. Como consta nos documentos existentes nos autos (cuja certidão se juntou no âmbito da interposição do recurso de apelação) e por isso, como resulta dos factos abaixo descritos nas conclusões 12. a 19., que remetem para as alíneas A) a H) do Ponto III. das presentes alegações, e que deverão ser inseridos na matéria de facto, a ter em consideração no presente recurso, o que se requer.
12. O douto despacho judicial de 29.12.2017 (notificado à Ré, por ofício de 4.1.2018, Ref. citius 372276305) decidiu designadamente o seguinte: Notifique a ré para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos os documentos referidos na al. b), segundo e terceiro ponto do requerimento probatório da autora formulado na petição inicial (repetidos no segundo e terceiro ponto do requerimento probatório da autora formulado na resposta), bem como os documentos referidos no quarto, quinto e sexto ponto do requerimento probatório da autora formulado na resposta”.
13. Na sequência do ordenado no referido douto despacho, a Ré apresentou o requerimento, de 15.1.2018 (Rec. citius 27894066), tendo na 2.ª parte do artigo 6.º referido os seguintes dados: " ...: nome completo, morada, naturalidade, data de nascimento, número de contribuinte, número de bilhete de identidade/cartão de cidadão, número de benificiário da segurança social, estado civil, número de dependentes, número de identificação bancária (NIB), taxa de retenção (IRS), valores acumulados, números de dias de ausências, motivo de justificação de faltas, situações de baixa médica e outros eventuais elementos daquela esfera privada."
14. Por douto despacho de 1.3.2018 (notificado à Ré, por ofício de 2.3.2018, Ref. citius 374166057) foi decidido o seguinte: "Defiro parcialmente o requerimento da ré apresentado em 15.01.2018, devendo a mesma apresentar a documentação em causa expurgada dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar que refere na 2aparte do artigo 6o do referido requerimento. "
15. Ora a 2.ª parte do requerimento da Ré, de 15.01.2018, refere expressamente os seguintes dados pessoais: “nome completo, morada, naturalidade, data de nascimento, número de contribuinte, número de bilhete de identidade/cartão de cidadão, número de beneficiário da segurança social, estado civil, número de dependentes, número de identificação bancária (NIB), taxa de retenção (IRS), valores acumulados, números de dias de ausências, motivo de justificação de faltas, situações de baixa médica e outros eventuais elementos daquela esfera privada.”
16.A Autora não interpôs recurso do douto despacho 1.3.2018 (Ref. citius 374166057) pelo que o mesmo transitou em julgado.
17. Na sequência do douto despacho judicial, de 1.3.2018, a Ré juntou aos autos diversa documentação (sem o nome dos trabalhadores, em conformidade com o que tinha sido ordenado pelo douto despacho de 1.3.2018).
18. Todavia, foi proferido o douto despacho, notificado à Ré por ofício de 23.4.2018 (Ref. citius 375814513) que decidiu ao contrário (do despacho de 1.3.2018 – Ref. citius 374166057 – já transitado em julgado), tendo decidido notificar a Ré para " ... juntar aos autos, até ao início da audiência, os documentos cuja junção já foi determinada, com a identificação dos trabalhadores visível e também os referentes ao período de tempo objeto dos presentes autos, por só assim ser possível apurar do alegado pelas partes. Naturalmente que o nome dos trabalhadores não porá em causa qualquer direito de privacidade dos visados... "
19. Assim, o douto despacho 1.3.2018 (Ref. citius 374166057) já transitado em julgado ordenou à Ré, que juntasse a documentação em causa, expurgada de vários dados entre eles o "nome", todavia, o douto despacho, notificado à Ré por ofício de 23.4.2018 (Ref. citius 375814513), decidiu - pelo contrário - ordenar à Ré, que juntasse a documentação ordenada "com a identificação dos trabalhadores" e acrescentando ainda que "Naturalmente que o nome dos trabalhadores não porá em causa qualquer direito de privacidade dos visados”.
20. O segundo despacho referido na conclusão anterior, foi proferido contrariando o douto despacho, datado de 1.3.2018, que havia sido notificado à Ré, por ofício de 2.3.2018 (Ref. citius 374166057) e que já tinha transitado em julgado.
21. Pelo que o mesmo douto despacho deveria ter sido ser revogado (tal como requerido no recurso de apelação) e dado sem efeito, por ter decidido em contrário ao decidido por douto despacho judicial anterior, que já tinha transitado em julgado e que tinha ordenado à Ré, que juntasse a documentação em causa expurgada dos dados pessoais, entre eles o nome.
22. O segundo despacho, que foi notificado à Ré por ofício de 23.4.2018 (Ref. citius 375814513), que decidiu ordenar à Ré, que juntasse a documentação ordenada "com a identificação dos trabalhadores", contraria assim de forma flagrante o primeiro despacho que já tinha transitado em julgado, e que é o despacho de 1.3.2018 (notificado à Ré, por ofício de 2.3.2018, Ref. citius 374166057) que tinha decido o seguinte: "Defiro parcialmente o requerimento da ré apresentado em 15.01.2018, devendo a mesma apresentar a documentação em causa expurgada dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar que refere na 2.ª parte do artigo 6.º do referido requerimento.”
23. Uma vez que a 2.ª parte do artigo 6.º do referido requerimento da Ré, contém a referência expressa ao unome" dos trabalhadores.
24. Basta ler o artigo 6.º do mencionado requerimento da Ré, de 15.01.2018, para verificar que está dividido em duas partes, separadas por dois pontos (":"). Não há dúvida que a expressão "nome" é um dos dados que consta da 2.ª parte daquele artigo 6.º.
25. Não obstante o acima exposto, o douto Acórdão recorrido veio decidir – mas mal – que não foi violado o caso julgado, que o despacho de 01.03.2018 não se pronunciou expressamente sobre questão atinente ao nome dos trabalhadores e apenas efectuou uma referência genérica à segunda parte do artigo 6.º do requerimento da R. de 15.012018. Aliás a primeira parte do referido artigo 6.º alude aos "nomes", bem como, decidiu que o despacho recorrido não ofende o caso julgado formal e apenas vem esclarecer o anterior despacho, e ainda que, a identificação dos trabalhadores a que respeitam os documentos afigura-se essencial para os fins pretendidos com a junção de tais documentos.
26. Violando o decidido no primeiro despacho acima referido (de 1.3.2018) que já estava abrangido por caso julgado, e que expressamente havia decidido que um dos dados a "expurgar" na documentação a entregar pela Ré, era justamente o "nome" dos trabalhadores.
27. O Acórdão recorrido deve assim ser revogado e dado sem efeito, por ter decidido que o segundo despacho (notificado à Ré por ofício de 23.4.2018 – Ref. citius 375814513) não tinha violado o caso julgado, decidindo assim o douto Acórdão recorrido em contrário ao decidido por douto despacho judicial de 1.3.2018, que já tinha transitado em julgado e que tinha ordenado à Ré, que juntasse a documentação em causa expurgada dos dados pessoais, entre eles o nome.
28. Deve assim ser revogado e dado sem efeito o douto Acórdão recorrido –  bem como o douto despacho notificado à Ré por ofício de 23.4.2018 (Ref. citius 375814513) –, que tinha mandado juntar a documentação, com o nome dos trabalhadores, devendo manter-se o primeiro despacho (justamente o despacho de 1.3.2018), no sentido de que tinha ordenado à Ré, que juntasse a documentação em causa expurgada dos dados pessoais, entre eles o nome.
29. Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão de fls...., ora recorrido,
designadamente, o disposto nos artigos 417.º, n.º 3, alíneas b) e c) e artigo 628.º do CPC, violando o caso julgado.

E a Recorrente pedia, assim, que fosse julgado procedente o seu recurso.

A Autora contra-alegou, defendendo que o recurso não deveria ser admitido por não existir violação de caso julgado formal, mas sendo-o sempre deveria ser julgado improcedente.

O Ministério Público emitiu Parecer no sentido de não existir qualquer violação do caso julgado formal, devendo, por conseguinte, ser negada a revista.


II. Fundamentação

De Facto

Os factos com interesse para apreciação do presente recurso são os acima relatados.

De Direito

O presente recurso foi admitido por ter sido invocada uma pretensa violação de caso julgado (artigo 629.º n.º 2 alínea a do CPC), tendo-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo em conformidade com o disposto artigo 676.º do CPC aplicável subsidiariamente ao processo de trabalho (artigo 1.º n.º 2 e artigo 87.º do CPT), porquanto o Código de Processo do Trabalho apenas fixa o efeito do recurso de apelação e apenas para esse é previsto o efeito suspensivo mediante prestação de caução (artigo 83.º do CPT).

 Para decidir se a invocada violação efetivamente ocorreu torna-se necessário interpretar o despacho proferido a 01/03/2018, de modo a determinar o seu sentido, uma vez que só após esta tarefa hermenêutica será possível aquilatar se há genuína contradição entre aquele despacho e o proferido a 20/04/2018.

O despacho proferido a 01/03/2018 tem o seguinte teor:
“Defiro parcialmente o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, devendo a mesma apresentar a documentação em causa expurgada dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento.
Defiro também o requerimento da Ré apresentado em 15.01.2018, na parte respeitante à junção dos documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção.”

Importa ter presente que este despacho surgiu em resposta a um requerimento da Ré cujo artigo 6.º tinha a seguinte formulação:

“A informação individualizada referente a prémios de produtividade e aumentos salariais dos trabalhadores acima identificados – contendo a identificação de cada trabalhador –, bem como a informação contida numa tabela com os nomes, funções, anos de experiência na respetiva função, data de admissão, e ainda a informação contida na ficha individual de cada um, consubstancia também, informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar, reportados a cada um dos trabalhadores envolvidos, designadamente: nome completo, morada, naturalidade, data de nascimento, número de contribuinte, número de bilhete de identidade/cartão de cidadão, número de benificiário da segurança social, estado civil, número de dependentes, número de identificação bancária (NIB), taxa de retenção (IRS), valores acumulados, números de dias de ausências, motivo de justificação de faltas, situações de baixa médica e outros eventuais elementos daquela esfera privada.”

Há, antes de mais, que atender na interpretação do referido despacho à sua letra – a qual constitui sempre o ponto de partida da interpretação[2] – mas também à letra do requerimento a que deu resposta. Sem esquecer, no entanto, que “embora o objeto da interpretação seja a própria decisão judicial, é de referir que nessa tarefa hermenêutica haverá que considerar todas as circunstâncias que possam funcionar como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar”, como destacou o Acórdão deste Tribunal de 14 de fevereiro de 2013, proferido no processo 457/10.1TTSTB.E1.S1 (Pinto Hespanhol), por remissão para VAZ SERRA[3].

Ora, o primeiro aspeto a sublinhar é que naquele requerimento, mais precisamente no referido artigo 6.º a Ré, depois de afirmar que há “informação que, no seu conjunto, contém dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar” dos trabalhadores envolvidos, exemplifica (“designadamente”) essa mesma informação.

E nessa exemplificação não refere o nome – como afirma nas suas Conclusões 23 e 24 – mas “o nome completo”. Assim, mesmo que o despacho pudesse ser interpretado no sentido de ordenar a expurgação do nome dos trabalhadores, o que estaria em causa seria o nome completo, sendo certo que a identificação para este efeito de um trabalhador é frequentemente possível sem a indicação do seu nome completo, tanto mais que muitos cidadãos portugueses têm mais do que um nome próprio e mais do que um apelido de família. Em suma, o despacho não teria ordenado que os trabalhadores não fossem identificados, mas sim que não fosse facultado o seu nome completo.

Mas a interpretação, partindo embora da letra, não se queda, amiúde, pelo elemento literal. Importa atender ao elemento sistemático, bem como ao elemento teleológico e funcional. O despacho em causa deferiu parcialmente o requerimento da Ré e na tese sustentada por esta não se vê em que é que o deferimento seria parcial, redundando antes em um deferimento total.

Com efeito, o despacho ao mandar expurgar a informação “dos dados pessoais e da esfera privada, pessoal e familiar a que se refere na 2.ª parte do art. 6.º do referido requerimento” fê-lo relativamente àqueles que não são necessários para a aferição da eventual violação do princípio da igualdade de tratamento. Tal princípio supõe inelutavelmente uma comparação. E tal comparação tem que ser feita atendendo às funções concretamente desempenhadas pelos trabalhadores, devendo ser também em concreto que se aprecia as eventuais justificações aduzidas por um empregador para pagar diferentemente a trabalhadores com a mesma quantidade e qualidade de trabalho. Como muito bem se destaca no Acórdão recorrido “a identificação dos trabalhadores a que respeitam os documentos afigura-se essencial para os fins pretendidos com a junção de tais documentos”.

Esta interpretação do despacho como mandando expugar o que não é necessário para a decisão dos autos é, aliás, corroborada pela 2.ª parte do referido despacho em que se defere o requerimento relativamente a “documentos da avaliação de desempenho relativa aos 3 trabalhadores que são chefias, uma vez que não constituem base comparável para os efeitos pretendidos pela autora, pelo que não há necessidade da sua junção”.

É este o elemento teleológico e funcional que permite interpretar corretamente o despacho, sendo certo que uma parte da doutrina invoca também que ao interpretar uma decisão judicial se pode partir do princípio de que a mesma visou um resultado razoável e não impossível ou que conduziria ao esvaziamento de um direito[4].

O despacho proferido a 20/04/2018 em nada contrariou o despacho proferido a 01/03/2018, sendo antes a concretização ou explicitação do mesmo, pelo que não existiu violação do caso julgado.

Decisão: Negada a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 8 de maio de 2019

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

____________
[1] Mantêm-se os itálicos, negritos e sublinhados originais.
[2] Sobre a interpretação das sentenças cfr. ESTEVÃO MALLET, Ensaio sobre a Interpretação das Decisões Judiciais, Editora LTr, São Paulo, 2009. O autor sublinha que “a interpretação das decisões judiciais, como qualquer interpretação, começa pelo exame do texto a interpretar” (p. 41).
[3] RLJ n.º 110, p. 42. No mesmo sentido cfr., igualmente, Acórdão do STJ de 4 de julho de 2013 proferido no processo n.º 536/11.8TTPRT-A.P1.S1 (Pinto Hespanhol).
[4] ESTEVÃO MALLET, ob. cit., pp. 64-65, sobre o princípio da conservação e a necessidade de interpretar as decisões judiciais de modo a garantir-lhes maior eficácia.