Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1591/18.5T8CTB.C3.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: LIMITES DA CONDENAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
CONTRATO DE TRABALHO
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
ASSÉDIO MORAL
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, a fonte desse direito, o facto de onde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido.
II- A causa de pedir exerce uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o; pelo que o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença.
III- Na apreciação da justa causa de resolução, o tribunal apenas pode considerar a factualidade indicada pelo trabalhador na comunicação escrita enviada ao empregador, como decorre do artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho. 
IV- Numa estrutura empresarial hierarquizada, não saber lidar com a pressão inerente ao exercício de funções, por mais ou menos qualificadas que possam ser, pode ter origens ou causas várias, mas não integra, em abstracto, o conceito de assédio moral prescrito no artigo 29.º do Código do Trabalho. 
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 1591/18.5T8CTB.C3.S1
Origem: Tribunal Relação Coimbra 
Recurso revista
Relator: Conselheiro Domingos Morais
Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado
                 Conselheiro Júlio Gomes                

Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.Relatório
1. - AA intentou acção com processo comum contra
MRN - Manutenção de Rodovias Nacionais, S.A., 
SCUTVIAS - Autoestradas da Beira Interior, S.A. e
GLOBALVIA INVERSIONES, S.A. alegando, em síntese, que foi contratado em 22 de Julho de 2002 pela empresa “SCUTVIAS – AUTOESTRADAS DA BEIRA INTERIOR, S.A.”, tendo a 31 de Janeiro de 2018 o seu contrato sido transferido para a R. MRN, sendo que as rés estão em relação de grupo, sendo detidas em mais de 75% pela terceira ré, sociedade de direito espanhol, defendo por isso, e antes de mais, a legitimidade das três sociedades (MRN, SCUTVIAS e GLOBALVIA) para a causa; que, por comunicação remetida em 25 de Maio de 2018 e recebida em 28 de Maio de 2018 pela ré MRN, resolveu seu contrato de trabalho com fundamento em justa causa invocando para o efeito as “sucessivas alterações na empresa” e o fato de lhe terem sido atribuídas “funções para as quais não tem formação e num departamento ao qual nunca esteve ligado”, o ter passado a depender do diretor geral, o que entende aumentar a pressão sobre si e o facto de a mulher ter sido despedida recentemente.  
Terminou, pedindo a condenação das RR no pagamento da quantia de 181 160,20 €, a título de indemnização por justa causa e outras prestações retributivas, acrescida de 5 000,00 € por danos não patrimoniais.
2. - As RR contestaram, concluindo pela improcedência da acção.
3. – Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: 
I – Reconhecer a licitude da resolução do contrato de trabalho efetuada pelo trabalhador;
II - Recusar a aplicação do preceito resultante da conjugação das normas contidas nos artigos 334.º do Código de Trabalho e 481.º/2 do Código das Sociedades Comerciais, na parte em que impedem a responsabilidade solidária de sociedades com sede fora do território nacional, por créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, de empregadores com as quais se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, por violação do princípio da não descriminação em razão da nacionalidade e da igualdade de tratamento, contido no art.º 13.º nºs. 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
III - Consequentemente, condenar as Rés “MRN – MANUTENÇÃO DE RODOVIAS NACIONAIS, S.A.”, “SCUTVIAS – AUTOESTRADAS DA BEIRA INTERIOR S.A.” e “GLOBALVIA INVERSIONES S.A.”, solidariamente, a pagar ao autor:
g) A quantia de 24.494,33€, referente a indemnização por antiguidade;
h) A quantia de 2.510€, pelo desconto indevido do aviso prévio;
i) As diferenças salariais que ao autor são devidas por o seu vencimento não ter sido actualizado quando em Abril de 2010 passou a exercer funções de chefia, e cujo montante se relega para liquidação de sentença, nos termos acima expostos;
j) Às quantias referidas acrescem juros, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento;
III - Condenar a Ré “MRN – MANUTENÇÃO DE RODOVIAS NACIONAIS, S.A.”, a pagar ao autor:
k) A quantia de 5.000€ a título de danos não patrimoniais;
l) À quantia referida acrescem juros, à taxa legal, desde a data da presente sentença e até integral pagamento;
IV – Absolvem-se as rés do demais peticionado.
4. - Por acórdão de 2022.01.28, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu: 
(N)a parcial procedência do recurso, acorda-se em revogar a sentença recorrida, absolvendo-se as Rés dos pedidos contra si formulados pelo A.  
5. - O autor interpôs recurso de revista, concluindo:
1) Vem o recorrente, por via do presente recurso, submeter à apreciação de V. Exas. duas questões: a nulidade da sentença proferida pela 1ª instância (declarada pelo acórdão do qual se recorre) e a licitude do seu despedimento, declarada naquela instância, mas decidido em sentido diverso no acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”.
2) Considerou o Tribunal “a quo” que a sentença recorrida padecia da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º1, al. e), do CPC, por ter condenado as Rés – ali apelantes – em objeto diverso do pedido, quando as condenou ao pagamento das diferenças salariais que seriam devidas ao A., por não ter sido atualizado o seu vencimento em abril de 2010, altura em que passou a exercer as funções de ... e cujo montante se relegou para execução de sentença.
3) Todavia, é nosso entendimento que a condenação das recorridas no pagamento de diferenças salariais cabe no pedido feito pelo autor (“diferença de vencimento/chefe”).
4) O facto de não ter resultado provado que as funções que passou a exercer em abril de 2010, eram iguais às de BB (com base no qual o A. havia calculado as diferenças salariais), apenas impunha que fosse outro o critério a utilizar para o cálculo das diferenças salariais, que comprovadamente existiram.
5) Com efeito, ficou provado que o A., desde abril de 2010, tinha passado a desempenhar funções de chefia, a que apenas foi formalmente promovido em 2012, sem a devida atualização salarial.
6) Destarte, quando a sentença de primeira instância entendeu que, efetivamente, existiam diferenças salariais por apurar, mas cujo cálculo não poderia assentar na remuneração de BB, mas - ao invés - na remuneração do A. desde que formalmente promovido (valor que desconhece, e cuja liquidação por isso mesmo relega liquidação de sentença), condenou dentro dos limites legais, como definidos no artigo 609.º do CPC.
7) Ao ter entendido pela verificação da nulidade, é nosso modesto entendimento (e sempre sem prejuízo de melhor opinião), que o Tribunal “a quo” fez errada interpretação do artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
8) Termos em que, deve revogar-se este segmento decisório, ficando a prevalecer a sentença de primeira instância e a condenação das RR. naqueles exatos termos.
9) Por outro lado, considerou o acórdão do Tribunal “a quo” que os factos provados não eram de molde a preencher a situação de “mobbing” prevista no artigo 29.º do C.T, nem qualquer violação de uma garantia legal, pelo que considerou ilícita a resolução do contrato de trabalho pelo A.
10) Contrariamente, o Tribunal de primeira instância havia considerado que todas as condutas da empregadora para o com o A., globalmente consideradas no seu conjunto e dado o seu prolongamento no tempo, eram aptas a criar desconforto e mal-estar no trabalhador, ferindo a sua integridade moral – consequências que igualmente se provaram.
11) O que concluiu pelo esvaziamento das funções do A., pela diminuição do nível das suas responsabilidades, bem como pelo facto de lhe terem sido atribuídas funções para as quais o A. não tinha experiência, tendo-se ainda reduzido o pessoal sob sua alçada, o que culminou na sua chefia sob um departamento com atribuições “aquém” das anteriores e com apenas uma funcionária.
12) Reconhecendo a douta sentença que a Empregadora poderia não ter agido com o propósito de fazer sentir ao A. que estava a mais na empresa, a verdade é que deu por provado que esse tinha sido o efeito das suas alterações, o que era bastante para se verificar uma situação de assédio. Concluiu, portanto, que esses factos, pelas suas repercussões na saúde do A., tornavam imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vínculo.
13) É este, quanto a nós, o entendimento correto e que deve prevalecer, revogando-se o acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”.
14) Com efeito, entende o Tribunal “a quo” que não se verificou “esvaziamento de funções”, porquanto, após a reestruturação dos serviços, as funções do A. apenas deixaram de compreender tarefas relacionadas com reparação de viaturas e gestão de contratos de comunicações móveis, mantendo-se as restantes.
15) Além disso, considera o acórdão ora recorrido que, se por um lado, a lei dispensa o “objetivo” de afetar a vítima (bastando-se com esse efeito), por outro, não se concebe o assédio sem um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável.
16) Considerando não preenchido este pressuposto, conclui não existir assédio moral.
17) Ora, dos factos elencados como provados na sentença, sob os números 21, 22, 25, 27, 32, 33, 43, 44, 81, 98, 99, 100, 101, resulta que, efetivamente, existiu um conjunto de condutas da Empregadora que, no seu conjunto, eram aptas a criar (e criaram) desconforto e mal-estar no trabalho, com consequências diretas na saúde do A.
18) Da matéria tida por provada na primeira instância, e que se manteve inalterada pelo Tribunal “a quo”, temos que: i) o autor conseguiu, por força do seu trabalho e dedicação (ponto de facto n.º16), passar de fiel de armazém (ponto de facto n.º12) a técnico administrativo e ... (factos números 13 e 14); ii) desde junho a setembro de 2017, o A. (que antes chefiava quatro pessoas), ficou sem equipa para chefiar e desenvolver o seu trabalho (ponto de facto n.º19 e 20); iii) nesta altura, também a sua esposa cessa o contrato de trabalho com a empregadora (ponto de facto n.º 26); iv) em setembro de 2017, é criado o serviço de “secretariado e serviços administrativos” que o recorrente passou a chefiar (facto n.º21), sem formação ou experiência (facto n.º22), tendo a sua equipa sido posterior e novamente reduzida e limitada a uma pessoa que ele caberia “chefiar” (factos n.º23 e 35), pese embora sem qualquer experiência nas funções.
19) Simultaneamente, com menos responsabilidade, o A. passa a estar diretamente dependente da direção geral, o que nunca tinha acontecido.
20) Ora, analisado este processo, parece-nos inegável que as alterações verificadas desde 2017 resultaram na diminuição/desconsideração profissional do A., menosprezaram o seu historial de ascensão bem como a dedicação e importância que lhe era reconhecida no seio da empresa, o que, logicamente, foi por ele sentido, tendo-se gerado um clima de hostilidade que lhe causou desconforto e mal-estar no trabalho.
21) Por outro lado, cabe não olvidar que se deu por provado que o diretor geral se mostrou recetivo à saída do A (ponto de facto n.º 33), e que o mesmo nunca foi substituído após a resolução contratual, o que só vem confirmar aquilo que o ora recorrente já tinha percecionado com as alterações verificadas: a sua presença era absolutamente dispensável na empresa.
22) Pelo que, com o devido respeito, a mera quantificação das funções do A. antes e após a reestruturação (como faz o Tribunal “a quo”), não se figura mecanismo suficiente, cabendo fazer uma análise global do processo de reestruturação e do percurso do recorrente (donde resulta a perda de responsabilidade, a sua alocação, enquanto chefe, num serviço para o qual não tinha experiência, com a repetida redução de trabalhadores sob sua alçada, a diminuição de funções…).
23) Todos os comportamentos da entidade laboral tiveram como efeito a perturbação do A., com consequências diretas na sua saúde psíquica, pelo que a manutenção do vínculo se afigurava inexigível.
24) A análise global dos factos encerra necessariamente a conclusão de que existiu assédio, sendo que o A. era um elemento prescindível (tanto que não foi substituído e a redução de pessoal continuou após a sua saída), o que foi por ele percecionado ao longo da relação laboral e desde 2017, por via de um conjunto de condutas da empregadora que efetivamente o colocaram “a um canto”, tudo com consequências diretas na sua saúde.
25) Por fim, cabe relembrar, como aliás tem vindo a ser reconhecido na jurisprudência, que o rigor na apreciação da justa causa pelo trabalhador terá sempre que ter em linha de conta que o mesmo apenas dispõe de duas hipóteses: ou executa ou rescinde.
26) Ainda que se considere não existir assédio, sempre estas condutas seriam aptas a violar as garantias previstas no artigo 129º, n.º 1, al. c) e e) do C.T.
27) A factualidade provada era de molde a concluir pela justa causa do A. para resolver o contrato de trabalho.
28) Ao não o ter entendido assim, é nosso entendimento que o Tribunal “a quo” violou o artigo 29.º, n.º 1, bem como o art. 394.º, n.º 2, al. b) e 129.º - todos do C.T.
6. – As RR contra-alegaram, concluindo pela improcedência da revista.
7. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.   
8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto
1. - O acórdão recorrido considerou provada a seguinte factualidade, que se transcreve:  
a) Factos provados
1) O A. foi contratado em 22 de julho de 2002 pela empresa Scutvias – Autoestradas da Beira Interior, S.A. 
2) A 31 de janeiro de 2018 foram celebrados os contratos que estão juntos com os documentos 1 e 2 à P.I, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
3) Como resulta dos documentos supra juntos, já há vários anos que o autor prestava os seus serviços para a 1ª ré.
4) De acordo com o disposto na cláusula primeira do Doc. 2 a primeira ré “assume e reconhece integralmente para todos os efeitos legais, a partir da data de produção de efeitos da presente adenda, a antiguidade que o Segundo Contraente detinha na SCUTVIAS - Autoestradas da Beira Interior, S.A., ou seja, a antiguidade reportada a 22.07.2002.”
5) As primeiras RR. estão, ademais, em relação de grupo, sendo detidas em mais de 75% pela terceira ré, sociedade de direito espanhol.
6) Na sequência do reforço da posição da terceira ré no capital das duas primeiras foi iniciado um processo de reestruturação que levou a que em junho de 2017 a segunda ré diminuísse em cerca de duas dezenas o número dos funcionários que para si laboravam (alguns dos quais vinculados a empresa de trabalho temporário)
7) Tendo a SCUTVIAS transferido para a MRN a sua atividade de manutenção.
8) E com ela, os trabalhadores afetos a essa atividade que se mantiveram após a reestruturação.
9) Entre eles o A.
10) Que já se encontrava cedido pela primeira ré à segunda desde 2010.
11) Todos estes factos tiveram amplo eco na imprensa, como melhor o demonstram as notícias que juntas e numeradas como documentos 3 a 7 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
12) Originalmente contratado como fiel de armazém (em 2002), o A. desenvolveu o seu trabalho com tal empenho e produtividade que em 2008 foi promovido às funções de técnico administrativo.
13) Em 1 de abril de 2010 passou a desempenhar funções de ..., mantendo, no entanto, a categoria de técnico administrativo e mantendo também a isenção de horário de trabalho.
14) A partir de abril de 2012 foi promovido formalmente a ....
15) De entre as suas funções estavam a de responsável pela logística, processos de compra, responsável contratual e operacional da frota. Responsável de telecomunicações (gestão de cartões, redes fixas e dados)
16) Um percurso apenas conseguido pela sua grande dedicação às funções desempenhadas.
17) Sucede que em dezembro de 2016 a 3.ª Ré adquiriu ao grupo S... a posição que este detinha nas duas primeiras RR. (Cfr. “comunicado de informação privilegiada” junto numerado como documento 8).1)
18) Passou a deter 55,55% de cada uma das primeiras R. e iniciou o processo de reestruturação atrás referido que teve como ponto importante a cessação do contrato de trabalho de cerca de 20 trabalhadores em junho de 2017.
19) Até 2017, o Autor chefiava um departamento de 5 pessoas, sendo que este número já o incluía a si.
20) Àquela data três cessaram o seu contrato e outra veio a ser mais tarde colocada noutro departamento.
21) Em setembro de 2017 foi criado o serviço denominado de “secretariado e serviços administrativos”, sendo colocado na chefia do mesmo, o autor.
22) Sem qualquer experiência nem formação para os serviços de secretariado.
23) A tal serviço competia designadamente atender o telefone, ir buscar e levar cartas aos correios, buscar e levar automóveis à oficina, comprar mercearias, funções que também eram exercidas pelo autor.
24) Em 14 de março de 2018 uma das pessoas por si “chefiada” foi alocada a outro departamento.
25) Passou a depender do diretor geral em lugar do diretor financeiro, de quem sempre dependeu.
26) O contrato da esposa do autor cessou em junho de 2017.
27) Com a transferência de uma das duas pessoas por si chefiadas para outro departamento, ficou só o autor e uma secretária para fazer o trabalho afeto ao serviço denominado de “secretariado e serviços administrativos”.
28) As referidas alterações fizeram sentir ao autor que estava a mais na empresa.
29) E provocaram-lhe desgaste.
30) O autor passou a andar triste, desmotivado e deprimido.
31) Marcou consulta de psiquiatria e, em 24 de abril de 2018 foi-lhe diagnosticado “perturbação de ansiedade, cansaço, desmotivação, desesperança (possivelmente “...”) no contexto de problemática laboral.” (cfr. relatório médico junto numerado como documento 9)
32) Nesse mesmo dia abordou o diretor geral da primeira Ré alegando que não aguentava mais e aceitava sair desde que lhe fosse garantido o direito ao subsídio de desemprego (nomeadamente por via de um acordo de cessação nos termos do disposto no artigo 10.º do DL 220/2006).
33) O referido Diretor mostrou-se de imediato recetivo para um acordo de revogação e entregou ao A. uma simulação dos valores a receber se este consumasse a sua saída até 30 de abril de 2018. (cfr. Doc. 10).
34) Simulação de onde consta até um valor de “indemnização por cessação de contrato por acordo.” (cfr. doc. 10, fls 1)
35) Mas não aceitou que o acordo fosse elaborado de molde a que o A. pudesse ter direito a subsídio de desemprego.
36) O A. continuou a trabalhar na empresa.
37) No dia 4 de maio de 2017 foi-lhe concedida uma baixa médica pelo período de 12 dias, com efeitos a partir de 5 de maio de 2018 por “perturbação ansiosa”. (cfr. Doc. 11).
38) Que veio a ser renovada por mais 30 dias com efeitos a partir de dia 17 de maio de 2018, com o mesmo motivo. (Cfr. Doc. 12 que ora se junta).
39) Por carta datada de 21 de maio de 2018 e recebida a 28 de maio que constitui o documento 13 da P.I, o Autor comunicou à Ré o seguinte:
Ex.mos Srs.
Como é do conhecimento de V. Ex.as, foi-me concedido um segundo período de baixa médica por motivos de foro psicológico.
Após um primeiro período de 12 dias em que tentei recuperar do estado de perturbação ansiosa em que me encontro, o facto de não apresentar melhoras levou a que me fosse passada mais uma baixa, desta vez por período de 30 dias, entregue a V. Ex.as na pretérita sexta-feira.
Sucede que o estado em que me encontro é, como bem sabem, causado pelas pressões laborais.
Com efeito, as sucessivas alterações na empresa colocaram-me numa situação em que me vejo forçado a desenvolver funções para as quais não tenho formação, num departamento ao qual nunca estive ligado, sempre com a sensação de que apenas se pretende que me seja criado o desconforto necessário para que me despeça.
Assim, e mais concretamente:
Até Junho de 2017 e desde Abril de 2010, fui ..., responsável pela logística, processos de compra, responsável contratual e operacional pela frota, pelas telecomunicações (gestão de cartões, redes fixas e dados), etc.
Tinha a meu cargo um departamento que formávamos 5 pessoas.
Em Junho de 2017 V. Exas procederam a uma reestruturação que levou a que as três das quatro pessoas que trabalhavam sobre a minha chefia fossem despedidas e a outra fosse alocada a serviço diferente.
De aí a Setembro mantive-me nas mesmas funções, mas chefiando-me a mim mesmo e sem equipa que me permitisse desenvolver o trabalho.
Em Setembro passei a dirigir a equipa do secretariado. Sem qualquer preparação para isso, como “chefe” só de nome uma vez que qualquer pessoa da equipa estava melhor preparada para essas funções do que eu.
Assim, o “chefe” é um status, mas as funções são de secretário
Entretanto também uma das duas pessoas que constituíam a equipa do secretariado foi “alocada” a outro departamento, em 14 de Março.
Entre as minhas funções atuais estão o atendimento do telefone, ctt, fazer de estafeta, buscar e levar carros à revisão…. Ir comprar mercearias…
Não tenho qualquer problema com o trabalho. Nunca tive. Embora me afecte, não é vergonha o sentimento que tenho por ter passado de chefe efetivo de departamento a estafeta, por ter deixado de depender apenas do diretor financeiro.
Aliás, o facto de ter passado a depender do diretor geral aumenta sobremaneira a pressão exercida sobre mim. Na verdade, com as funções que ora desempenho, poderia depender de qualquer um dos meus colegas. Sou pouco mais que um estafeta…
Mas dependo do diretor geral, o que só se compreende dentro de uma estratégia de pressão a ser exercida sobre mim.
Conjugando tudo o supra referido com o despedimento recente da minha mulher por V. Ex.as, constato que também eu sou “persona non grata” e que tudo tem sido feito para me arrumar a um canto, dando-me trabalhos que eu possa achar menos edificantes com um propósito que me parece pouco claro e que entendo ultrapassar a mera redefinição de funções.
É com essa pressão que não consigo lidar.
É essa pressão que me transtorna, me causa “perturbação de ansiedade, cansaço, desmotivação, desesperança (possivelmente ...) no contexto de problemática laboral”, como consta de relatório médico que anexo.
Tentei – como bem sabem – evitar esta tomada de posição e negociar uma saída consensual da empresa, mas a vossa posição não me deixa outra alternativa que a de resolver o meu contrato, invocando para tanto justa causa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 394/1 do Código do Trabalho, nomeadamente de acordo com os fundamentos previstos nas alíneas b) e f) do nº 2.
40) A 1.ª R. respondeu ao A. nos termos que constam da carta junta numerada como documento 14.
41) Com relevo, diga-se ainda, que, no dia 4 de junho de 2018 o trabalhador foi submetido a junta médica para verificação da situação de incapacidade, tendo dela resultado que naquela data ainda subsistia a incapacidade temporária. (cfr. Doc. 15).
42) O A., através do seu mandatário, deu conhecimento à primeira Ré do resultado da referida junta médica (Cfr. carta datada de 13 de Junho de 2018 junta e numerada como documento 16 e se dá por integralmente reproduzida).
43) Quatro meses volvidos sobre a denúncia do contrato por parte do A., a primeira Ré ainda não tinha contratado ninguém para desempenhar as suas funções.
44) Desde então os quadros de pessoal foram reduzidos em pelo menos dois elementos (CC e DD), não tendo sido contratados quaisquer trabalhadores para os substituir.
45) Em abril de 2010 o A. passou a desempenhar funções de chefia.
46) A partir de abril de 2010, ou melhor em 1 de abril de 2010 foi celebrado o acordo que constitui o documento 17 da P.I., o qual o Autor passou a beneficiar da isenção do horário de trabalho.
47) A 31 de março de 2010 o chefe dos serviços administrativos BB, saiu dos quadros da empresa.
48) Nessa data foi solicitado ao autor que passasse a desempenhar algumas das funções até aí desempenhadas pelo referido Sr., o que este aceitou.
49) A partir de abril de 2010, ou melhor em 1 de abril de 2010 foi celebrado o acordo que constitui o documento 17 da P.I., o qual o Autor passou a beneficiar da isenção do horário de trabalho.
50) Embora no texto do referido acordo conste que o trabalhador tem a categoria de técnico administrativo, as funções que passou a desempenhar foram as de chefia.
51) Provado que da carta de resposta à resolução do A., junta aos autos com a petição como documento 14, pode ler-se na segunda página:
Vejamos:
Entre Abril de 2010 e Junho de 2017, V. Exa. assumiu as funções internamente designadas de ..., ao qual competia a coordenação dos ... que funcionavam na dependência da ...”.
52) E no certificado de trabalho anexo à mesma carta (Doc. 14, última folha), consta que “AA foi trabalhador nesta empresa no período compreendido entre 1 de Abril de 8 de Maio de 2018, no âmbito do qual assumiu as funções de chefe de serviços.”
53) Apesar da promoção, o A. manteve o seu vencimento.
54) Que era, à data, de 856 euros (cfr. Doc. 18).
55) O Sr. BB auferia a quantia de 1960€, a que acresciam 25% por IHT, perfazendo um total de 2.450€ mensais.
56) De acordo com o documento 14, aos ... que o Autor coordenava competiam com as seguintes funções:
"(i) A gestão de frota, nomeadamente a gestão de contratos e situações operativas de viaturas como controlo de combustíveis consumidos e controlo de km;
(ii) A gestão do fardamento (que incluía a realização de compras e distribuição de acordo com as solicitações dos serviços);
(iii) A realização de compras diversas e operacionais;
(iv) A gestão do economato;
(v) A elaboração de requisições de compras pelos diversos serviços;
(vi) A realização de pequenas reparações em viaturas;
(vii) A gestão de contratos de comunicações móveis e fixas; e a
(viii) entrega de correspondência a expedir pelos ctt.”
57) As funções do Sr. BB à data da cessação não incluíam as seguintes:
“(i) A gestão de frota, nomeadamente a gestão de contratos e situações operativas de viaturas como controlo de combustíveis consumidos e controlo de km;
(ii) A gestão do fardamento (que incluía a realização de compras e distribuição de acordo com as solicitações dos serviços);
(vi) A realização de pequenas reparações em viaturas;
(vii) A gestão de contratos de comunicações móveis e fixas;”
58) Sendo que durante a execução do contrato chegou a ter as funções de gestão de contratos de comunicações móveis e fixas, que no entanto já lhe tinham sido retiradas à data da cessação.
59) Ora, o vencimento do A. que era em abril de 2010 de 1070 euros (856 euros + 25% de IHT= 1070) teve a seguinte progressão:
- A partir de janeiro do 2011: 880 + IHT = 1100€ (cfr. recibo que se junta numerado como doc. 18);
- A partir de janeiro de 2013:1200 + IHT = 1500€ (cfr. recibo que ora se junta numerado como doc.19);
- A partir de janeiro de 2014:1236 + IHT= 1545€ (cfr. recibo que ora se junta numerado como doc. 20);
- A partir de janeiro de 2016: 1255+ IHT= 1568,75€ (cfr. recibo que ora se junta numerado como doc. 21)
60) Com a cessação do contrato de trabalho o A. recebeu a quantia que consta do recibo junto numerado como documento 22.
61) Foram-lhe processadas as seguintes quantias:
- Proporcionais de férias: 653,65;
- Proporcionais de subsídio de férias: 653,65;
- Proporcionais de subsídio de natal: 653,65;
- Férias não gozadas: 1140,91€; Tudo num total de 3101,86€
62) Como se constata do documento 23 supra junto, a 1.ª R. descontou 2510 euros ao A. por falta de aviso prévio.
63) Fê-lo por não reconhecer a justa causa invocada pelo A.
64) É prática instituída nas RR. a de pagar em junho de cada ano um prémio de produtividade relativo ao desempenho no ano anterior.
65) Prémio esse que tem por valor indicativo o de um vencimento e pode ser menor consoante fatores como a assiduidade, a pontualidade, a disponibilidade e a disciplina.
66) Pelo menos nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, o Autor recebeu o prémio por inteiro sem quaisquer deduções.
67) No ano de 2018 não lhe foi pago o prémio relativo a 2017.
68) Sendo certo que em 2017 o A. manteve o comportamento de sempre, de absoluta disponibilidade para o trabalho, pontualidade, assiduidade (sem qualquer dia ou hora de falta) e disciplina.
69) À data do despedimento o A. auferia 1255 euros de vencimento bruto.
70) A que acresce desde abril de 2010 um acréscimo de 25% como compensação por Isenção de Horário de Trabalho. (Cfr. Doc. 18).
71) O autor trabalhou consecutivamente para a 1ª e 2ª ré desde 2002.
72) Sempre se destacou na empresa pelo enorme empenho.
73) Até adoecer em 2018, nas circunstâncias supra descritas, teve uma carreira imaculada, sem registo disciplinar, sem faltas, sem atrasos.
74) Licenciou-se em solicitadoria, enquanto estudante trabalhador.
75) Prestou serviço mesmo em dias de férias, para o bem e no interesse da entidade patronal.
76) Em 16 anos de absoluta dedicação.
77) Interrompidos com a saída do autor, nas circunstâncias supra descritas.
78) Nessas circunstâncias veio a ser diagnosticada ao A. uma “perturbação de ansiedade, cansaço, desmotivação, desesperança (possivelmente “...”) no contexto de problemática laboral”.
79) Patologia de que ainda não teve alta.
80) As partes outorgaram em 31.03.2018 documento que designaram de “Suspensão Consensual do Vínculo Contratual” junto como documento nº 1 e se dá por integralmente reproduzido e no qual foi acordado: (i) suspender o contrato de trabalho celebrado em 22.07.2002 entre Autor e SCUTVIAS pelo período compreendido entre o dia 1.04.2010 e 31.03.2014; (ii) em consequência o autor entregou à SCUTVIAS todos os meios de trabalho que por esta lhe tinham sido entregues; (iii) no período de suspensão referido em (i) o Autor passou a prestar o seu trabalho à MRN.
81) O encadeamento dos factos que terão motivado a resolução do contrato de trabalho por parte do Autor mostra-se passível de ser agrupado em três períodos temporais distintos, segundo o artigo 37º da Petição Inicial: (i) um primeiro, de junho a setembro de 2017, onde se inclui o suposto esvaziamento das funções do Autor, por terem sido distribuídas a outros departamentos e terem sido despedidos 3 dos funcionários que estavam sob a sua alçada e o trabalhador ter sido alocado a outro departamento; (ii) um segundo, a partir de setembro de 2017 em que o Autor foi colocado no departamento de secretariado para o qual não tem qualquer formação e foram-lhe atribuídas funções de secretário e de estafeta; (iii) um terceiro, em março de 2018, quando uma das pessoas por si chefiadas foi transferida para outro departamento ficando só o Autor e uma secretária para este trabalho de secretariado e estafeta.
82) O autor não decidiu avançar para qualquer resolução contratual na sequência dos factos descritos quanto ao primeiro período de junho/2017 e setembro de 2017 e ainda ao período a partir de setembro de 2017.
83) Como foi, de facto, alvo de notícia nos vários meios de comunicação social (Cfr. Documentos 3 a 8 juntos com a Petição Inicial) por força de alteração societárias que ocorreram no grupo de sociedades que as Rés integram e em particular o reforço da posição acionista da GLOBALVIA no capital da SCUTVIAS e da MRN, as Rés SCUTVIAS e MRN levaram a cabo um processo de reestruturação organizacional, transversal e que determinou a cessação de vários contratos de trabalho, em virtude da redundância de vários postos de trabalho em ambas as empresas.
84) Tratou-se de um processo negocial em que se procedeu à cessação dos contratos de trabalho por acordo com os vários trabalhadores afetados e no qual as Rés, SCUTVIAS e MRN tentaram, dentro do que é possível neste tipo de situações, assegurar aos trabalhadores a melhor defesa dos seus interesses.
85) Designadamente pelo pagamento a todos os envolvidos de uma compensação pela cessação do contrato de trabalho de valor bastante superior ao que resultaria da aplicação da fórmula legal e que seria devida caso qualquer das empresas tivesse enveredado pelo despedimento coletivo.
86) A esposa do autor celebrou em 8/6/2017 um acordo de revogação de contrato de trabalho, tendo por isso cessado por acordo.
87) A mulher do Autor passados cerca de seis meses após a cessação do contrato, estabeleceu um pequeno negócio, no qual o Autor colabora com regularidade.
88) Este processo de reestruturação conheceu a sua fase mais aguda em 2017, no período compreendido entre abril e setembro de 2017, por ser o período de implementação da nova acionista e da reorganização e adaptação das estruturas empresariais à nova realidade daí resultante, conduzindo à cessação de contratos de trabalho com maior número de trabalhadores, mas, à semelhança do que sucede com processos idênticos, é um processo que se traduz também, na adoção de medidas destinadas à manutenção e não à cessação de vínculos e como tal à própria redefinição da estrutura que irá prosseguir a atividade da empresa.
89) O Autor foi contratado pela MRN em 1 de abril de 2010 para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de “Técnico Administrativo”, tal como definidas no CCT aplicável e que sumariamente consistem em executar tarefas administrativas numa ou várias áreas funcionais da empresa, com autonomia de atuação, bem como outras de que a Empregadora o possa incumbir por serem afins ou funcionalmente ligadas e ainda as que a especial relação laboral em causa vier a exigir” – cfr. Cláusula primeira do contrato de trabalho celebrado com a MRN junto como Documento nº 2 e se dá por integralmente reproduzido.
90) Entre abril de 2010 e junho de 2017, o Autor assumiu as funções inerentes à categoria profissional interna e designada como “...”, ao qual competia a coordenação dos ... que, à data, funcionavam na dependência da ....
91) Provado que de acordo com o documento 14, aos ... que o Autor coordenava competiam com as seguintes funções: "(i) A gestão de frota, nomeadamente a gestão de contratos e situações operativas de viaturas como controlo de combustíveis consumidos e controlo de km; (ii) A gestão do fardamento (que incluía a realização de compras e distribuição de acordo com as solicitações dos serviços); (iii) A realização de compras diversas e operacionais; (iv) A gestão do economato; (v) A elaboração de requisições de compras pelos diversos serviços;(vi) A realização de pequenas reparações em viaturas; (vii) A gestão de contratos de comunicações móveis e fixas; e a (viii) entrega de correspondência a expedir pelos ctt.”
92) Até 2017, o Autor chefiava, um departamento de 5 pessoas, sendo que este número já o incluía a si.
93) Na sequência da reestruturação acima identificada os “...” passaram a designar-se por “...” e deixaram de estar sob a alçada da ... e passaram a estar diretamente sob a alçada da Direção Geral.
94) Esta nova organização, com a dependência direta da Direção Geral, sucedeu igualmente quanto a vários outros serviços, tendo uma natureza global e transversal conforme Informação Geral transmitida pelas Rés a todos os seus trabalhadores em 9 de Junho de 2017 junta como Documento nº 3 e se dá por integralmente reproduzido.
95) Paralelamente, foram criados outros serviços e direções específicas para algumas áreas que se encontravam dispersas por vários departamentos.
96) No que respeita ao secretariado e serviços administrativos, este departamento, deixa de compreender as tarefas relacionadas com a reparação de viaturas em 8 de junho de 2017 e com a gestão e contratos de comunicações móveis, já em 2018.
97) Manteve todas as demais responsabilidades referidas em 91) e passou a acumular as seguintes: (i) Registo e distribuição de correspondência recebida; (ii) Entrega de depósitos bancários; e (iii) Receção e encaminhamento de chamadas exteriores;
98) Em face da reorganização dos Serviços e porque deixaram de estar compreendidas as tarefas supra identificadas (em 96), deixou de ser necessário manter no departamento o trabalhador com funções inerentes à categoria de fiel de armazém,
99) E por esse motivo, esse trabalhador deixou de estar sob supervisão do Autor.
100) Simultaneamente e ainda no contexto do processo de reestruturação, as duas trabalhadoras administrativas e o trabalhador com a categoria de mecânico - identificados supra e que, juntamente com o trabalhador com a categoria de fiel de armazém, perfaziam os quatro trabalhadores chefiados pelo Autor – cessaram os respetivos contratos de trabalho mediante acordo de revogação.
101) A reestruturação determinou igualmente a colocação nos serviços e sob responsabilidade direta do Autor de uma equipa com o total de quatro trabalhadores, dois trabalhadores administrativos, sendo que uma delas em março foi transferida e duas empregadas de limpeza que lá foram colocadas em fevereiro de 2018.
102) Após a redenominação o referido departamento compreendia as seguintes tarefas: (i) Gestão de frota, nomeadamente, a gestão de contratos e situações operativas de viaturas como controlo de combustíveis consumidos e controlo de quilómetros; (ii) A gestão do fardamento (que incluía a realização de compras e distribuição de acordo com as solicitações dos Serviços); (iii) A realização de compras diversas e operacionais; (iv) A gestão do economato; (v) A elaboração de requisições de compras pelos diversos Serviços; (vi) A realização de pequenas reparações em viaturas; (vii) A gestão de contratos de comunicações móveis e fixas; (viii) A entrega de correspondência a expedir pelos CTT.
103) Deixaram de estar compreendidas nos Serviços, as tarefas identificadas em (vi) e (vii).
104) Para além disso, importa não esquecer que o Autor foi contratado pela MRN para o Desempenho das funções inerentes à categoria profissional de “Técnico Administrativo” e que sumariamente consistem em executar tarefas administrativas numa ou várias áreas funcionais da empresa, com autonomia de atuação, bem como outras de que a Empregadora o possa incumbir por serem afins ou funcionalmente ligadas e ainda as que a especial relação laboral em causa vier a exigir.
105) O Autor realizou em 2008 formação como Solicitador.
106) O senhor BB era trabalhador da SCUTVIAS e não da MRN.
107) O Autor foi contratado pela MRN para o exercício das funções inerentes categoria de “Técnico Administrativo”, tal como definidas no CCT aplicável e que sumariamente consistem em executar tarefas administrativas numa ou várias áreas funcionais da empresa, com autonomia de atuação, bem como outras de que a empregadora o possa incumbir por serem afins ou funcionalmente ligadas e ainda as que a especial relação laboral em causa vier a exigir”.
108) Entre abril de 2010 e junho de 2017, o Autor assumiu as funções inerentes à categoria profissional interna e designada como “...”, ao qual competia a coordenação dos ... que, à data, funcionavam na dependência da ....
109) Aos referidos Serviços competia levar a cabo: (i) Gestão de frota, nomeadamente, a gestão de contratos e situações operativas de viaturas como controlo de combustíveis consumidos e controlo de quilómetros; (ii) A gestão do fardamento (que incluía a realização de compras e distribuição de acordo com as solicitações dos Serviços); (iii) A realização de compras diversas e operacionais; (iv) A gestão do economato; (v) A elaboração de requisições de comoras pelos diversos Serviços; (vi) A realização de pequenas reparações em viaturas; (vii) A gestão de contratos de comunicações móveis e fixas; (viii) A entrega de correspondência a expedir pelos CTT.
110) O Senhor BB foi contratado pela SCUTVIAS em 12 de novembro de 1991, para o exercício das funções inerentes à categoria de Chefe de Escritório, conforme contrato de trabalho junto como Documento nº 4 e se dá por integralmente reproduzido, tendo sido a segunda pessoa a ser admitida na Empresa.
111) No início da estruturação da SCUTVIAS, o senhor BB teve um papel relevante sendo a pessoa de confiança do ... à data, bem como do ....
112) Num contexto de criação da estrutura e organização dos serviços da SCUTVIAS, o senhor BB foi o responsável pela realização, coordenação e realização de funções administrativas/secretariado, bem como apoio administrativo na área de Recursos Humanos.
113) No período compreendido entre 1999 e 2006, com a categoria ainda de Chefe de Escritório, estiveram sob sua responsabilidade as seguintes atividades: (i) Responsável pelo cumprimento das obrigações legais com a Segurança Social, Inspeção geral do trabalho, coordenação das obrigações da Empresa em matéria de medicina no trabalho, gestão dos contratos de trabalho e renovações; (ii) Participação em entrevistas de seleção; (iii) Responsável por analisar e encaminhar correspondência recebida e expedida/ outras actividades de secretariado; (iv) Elaboração e controlo de folhas de caixa e conta corrente do CAM (Centro de Assistência e Manutenção); (v) Responsável pela elaboração de escalas de serviço em regime de turnos; (vi) Gestão de Frota – Controlo de quilómetros – revisões – inspeções e controlo de combustíveis gastos, bem como organização e distribuição de cartões de combustíveis; (vii) Responsável pela realização de compras – Consulta de fornecedores (viii) Orientação e controlo do Armazém; (ix) Orientação do arquivo da documentação respeitante ao CAM; (x) Controlo de faturas e envio das mesmas à sede; (xi) Coordenação e realização de parte da gestão administrativa de pessoal dos colaboradores do ...; (xii) Responsável pela gestão de peças de fardamento.
114) O senhor BB realizava a ponte entre a ..., e a ..., esta última localizada em ....
115) No período em que ao Autor foi atribuída categoria de ..., tinha sob sua responsabilidade as seguintes atividades: (i) Responsável pela realização de consultas a fornecedores e elaboração de notas de encomenda e requisições; (ii) Elaboração e controlo de folhas de caixa e conta corrente do CAM (...); (iii) Orientação e controlo do Armazém; (iv) Controlo de faturas e entrega ao ...; (v) Orientação do arquivo da documentação respeitante ao ...; (vi) Serviços externos (correios e pequenas compras correntes); (vii) Gestão de Frota – Controlo de Km – revisões – inspeções e controlo de combustíveis gastos, bem como organização e distribuição de cartões de combustíveis.
116) O senhor BB teve, pois, uma CARREIRA de 19 anos na SCUTVIAS na qual teve a cargo essencialmente o mesmo núcleo de funções e tarefas, sendo que, no que em particular respeita à categoria de ..., ocupou tal categoria por cerca de 5 anos.
117) O Autor trabalhou durante mais de 8 anos na MRN sem nunca, durante todo esse período ter alguma vez questionado junto da MRN o montante do seu salário ou que o mesmo deveria ser equiparado ao do senhor BB.
118) O prémio de produtividade integra uma política de incentivo ao mérito promovida pela MRN e que apenas é pago quando estão preenchidos os requisitos de elegibilidade, ou seja, ter o trabalhador uma avaliação de desempenho favorável e, estar o trabalhador ao serviço à data de pagamento do prémio.
119) Trata-se aliás de uma forma comum e legítima de retenção dos trabalhadores que as empresas com regularidade aplicam.
120) Em todas as situações de cessação de contrato de trabalho que ocorreram, designadamente, no âmbito da reestruturação da MRN, nunca foi efetuado o pagamento do prémio (se antes da data de junho).
121) Para a atribuição do prémio é necessário que o trabalhador tenha prestado trabalho durante todo o ano antecedente assim permitindo à empregadora, no caso à MRN, determinar se as metas necessárias para que o trabalhador seja elegível para o pagamento de prémio foram atingidas.
122) Em nenhum das anteriores (ou posteriores) situações de cessação de contrato de trabalho, procedeu a MRN ao pagamento de proporcionais do prémio de produtividade.

III. – Fundamentação de direito
1. - Do objeto do recurso de revista.
- A nulidade da sentença da 1ª instância, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC;
- A ilicitude da resolução do contrato de trabalho.
2.Da nulidade da sentença da 1ª instância - artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC.
2.1. – Na sentença proferida na 1.ª instância consta:
“(…), por ter construído o pedido com vista ao pagamento das diferenças salariais reclamadas tendo em conta o valor do vencimento do Sr. BB, não alegou o autor qual o valor que passou a auferir quando foi formalmente promovido em 2012, ou seja, qual o valor que a ré começou por lhe pagar quando formalmente o promoveu a ....
Considerando o tribunal que será esse o valor a considerar para apurar quais as diferenças salariais que ao autor são devidas por o seu vencimento não ter sido actualizado quando em Abril de 2010 passou a exercer funções de chefia, e porque os autos não fornecem elementos que permitam calcular tal retribuição, mais não restará senão, ao abrigo do disposto no artigo 609º, n.º 2 do CPC, relegar para liquidação de sentença o quantum de tais diferenças salariais – tudo o que se decidirá.”
E decidiu:
III - Consequentemente, condenar as Rés “MRN – MANUTENÇÃO DE RODOVIAS NACIONAIS, S.A.”, “SCUTVIAS – AUTOESTRADAS DA BEIRA INTERIOR S.A.” e “GLOBALVIA INVERSIONES S.A.”, solidariamente, a pagar ao autor:
(…);
i) As diferenças salariais que ao autor são devidas por o seu vencimento não ter sido actualizado quando em Abril de 2010 passou a exercer funções de chefia, e cujo montante se relega para liquidação de sentença, nos termos acima expostos;”.
2.2. - No acórdão do Tribunal da Relação foi consignado:
“(…), tendo em conta o que ficou dito e ponderando a matéria de facto provada é nosso entendimento que houve condenação em objeto diverso do pedido.
Na verdade, como já ficou dito e também se refere na sentença recorrida, a causa de pedir descrita na p.i. é tão só, no que respeita às diferenças salariais, o pagamento de um salário superior a outro trabalhador e por aplicação do princípio “trabalho igual, salário igual”. Não foi alegado, nem consta da matéria de facto provada qualquer outro facto jurídico de que derive a pretensão do A. no sentido de receber as citadas diferenças salariais.
Se o A. não alegou ter direito a diferenças salariais a partir de abril de 2010 por não lhe ter sido pago o vencimento previsto para as funções de chefe, por exemplo, em CCT aplicável ou tabela salarial da empresa, não compete ao tribunal substituir-se àquele no sentido de apurar se lhe são devidas ou não diferenças salariais pelo facto de o seu vencimento não ter acompanhado essa alteração de funções, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e do contraditório (artigos 3.º e 5.º, ambos do CPC).
Se o A. não alegou o valor que passou a auferir quando foi formalmente promovido em 2012, tal facto só ao mesmo é imputável, inexistindo qualquer fundamento legal para relegar para incidente de liquidação o quantum de tais diferenças salariais.
Certo é que o juiz, no âmbito do n.º 1 do artigo 609.º do CPC, pode dar ao pedido uma qualificação jurídica diferente da que lhe tenha sido pedida pela parte, no entanto, não é o que ocorre no caso em apreciação, posto que, não se trata de uma convolação admissível: <<quando representa uma espécie de atenuação ou redução qualitativa do objeto material do pedido (…); quando o mesmo efeito prático-jurídico é obtido através duma configuração, diferente da do autor (…).
O que ocorreu foi o conhecimento de uma causa de pedir não invocada pelo autor e consequente condenação em objeto diverso do pedido.
Pelo exposto, a sentença é nula na parte em que condenou as Rés a pagar ao A. “as diferenças salariais que ao autor são devidas por o seu vencimento não ter sido actualizado quando em Abril de 2010 passou a exercer funções de chefia, e cujo montante se relega para liquidação de sentença, (…)”.”.
2.3. – Nas conclusões do recurso de revista, o Autor alegou que “é nosso entendimento que a condenação das recorridas no pagamento de diferenças salariais cabe no pedido feito pelo autor (“diferença de vencimento/chefe”).”. pelo que “o Tribunal “a quo” fez errada aplicação do disposto no art.609.º, n.º 1, do CPC, posto que a sentença de primeira instância respeitou os limites do pedido, não ser verificando, em consequência, a nulidade prevista no art.615.º, n.º 1, al. e) do CPC.”. 
2.4. - O artigo 609.º (art.º 661.º CPC 1961) - Limites da condenação - do CPC, dispõe:
1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”.
Alberto dos Reis, in Código Processo Civil, anotado, vol. v, págs. 56 e 57, escreve que “Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado, é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi). (…). A causa de pedir não é o nome que a parte dá ao facto, é o próprio facto jurídico. (…). A causa de pedir não é o facto abstracto configurado ou rubricado pela lei, mas o facto concreto em que a parte se funda para formular o seu pedido.”.
[cf., no mesmo sentido, Vaz Serra, in Revista Legislação Jurisprudência (RLJ), Ano 109, pág. 308, e Antunes Varela, RLJ, Ano 122, pág. 233.].
No dizer de Manuel Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1963, págs. 107/108 e 295/296, a causa de pedir é “o acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer (art. 498.º, n.º 4)”.
O mesmo Professor acrescenta que, segundo a nossa lei, independentemente, da natureza do direito deduzido em juízo, “tem de declarar-se qual o acto ou facto jurídico donde provenha, e a sentença apenas tomará em conta tal acto ou facto”, o que significa que “vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (acto ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo Autor”, e conclui que “o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde – se identifica através do pedido e da causa de pedir (arts. 497.º e 498.º)” – actuais artigos 580.º e 581.º do CPC -.
Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto de onde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido.
Como afirmado no Acórdão do STJ de 19.01.2017, in www.dgsi.pt:
“(…) a decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe sim ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido. É-lhe, pois, vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, o mesmo é dizer, não comportada na órbita do efeito prático-jurídico deduzido (…)”.
Decorre do Acórdão do STJ de 24.05.2018, in www.dgsi.pt, que “O pedido formulado pelo autor delimita a actividade de cognição do tribunal na fase da sentença (artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil), já que não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que tiver sido peticionado.
A formulação de um pedido pela parte que demanda a tutela jurídica é uma forma de garantir a imparcialidade do tribunal, sob pena de ser o tribunal a proceder à definição da tutela jurídica aplicável, sem que a parte interessada nisso interessada tomasse posição.
(…).
Ainda que o novo CPC dê prevalência, sempre que possível, ao mérito em detrimento da forma, devendo-se sempre que possível alcançar a verdade material e a concretização da justiça material e não apenas formal, o certo é que há regras por vezes inultrapassáveis.”.
Nesse sentido, pode ler-se no Acórdão do STJ de 17.01.1995, in www.dgsi.pt:
“(…), pendemos a crer que o n. 2 do artigo 661 (actual 609.º, n.º 2) só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade, mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa; isto é, a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram alegados e submetidos a prova, embora se não tivessem provados, mas sim à inexistência de factos provados, porque estes factos ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução, aquando da propositura da acção, ou que como tais se apresentaram no momento da decisão de facto.
Em primeiro lugar, a letra da lei não repele esta interpretação e antes a favorece, porque fala em falta de elementos e não em falta da prova de elementos, o que aponta para a falta de factos a provar e não para o fracasso da prova sobre eles; (…).
Depois, o escopo da lei só pode ter sido o de, por uma razão de rapidez e de economia, permitir ao autor que liquidasse a indemnização ou fixasse o quantitativo da dívida (…) na acção executiva, quando os factos para tanto necessários ainda não são conhecidos ou estão em evolução, quando se propõe a acção ou se encerra a sua discussão, e de modo algum pode ter sido o de permitir que o autor pudesse fazer prova, pela segunda vez, sobre os factos já produzidos e dele conhecidos e que não logrou provar na acção declarativa.”.
A causa de pedir exerce, pois, uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença, como foi decidido pelo Tribunal da Relação.
Na verdade, o único facto concreto integrador da causa de pedir, alegado pelo autor para as reclamadas diferenças salariais, foi a violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, por reporte ao pagamento de um salário superior a outro trabalhador das RR, violação essa que as instâncias decidiram inexistir.
Improcede, assim, nesta parte, a revista. 
3. - A ilicitude da resolução do contrato de trabalho
3.1. - Na sentença proferida na 1.ª instância foi consignado:
É certo que, de acordo com a leitura que se fez da prova, não resultou provado que as referidas alterações tivessem sido realizadas pela ré com o propósito de fazerem sentir ao autor que estava a mais na empresa. Mas a verdade é que tal não é necessário para se verifique uma situação de “mobbing”, já que de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante” – o que no caso se verifica.
Mais se entende que tais fatos, pelas consequências e repercussões que tiveram na saúde do autor, tornaram imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vínculo laboral.
(…).
E assim sendo, atenta a inexigibilidade da manutenção da relação contratual, entende-se que é de se reconhecer ao autor o direito a resolver o contrato de trabalho com justa causa – o que se decide.”.
3.2. - No acórdão do Tribunal da Relação pode ler-se: 
Resulta da matéria de facto provada que as alterações ocorridas fizeram sentir ao A. que estava a mais na empresa, provocaram-lhe desgaste, passando a andar triste, desmotivado e deprimido, tendo-lhe sido diagnosticada perturbação de ansiedade, cansaço, desmotivação, possivelmente “...” no contexto de problemática laboral, no entanto, estes factos, sem mais, não constituem qualquer justa causa de resolução do contrato.
Pelo exposto, não tendo resultado provado qualquer comportamento do empregador capaz de integrar justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, a resolução do contrato por parte do A. com invocação de justa causa, é ilícita (artigo 398.º, n.º 1, do CT).
Desta forma, o A. não tem direito à indemnização prevista no artigo 396.º do CT e que lhe foi fixada na sentença recorrida, nem ao pagamento da quantia de € 2.510,00 que lhe foi descontada pela 1ª Ré, por falta de aviso prévio.”.
3.3. – Nas conclusões do recurso de revista, o Autor alegou que a análise global dos factos encerra necessariamente a conclusão de que existiu assédio e ainda que se considere não existir assédio, sempre estas condutas seriam aptas a violar as garantias previstas no artigo 129º, n.º 1, al. c) e e) do C.T.
3.4. – O artigo 29.º - Assédio – do CT/2009 estatui:
“1 – Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
2 – (…). 
3 – À prática de assédio aplica-se o disposto no artigo anterior.”.
4 – (…).”.  
O citado artigo 29.º recebe a doutrina das Directivas 2002/73 e 2000/43 do Conselho Europeu, definindo, esta última, como “comportamento indesejado, com o objectivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador" (artigo 2. °, n.º 3).
E na formulação da redação do atual artigo 29.º n.º 1 do CT, o legislador teve o cuidado de introduzir um elemento novo, ao mencionar, expressamente, que se considera assédio qualquer comportamento indesejado, nomeadamente, o baseado em fator de discriminação.
Assim, para que se possa concluir pela existência de assédio não se exige, agora, que sejam, expressamente, alegados factos relativos a fatores de discriminação concretos, designadamente, indicar outros trabalhadores em relação aos quais existe essa mesma discriminação.
Em consequência desta nova orientação, existem, agora, - para além do caso específico do assédio sexual, expressamente previsto no n.º 2 daquele mesmo art.º 29.º -, as seguintes formas de assédio:
- O assédio moral discriminatório, que tem por base algum dos fatores expressamente plasmados no artigo 24.º do CT;
- O assédio moral não discriminatório, que não tem por base qualquer fator discriminatório concreto, mas antes um comportamento indesejado pelo trabalhador, e cujo carácter continuado e insidioso tem os mesmos efeitos hostis que o anterior.
Neste último caso, e ainda por força do disposto no artigo 29.º n.º 1 do CT, tal resultado, a existir, deve ser valorado pelo tribunal, mesmo que não tenha sido pretendido pelo agente.
Com efeito, o artigo 29.º n.º 1 prevê, expressamente, que exista assédio mesmo nos casos em que não se demonstra o elemento volitivo do agente de afetar a dignidade do visado, bastando que a atuação daquele tenha produzido esse efeito.
Como defende Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 16.ª edição, pág. 160, “a definição do artigo 29º não parece constituir o instrumento de diferenciação que é necessário”, uma vez que “nela cabem, praticamente, todas as situações que o mau relacionamento entre chefes e empregados pode gerar”.
Como decorre, entre outros, dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de março de 2012; de 21 de abril de 2016 e de 11 de setembro de 2019, in www.dgsi.pt,  configura-se uma situação de assédio moral - ou “mobbing” - quando há aspectos na conduta do empregador para com o trabalhador (incluindo através do respectivo superior hierárquico), que apesar de, isoladamente, analisados não poderem ser considerados ilícitos, quando, globalmente considerados, no seu conjunto, dado o seu prolongamento no tempo (ao longo de meses), são aptos a criar no trabalhador um desconforto e mal estar no trabalho que ferem a respectiva dignidade profissional e integridade moral, física e psíquica.
Maria do Rosário Ramalho, in Direito do Trabalho, Parte II, Almedina, 2.ª edição, pág. 150), escreve que “trata-se de um comportamento indesejado, que viola a dignidade do trabalhador ou candidato a emprego e cujo objetivo ou efeito é criar um ambiente hostil ou degradante, humilhante ou desestabilizador para o trabalhador”, podendo o comportamento de assédio ter “diversas formas: o assédio sexual e o assédio com conotação sexual, em que o comportamento indesejado, e com efeitos hostis, tem conotação sexual, podendo assumir forma verbal, gestual ou física (art.º 24.º n.º 2); o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado, e com efeitos hostis, se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (art.º 24.º n.º 1); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum fator discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa.”.
Como se pode ler no Acórdão de 13 de janeiro de 2010 do Supremo Tribunal de Justiça, in www.dgsi.pt, a figura do mobbing “caracteriza-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos; a sua duração e as consequências destes, sendo usual associar-se a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego”.
3.5. – Na apreciação da justa causa de resolução, o tribunal apenas pode considerar a factualidade indicada pelo trabalhador na comunicação escrita enviada ao empregador, como resulta do disposto no artigo 395.º, n.º 1, do CT, à semelhança do previsto no artigo 357.º, n.º 4, último segmento, do mesmo diploma, para o despedimento por facto imputável ao trabalhador.   
No caso dos autos, o Autor comunicou às Rés a resolução do contrato de trabalho, invocando como justa causa, o descrito na carta datada de 21 de maio de 2018 e transcrita no ponto 39) dos factos dados como provados.
Em síntese, o autor escreveu:
Até Junho de 2017 e desde Abril de 2010, fui ..., responsável pela logística, processos de compra, responsável contratual e operacional pela frota, pelas telecomunicações (gestão de cartões, redes fixas e dados), etc.
Tinha a meu cargo um departamento que formávamos 5 pessoas.
Em Junho de 2017, V. Exas procederam a uma reestruturação que levou a que as três das quatro pessoas que trabalhavam sobre a minha chefia fossem despedidas e a outra fosse alocada a serviço diferente.
De aí a Setembro mantive-me nas mesmas funções, mas chefiando-me a mim mesmo e sem equipa que me permitisse desenvolver o trabalho.
Em Setembro passei a dirigir a equipa do secretariado. Sem qualquer preparação para isso, como “chefe” só de nome uma vez que qualquer pessoa da equipa estava melhor preparada para essas funções do que eu.
Assim, o “chefe” é um status, mas as funções são de secretário
Entretanto também uma das duas pessoas que constituíam a equipa do secretariado foi “alocada” a outro departamento, em 14 de Março.
Entre as minhas funções atuais estão o atendimento do telefone, ctt, fazer de estafeta buscar e levar carros à revisão…. Ir comprar mercearias…
Não tenho qualquer problema com o trabalho. Nunca tive. Embora me afecte, não é vergonha o sentimento que tenho por ter passado de chefe efetivo de departamento a estafeta, por ter deixado de depender apenas do diretor financeiro.
Aliás, o facto de ter passado a depender do diretor geral aumenta sobremaneira a pressão exercida sobre mim. Na verdade, com as funções que ora desempenho, poderia depender de qualquer um dos meus colegas. Sou pouco mais que um estafeta…
Mas dependo do diretor geral, o que só se compreende dentro de uma estratégia de pressão a ser exercida sobre mim.
Conjugando tudo o supra referido com o despedimento recente da minha mulher por V. Ex.as, constato que também eu sou “persona non grata” e que tudo tem sido feito para me arrumar a um canto, dando-me trabalhos que eu possa achar menos edificantes com um propósito que me parece pouco claro e que entendo ultrapassar a mera redefinição de funções.
É com essa pressão que não consigo lidar.
É essa pressão que me transtorna, me causa “perturbação de ansiedade, cansaço, desmotivação, desesperança (possivelmente ...) no contexto de problemática laboral”, como consta de relatório médico que anexo.”.
Numa estrutura empresarial hierarquizada, não saber lidar com a pressão inerente ao exercício de funções, por mais ou menos qualificadas que possam ser, pode ter origens ou causas várias, mas não integra, em abstracto, o conceito de assédio moral nos termos prescritos no citado artigo 29.º do CT.
Na carta de resolução do contrato de trabalho, o Autor não concretizou qualquer acto ou atitude praticados pelo “diretor geral” ou pelo “director financeiro” que pudessem indiciar um qualquer género de pressão laboral ou pessoal no exercício das suas funções, muito menos repetida e prolongada no tempo.
Por outro lado, a mobilidade funcional está expressamente prevista e regulada no artigo 120.º do CT, cujo incumprimento o Autor não concretizou na carta de resolução, em particular, não invocou o não pagamento da diferença de retribuição correspondente ao cargo de estafeta ou de chefe de serviços – cf. artigos 118.º, n.ºs 2 e 3 e 267.º, n.º 1 do CT.
Aliás, afirmou mesmo que “Não tenho qualquer problema com o trabalho. Nunca tive. Embora me afecte, não é vergonha o sentimento que tenho por ter passado de chefe efetivo de departamento a estafeta, por ter deixado de depender apenas do diretor financeiro.”.
Diga-se, por último, que o Autor também não alegou, nem provou, factualidade subsumível ao disposto no artigo 129.º, n.º 1, al. c) e e) do C.T.
Termos em que se acorda nesta Secção Social negar a revista.
Custas a cargo do Autor.

Lisboa, 29 de novembro de 2022


Domingos José de Morais (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Vieira Gomes