Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
33/19.3YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: PROIBIÇÃO DE EXECUTAR O ACTO
SUSPENSÃO PREVENTIVA
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
JUIZ
VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
RECLAMAÇÃO CONTENCIOSA
NORMA DE INTERESSE E ORDEM PÚBLICA
REQUISITOS
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONUS IURIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSOS CAUTELARES / DISPOSIÇÕES PARTICULARES / PROIBIÇÃO DE EXECUTAR O ACTO ADMINISTRATIVO.
Doutrina:
- Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4. ed., p. 913;
- Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 451.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 128.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 166.º, 168.º, N.º 1 E 170.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 03-04-2003, PROCESSO N.º 733/03;
- DE 29-04-2003, PROCESSO N.º 03B1392, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-05-2003, PROCESSO N.º 03S1637, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-02-2010, PROCESSO N.º 28/10.2YFLSB, IN SASTJ, CONTENCIOSO, 1980-2011, WWW.STJ.PT;
- DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 87/13.6YFLSB;
- DE 28-04-2014, PROCESSO N.º 19/14.4YFLSB;
- DE 17-04-2018, PROCESSO N.º 44/18.4YFLSB;
- DE 18-09-2018, PROCESSO N.º 59/18.4YFLSB.
Sumário :
I - Quando está em causa uma decisão do Vice-Presidente do CSM reclama-se para o Plenário do CSM, nos termos do art.º 166.º do EMJ.

II - Das deliberações do Plenário do CSM recorre-se para o STJ, sendo que a interposição de recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, conquanto se permita, em princípio, o pedido de suspensão ao tribunal competente para o recurso, conforme prevenido nos arts. 168.º, n.º 1 e 170.º do EMJ.

III - Sendo o objecto da tutela cautelar a suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do CSM, não faz sentido, requerer-se a suspensão automática, ao abrigo do art. 128.º do CPTA, dada a sua inaplicabilidade, porquanto, estamos no âmbito de uma deliberação do Plenário do CSM de que se recorre, e não de decisão do Vice-Presidente do CSM, de que se reclama.

IV - Sendo objecto da deliberação suspendenda, cuja suspensão de eficácia se requer, a aplicação de suspensão preventiva de funções do magistrado judicial, a suspensão de eficácia não pode abranger o afastamento do exercício de funções, nos termos do n.º 5 do art. 170.º do EMJ.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório


AA, Juiz ..., nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 168.°, 169.° e 170.°, nºs. 1 e 2, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, art.º 4.°, n.º 4 alínea c) a contrario, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e artºs. 2.°, n.º 2 alínea q), 112.°, nºs. 1 e 2 alínea a), 113.° e seguintes, 114.°, n.º 4 e 131.°, n.º 1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex vi do art.º 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, veio requerer, em sede cautelar, a suspensão de eficácia de acto, com pedido de decretamento provisório da providência sem audição do Requerido, Conselho Superior da Magistratura, concretamente, da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o despacho datado de 4 de Junho de 2019 do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pelo qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 (quarenta e oito) dias, peticionando, enquanto questão prévia, se decrete provisoriamente, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a providência aqui em questão, suspendendo, de forma imediata e com os efeitos constantes do pedido a final, a eficácia do despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura datado de 4 de Junho de 2019, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 170.°, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e art.º 131.°, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi do art.º 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sem audição do Requerido.
O Requerente, AA, Juiz ..., invocou questão prévia - Do Decretamento provisório da Providência Cautelar – entretanto conhecida em decisão singular proferida em 17 de Junho de 2019, em cujo dispositivo se consignou:
“Pelo exposto, em razão dos fundamentos aduzidos, indefiro o requerido pedido de decretamento provisório da providência para suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019, pela qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, Juiz ..., junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 (quarenta e oito) dias.
Custas do presente incidente a cargo Requerente, AA, Juiz ....
Cumpra-se o disposto no n.º 3 do art.º 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Notifique”.

Em sede cautelar, da suspensão de eficácia de acto recorrido, concretamente, da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o despacho datado de 4 de Junho de 2019 do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pelo qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 (quarenta e oito) dias, o Requerente, AA, Juiz ..., articulou, com utilidade:
“73.° O Requerente exercia, até à data de 02-02-2018, funções de Juiz ... no Tribunal da Relação de Lisboa.
74.° Em 08-02-2018 foi o Requerente notificado, por mão própria, e em ato de interrogatório judicial no âmbito de processo criminal conexo, da existência de um processo de inquérito disciplinar em curso - n.º 2016-347/IN - e do despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 02-02-2018, e ratificado em 06-02-2018, da decisão de decretamento da medida cautelar de suspensão preventiva de funções por 60 (sessenta) dias, nos termos do n.º 1 do artigo 116.º do EMJ.
75.° Em momento algum foi o Arguido, aqui Requerente, notificado da cessação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, pelo que, vigorou esta pelo integral período ali determinado.
76.° Aí se fundava a determinação de tal medida, tendo por base a gravidade das infrações imputadas ao Requerente (no processo crime), a necessidade de preservação da prova na fase de inquérito, e, bem assim, o alarme social gerado com a mediaticidade atribuída ao processo crime.
77.° Por mão do referido despacho e ratificação ficou ainda o Requerente a conhecer que sobre si impendia processo de inquérito desde 2016, referente aos ilícitos pelos quais tinha sido agora suspenso preventivamente.
78.° No referido ato de 08-02-2018 foi ainda o Requerente constituído Arguido no processo crime n.º 19/16.0TGLSB, que corre os seus termos nos Serviços do Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça, mantendo-se em fase de inquérito.
79.° Em 07-11-2018 foi proferido novo despacho pelo qual se determinava a renovação da medida disciplinar de suspensão de funções, por um período de 120 (cento e vinte) dias, o qual foi ratificado em 04-12-2018.
80.° Em momento algum foi o Arguido, aqui Requerente, notificado da cessação da prorrogação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, pelo que, vigorou esta pelo integral período ali determinado.
81.° Em 07-03-2019 foi proferido novo despacho, pelo qual se determinou a renovação da suspensão preventiva do Arguido por um período de 90 (noventa) dias, o qual foi ratificado em 26-03-2019.
82.° Em momento algum foi o Arguido, aqui Requerente, notificado da cessação da prorrogação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, pelo que, vigorou esta pelo integral período ali determinado.
83.° Aliás, tal despacho de 07-03-2019, junto acima, a final, refere que “por fim, mostra-se ainda possível a suspensão preventiva em questão ” (bold e sublinhado nosso) por mais 90 (noventa) dias, significando tal expressão citada que era claro para o CSM, à data, que a prorrogação por tal período era a última processualmente admissível (“possível”), sem ultrapassar o prazo máximo previsto no artigo 116.º, n.º 3 do EMJ, a que se faz referência.
84.° Tanto mais que é no fim desse período determinado que são perfeitos os 270 (duzentos e setenta) dias - aliás referido no despacho de 07-03-2019, em que se realça a possibilidade última de prorrogação por mais 90 (noventa) dias, período que aí é fixado, sem se ultrapassar o dito prazo máximo de 270 dias.
85.° Em 04-06-2019 foi agora o Requerente notificado de despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM para renovação da suspensão preventiva por um período de 48 (quarenta e oito) dias - o qual, pese embora não tenha sido dado o conhecimento formal ao Requerente, conhece-se ter sido ratificado em sessão do Conselho Plenário de 04-06-2019.
86.°Do corpo do referido despacho lê-se o seguinte:
“Ponderando que ainda não se encontra esgotado o período máximo de suspensão, decido prorrogar o mesmo por 48 (quarenta e oito) dias.
Tudo visto, determino a prorrogação da suspensão preventiva do Juiz ... AA do exercício das suas funções, a executar de imediato, por imperativo de relevante interesse público, por mais 48 (quarenta e oito) dias.
Dê conhecimento ao Juiz ... visado, a todos os membros do Conselho Superior da Magistratura e ao Inspetor Extraordinário nomeado, do teor do presente despacho.
Comunique ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a suspensão preventiva ora prorrogada, para que, com urgência, diligencie pelas necessárias medidas”.
87.° Ao Requerente, ali Arguido, para além de não foi conferido o direito de audiência prévio à decisão de renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, a verdade é que tal despacho é contrário à própria redacção e contagem de período de tempo consignado nos despachos anteriores, em concreto do último que já não admitia qualquer possibilidade de prorrogação, sendo este despacho nulo e violador da lei, nomeadamente do artº. 116º nº 3 do EMJ. (sic).
88.º Com a prorrogação ora operada, temos um período global de suspensão preventiva de funções do Requerente, determinado pelo Conselho Superior da Magistratura, de 318 (trezentos e dezoito) dias.
89.° Não obstante o despacho agora notificado não ter qualquer fundamentação que permita alcançar ou compreender a nova prorrogação por aquele período de 48 (quarenta e oito) dias, o CSM parece estar a retirar ao período inicial de suspensão o tempo em que o Requerente esteve suspenso de funções preventivamente, ao abrigo da medida de coação no processo criminal.
90.° Sucede, porém, que, tal fundamento não pode colher, por duas ordens de razão:
91.° Em primeiro lugar, como se disse supra, em momento algum foi o Requerente notificado de qualquer despacho que determinasse a cessação ou extinção da medida cautelar de suspensão preventiva de funções, no âmbito do processo disciplinar.
92.° Ora, da mesma forma como se exige que a sua determinação seja fundamentada em despacho, e à semelhança do que ocorre com todas as medidas cautelares (vide, v.g., as medidas de coação), exigir-se-ia também a existência de um despacho que a revogasse, o que não foi feito, mantendo-se esta igualmente em vigor, para efeitos de contagem de prazo.
93.° Em segundo lugar, resulta do despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do CSM de 07-11-2018, e ratificado pelo Conselho Plenário em 04-12-2018, juntos supra, que, segundo o próprio CSM, o ato de determinação da medida de suspensão preventiva de funções vigorou, “pelo menos, até 7 de março” de 2018.
94.° Assim, o despacho em crise, ao prorrogar por mais 48 (quarenta e oito) dias a medida cautelar, sempre extravasa o período máximo de 270 (duzentos e setenta) dias, concedido pelo artigo 116.º, n.º 3 do EMJ.

III - DO DIREITO

A) DOS VÍCIOS DO DESPACHO EM CRISE
95.° A respeito da medida cautelar de suspensão preventiva, dispõe o artigo 116.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais o seguinte: “1 - O magistrado arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das funções, sob proposta do instrutor, desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de transferência e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ou ao serviço, ou ao prestígio e dignidade da função. 2 - A suspensão preventiva é executada por forma a assegurar-se o resguardo da dignidade pessoal e profissional do magistrado. 3 - A suspensão preventiva não pode exceder 180 dias, excecionalmente prorrogáveis por mais 90 dias, e não tem os efeitos consignados no artigo 104.º"
96.° Resulta, assim, de forma clara, que a suspensão preventiva terá uma duração máxima, na sua globalidade, de 270 (duzentos e setenta) dias E, mesmo em relação a essa duração, em tudo o que exceda os 180 (cento e oitenta) dias, terá a mesma que ser justificada de forma excecional.
97.° Conforme resulta da exposição que encetamos a propósito da delimitação do objeto do presente recurso, o despacho ora em crise (datado de 04-06-2019), permite uma extensão, para lá da lei, de 48 (quarenta e oito) dias, sujeitando o Requerente à medida cautelar de suspensão preventiva por 318 (trezentos e dezoito) dias.
98.° Recordando a sucessão de atos que culminam nessa determinação, temos que: em 02-02-2018 foi proferido despacho do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura determinando a suspensão preventiva das funções do Requerente, ali Arguido, por 60 (sessenta) dias (e ratificado em 06-02-2018); em 07-11-2018 foi despachada a renovação da medida disciplinar de suspensão de funções, por um período de 120 (cento e vinte) dias (alegadamente ratificado em 04-12-2018); em 07-03-2019 foi proferido novo despacho, pelo qual se determinou a renovação da suspensão preventiva do Arguido por um período de 90 (noventa) dias (e ratificado em 26-03-2019); em 04-06-2019 vem agora o Arguido ser notificado de nova renovação do período de suspensão por mais 48 (quarenta e oito) dias.
99.º De resto, não deixa de ser curioso que em todos os despachos, concretamente datados de 02-02-2018, 07-11-2018 e 07-03-2019, o Exmo. Sr. Juiz Vice-Presidente se refira concretamente ao preceito contido no artigo 116.º, n.ºs 1 e 3 do EMJ (consoante a aplicabilidade), referindo que a decisão em causa em cada um desses despachos está dentro de prazo, e já não o faça no despacho de 04-06-2019.
100.º De todo o modo, uma vez atingido o limite da suspensão preventiva de funções em 04-06-2019, o Conselho Superior da Magistratura não podia ter renovado tal medida por mais 48 (quarenta e oito) dias.
101.º A este propósito, e ainda que em termos paralelos, e com a devida interpretação atualista, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04-04-1989, processo n.º 018934, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “I – Tanto o art. 52, n. 1 do E.D. de 197910 como o art. 54, n.1 do E.D. de 1984 estabeleceram para a suspensão preventiva o limite máximo de 90 dias. II – No caso desse limite ter sido atingido com a execução de determinado despacho não pode o arguido voltar a ser preventivamente suspenso antes de concluído o respetivo processo disciplinar, ainda que se ordene a instauração de novo processo disciplinar. III - Assim, fosse ou não instaurado novo processo disciplinar antes de concluído o anterior, a suspensão preventiva do arguido não podia, globalmente, exceder 90 dias, conforme determinação do art. 52, n. 1, com referência ao art. 47, ambos do E.D. de 1979. IV - Como, depois de cumpridos os 90 dias de suspensão preventiva imposta por despacho de 3.8.82, foi ao arguido aplicada, no âmbito deste continuado procedimento disciplinar, nova suspensão preventiva pelo aqui impugnado despacho de 27.1.83, segue-se que este ato violou o art. 52, n. 1 do E.D. de 1979, devendo por isso ser anulado. V - Porque esta anulação tem por fundamento a existência de ilegalidade que impede a renovação parcial que seja, de tal ato, fica prejudicado o conhecimento do mais alegado como causa de pedir.”
102.° No mesmo sentido, e sujeito à mesma interpretação atualista, lê-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10-05-2001, processo n.º 02353/99, disponível em www.dgsi.pt: “Se, no âmbito de um inquérito disciplinar e nos termos do art. 6º do E.D., o recorrente esteve suspenso preventivamente durante mais de 4 anos, o despacho que, após a conversão de tal inquérito em processo disciplinar, determina que, por razões de ordem funcional, ele seja novamente suspenso preventivamente, agora ao abrigo do art. 54º, nº 1, do E.D., enferma de vício de violação de lei por desrespeito do prazo máximo de 90 dias previsto neste último preceito.”
103.° Resulta daqui evidente - e pese embora sujeito à devida interpretação atualista - que o Conselho Superior da Magistratura não podia ter determinado a renovação da suspensão preventiva de funções por mais 48 (quarenta e oito) dias, em 04-06-2019, porquanto o limite máximo legalmente previsto - de 270 (duzentos e setenta) dias -, nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 3 do EMJ, encontrava-se já esgotado, com a última renovação, datada de 07-03-2019.
104.º Assim sendo, o despacho datado de 04-06-2019 é, pois, ilegal, de acordo com o disposto no artigo 116.º, n.º 3 do EMJ, pelo que, em conformidade, terá o mesmo que ser revogado nesta sede por V. Exas., por violação de lei.
105.° Com efeito, Freitas do Amaral refere que “falta de base legal, isto é, prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato administrativo deste tipo” é uma das modalidades do vício de violação de lei.
106.° Vício que, segundo o mesmo Autor, consiste “na discrepância entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que são aplicadas ao caso.”.
107.° Do mesmo passo, considera também este Supremo Tribunal que a violação de lei substantiva se reconduz a um erro - de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito (v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-07-2015, processo n.º 5024/12.2TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

108.° No caso entende-se que há um inequívoco erro de direito, porquanto o CSM prorrogou a suspensão preventiva de funções do Requerente, sem qualquer base legal para o fazer, uma vez que aquela que o permitiria fazer - o artigo 116.º, n.º 3 do EMJ - se encontrava já esgotada, em virtude do decurso do tempo (contabilizadas a determinação da medida e subsequentes renovações).
109.º Admitir uma diferente leitura, seria inviabilizar, por completo, o princípio da confiança e certeza jurídica, e, bem assim o princípio da presunção da inocência – princípios estes com assento constitucional nos artigos 2.º e 32.º, n.º 2 da Constituição, respetivamente.
110.º A respeito dos primeiros dois princípios (intimamente relacionados), lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13-11-2007, processo n.º 0164A/04, disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “I – O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos. II – Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2º da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte. III – Os citados princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.”
111.º Vale isto por dizer que a norma contida no artigo 116.º, n.º 3 do EMJ cria, obviamente, uma expectativa legítima e juridicamente fundada de que, a ser suspenso preventivamente, o magistrado, Arguido no processo disciplinar, apenas o ficará por um período de 180 (cento e oitenta) dias, prorrogável, de forma excecional, por 90 (noventa) dias, perfazendo um período máximo de 270 (duzentos e setenta dias).
112.º Essa confiança – legitimada pela própria norma estatutária – vê-se agora frustrada, quando, indistintamente, e sem qualquer justificação ou assento legal, o Conselho Superior da Magistratura, vem prorrogar a suspensão preventiva de funções do Requerente por 48 (quarenta e oito) dias.
113.° Por outro lado, entende-se que a extensão ilegal ora operada pelo Conselho Superior da Magistratura contende, de forma inegável, com o princípio da presunção da inocência do Arguido, contido no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição.
114.° E entende-se até que essa violação ocorre, nos presentes autos, a dois tempos. Em primeiro lugar, porquanto há uma extensão ilegítima e ilegal do juízo de culpa que impende sobre o Requerente, ao permitir-se, contrariamente ao que a lei determina no artigo 116.º, n.º 3 do EMJ, que o Requerente sustenha a prática das suas funções; em segundo lugar, porque, nos presentes autos, se entende que o Conselho Superior da Magistratura está, na verdade, a antecipar uma pena a título de medida cautelar, ao admitir que o Requerente fique, de forma ilegal (reitere-se), a aguardar o desfecho do presente processo, suspenso das suas funções, e sem poder confiar no disposto nos normativos legais (os quais têm sido, por diversas vezes, atropelados de forma ilegal e inconstitucional).
115.° A respeito do que aqui se discutem, e perscrutando ambas as vertentes supra referidas, escreveram Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao preceito contido no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição o seguinte: «Não é fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência do arguido (n. ° 2). (...) Como conteúdo adequado do princípio apontar-se-á: (...) (e) proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cfr. AcTC n° 198/90). (...) Uma dimensão importante do princípio da inocência do arguido, mas que assume valor autónomo, é a obrigatoriedade de julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa (nº 2, in fine). A demora do processo penal, além de prolongar o estado de suspeição e as medidas de coação sobre o arguido (nomeadamente a prisão preventiva), acabará por esvaziar de sentido e retirar conteúdo útil ao princípio da presunção de inocência. O direito ao processo célere é, pois, um corolário daquela. Esta garantia tem a ver não só com os prazos legais para a prática dos atos processuais mas também com a sua observância pelo próprio tribunal».
116.° Para o que ora nos ocupa, interessa compreender que esta é, desde logo, a preocupação subjacente ao sistema de reexame, revogação, substituição e extinção das medidas de coação. E esse “sistema” (como aqui o denominámos) é tanto mais relevante quanto a dinâmica do processo penal que subjaz ao processo disciplinar aqui em causa.
117.° Isto porque, conforme, de resto, resulta expresso no próprio processo disciplinar, este sobrevive enquanto extensão do processo crime n.º 19/16.0TGLSB, que corre os seus termos nos Serviços do Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça, encontrando-se em fase de inquérito. Nos autos do referido processo crime havia sido determinada a medida de coação de suspensão do exercício de funções, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 199.º, n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal.
118.° Essa medida foi, todavia, extinta pelo decurso do tempo, nos termos do disposto no artigo 218.º, n.º 1 do Código de Processo Penal - tendo tal extinção sido decretada pelo Mmo. Juiz Conselheiro em exercício de funções de Juiz de Instrução Criminal.
119.° E essa extinção ocorre, necessariamente, porque se considera, em processo penal, que o juízo de culpabilidade que impende sobre o Requerente, fruto da sua constituição como tal, não pode ficar dependente da morosidade da investigação. Apenas assim se permite honrar o princípio constitucional da presunção de inocência.
120.° Ora, essa ponderação fará mais sentido ainda num processo em cujas garantias são inferiores e, bem assim, as exigências legais e constitucionais, sobretudo quando falamos de uma medida que, fruto da posição ocupada pelo Requerente, e do mediatismo que, em determinada altura, o caso sofreu, é amplamente conhecida.
121.° Por outro lado, entende-se que, no caso, foi preterido o direito de defesa do Requerente, isto porque o mesmo, apenas em 04-06-2019 foi notificado do despacho em crise, já com a situação consolidada, ou seja, já apenas o notificando de que havia sido renovada a aplicação daquela medida preventiva, sem lhe ser conferido um qualquer prazo para exercício da sua defesa.
122.° Dispõe o artigo 32.º, n.º 10 da Constituição, o seguinte: “Nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.”.
123.° Do mesmo passo lê-se no n.º 3 do artigo 269.º da Constituição: “Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.”.
124.°A propósito da conjugação das referidas normas, lê-se no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Tribunal Constitucional n.º 345/2015, de 23 de junho, disponível em www.tribunalconstitucional.pt o seguinte: “(…) este tribunal já se pronunciou sobre o âmbito da garantia consagrada naquele n.º 10 do artigo 32. º da CRP. No Acórdão n. º 33/2002 afirmou-se que: ‘(…) a norma que se surpreende no nº 10 do artigo 32º da Constituição (que, a partir da Revisão Constitucional decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de setembro, passou a assegurar os direitos de audiência e defesa em todos os processos sancionatórios, e não apenas nos processos de contraordenação), nada veio a acrescentar ao que já se prescrevia na versão da Lei Fundamental anterior àquela Revisão relativamente aos procedimento disciplinar efetuado no âmbito da Administração Pública. De facto, no nº 3 do artigo 269 º estabelece-se, como já se estabelecia, que em processo disciplinar são garantidas ao arguido as suas audiência e defesa. E daí que se conclua que a inclusão, levada a efeito no falado nº 10 do artigo 32º, do asseguramento dos direitos de audiência e defesa nos processos sancionatórios não tem o significado de fazer atrair o regime destes processos em geral, e do processo disciplinar em especial, para o regime do processo criminal.’ E, no Acórdão n.º 135/2009, afirma-se, a propósito da referida norma, que: “(…) a introdução dessa norma constitucional (efetuada, pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contraordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios) o que se pretendeu foi assegurar, nesses tipos de processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, direitos estes que, na versão originária da Constituição, apenas estavam expressamente assegurados aos arguidos em processos disciplinares no âmbito da função pública (artigo 270.º, n.º 3, correspondente ao atual artigo 269. º, n. º 3). Tal norma implica tão-só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cf Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, ‘nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios’, de ‘todas as garantias do processo criminal’ (artigo 32.º-B do Projeto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cf. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República, II Série-RC, n.º 20, de 12 de setembro de 1996, pp. 541-544, e I Série, n.º 95, de 17 de julho de 1997, pp. 3412 e 3466). Mas, como se reconheceu nesse Acórdão n. º 659/2006, é óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos sancionatórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio (…)”.
125.° Assim, entende-se que resulta evidente do corpo normativo supra e daquilo que têm sido a jurisprudência e doutrina fixadas nesta matéria que a suspensão preventiva de funções não podia ter sido decretada sem audição do Arguido, porquanto tal preterição viola as mais elementares garantias de defesa do aqui Recorrente, nos termos dispostos nos artigos 32.º, n.ºs 1, 2 e 10 e 268.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 269.º, n.º 3 da Constituição Portuguesa.
126.° Nesse mesmo sentido, também Paulo Veiga e Moura, que refere: «(…) a aplicação de qualquer medida cautelar que lese direitos ou interesses legalmente protegidos do trabalhador, incluindo a suspensão preventiva, só será constitucionalmente lícita se for precedida da audição do arguido, ao qual terá que ser dada a possibilidade de, antes de lhe ser aplicada uma dada medida cautelar, se poder pronunciar sobre a mesma e demostrar a injustiça ou desnecessidade de ser objeto de tal medida. Neste mesmo sentido, veja-se que quando em causa está uma conduta com desvalor acrescido e um processo dotado de maiores poderes de investigação - como sucede quando a infração disciplinar assume igualmente uma natureza criminal - a aplicação cautelar de suspensão de funções tem de ser precedida da audição do arguido (v. alínea b) do n.º 1 do art. 61.º e art. 194.º do CPP), seguramente que num processo dotado de menores meios de investigação - como sucede com o procedimento disciplinar - nada justificaria que a aplicação de semelhante medida cautelar já pudesse estar dispensada da prévia audição do trabalhador que por ela vê ser afetado um seu direito fundamental. Por fim, sabendo-se que as restrições aos direitos, liberdades e garantias têm de se revelar proporcionais (v. art. 18.º da Constituição) e que a suspensão preventiva de funções implica uma restrição ao direito fundamental ao trabalho, impedindo o trabalhador de o exercer temporariamente, também nos parece que só com a prévia audiência do arguido é que se poderá concluir pela necessidade, adequabilidade e proporcionalidade de qualquer medida impeditiva do exercício daquele direito fundamental. Entendemos, como tal, que o despacho que determine a suspensão preventiva do arguido tem de ser precedido da audiência do arguido, sob pena de se estar perante um ato nulo por violação do direito de audiência consagrado no n.º 3 do art. 269. º da Constituição e no n.º 1 do art. 37.º do presente estatuto [anterior Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública]».
127.° No mesmo sentido, ainda que em termos de lugar paralelo, mas com a devida interpretação comparativa, lê-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 01-07-2016, processo n.º 00374/12.0BEVIS, disponível em www.dgsi.pt: “No processo disciplinar o direito de participação assume, quanto ao arguido, a modalidade qualificada de direito de audiência e defesa, consagrado no n.º 3 do artigo 269.º da Constituição, que dispõe que ‘em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa’. (...) Consagrado que está o direito de audição para efeitos de poder ser decretada suspensão preventiva, não menos se justifica aos casos de renovação”.
128.° Daqui resulta, de forma evidente, que o despacho datado de 04-06-2019, pelo qual se renova a medida cautelar de suspensão preventiva de funções, não podia ter sido decidido, sem a prévia audiência do Requerente.

129.° Pelo que resulta evidente a nulidade do despacho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 124.° do EMJ, e artigos 32.°, n.°s 1, 2 e 10 e 268.°, n.°s 1, 3 e 4, e 269.°, n.° 3 da Constituição Portuguesa, por falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa e, em consequência, por não ter o CSM diligenciado - mormente por não ter permitido aquela defesa - pela integral descoberta da verdade.
130.° Por outro lado, não se pode deixar ainda de se chamar à colação uma outra situação, para que não se venha tornar defensável de algum modo a preterição do direito de defesa pela urgência do procedimento (a qual, de todo o modo, teria sempre que ser devidamente fundamentada, o que não aconteceu).
131.° Compulsado o teor do despacho ora impugnado, lemos:
“Ponderando que ainda não se encontra esgotado o período máximo de suspensão, decido prorrogar o mesmo por 48 (quarenta e oito) dias.
Tudo visto, determino a prorrogação da suspensão preventiva do Juiz ... AA do exercício das suas funções, a executar de imediato, por imperativo de relevante interesse público, por mais 48 (quarenta e oito) dias.
Dê conhecimento ao Juiz ... visado, a todos os membros do Conselho Superior da Magistratura e ao Inspetor Extraordinário nomeado, do teor do presente despacho.
Comunique ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a suspensão preventiva ora prorrogada, para que, com urgência, diligencie pelas necessárias medidas.”
132.° Nos termos do disposto no artigo 116.º, n.º 1 do EMJ: “O magistrado arguido em processo disciplinar pode ser preventivamente suspenso das funções, sob proposta do instrutor, desde que haja fortes indícios de que à infração caberá, pelo menos, a pena de transferência e a continuação na efetividade de serviço seja prejudicial à instrução do processo, ou ao serviço, ou ao prestígio e dignidade da função.”
133.° No mesmo sentido dispõe o artigo 211.º, n.º 1 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP): “O trabalhador pode, sob proposta da entidade que tenha instaurado o procedimento disciplinar ou do instrutor, e mediante despacho do dirigente máximo do órgão ou serviço, ser preventivamente suspenso do exercício das suas funções, sem perda da remuneração base, até decisão do procedimento, mas por prazo não superior a 90 dias, sempre que a sua presença se revele inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade.”
134.° Ambos os dispositivos obrigam à existência de um determinado número de pressupostos que haja que estar verificado, por forma a fundamentar o despacho que determine a suspensão preventiva de funções.
135.° Por outro lado, e estando em causa uma decisão, a mesma terá que ser devidamente fundamentada, sob pena de nulidade.
136.° Ora, o presente despacho (cujo teor integral se encontra transcrito supra) é absolutamente infundado. Ao contrário dos anteriores despachos (que, na ótica do Requerente, já se achavam insuficientemente fundamentados), este não tem qualquer fundamentação: nada!
137.° Salvo o devido respeito, entende-se que o referido despacho advém já da “confiança” que o Conselho Superior da Magistratura deposita na renovação de decisões ilegais de que o presente procedimento disciplinar se encontra minado.
138.° Entende-se que é gritante e gravíssimo o perpetuar destas condutas por parte do Conselho Superior da Magistratura, sobretudo quando, como o próprio referiu em tempos, aquilo que se pretende salvaguardar é a dignidade e prestígio da magistratura judicial. Salvo o devido respeito, esses valores perdem-se no meio deste tipo de atos.
139.° A fundamentação de quaisquer atos administrativos ou decisórios impõe que se permita ao visado conhecer do iter lógico percorrido pelo decisor entre os pressupostos e a decisão em si.
140.° Neste mesmo sentido, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-01-2011, processo n.º 01214/09, disponível em www.dgsi.pt: “A fundamentação dos atos administrativos é um conceito relativo, que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, sendo suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente.
141.° De resto, é também essa a posição do Supremo Tribunal de Justiça, manifestada em Acórdão de 22-01-2019, processo n.º 77/18.2TFLSB, disponível em www.dgsi.pt: “O ato administrativo, que afete direitos ou interesses legalmente protegidos, deve compreender a exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão acessível, percecionável por qualquer pessoa sem os conhecimentos do agente da Administração e de modo a poder convencer da lisura e legalidade do resultado dessa sua atividade a generalidade dos cidadãos e não apenas o respetivo destinatário.”
142.° No caso vertente, esse caminho é absolutamente vedado ao Requerente, uma vez que não é elencado um qualquer facto ou motivo justificativo para decretar a renovação da medida de suspensão preventiva, sendo que o despacho in casu é, na verdade, uma mera constatação dessa renovação.
143.° A ausência (absoluta) de fundamentação obsta à perceção (toda e qualquer perceção) do iter lógico do decisor e, por esse mesmo motivo, transforma o ato recorrido num ato inútil e nulo.
144.° Conforme refere Rui Correia de Sousa: «Esta decisão [de aplicação da medida de suspensão preventiva] justifica-se principalmente quando exista risco concreto de o arguido destruir provas necessárias à investigação, dificultar a busca da verdade material dos factos, ou quando a sua presença seja suscetível de ser inconveniente para o serviço ou possa perturbar o normal funcionamento do serviço em que aquele se integra.».
145.° No mesmo sentido, menciona também Veiga e Moura, em anotação ao anterior artigo 45.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (e correspondente ao atual artigo 211.º da LGTFP) o seguinte:
«A suspensão preventiva do trabalhador constitui a medida cautelar mais gravosa que pode ser imposta ao trabalhador arguido num processo disciplinar, implicando uma restrição ao seu direito fundamental ao trabalho e ao exercício efetivo de funções, o que terá levado o legislador a proceder à sua autonomização no quadro das medidas cautelares. Como medida cautelar que é, também a suspensão preventiva se há-de caraterizar pela provisoriedade, necessidade e adequação, dando-se aqui por reproduzido o que se afirmou no artigo anterior. Refira-se, aliás, que o preceito em apreço reforça claramente estas exigências comuns a todas as medidas cautelares, fixando um conjunto de pressupostos que têm de estar cumulativamente preenchidos para que possa licitamente ser suspenso preventivamente um trabalhador.
Em primeiro lugar, a suspensão preventiva só pode ser aplicada depois de ser instaurado um procedimento disciplinar ao trabalhador.
Depois, só pode tal medida cautelar ser decretada pelo dirigente máximo do serviço (…).
Em terceiro lugar, só se pode recorrer à suspensão preventiva se a infração imputada ao arguido for punível (em abstrato) com as penas de suspensão ou de demissão/despedimento, o que pressupõe que já haja fortes indícios da prática de tal infração por parte desse mesmo arguido (…). Aliás, neste mesmo sentido aponta o n.º 3 do presente artigo, ao exigir que se indique a infração que justifica a suspensão preventiva do arguido, o que claramente denota que a autoria, extensão e gravidade da infração já esteja suficientemente indiciada. Em quarto lugar, a suspensão do trabalhador só pode ser decretada se a sua manutenção em funções se revelar inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade, pelo que só se pode recorrer a esta medida cautelar quando não houver outra alternativa para acautelar interesses ponderosos do serviço ou assegurar a descoberta da verdade material. A medida tem de ser, por isso, absolutamente necessária e adequada a acautelar tais interesses ou a evitar alterações que impeçam a descoberta daquela verdade, sendo ilícita sempre que não seja proporcional aos interesses envolvidos. Significa isto que a inconveniência para o serviço que justifica a aplicação desta medida não é uma qualquer inconveniência, exigindo-se antes que a manutenção do arguido seja intolerável para o interesse público ou possa comprometer seriamente o prestígio do serviço ou a dignidade da função pública exercida.
Para além destas situações, só há inconveniente na manutenção do arguido em serviço quando um juízo de prognose permitir, com elevado grau de probabilidade, afirmar que ele se encontra em posição de poder influenciar o curso da investigação, seja alterando factos, influenciando testemunhos, suprimindo documentos, etc.
146.° Conclui, depois, o mesmo Autor, referindo: “(...) devendo constar obrigatoriamente da fundamentação do ato que ordena a suspensão não só os factos que sumariamente justificaram a instauração do procedimento disciplinar mas também as razões da necessidade da suspensão preventiva do trabalhador”.

147.° Ora, no presente caso, o despacho em crise é absolutamente omisso quanto a uns e outros, não surgindo elencado qualquer facto ou qualquer das razões apontadas pelos artigos 116.º do EMJ e 211.º da LGTFP.
148.° A jurisprudência tem entendido exatamente que em casos como o presente será de cominar a decisão como nula, não só por isso resultar expressamente da lei, mas também porque se entende que é coartado ao Requerente o direito de inteligibilidade da decisão e consequente exercício dos direitos de defesa.
149.° A este respeito refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2016, processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt inter alia, no seu sumário, o seguinte: “I -O dever de fundamentar as decisões (art. 154.º do NCPC (2013)) impõe-se por razões de ordem substancial - cabe ao juiz demonstrar que, da norma geral e abstrata, soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto - e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar”.
150.° Razão pela qual resulta evidente a nulidade do despacho em crise, por manifesta falta de fundamentação e consequente supressão dos direitos de defesa do Requerente, nos termos e para os efeitos conjugados das disposições constantes dos artigos 13.°, 94.°, 152.°, 153.° e 161.°, n.° 2 alínea d), todos do CPA, e 20.°, n.° 4 e 268.°, n.°s 1 e 3, ambos da Constituição, ou, no limite, e caso assim não se entenda (sem conceder), a anulabilidade do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.°, n.° 1 do CPA e restantes dispositivos já invocados.

B) DOS REQUISITOS DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR

151.° A situação factualmente enquadrada (quer na parte dedicada aos factos quer, bem assim, na parte introdutória de decretamento provisório) configura um argumento bastante para se lançar mão de uma providência cautelar de suspensão da eficácia de ato, nos termos conjugados do artigo 170.º do EMJ, e artigos 2.º, n.º 2 alínea q), 112.º, n.º 2 alínea a), 113.º e ss., 128.º e 131.º, todos do CPTA, ex vi do artigo 178.º do EMJ.
152.° Como se lê no próprio artigo 2.º, n.º 2 alínea q) do CPTA, ex vi do artigo 178.º do EMJ, o visado pelo ato pode atuar para que sejam adotadas as providências necessárias para que se assegure, ainda, um efeito útil da decisão a proferir em sede de recurso (artigo 168.°, n.° 1 do EMJ).
153.° Ora, dúvidas não restam, em face de tudo o que já se deixou expresso, não só da situação urgentíssima com que ora lidamos, mas, bem assim, da necessidade de um acautelamento da mesma, que, para que ainda assegure um efeito prático útil na esfera jurídica do Requerente, sempre que terá que ser confirmado por uma providência cautelar, em face da especial tramitação urgente que a mesma comporta.
154.° Logo por aí se desvela também o porquê de ter o Requerente recorrido a este meio. Não só porque, até agora, e pela via administrativa, lhe foi sempre impedida a tutela - desde logo, por parte do CSM - mas também, e sobretudo, porque se pretende aqui salvaguardar um efeito útil da decisão final a proferir já em sede de recurso, de acordo com o artigo 168.º, n.º 1 do EMJ.
155.° E que efeito útil é este, in casu? Como nos refere o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-01-2012, processo n.º 0857/11, disponível em www.dgsi.pt inter alia, no seu sumário: “I- Os requisitos para o decretamento da suspensão de eficácia de um ato administrativo (artº 120º do CPTA) são os seguintes: (i) que haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); (ii) que não seja manifesta a falta de fundamentação da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus boni juris); (iii) que da ponderação dos interesses públicos e privados em presença decorra que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, ou que, sendo superiores, possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências (proporcionalidade e adequação da providência).”
Analisemos então os elementos,
- Do Periculum in mora
156.° A jurisprudência comummente aceite refere-se, a este respeito, a um perigo decorrente da mora (processual), no sentido em que, nada sendo feito, isto é, não se admitindo intervenção do procedimento cautelar, constituir-se-á uma situação factual consumada, de tal forma que se torne muito difícil ou mesmo impossível a sua reconstituição.
157.° Ou seja, de que mesmo na eventual procedência da ação principal que se siga, não havendo intervenção deste processo especialmente urgente, já nada restará para “proceder” em sede de ação principal.
158.° Trazendo à colação os factos anteriormente descritos, temos um ato positivo da Administração que introduz uma modificação na ordem jurídica, mormente, pela alteração significativa na situação jurídica do administrado - o aqui Requerente.
159.° Tendo este efeito modificativo na situação jurídica preexistente é o ato suscetível de suspensão de eficácia, porquanto, em bom rigor, e como tem sido jurisprudência comummente aceite, apenas se justifica admitir a suspensão de um ato que tenha real eficácia - o que não aconteceria se fosse um ato inócuo de produzir uma qualquer alteração na situação jurídica do administrado.
160.° Ora, in casu, essa questão é evidente, uma vez que o Requerente passa de uma situação em que estaria legalmente legitimado a retomar o exercício das funções, para uma em que se vê impedido de as exercer, por decisão ilegal do CSM.
161.° Em face à matéria constante, quer da questão prévia, quer dos factos, e atenta a exequibilidade imediata do despacho em crise, não restam dúvidas do risco iminente da consolidação de uma situação de facto, que acarreta danos irreparáveis na esfera jurídica do Requerente.
162.° De facto, e à revelia do dispositivo contido no artigo 116.º, n.º 3 do EMJ, o Requerente vê-se, ilegal e inconstitucionalmente, privado do exercício das suas funções de Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto lhe foi protelada a situação de suspensão preventiva, pese embora da lei resulte claramente que esse protelar não podia mais ocorrer.
163.° O Requerente vê-se assim privado do livre exercício das suas funções,
164.° Vê-se igualmente privado da presunção de inocência que, por lei, lhe é “concedida” até ao momento da condenação final, porquanto, em rigor, o CSM o está a acometer a um estado de condenado, de demitido, sem que o processo disciplinar o corrobore (mantendo-se este em fase de instrução, ao momento presente).
165.° Assim permitindo que, quer os seus pares, quer a comunidade em geral (fruto da mediaticidade do processo), mantenham sobre o Requerente um juízo de culpa, que, não tem amparo em qualquer das investigações.
166.° Ademais, convém não esquecer que, pese embora a lei estatua prazos de prescrição para o procedimento disciplinar - artigo 178.º da LGTFP, ex vi do artigo 131.º do EMJ -, designadamente o prazo de um ano para extinção da responsabilidade disciplinar, a verdade é que, também à revelia de todos eles, o CSM mantém vivo o processo contra o aqui Requerente há praticamente 3 (três) anos.
167.° Prescrição essa que também foi já suscitada pelo Requerente, por diversas vezes, junto do CSM, não tendo este provido a argumentação daquele.
168.° Nas palavras do Acórdão acima mencionado: “V - Ocorre uma situação de facto consumado previsto no artº 120º nº1 al. b) do CPTA quando, a não ser deferida a providência, o estado de coisas que a ação quer influenciar fique inutilizada ex ante’. VI - Danos de difícil reparação são ‘aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.”
169.° Na mesma linha, refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-10-2018, processo n.º 80/18.2TFLSB, disponível em www.dgsi.pt o seguinte: “O critério do periculum in mora, ou seja, ‘quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal’, primeira parte do n.°l do artigo 120. ° do CPTA, ou, na fórmula ainda vigente constante do artigo 170. ° n.° 1, do EMJ, quando a execução do ato é suscetível de causar ‘prejuízo irreparável ou de difícil reparação’. O periculum in mora deriva, por conseguinte, do receio fundado de que, quando o processo chegue ao fim, por força da demora inerente à resolução judicial de um litígio, a decisão já não se adeque à situação em causa e perca mesmo efeito útil ou que venham a surgir danos de difícil reparação, durante a pendência do processo.”
170.° Esta é exatamente a preocupação e motivação do Requerente, uma vez que, atento o acima referido, parece-nos evidente que, não sendo deferida a presente providência cautelar, lidamos com uma alteração irremediável e irreversível do estado de coisas, aquando de uma possível decisão definitiva.


Do Fumus boni iuris
171.° Repristinando o que se referiu supra, não restam dúvidas de que a decisão em causa é, inequivocamente, uma decisão ilegal, sendo que o vício de violação de lei (e falta de fundamentação) é de tal forma grave e gritante que se transforma numa evidência da procedência do pedido que venha a ser formulado no processo principal.
172.º Nestes termos, em face da falta de sustentação legal da pretensão do Requerido na aplicação da decisão em crise é evidente que é altamente provável que a pretensão para exposta do Requerente venha a ser julgada procedente.
173.° Por forma a acautelar o efeito útil de tal decisão, não dispõe o Requerente, neste momento, de nenhum outro mecanismo legal de que se possa socorrer.
174.° Porque, a existirem fatores reversíveis - pense-se, desde logo, num eventual pedido de indemnização - a verdade é que a imagem do Requerente no mercado da sua atividade estaria irremediavelmente machada, com o inerente desvalor da comunidade nas suas funções.
175.° A este respeito, refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12-01-2012, processo n.º 0857/11, disponível em www.dgsi.pt: “III - O fumus boni juris tem uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito do recurso principal. Tem de se verificar uma aparência de que o recorrente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela atuação administrativa; na formulação negativa basta que o recurso principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento. IV - A alínea b) do nº 1 do artº 120º do CPTA satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que ‘não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular’ pelo requerente no processo principal ‘ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito’ para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris: não é necessário um prejuízo de probabilidade quanto ao êxito do processo principal, basta que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.”
176.° Repristinando tudo quanto se disse, quer na questão prévia de decretamento provisório, quer na parte factual da presente peça, dúvidas não restam de que existem evidências da procedência do pedido que venha a ser formulado no processo principal, quer pelos vícios que inquinam a decisão ora colocada em crise, quer, ademais, pela ponderação que haja de ser feita relativamente aos interesses aqui em causa.
177.º Trazendo à colação o que disse naquele ponto, recorda-se que o despacho aqui em crise é manifestamente inválido, não apenas pelo seu desvalor mais “fraco” – a anulabilidade – mas também, e sobretudo, pela nulidade!


178.º Nulidade essa que surge:
- Por preterição do direito de audição prévia do Requerente;
- Por inexistência de fundamento legal;
- Por violação de lei;
- Por insuficiência de articulação fáctica e jurídica;
- Por violação do princípio da proporcionalidade nas suas várias vertentes.
179.º Caso V. Exas. não consintam na verificação dos sobreditos vícios, sempre se dirá que subsiste o vício da anulabilidade, o qual, ainda que menos forte que a nulidade, sempre cominará o ato de invalidade, com os efeitos descritos no artigo 163.º do CPA.
180.º Dúvidas não restam ao Requerente da ilegalidade do ato cometido pelo Requerido, quer em termos de forma, quer em termos de conteúdo, o qual atenta contra alguns dos mais elementares princípios administrativos e constitucionais.
181.º Sendo que em termos da sua ilegalidade de conteúdo se reforça tudo quanto foi dito acima.
182.º De todo o modo, e atendendo a que a verificação do fumus boni iuris nesta sede compadece-se com a sua vertente negativa, no sentido de ser apenas exigível que o recurso principal – in casu, a ação de impugnação de ato administrativo – não seja totalmente desprovida de fundamento, resulta óbvio que foram articulados fundamentos mais do que suficientes para mesmo que não se convença da total procedência da ação – o que apenas se concebe, sem se conceder – pelo menos se convença da sua não total improcedência.
Ponderação de interesses
183.° Por último, caberá preencher o requisito constante do n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 178.º do EMJ: “a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
184.° No caso vertente, entende-se, até que razões de interesse público e privado confluem na mesma consequência, uma vez que, conforme supra referido - repristinando-se, nesta sede, e para os devidos efeitos legais, todo o acima articulado e, em especial, o vertido nos artigos 91.º a 102.º da presente peça -, entende-se que a manutenção do ato em crise levaria a que, não só os direitos do Requerente se vissem ultrapassados, como, inclusive, o faria no que concerne aos princípios da confiança e certeza jurídicas para a comunidade, em geral.
185.° Na ótica do Requerente, e conforme acima se aludiu, encontramos as violações gritantes ao seu direito à audição, e aos direitos/princípios constitucionalmente consagrados da presunção de inocência, segurança no emprego e trabalho.
186.° Por sua vez, quanto ao dito interesse público, temos que a reposição da legalidade importa ao sentimento geral de justiça, apenas assim se permitindo efetivar os princípios da confiança e da segurança jurídicas.
187.° No mais, e para evitar repetições, remete-se quanto ao supra articulado no concernente a esta matéria.
- Dos requisitos procedimentais da providência cautelar
188.° Nos termos do artigo 114.º do CPTA, ex vi do artigo 178.º do EMJ, temos que:
“1 - A adoção de uma ou mais providências cautelares é solicitada em requerimento próprio, apresentado:
a) Previamente à instauração do processo principal;
b) Juntamente com a petição inicial do processo principal;
c) Na pendência do processo principal. (...)
3 - No requerimento, deve o requerente:
a) Indicar o tribunal a que o requerimento é dirigido;
b) Indicar o seu nome e residência ou sede;
c) Identificar a entidade demandada;
d) Indicar a identidade e residência dos contrainteressados a quem a adoção da providência cautelar possa diretamente prejudicar;
e) Indicar a ação de que o processo depende ou irá depender;
f) Indicar a providência ou as providências que pretende ver adotadas;
g) Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência;
h) Quando for o caso, fazer prova do ato ou norma cuja suspensão pretende e da sua notificação ou publicação;
i) Identificar o processo principal, quando o requerimento seja apresentado na sua pendência;
j) Indicar o valor da causa.
189.° Verificados todos os pressupostos referenciados no sobredito artigo, cumpre apenas especificar alguns pontos:
190.° Em primeiro lugar, a presente providência é apresentada junto deste Supremo Tribunal de Justiça, em virtude da regra de foro próprio, contida no artigo 15.º do EMJ.
191.° A presente providência cautelar - intentada, conforme o previsto no artigo 178.º do EMJ e no artigo 114.º, n.º 1 alínea a) do CPTA, previamente ao recurso, entenda-se ação principal, previsto no artigo 168.º, n.º 1 do EMJ - visa a suspensão da eficácia do despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente do Conselho Superior de Magistratura.

192.° A partir da citação do CSM opera a proibição de execução do referido despacho, decorrendo uma automática suspensão, conforme o disposto no artigo 128.º do CPTA.
193.° Pelo que o despacho não pode ser executado e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico,
194.° Devendo o Requerente retomar as suas funções junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
195.º Atenta a verificação, quer dos vícios procedimentais, quer, bem assim, dos argumentos fácticos e jurídicos, requer-se desde já a V. Exas. a declaração de procedência da presente providência cautelar, nos termos acima melhor descritos.”

A secretaria cumpriu o disposto no art.º 170º n.º 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, tendo o Conselho Superior da Magistratura apresentado resposta, concluindo que não se verificam os pressupostos legais para adopção da providência requerida, devendo ser determinada a improcedência do efeito suspensivo ora requerido, sustentando, no essencial:
“1º) Interpôs o Exm.º Juiz ... em questão, previamente ao recurso, requerimento de suspensão de eficácia (providência cautelar) da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 4 de junho de 2019, no âmbito da qual “Foi deliberado por unanimidade ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de 04-06-2019, que prorrogou a suspensão preventiva de funções do Exmo. Senhor Juiz ... Dr. AA, no processo disciplinar n.º 2018-370/PD, em que o mesmo é arguido, por mais 48 (quarenta e oito) dias.”
2º) O Requerente entende estarem reunidos os pressupostos para o decretamento da requerida suspensão de eficácia da referida deliberação.
3º) Em acréscimo, entende que “A partir da citação do CSM opera a proibição de execução do referido despacho, decorrendo uma automática suspensão, conforme o disposto no artigo 128.º do CPTA” (…) Pelo que o despacho não pode ser executado e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico,” (…) Devendo o Requerente retomar as suas funções junto do Tribunal da Relação de Lisboa.” (cfr. artigos 192.º a 194.º do requerimento suspensivo).
4º) No imediato, de forma a imprimir algum rigor, importa fazer uma precisão técnico jurídica: das decisões do presidente, do vice-presidente ou dos vogais do Conselho Superior da Magistratura reclama-se para o plenário do Conselho (cfr. artigo 166.º do EMJ).
5º) Por seu turno, “Das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça” e, uma vez que a interposição de recurso não suspende a eficácia do ato recorrido, “A suspensão é pedida ao tribunal competente para o recurso, em requerimento próprio, apresentado no prazo estabelecido para a interposição do recurso” (cfr. artigos 168.º, n.º 1 e 170.º do EMJ).
6º) Na situação em apreço, a deliberação do Conselho Plenário sub judice ratificou o despacho do Exm.º Senhor Vice-Presidente substituindo-o na ordem jurídica, sendo tal deliberação válida e eficaz até decisão judicial que obste a tal produção de efeitos – no que todavia não se concede por absoluta falta de fundamento para tal.
7º) Nestes termos, salvo melhor entendimento, sendo o objeto dos presentes autos o recurso da deliberação do Conselho Plenário de 04.06.2019, carece de sustentação a invocação que “A partir da citação do CSM opera a proibição de execução do referido despacho, decorrendo uma automática suspensão, conforme o disposto no artigo 128.º do CPTA” (…) Pelo que o despacho não pode ser executado e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico».
8º) O objeto dos presentes autos é, sublinha-se, a deliberação do Conselho Plenário do CSM de 04.06.2019, pelo que onde refere “A partir da citação do CSM opera a proibição de execução do referido despacho, decorrendo uma automática suspensão, conforme o disposto no artigo 128.º do CPTA” (…) Pelo que o despacho não pode ser executado e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico”, julga-se que o ora requerente pretenderia referir “A partir da citação do CSM opera a proibição de execução da referida deliberação, decorrendo uma automática suspensão, conforme o disposto no artigo 128.º do CPTA” (…) Pelo que a deliberação não pode ser executada e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico» (negritos e sublinhados nossos).
9º) Efetuada esta precisão meramente formal e que apenas visa, como referido, imprimir algum rigor técnico-jurídico, adiante-se desde já que, como melhor se demonstrará adiante, em termos substantivos não assiste qualquer razão ao requerente, quer no que respeita à verificação do pressupostos para o decretamento da suspensão, quer quanto aos efeitos pretendidos.
10º) A respeito dos requisitos gerais de decretamento da pretendida suspensão da eficácia, vem sendo pacificamente entendido que aos pedidos de suspensão de eficácia das deliberações do CSM é subsidiariamente aplicável o disposto nos artigos 112.º, n.º 2 alínea a) e 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi artigo 178.º do EMJ.
11º) A título de exemplo, entre outros, vejam-se os Acórdãos do STJ de 30/10/2014, Procs 43/14.7YFLSB.S1 e 44/14.5YFLSB.S2 (Souto de Moura), bem como de 16/12/2014, Proc. 114/14.0YFLSB (Gregório Silva Jesus), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
12º) Assim, a este respeito, transcrevemos parte do recente Ac. do STJ, de 31/03/2016 (Gabriel Catarino), disponível em www.dgsi.pt:
“Às providências destinadas a evitar os efeitos não reparáveis ou de difícil reparação dos actos formados no Conselho Superior da Magistratura, aplica-se, subsidiariamente, as regras estabelecidas para o procedimento administrativo especifico e adrede, a saber, actualmente, as regras estatuídas nos artigos 112.º, nº 2 al. a) e 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
O artigo 170.º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), faz depender a suspensão da eficácia de um acto nele constituído que a execução imediata do acto, eventualmente, lesivo de uma situação individual e concreta de um interessado, seja “susceptível de causar ao requerente prejuízo irreparável ou de difícil reparação".
O artigo 112.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos preceitua que “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”, podendo, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, as providências que seguem os tramites do Capítulo I, do Título IV do mencionado diploma legal, destinar-se, designadamente em: “a) suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma.”
Os actos administrativos, a determinar segundo o conceito do Código de Procedimento Administrativo (CPA) – cfr. artigo 148.º do CPA – devem assumir um conteúdo ou feição decisória, para que sejam passiveis e susceptíveis de impugnação.
Nos termos do n.º 1 do art. 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, as providências requeridas para evitar a execução de actos administrativos, poderão ser adoptadas, desde que, cumulativamente, sejam possível configurar: i) a possibilidade de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal; e ii) seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
A providência deve ser recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possa ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências – cfr. n.º 2 do citado artigo 120.º do CPTA.”
13º) Pese embora o muito respeito que nos merece a opinião contrária, apreciados os pressupostos legalmente previstos para o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia, resulta de uma clarividência sem mácula que o douto requerimento a que ora se responde é manifestamente infundado e está inquinado nos seus pressupostos, devendo, como se demonstrará, ser superiormente indeferido.
Vejamos, pois,
II) Da inexistência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação - periculum in mora
14º) Nos termos do já citado artigo 170.º, n.º 1, do EMJ só será reconhecido efeito suspensivo quando se considere que a execução imediata do acto é suscetível de causar ao requerente prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
15º) O pressuposto em causa é, então, de perigo de lesão irreparável que torne inútil o ulterior reconhecimento do direito, sendo concedida a tutela cautelar de suspensão sempre que os factos concretos (…) permitam perspectivar a criação de uma situação de impossibilidade da reintegração na sua esfera (do requerente), no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente.
16º) Na apreciação acerca da verificação deste requisito, “o juiz (…) deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica”.
17º) Acresce que, os prejuízos a que alude o artigo 170.º, n.º 1, do EMJ, têm de ser necessários e não meramente eventuais.
18º) Conforme aliás já decidido no Acórdão do STJ de 28.03.2007, processo n.º 07S811, relatado por Sousa Peixoto, disponível em www.dgsi.pt.
19º) Sucede, porém, que na presente situação não são alegados nenhuns prejuízos irreparáveis para os interesses do Exm.º Requerente.
E,
20º) Conforme vem sendo unanimemente aceite, os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação têm que estar devidamente alegados e indiciados, sendo certo que o Exm.º Requerente não logrou cumprir o ónus de alegação que sobre si impende a tal respeito.
21º) No seu requerimento suspensivo, refere o Exm.º Requerente, de forma manifestamente vaga, imprecisa e abstrata que “Em face à matéria constante, quer da questão prévia, quer dos factos, e atenta a exequibilidade imediata do despacho em crise, não restam dúvidas do risco iminente da consolidação de uma situação de facto, que acarreta danos irreparáveis na esfera jurídica do Requerente”.
22º) Esquece-se porventura o Exm.º Requerente que a suspensão de exercício de funções não foi determinada pela deliberação sub judice?
23º) É que, na verdade, a deliberação de 04.06.2019 veio determinar a prorrogação da suspensão preventiva anteriormente determinada, por se manterem os fundamentos que a haviam determinado ab initio.
24º) Pelo que mesmo os pretensos prejuízos a que alude – sem adequada concretização de danos, diga-se desde já – por ficar “privado do livre exercício das suas funções”, “igualmente privado da presunção de inocência” e “permitindo que, quer os seus pares, quer a comunidade em geral (fruto da mediatividade do processo), mantenham sobre o Requerente um juízo de culpa” (cfr. artigos 163.º a 165.º do requerimento recursório), existissem, tais prejuízos não são inovatórios, nem resultam desta concreta deliberação cujos efeitos pretende ver suspensos.
Com efeito,
25º) Nenhuma das questões suscitadas pelo Exm.º Requerente resulta desta concreta deliberação cujos efeitos se pretende agora suspender.
26º) Na situação que nos ocupa, foi determinada a suspensão preventiva de exercício de funções,– Cfr. despacho por estar indiciada uma muito grave, dolosa e reiterada violação (…) dos deveres profissionais a que se encontram adstritos os magistrados judiciais, nomeadamente os de administrar a justiça e de prossecução do interesse público, (…) de independência, de isenção, de lealdade e de atuação de acordo com os imperativos de honestidade, integridade, retidão e probidade especialmente inerentes às funções dos magistrados judiciais, o que se repercute na sua vida pública de forma incompatível com a credibilidade, prestígio e dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções (…) infração que é punível com sanção disciplinar não inferior à transferência de 02.02.2018, ratificado por deliberação do Plenário do CSM em 06.02.2018, que determinou a suspensão preventiva do ora Requerente.
27º) Continuando a citar a deliberação que determinou a suspensão preventiva do Requerente, está em causa uma situação de “perturbação e alarme social criados pela ampla cobertura mediática das buscas e apreensões já realizadas, bem como das anunciadas notificações para comparência em dia designado para interrogatório judicial (…) Perturbação e alarme potenciados pela possibilidade de continuação do exercício das nobres funções de julgar num tribunal superior, como é o caso do Tribunal da Relação de Lisboa”.
28º) Na presente situação resulta por demais claro que não se verifica nenhuma lesão ou perigo de facto consumado, porquanto a mera prorrogação da suspensão preventiva de exercício de funções, no âmbito de processo disciplinar, não é suscetível de provocar qualquer dano irreparável.
29º) Sendo certo que a concretização do pressuposto periculum in mora, como sobejamente assente na jurisprudência desse Supremo Tribunal, não se basta com circunstâncias meramente eventuais, hipotéticas ou putativas.
30º) No que respeita à existência de pretensos danos resultantes da execução imediata da deliberação suspendenda, de forma vaga e apressada o Exm.º Requerente invoca que acarreta danos irreparáveis na esfera jurídica do Requerente.
31º) Ora, conforme vem sendo unanimemente aceite, os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação têm que estar devidamente alegados e indiciados, sendo certo que o Exm.º Requerente não logrou cumprir o ónus de alegação que sobre si impende a tal respeito.
Em acréscimo,
32º) Na eventualidade meramente hipotética de procedência do recurso a interpor – o que por mero exercício argumentativo se equaciona - tal circunstância determinaria a reintegração integral da posição jurídica do Exm.º Requerente.
Com efeito,
33º) Necessariamente uma tal eventualidade – no que todavia não se concede – teria como consequência a anulação de todos os atos consequentes de tal decisão e a represtinação dos efeitos sonegados, entre eles remuneratórios e de antiguidade, os quais todavia, em concreto nem sequer se verificam.
34º) De resto, isso mesmo decorre expressamente do disposto no artigo 173.º do CPTA, ínsito no Capítulo IV Execução de sentenças de anulação de atos administrativos, que ora se transcreve:
CAPÍTULO IV
Execução de sentenças de anulação de atos administrativos
Artigo 173.º
Dever de executar
1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa, desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, assim como no dever de anular, reformar ou substituir os atos consequentes, sem dependência de prazo, e alterar as situações de facto entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.
3 - Os beneficiários de boa-fé de atos consequentes praticados há mais de um ano têm direito a ser indemnizados pelos danos que sofram em consequência da anulação, mas a sua situação jurídica não pode ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória.
4 - Quando à reintegração ou recolocação de um trabalhador que tenha obtido a anulação de um ato administrativo se oponha a existência de terceiros com interesse legítimo na manutenção de situações incompatíveis, constituídas em seu favor por ato administrativo praticado há mais de um ano, o trabalhador que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar ou posto de trabalho vago e na categoria igual ou equivalente àquele em que deveria ter sido colocado, ou, não sendo isso imediatamente possível, em lugar ou posto de trabalho a criar no quadro ou mapa de pessoal da entidade onde vier a exercer funções.
35º) Pelo que, conclui-se, na presente situação os potenciais danos, a existirem, – no que todavia não se concede - são suscetíveis de reparação ou de reconstituição in totum, não se podendo considerar que a não suspensão dos efeitos da decisão em questão seria geradora de um prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
36º) Assim, com o devido respeito pelos motivos pessoais alvitrados, fica patente que o Requerente não logra demonstrar a existência de efetivos prejuízos, nem o caráter irreparável dos mesmos.
37º) Nada permite afirmar que se verificam danos irreparáveis ou de difícil reparação em resultado da deliberação de 04.06.2019.

38º) Se dúvidas subsistissem, incomprovada que está a verificação de fundado periculum in mora e tendo em conta que os pressupostos para a procedência da requerida suspensão são cumulativos, necessariamente terá que improceder o presente pedido de suspensão da deliberação.
III) Da não execução da deliberação suspendenda
39º) Vem o Exm.º Requerente peticionar, em consequência da pretensa suspensão de eficácia da deliberação do Conselho Plenário de 04.06.2019, c) A abstenção do CSM proceder à execução de qualquer ato de suspensão preventiva de funções do Requerente, ou, bem assim, qualquer outro ato que o impeça do livre exercício das suas funções de Juiz ... do Tribunal da Relação da Lisboa.
40º) Assim, quanto aos efeitos do requerimento de suspensão de eficácia considera o Exm.º Requerente que “A partir da citação do CSM opera a proibição de execução do referido despacho, decorrendo uma automática suspensão, conforme o disposto no artigo 128.º do CPTA. (…) Pelo que o despacho não pode ser executado e, consequentemente, não pode produzir qualquer efeito jurídico, (…) Devendo o Requerente retomar as funções junto do Tribunal da Relação de Lisboa”.
41º) Pese embora o alegado e o muito respeito pelo entendimento expresso, uma vez mais não assiste razão ao Exm.º Requerente.Vejamos, pois,
42º) O artigo 170.º, n.º 5 do EMJ é claro e preceitua o seguinte: “A suspensão de eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções”.
43º) Como resultou do douto Acordão dessa secção do contencioso, prolatado no processo n.º 59/18.4YFLSB, “Trata-se de uma imposição legal, de funcionamento automático, que é consonante com o que se preceitua na alínea b) do artigo 71.º do mesmo diploma [EMJ], segundo o qual “Os magistrados judiciais suspendem as respetivas funções: b) No dia em que lhes for notificada suspensão preventiva por motivo de procedimento disciplinar ou aplicação de pena que importe afastamento do serviço.” Refere-se no Acórdão do STJ de 29-04-2003 que a racionalidade da solução legal assenta na consideração de “(…) que, se uma medida disciplinar, ela própria, consiste no afastamento do exercício da função (ainda que se trate de um afastamento temporário) não teria sentido que a mesma lei permitisse a continuação do exercício, abrindo a possibilidade judiciária, ainda que excepcional, de suspensão da eficácia executiva do acto sancionatório, quando está em causa exactamente o afastamento do exercício de funções. (…).”
44º) Continuando a citar o mesmo Acórdão, “Uma tal solução, refere ainda o mesmo aresto “(…) é visivelmente suportada por razões objectivas, de interesse e ordem pública da função judiciária (…) e, principalmente, do prestígio e da credibilidade do exercício judicativo, que é, como se sabe, uma das funções clássicas de Estado – a função judicial de soberania (…) Pelo que acaba de poderar-se – e não é tudo – não é difícil concluir que, neste enquadramento de filosofia de direito e de Estado, se alguém que dá rosto à função judicativa, vier a ser temporariamente afastado por medida disciplinar, não pode, por lei, beneficiar da suspensão da execução da medida, de tal maneira que continuasse no exercício efectivo das funções em causa, como se medida disciplinar não tivesse havido! Seria estranho aos olhos do próprio cidadão comum que confia na Justiça! (…)”
45º) Pese embora o citado douto Acórdão respeitar a sanção disciplinar de suspensão de exercício de funções, e não a suspensão como medida cautelar, afigura-se que o EMJ não distingue as duas situações ao nível da produção de efeitos [artigo 71.º, alínea b) e 170.º, n.º 5 do EMJ] e, em termos dos fundamentos que subjazem à suspensão preventiva e à sanção disciplinar de suspensão disciplinar de exercício de funções, não se justifica entendimento diverso daquele que foi seguido neste Acórdão.
46º) Em face do exposto e sem necessidade de mais considerações, nos termos do disposto no artigo 170.º, n.º 5 do EMJ, o requerimento de suspensão de eficácia da deliberação de 04.06.2019 não abrange a suspensão preventiva de exercício de funções determinada e não consequencia o automático retomar do exercício de funções do Exm.º Requerente como Juiz ... no Tribunal da Relação de Lisboa.
IV) Conclusão
Por tudo o exposto e sem prejuízo da Superior apreciação dos Venerandos Juízes Conselheiros desse Supremo Tribunal de Justiça, conclui o requerido não se verificarem os pressupostos legais para adopção da providência requerida, devendo ser determinada a improcedência do efeito suspensivo ora requerido.”

O Requerente, AA, Juiz ... requereu, previamente ao recurso, a suspensão de eficácia (providência cautelar) da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 4 de Junho de 2019, no âmbito da qual “Foi deliberado por unanimidade ratificar o despacho do Exmo. Sr. Vice-Presidente deste Conselho de 04-06-2019, que prorrogou a suspensão preventiva de funções do Exmo. Senhor Juiz ... Dr. AA, no processo disciplinar n.º 2018-370/PD, em que o mesmo é arguido, por mais 48 (quarenta e oito) dias” sustentando:
a) A nulidade do despacho em crise, por manifesta falta de fundamentação e consequente supressão dos direitos de defesa do Requerente, nos termos e para os efeitos conjugados das disposições constantes dos artigos 13.°, 94.°, 152.°, 153.° e 161.°, n.º 2 alínea d), todos do CPA, e 20.°, n.º 4 e 268.°, n.°s 1 e 3, ambos da Constituição, ou, no limite, a anulabilidade do mesmo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.° n.º 1 do CPA e restantes dispositivos já invocados;
b) A nulidade da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, por falta de fundamentação e erro de julgamento, na medida em que não fundamenta a aplicação da suspensão preventiva que, por ter carácter excepcional, só pode ser aplicada de forma devidamente fundamentada e quando verificados os pressupostos previstos no art.º 116.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais;
c) A deliberação do Conselho Superior da Magistratura, na vertente em que determina a suspensão preventiva do exercício de funções, causa ao Requerente prejuízo irreparável ou de difícil reparação;
d) A inconstitucionalidade do art.º 170.º, n.º 5 do EMJ, quando interpretado no sentido de ser aplicável à suspensão preventiva do exercício de funções, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, decorrente da conjugação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
e) A proibição de executar o ato administrativo por força do art.º 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o decretamento provisório da providência, nos termos do art.º 131.º do diploma legal.

II. Fundamentação

No caso sub iudice, estamos no âmbito de uma pretensão cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, tomada em 4 de Junho de 2019, deduzida por AA, Juiz ..., nos termos das disposições conjugadas dos artºs. 168.°, 169.° e 170.°, nºs. 1 e 2, todos do Estatuto dos Magistrados Judiciais, art.º 4.°, n.º 4 alínea c) a contrario, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e artºs. 2.°, n.º 2 alínea q), 112.°, nºs. 1 e 2 alínea a), 113.° e seguintes, 114.°, n.º 4 e 131.°, n.º 1, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex vi do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Como sabemos, das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 168.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais), decorrendo a respectiva tramitação (recursos para a Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça) dos normativos adjectivos consignados nos artºs. 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

A este propósito, distinguimos do art.º 170.º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais “a interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação”.
Todavia, atendendo ao carácter simplificado da aludida tramitação, decorre do art.º 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais a aplicação subsidiária das normas do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (outrora normas processuais dos recursos de contencioso administrativo interposto para o Supremo Tribunal Administrativo).
Assim sendo, tratando-se no caso em apreço de uma providência cautelar dependente de um meio de tutela definitiva, qual seja, o recurso contencioso/a impugnação judicial da deliberação do Conselho Superior da Magistratura previsto nos consignados artºs. 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a que são subsidiariamente aplicáveis, designadamente, os preceitos contidos nos artºs. 112.º n.º 2, alínea a), e 120.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no que tange aos “processos cautelares” que ora nos interessa, em razão do já enunciado art.º 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do agora consignado art.º 192.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que estatui sobre a extensão da aplicabilidade “Sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessárias adaptações”, há que também ter em consideração, no enquadramento jurídico que se impõe no presente pleito, os normativos consignados no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Decorre do Estatuto dos Magistrados Judiciais (art.º 170.º nºs 1 e 2) e do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (art.º 120.º nºs. 1 e 2) os pressupostos que, na sua verificação cumulativa, determinam a adopção da providência cautelar de suspensão da eficácia de um acto administrativo (no caso, a suspensão de eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o despacho de 4 de Junho de 2019 do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pelo qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 [quarenta e oito] dias).

Estabelece o art.º 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos sobre os critérios de decisão nos processos cautelares: “1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” e “2. Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
Temos assim que o decretamento de uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de um ato recorrido depende da verificação dos seguintes requisitos: a) Existência de fundado risco de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para os interesses que o recorrente visa assegurar (periculum in mora); b) Probabilidade de a pretensão formulada ou a formular pelo recorrente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (fumus boni juris); c) Proporcionalidade entre os danos que se pretendem evitar com a concessão da providência e os danos que resultariam para o interesse público dessa mesma concessão (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Abril de 2018 (Processo n.º 44/18.4YFLSB), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Abril de 2014 (Processo n.º 19/14.4YFLSB) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2013 (Processo n.º 87/13.6YFLSB)).
Anota-se que os consignados requisitos são apreciados na base de um juízo de verosimilhança, diferente do que é feito no processo principal, sendo certo que a característica sumária dos processos cautelares legitima que caso não se verifique um dos requisitos se deva considerar prejudicada a apreciação dos restantes.
O critério do periculum in mora traduz-se no fundado receio, não bastando, qualquer simples receio, condizente a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num juízo precipitado das circunstâncias, de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a recair uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, fundado receio, seja porque a evolução das circunstâncias, durante a pendência do processo, conduza a que se formem situações de facto definitivas, consumadas e irreversíveis para o futuro, tornando a decisão (no processo principal) totalmente inútil, seja, porque essa evolução conduza à produção de prejuízos dificilmente reparáveis, neste sentido, Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, in, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed., página 913.
Por seu turno, o consignado critério do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito que consubstancia a probabilidade séria de a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente.
A respeito deste requisito necessário ao decretamento de uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de um ato recorrido, defende Aroso de Almeida, in, Manual de Processo Administrativo, 2016, página 451 “a atribuição das providências cautelares depende de um juízo ainda que perfunctoìrio, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal”.
Finalmente, dever-se-á anotar, com vista à decisão sobre o pedido de decretamento da providência, não só na importância da exigida e criteriosa ponderação dos interesses em causa, públicos e privados, outrossim, no balanceamento da necessária proporcionalidade entre os danos ou prejuízos que se pretende evitar com a concessão da providência e os danos que adviriam em resultado da concessão da mesma, conforme decorre do já enunciado nº. 2, do art.º 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que aqui relembramos, ao estatuir que o decretamento da providência será recusado quando “devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”, encerrando, assim, um verdadeiro requisito negativo no que tange ao cautelar decretamento de suspensão da eficácia de um acto recorrido.
Consignado em traços breves, o enquadramento normativo, doutrinal e jurisprudencial, atinente ao decretamento de uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de um acto recorrido, importa relembrar os factos indiciariamente demonstrados, e ter presente que no caso, a presente tutela cautelar visa a suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o pelo qual foi determinada a renovação da suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 (quarenta e oito) dias.
A imposição dessa medida preventiva acarreta o afastamento do serviço, ainda que temporário, pelo período de 48 (quarenta e oito) dias.
Textua o art.º 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais “1. A interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação” e “2. A suspensão é pedida ao tribunal competente para o recurso, em requerimento próprio, apresentado no prazo estabelecido para a interposição do recurso”.
Confrontado o pedido formulado na presente tutela cautelar traduzido na requerida suspensão de eficácia do acto recorrido, concretamente, da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o despacho datado de 4 de Junho de 2019 do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pelo qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 (quarenta e oito) dias, colocar-se-á a questão invocada pelo Requerente, AA, se importará sobre o Requerido, Conselho Superior da Magistratura, a abstenção de proceder à execução de qualquer acto de suspensão preventiva de funções do Requerente que o impede do livre exercício das suas funções de Juiz ... do Tribunal da Relação da Lisboa, avocando, para o efeito, a previsão do art.º 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que estatui sobre a Proibição de executar o ato administrativo “1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.”

Ora, importa desde já adiantar que o que está efectivamente em causa nestes autos não é propriamente uma decisão do Exmº. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura de que se reclama para o Plenário do Conselho Superior da Magistratura, nos termos do art.º 166.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, mas uma Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de que se recorre, nos termos já enunciados, para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que a interposição de recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, conquanto se permita, em princípio, o pedido de suspensão ao tribunal competente para o recurso, conforme prevenido nos artºs. 168.º, n.º 1 e 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Assim, sendo o objecto da presente tutela cautelar a suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 4 de Junho de 2019, não tem cabimento a requerida suspensão automática, dada a inaplicabilidade consignada no art.º 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, donde, não assiste razão ao Requerente, AA, Juiz ..., ao reclamar a suspensão automática da suspensão preventiva de funções, porquanto, contrariamente ao que decorre da exposição de motivos, estamos no âmbito de uma Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura e não de decisão do Exmº. Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura.
Num outro contexto, e admitindo o paralelismo de situações no confronto da suspensão definitiva de funções (afastamento do serviço) e da suspensão preventiva de funções, devemos reconhecer que, atendendo ao prevenido no art.º 170.º n.º 5 do Estatuto dos Magistrados Judiciais “A suspensão de eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções” o que inviabiliza, desde logo, o conhecimento da presente pretensão traduzida na tutela cautelar de suspensão da eficácia do acto recorrido, decorrente da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o despacho de 4 de Junho de 2019 do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pelo qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 [quarenta e oito] dias).

O Estado de Direito ancorado na Constituição e na Lei, importa que a função administrativa se exerça conforme à legalidade, donde, o acto administrativo, porque legal, ou, presumidamente legal, gera efeitos, desde a sua notificação ao destinatário, impondo-se a necessidade pública da execução imediata do acto de gestão correspondente, por razões de eficiência e celeridade da Administração.
Contudo, para precaver que determinadas situações, pela injustiça material, ou mesmo pela precipitação escusada, que poderia representar a imediata execução de um acto administrativo, podendo causar dano irreversível, atingindo interesses legítimos mais valiosos dos que se alcançariam com a sua execução imediata, o nosso ordenamento jurídico permite, em certas situações, neutralizar os seus efeitos, temporariamente, em função da lei, de acto administrativo ou decisão judicial.
Na decorrência do que fica dito, importa sublinhar, para o caso sub iudice, que o art.º 170.º n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelece que “a interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação” acautelando, assim, situações, pela injustiça material, ou mesmo pela precipitação escusada, que poderia representar a imediata execução de um acto administrativo, podendo causar dano irreversível, atingindo interesses legítimos mais valiosos dos que se alcançariam com a sua execução imediata.
Torna-se necessário, no entanto, observar e enunciar, neste particular atinente aos recursos das Deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, o disposto no n.º 5 do art.º 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais quando está em causa a suspensão do exercício de funções dos Magistrados Judiciais, que, de resto, importa ao caso trazido a Juízo e que somos chamados a conhecer.
Trata-se de uma imposição legal, de funcionamento automático, que é consonante com o que se preceitua na alínea b) do art.º 71.º do Estatuto dos Magistrados Judicial, segundo o qual “Os magistrados judiciais suspendem as respectivas funções: b) No dia em que lhes for notificada suspensão preventiva por motivo de procedimento disciplinar ou aplicação de pena que importe afastamento do serviço”.


Decorre do consignado n.º 5 do art.º 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais um efeito automático, ex vi legis, é o próprio ordenamento jurídico que previne que “a suspensão da eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções.” Interposto recurso, estando em causa a suspensão do exercício de funções do Magistrado Judicial, a suspensão da eficácia do acto recorrido não actua.
Reconhecendo que o Estatuto dos Magistrados Judiciais não distingue as duas situações no âmbito da produção de efeitos, conforme decorre do art.º 71.º, alínea b) e 170.º, n.º 5 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e não se descortinando, inclusive, qualquer razão que justifique ou imponha tratamento diverso perante as duas situações que tratam da suspensão de funções, definitiva (afastamento do serviço) e preventiva, as quais se enquadram no âmbito das regras respeitantes ao Procedimento Disciplinar do Estatuto dos Magistrados Judiciais, tendo em vista o afastamento do exercício da função (ainda que temporário), impõe-se dizer que há um fundamento racional para esta opção legislativa ao prevenir que a suspensão da eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções (170.º, n.º 5 do Estatuto dos Magistrados Judiciais).
“Se uma medida disciplinar, ela própria, consiste no afastamento do magistrado do exercício da função (ainda que se trate de um afastamento temporário) não teria sentido que a mesma lei permitisse a continuação do exercício, abrindo a possibilidade judiciária, ainda que excepcional, de suspensão da eficácia executiva do acto sancionatório, quando está em causa exactamente o afastamento do exercício de funções”, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2003 (Processo n.º 733/03) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2003 (Processo n.º 03B1392) in, www.dgsi.pt.
Por razões objectivas, de interesse e ordem pública da função judiciária, e, principalmente, do prestígio e da credibilidade do exercício judicativo, enquanto função clássica do Estado de direito, e função judicial de soberania, não se compreenderia que a mesma lei permitisse a continuação do exercício, abrindo a possibilidade judiciária, ainda que excepcional, de suspensão da eficácia executiva do acto sancionatório, ou preliminar deste, quando exactamente, está em causa o afastamento (mesmo que preventivo) do exercício de funções, percebendo-se assim, acentuamos, a razão de ser da suspensão da eficácia do acto não abranger a suspensão do exercício de funções, neste sentido, os enunciados, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Abril de 2003 (Processo n.º 733/03) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 29 de Abril de 2003 (Processo n.º 03B1392), in, www.dgsi.pt.
Respigamos ainda a este propósito do consignado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2003 (Processo n.º 03B1392) in, www.dgsi.pt. “Estamos perante o exercício da função judicativa, como uma das tarefas fundamentais e de soberania do Estado. (“O Estado garante o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático”; “Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do Povo” - artigos: 9º, b) e 205º-1, da Constituição) (…) não é difícil concluir que, neste enquadramento de filosofia de direito e de Estado, se alguém que dá rosto à função judicativa, vier a ser temporariamente afastado por medida disciplinar, não pode, por lei, beneficiar da suspensão de execução da medida, de tal maneira que continuasse no exercício efectivo das funções em causa, como se medida disciplinar não tivesse havido! Seria estranho aos olhos do próprio cidadão comum que confia na Justiça!”, também neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2018 (Processo n.º 59/18.4YFLSB), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio 2003 (Processo n.º 03S1637), in, www.dgsi.pt, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2010 (Processo n.º 28/10.2YFLSB), a cujo sumário se pode aceder em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_1980-2011.pdf.
Revertendo ao caso sub iudice temos de convir que se o Requerente, enquanto Juiz ..., dá rosto, à semelhança dos seus pares, à Justiça em Portugal, termos em que, na esteira da orientação vertida na Jurisprudência citada, não seja compreensível que se suspenda, através de tutela cautelar, a eficácia do acto que determinou a suspensão preventiva de funções.
Decorre dos normativos citados, v. gr. artºs 170.º n.º 5 e 71.º b) do Estatuto dos Magistrados Judiciais, impor-se que o Requerente, AA continue suspenso das funções, não podendo beneficiar da suspensão da execução da medida, que lhe permitiria retomar o exercício efectivo das suas funções.
Tudo visto, com os fundamentos aduzidos, não podemos deixar de julgar improcedente a pretensão do Requerente, AA, importando concluir que as circunstâncias trazidas a Juízo obstam ao decretamento da providência cautelar deduzida, ficando prejudicado o conhecimento de todas as outras questões invocadas pelo Requerente, AA.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes, que constituem a Secção do Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça, em indeferir o requerimento, em sede cautelar, da suspensão de eficácia de acto recorrido, concretamente, da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura tomada na sessão de 4 de Junho de 2019 que ratificou o despacho datado de 4 de Junho de 2019 do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, pelo qual foi determinada a renovação da medida cautelar de suspensão preventiva de funções do arguido, AA, enquanto Juiz ... junto do Tribunal da Relação de Lisboa, por 48 (quarenta e oito) dias.
Custas a cargo do Requerente, AA, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.
Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Julho de 2019

Oliveira Abreu (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

Maria da Graça Trigo

Manuel Augusto de Matos

Joaquim Chambel Mourisco

Nuno Gomes da Silva

Graça Amaral

(a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)