Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | DESCANSO SEMANAL | ||
Data do Acordão: | 11/14/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / TRABALHO POR TURNOS / DESCANSO SEMANAL. DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS / DIREITOS DOS TRABALHADORES. DIREITO CIVIL – LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI. | ||
Doutrina: | - ALLAN ROSAS, The Status in EU Law of International Agreements Concluded by EU Member States, Fordham International Law Journal, Volume 34, 2011, p. 1304-1345; - CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, Trabalho por turnos e descanso semanal: novos contributos para velhas questões, Prontuário de Direito do Trabalho 2017, Tomo II, p. 315 e ss. e 351 e ss.; - CLAIRE LA HOVARY, The ILO’s supervisory bodies’ soft law jurisprudence, in Research Handbook on Transnational Labour Law, coord. por Adelle Blackett e Anne Trebilcock, Edward Elgar Publishing, Cheltenham (UK), Northampton (MA, USA), 2015, p. 316, 317 e 319; - DÁRIO MOURA VICENTE, O Direito Internacional Privado no Código do Trabalho, Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Volume IV, Almedina, Coimbra, 2004, p. 20-21; - DAVID HARRIS/JOHN DARCY, The European Social Charter, Transnational Publishers, Inc., 2.ª Edição, Ardsley, New York, 2001, p. 66; - FRANCISCO TRILLO PÁRRAGA, La periodicidade del descanso semanal. Una aproximación a su régimen jurídico a partir de la STJUE de 9 de noviembre de 2017, Trabajo y Derecho 2018, n.º 41, p. 64 e ss.; - J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2007, p.774; - JAN WILLEM VAN ROSSEM, Interaction Between EU Law and International Law in the Light of Intertanko and Kadi: The Dilemma of Norms Binding the Member States but not the Community, Cleer (Center for the Law of EU External Relations) Working Papers 2009/04, p. 16-18; - JEAN-PHILIPPE LHERNOULD, Repos hebdomadaire: la fin de la théorie du septième jour?, JCP/La Semaine Juridique, Édition Sociale, n.º 48, 1390, p. 25 e ss.; - KLAUS LÖRCHER, in The European Social Charter and the Employment Relation, coord. por Niklas Bruun, Klaus Lörcher, Isabelle Schöman e Stefan Clauwaert, Hart Publishing, Oxford e Portland (Oregon), 2017, p. 177; - MARC VÉRICEL, Précisions de la jurisprudence européenne sur le droit au report des congés annuels et sur la prise du repos hebdomadaire, Revue de Droit du Travail 2018, p. 304 e ss.; - PIET EECKHOUT, EU External Relations Law, Oxford University Press, 2.ª Edição, Oxford, 2011, p. 395 e ss. e 421 e ss.; - SOFIA OLIVEIRA PAIS, Princípio da interpretação conforme, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia, Uma Análise Jurisprudencial, coord. por Sofia Oliveira Pais, Almedina, Coimbra, 3.ª Edição, 2013, p. 93 e ss., 96 e 97; - TZEHAINESH TEKLÈ, Utilisation des normes de l’OIT par les juridictions nationales: comment et pourquoi?, Le Droit Ouvrier 2018, p. 414 a 416. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 221.º, N.º 5 E 232.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 59.º, ALÍNEA D). CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º. | ||
Referências Internacionais: | DIRETIVA 93/104: - ARTIGO 5.º. DIRETIVA 2003/88: - ARTIGOS 3.º, 5.º, 15.º, 16.º E 18.º. CONVENÇÃO N.º 106 : ARTIGO 6.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 2998/14.2TTLSB.L1.S1. | ||
Jurisprudência Internacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE): - DE 09-11-2017, PROCESSO C-306/16. | ||
Sumário : | I. O artigo 5.° da Diretiva 93/104 e o artigo 5.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias, tal como afirma o Tribunal de Justiça da União Europeia, no Acórdão de 9 de novembro de 2017, proferido no Processo C-306/16. II. Como conceito autónomo do direito da União, para garantir maior certeza, segurança e o primado do direito da União, importa que a mesma resposta seja dada a esta mesma questão em todas as jurisdições dos Estados Membros que possam ser chamados a decidi--la. III. A interpretação conforme das normas, nacionais e internacionais, aplicáveis conduz a que o período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.° da Diretiva 2003/88, pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça AA instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, S.A, pedindo a condenação desta: a) A reconhecer que, nos termos expostos, elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso dentro dos 6 dias de trabalho consecutivo de 2004 até 2010 e a partir daí sem ter o segundo dia consecutivo de descanso. b) A indemnizar e a compensar o Autor pelos sétimos dias consecutivos que teve de trabalhar no montante de € 12.759,12, bem como pelos dias de descanso compensatório em falta, no montante de € 12.759,12 nos termos reclamados. c) A indemnizar e a compensar o Autor pela falta do segundo dia de descanso semanal na importância de € 6.232,43, bem como pelos dias de descanso compensatório em falta estimados em € 6.232,43, conforme os valores atrás reclamados. Para tanto alegou, em síntese: ter sido admitido pela Ré, em 1997, estando classificado com a categoria profissional de «caixa privativo»; possuir e explorar a Ré a zona do jogo e casino da ..., tendo mais de 395 trabalhadores ao seu serviço; o casino da Ré está aberto todos os dias das 14h30 às 05h00, havendo quatro horários de trabalho; o trabalho está organizado por turnos rotativos em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho a um ritmo pré-determinado, rodando os trabalhadores entre os quatro horários existentes de acordo com o horário pré-determinado e publicitado pela Ré; só em 2010 a Ré passou a elaborar as escalas de rotação de forma a não haver 7 dias de trabalho consecutivo, mas ainda assim, a partir daquela altura, em cada 14 semanas de escalas, em duas os trabalhadores só folgam um dia; até lá, a Ré obrigou os trabalhadores a trabalharem 7 dias consecutivos e a terem apenas um dia de descanso, pelo que os dias em que teve de trabalhar quando devia estar a descansar devem ser remunerados como trabalho suplementar. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, apresentou-se a Ré a contestar, pugnando pela improcedência da ação. Foi proferido despacho saneador, afirmando-se a validade e regularidade da instância, tendo sido dispensada a fixação da matéria de facto, tendo sido atribuído à ação o valor de € 38 000,00. Realizada a audiência de discussão e julgamento, precedida de despacho sobre a matéria de facto, veio por fim a ser proferida sentença, com o seguinte teor: “Pelo exposto, decide-se: 1- Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação intentada por AA contra BB, S. A, e, em consequência, condeno a Ré: a) A reconhecer que elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso em cada período de sete dias de 2004 até 2010. b) A pagar ao Autor, pelos 7ºs dias consecutivos que teve de trabalhar, o montante de € 12.106,72 (doze mil, cento e seis euros e setenta e dois cêntimos), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento. 2 - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré. 4 - Custas a cargo da ré na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), estando o Autor isento do seu pagamento.” A Ré, inconformada, apelou, tendo o Autor contra-alegado. Em Acórdão proferido a 26 de Junho de 2017, o Tribunal da Relação do Porto decidiu o seguinte: “Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, sem prejuízo do já decidido quanto à reapreciação da matéria de facto, em suspender a presente instância recursiva, nos termos permitidos pelos artigos 269.º, n.º 1, al. c), e 271.º, n.º 1, do CPC, até que o Tribunal de Justiça da União Europeia aprecie e se pronuncie, nos termos que foram solicitados no processo n.º 1282/15.9T8MTS.P1, pendente nesta Relação. Para efeitos do agora decidido, determina-se que seja solicitado ao processo n.º 1282/15.9T8MTS.P1, com recurso pendente nesta Relação, a comunicação a estes autos da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Custas a fixar na decisão final.” Em conformidade com o solicitado pelo mencionado Acórdão de 26 de Junho de 2017, e tendo sido proferida em 9 de novembro de 2017 decisão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (2.ª secção), o processo n.º 1282/15.9T8MTS.P1, pendente na Relação do Porto, procedeu à sua comunicação aos presentes autos, declarando-se no referido Acórdão o seguinte: “O artigo 5º da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, bem como o artigo 5º, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, ao dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias.” O Tribunal da Relação veio a proferir Acórdão com o seguinte teor decisório: “Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, complementando o já decidido no acórdão de acórdão de 26 de Junho de 2017 constante dos autos: 1. Em julgar procedente o recurso interposto pela Ré, revogando-se a sentença na parte em que a condenou [a)] “A reconhecer que elaborou as escalas de horário de trabalho por turnos sem garantir que o Autor pudesse gozar o descanso em cada período de sete dias de 2004 até 2010” e [b)] “A pagar ao Autor, pelos 7ºs dias consecutivos que teve de trabalhar, o montante de € 12.106,72 (doze mil, cento e seis euros e setenta e dois cêntimos), acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento”, sendo nessa parte absolvida dos pedidos; 2. Em julgar improcedente o recurso subordinado do Autor, confirmando-se a sentença na parte em que decidiu “[2] Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré”. Custas da ação e dos recursos (art.º 527.º CPC) a cargo do Autor, sem prejuízo de isenção de que beneficie.” Inconformado o Autor veio interpor recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:
“1ª - O Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão sob recurso defende a seguinte posição dual: - Quando o regime de trabalho for de laboração contínua (laboração diária de 24 horas), face ao estatuído no artigo 221.º, n.º 5 do CT 2009, o dia de descanso em cada turno não pode ser precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho; quando tal se verifique, a atividade prestada no sétimo dia deverá ser considerada trabalho suplementar realizado em dia de descanso obrigatório — Ac. de 7/11/2017 (relator Ascensão Ramos) referido na página 45 do acórdão recorrido. - Quando o regime de trabalho não for de laboração contínua (embora labore os 365 dias do ano — mas em que encerra uma parte do dia) o dia de descanso já pode ser precedido por mais de 6 dias (até 12 dias) consecutivos de trabalho. 2ª - Sabendo-se que o descanso semanal visa a defesa da saúde dos trabalhadores e a reparação física e psíquica do ser humano que trabalha, não se vê qualquer razão científica válida que permita tal distinção sob o ponto de vista do trabalhador pois, em ambos os casos, o trabalhador está exactamente nas mesmas circunstâncias e sujeito ao mesmo esforço e desgaste prejudicial à saúde. Em ambos os casos praticam o mesmo horário, apenas a gestão empresarial é diferente (mas para laborar 24h/dia são necessários mais e diferentes trabalhadores para sucessivamente poderem cobrir as 24 horas) 3ª - A lei não define o que é laboração contínua. A Relação entende que tem de laborar 24h/dia. Mas, entendemos que laboração contínua não se refere ao número de horas de funcionamento diário, mas aos dias da semana, isto é, quando está dispensada de encerrar um dia por semana. 4ª - Laboração contínua significa laboração continuada sem ter de encerrar obrigatoriamente um dia todas as semanas. 5ª - Mas, a não ser assim, não se aplicará o n.º 5 do artigo 221.º do Código do Trabalho mas não ficamos perante uma zona branca e livre — aplica-se então o artigo 232.º do Código do Trabalho. 6ª - É impossível de justificar em termos de unidade do ordenamento jurídico que o legislador permitisse para a generalidade dos trabalhadores a marcação de dias de descanso após sete, oito, nove, dez, ou mais dias de trabalho consecutivo e fosse depois limitar essa possibilidade na norma do art. 221.º, n.º 5, para a laboração contínua e situações similares. 7ª - A aplicar-se a norma geral do art. 232.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a solução é inequívoca: em caso algum, pode o trabalhador deixar de gozar um dia de descanso fixo em cada semana em que presta trabalho, pois este preceito consagra um mínimo de direito necessário indisponível que impõe, entre outras dimensões do direito, o vencimento regular do descanso semanal “ de modo a que não seja precedido por mais de seis dias consecutivos de trabalho” (ver Liberal Fernandes, Anotação ao artigo 232º, in “O tempo de trabalho. Comentário aos artigos 197º a 236º do Código do Trabalho”, Coimbra Editora, 2012, p. 286) é pacífico e unânime. Mesmo a doutrina anterior à nova redação estabelecida no Código do Trabalho (Raul Ventura, Monteiro Fernandes, Bernardo Lobo Xavier e Antunes Varela) defendia que, fora da laboração contínua, o descanso semanal tinha de ser fixado após 6 dias (ou 5 na, então, chamada semana inglesa) de trabalho consecutivo. 8ª – A conceção do repouso semanal do tempo já trabalhado é um direito do trabalhador com interesse superior, irrenunciável (na parte essencial), imperativo e de ordem pública, protegido pela Constituição (art. 59º/d) e pelo direito europeu e internacional — não há repouso ou descanso num trabalho que ainda não foi realizado! 9ª – Os valores que subjazem à obrigatoriedade do descanso semanal exigem mais do que a atribuição de um dia de descanso à razão de cada semana, pois a acumulação de trabalho sem os necessários intervalos regulares potencia os acidentes de trabalho, os danos na saúde física e psíquica do trabalhador (estão estudadas e provadas as doenças provocadas pelo excesso de trabalho: síndrome de ..., depressão, esgotamentos, incluindo a morte, até existe em japonês uma palavra “karoshi” para a morte por excesso de trabalho, etc.), afecta a regularidade da disponibilidade pessoal e a conciliação entre a vida profissional, familiar e social. 10ª – O princípio do descanso semanal está tutelado constitucionalmente, no artigo 59º, alínea d), de forma universal (aplicando-se a todos os trabalhadores, incluindo os que se encontram em regime de turnos) e tem subjacente a regra da semana de seis dias de trabalho: o legislador constituinte limitou-se “a acolher a realidade normativa dominante” no momento em que foi aprovada (Liberal Fernandes, Comentário às leis da duração do trabalho e do trabalho suplementar, Coimbra Editora, 1995, p. 90 e Jorge Leite, Direito do Trabalho, vol. II, Serviços de acção social da Universidade de Coimbra, 2004, p. 138). 11ª – Atendendo à evolução histórica do preceito, o legislador não desconhecia a querela doutrinal anterior e o impacto que a alteração do texto da norma poderia ter no debate que até então se tinha produzido na doutrina e jurisprudência nacionais. Assim, a alteração do elemento literal traduzida na substituição da locução «em cada semana de calendário» pela expressão «em cada período de sete dias» tem evidente sentido útil, à luz dos critérios interpretativos definidos no artigo 9º do Código Civil. Esta última expressão sugere de forma mais evidente que o dia de repouso deve ser gozado, no máximo, de 7 em 7 dias. Aliás, tendo sido a clivagem doutrinal parcialmente atenuada com a redacção introduzida pelo DL 398/91, ao aditar o n.º 5 ao artigo 27.º do DL 409/71. Com a referência à «semana de calendário», o retorno a uma solução próxima da LCT indica que o legislador optou por arrepiar caminho — Atribuem relevância a esta alteração, no sentido de que o Código de Trabalho de 2003 e o Código de Trabalho de 2009, estabelecem que o dia de descanso não pode ser precedido por mais de 6 dias consecutivos de trabalho, além do Acórdão da Relação de 7/11/2016 e das observações expressas pelo Governo português no processo C-306/16, a doutrina hoje maioritária, por data de publicação, Jorge Leite (2004); Catarina de Oliveira Carvalho (2006); Júlio Gomes (2007); António Nunes de Carvalho (2011); Francisco Liberal Fernandes (2012); Luis Miguel Monteiro (2013) e Luis Menezes Leitão (2014) — ou seja, é reconhecido maioritariamente pela doutrina e pelo Governo português que, neste campo do descanso semanal, a legislação portuguesa é mais favorável aos trabalhadores. 12ª - A decisão do TJUE não obriga os tribunais a aplicar a decisão, salvaguardando expressamente a legislação nacional mais favorável aos trabalhadores dizendo, nos nºs 48 e 49.º cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, e em que medida, a regulamentação nacional aplicável no processo principal prevê essa proteção mais alargada. 13ª – Depois de publicado o acórdão interpretativo do TJUE foi publicado um exaustivo estudo de 50 páginas, que faz uma análise crítica ao acórdão pela Prof. Catarina de Oliveira Carvalho, intitulado “Trabalho por turnos e descanso semanal: novos contributos para velhas questões” (in Prontuário de Direito do Trabalho, II, 2017, págs. 315-365) que contraria o teor do acórdão ora sob recurso. 14ª – Foram violadas, entre outras, as seguintes normas jurídicas: artigos 8.º, 18.º, 59.º/d, 26.º/1 e 64.º da Constituição, art. 9.º do Código Civil, arts. 221.º/5 e 232.º do Código do Trabalho e Convenções n.º 14 e n.º 106 da OIT, bem como o artigo 9.º do DL 421/83.” E o Autor pedia a revogação do Acórdão recorrido e que fossem declarados procedentes os pedidos apresentados na petição inicial. A Ré contra-alegou, apresentando as seguintes Conclusões:
E concluía, pedindo que fosse julgado improcedente o recurso e mantida a decisão recorrida.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido. De Facto Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias: 1. O autor foi admitido pela ré em 1997, exercendo, pelo menos, desde 15 de dezembro de 1999, as funções de “caixa privativo”. 2. A ré possui e explora a zona do jogo e casino da ... e, à data da propositura da ação, tinha, pelo menos, 226 trabalhadores ao seu serviço. 3. Como “caixa privativo” ao serviço da ré as funções do autor consistiam em: abastecer de moedas e fichas os caixas fixos e volantes da sala de máquinas automáticas, proceder à recolha das receitas diárias e fazer a entrega das mesmas na tesouraria, através do chefe de sala ou quem o substitua. Sendo responsável pelo fundo de maneio, stock e fornecimento de moedas e fichas ao sector, pagar prémios das máquinas, lançando informaticamente no sistema AS400. É sobre os Caixas Privativos que recai a responsabilidade de todo o dinheiro que entra e sai da sala de máquinas por parte da Inspecção Geral de Jogos sendo o elo de ligação entre a Tesouraria e a sala de máquinas e está classificado com a categoria profissional de «Caixa privativo» do quadro dos jogos de máquinas. 4. O casino da ré está aberto todos os dias, com exceção dos dias 24 e 25 de Dezembro, de domingo a quinta-feira das 15h às 3h, às sextas-feiras, sábados, vésperas de feriado, de 15 de Julho a 31 de Agosto e de 15 a 31 de Dezembro das 16h às 4h. 5. Os horários dos caixas privativos estão organizados por turnos rotativos em equipa em que os trabalhadores ocupam sucessivamente os mesmos postos de trabalho a um ritmo pré determinado. 6. Os caixas privativos, incluindo o autor, iam rodando entre os horários existentes, conforme o horário de trabalho pré determinado e publicitado pela ré. 7. Em 12 de agosto de 2008, foi alterado o horário dos “caixas privativos” em funções, para vigorar com início na semana de 10/08/2008 e termo na semana de 12/10/2014, com o teor dos documentos de fls. 19 a 21, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra “E”, em que “F” corresponde a dia de folga, os nºs “1”, “2”, “3”, “4” e “5” correspondem a cada um dos horários em cada dia. 8. Em 15 de Dezembro de 2009, foi alterado o horário dos “caixas privativos” em funções, para vigorar com início na semana de 03/01/2010 e termo na semana de 2/07/2017, com o teor dos documentos de fls. 22 a 24, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra “L”, em que “F” corresponde a dia de folga, os nºs “1”, “2”, “3”, “4” e “5” correspondem a cada um dos horários em cada dia. 9. Os horários dos colaboradores da ré que exercem funções nas salas de jogos contemplam, pelo menos desde 1988, dois dias de descanso seguidos. 10. Por cartas de 28/08/2008 e 31/12/2009, que constituem os documentos de fls. 91 e 92 06 a 111, cujos teores se reproduzem, a ré enviou à ACT, os horários de trabalho dos caixas privativos. 11. Previamente à implementação dos horários referidos em 7) e 8 supra, a ré fez consulta aos trabalhadores que exercem funções de “caixa privativo” na sala de máquinas, afixando para o efeito no local de trabalho, em lugar próprio, os documentos cujas cópias constam de fls. 87 e 89, bem como consultou a comissão de trabalhadores, entregando os documentos cujas cópias constam de fls. 88, 90, cujos teores se reproduzem. 12. A ré vem pagando aos trabalhadores que trabalham por turnos rotativos, incluindo o autor, subsídio de turno. 13. No ano de 2004, o vencimento mensal base do Autor era de € 712,00 e o subsídio de alimentação de € 112,00 14. No ano de 2005, o vencimento mensal base do Autor era de € 752,50 e o subsídio de alimentação de € 118,50 15. No ano de 2006, o vencimento mensal base do Autor era de € 777,50 e o subsídio de alimentação de € 121,30 16. No ano de 2007, o vencimento mensal base do Autor era de € 802,50 e o subsídio de alimentação de € 125,00 17. No ano de 2008, o vencimento mensal base do Autor era de € 830,50, a diuturnidade de € 25,62 e o subsídio de alimentação de € 127,60 18. No ano de 2009, o vencimento mensal base do Autor era de € 920,50, a diuturnidade de € 27,50 e o subsídio de alimentação de € 135,50 19. No ano de 2010, o vencimento mensal base do Autor era de € 990,50, a diuturnidade de € 28,00 e o subsídio de alimentação de € 138,00 20. No ano de 2011, o vencimento mensal base do Autor era de € 1.010,50, a diuturnidade de € 28,50 e o subsídio de alimentação de € 140,50. 21. No ano de 2012, o vencimento mensal base do Autor era de € 1.010,50, a diuturnidade de € 28,50 e o subsídio de alimentação de € 140,50. 22. No ano de 2013, o vencimento mensal base do Autor era de € 1.010,50, a diuturnidade de € 57,00 e o subsídio de alimentação de € 140,50. 23. O contrato de trabalho do autor veio a cessar em 16/03/2014, no âmbito do despedimento coletivo promovido pela ré, tendo aquele impugnado judicialmente esse despedimento, estando a ação ainda pendente. 24. Por sentença de 07/04/2015, proferida no processo nº 527/14.7TTBCL, com o teor de fls. 101 a 110 que se dá por reproduzido, foi parcialmente revogada a decisão da ACT que condenou a aqui ré na coima de € 1.836,00 pela prática de nove infrações ao disposto na cláusula 36ª, nº 1 do Acordo de Empresa publicado no BTE nº 31, de 22/08/2007. 25. O A. é dirigente sindical do STSJ. 26. Nos dias 13.04 e 04.08 de 2004, o A. encontrava-se ausente em licença parental. 27. Em 2004, para os caixas privativos dos jogos de máquinas, a Ré estabeleceu um horário de trabalho rotativo, para vigorar com início na semana de 04/01/2004 e termo na semana de 31/01/2010, com o teor dos documentos de fls. 17 e 18, que se reproduz, cumprindo o autor o horário correspondente à letra K, em que “F”, nos dias de semana, corresponde a dia de folga e os nºs “1” (das 9h às 12h e das 15h às 19h), “2” (das 14h às 21h), “3” (das 21h às 4h) e 4 (das 9h às 12h e das 14h às 18H), correspondem a cada um dos horários em cada dia. 28. Nunca o autor, ou qualquer outro trabalhador, respondeu à consulta referida em 11). 29. O Sindicato dos Trabalhadores das Salas de Jogos e a Comissão de Trabalhadores, no decurso dos anos de 2010 e 2011, deduziram oposição relativamente aos horários de trabalho nos termos e com os fundamentos dos documentos de fls. 124 a 133, cujo teor se reproduz, e requereram a intervenção da ACT. 30. Para organização dos horários de trabalho foi sempre prática da ré, nomeadamente das equipas da sala de máquinas, à qual o autor pertenceu, a realização de reuniões de trabalho com os colaboradores sobre pretendidas mudanças dos respetivos horários, de forma a que, antes de qualquer implementação, fossem discutidas todas as questões relacionadas com a matéria e fossem apresentados pelos colaboradores horários ou soluções alternativas aos propostos pela chefia. 31. O autor participou em diversas dessas reuniões. 32. Nos dias 01 e 04.04, 05 e 08.08 de 2011, 17.08.2012 e 22.11.2013, o A. encontrava-se ausente em gozo de férias e nos dias 10.05.2010, 12.12.2011, 23.01, 05.03, 28.05, 28.09, 12.11, 21.12 de 2012 e 29.04, 22.07, 30.08, 11.10. e 25.11 de 2013 faltou para exercício de funções sindicais. 33. Os trabalhadores da ré, bem como as comissões de trabalhadores, sempre aceitaram que os dois dias de descanso semanal previstos no Acordo de Empresa fossem gozados seguidos. 33-A. A Ré foi alvo de uma acção inspetiva pela ACT – Centro do Grande Porto, no ano de 2012, a qual teve por objeto a análise de horários de trabalho praticados. 34. Os trabalhadores da ré nunca pretenderam o gozo de folgas fixas, porque tal implicaria que alguns não pudessem gozar folgas ao fim-de-semana. 35. Nos dias 22.04.2004, 25.07.2005, 14.02, 21.08.2006, 05.03 e 25.09.2007 o autor esteve ausente em gozo de férias. 36. O A. encontrava-se ausente nos dias 03.07.2008 e 09.04., 17.09 de 2009 em gozo de férias e, nos dias nos dias 27.04, 13.08 e 19.11 de 2009 em exercício de funções sindicais.
De Direito
Colocam-se com o presente recurso duas questões: em primeiro lugar, a de saber quando é que o Autor tinha direito ao descanso semanal, mais concretamente, se deveria ter um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivo; em segundo lugar, e se a resposta à questão anterior for afirmativa, se o trabalho prestado em dia que deveria ser dia de descanso deverá ser pago como trabalho suplementar. Como é sabido, e consta da motivação do Acórdão recorrido, o Tribunal de Justiça em Acórdão proferido a 9 de novembro de 2017, pronunciou-se, no âmbito do processo C-306/16, na sequência de um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Tribunal da Relação do Porto. O Tribunal da Relação do Porto formulou as seguintes questões prejudiciais: O Tribunal de Justiça decidiu que a quarta questão era inadmissível (n.º 57 do Acórdão) e, depois de analisar conjuntamente as questões primeira a terceira (números 31 e seguintes) afirmou que “[c]abe (…) responder às três primeiras questões que o artigo 5.° da Diretiva 93/104 e o artigo 5.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias” (n.º 51 do Acórdão). No Acórdão recorrido, o Tribunal, depois de afirmar que havia suspendido a instância até que o TJUE se pronunciasse, afirmou, em semelhança, aliás, a outras decisões do mesmo Tribunal de Relação, mormente o Acórdão de 5 de fevereiro de 2018 referido na fundamentação, que o Acórdão do TJUE, também aqui tem força obrigatória, vinculando o juiz nacional pelo que importava “retirar os efeitos da resposta dada pelo TJUE”, concluindo, pois, que o dia de descanso não tem que ser concedido no sétimo dia após seis dias de trabalho consecutivos. É contra esta decisão que o Autor/Recorrente se insurge, apresentando vários argumentos: refere, em primeiro lugar, que esta seria uma empresa de laboração contínua à qual se deveria aplicar o n.º 5 do artigo 221.º do Código do Trabalho (Conclusões 1.ª a 4.ª); mas que se assim não se entendesse haveria que aplicar o artigo 232.º do Código do Trabalho, o qual, em todo o caso, teria que ser interpretado como impondo a mesma solução do dia de descanso no sétimo dia consecutivo (Conclusões 5.ª a 11.ª). Acresce que o próprio TJ no seu Acórdão admite que “nos termos do artigo 15.° da referida diretiva, os Estados-Membros estão autorizados a aplicar ou introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, ou a promover ou permitir a aplicação de convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais mais favoráveis à proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores”, pelo que, “[a] este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, e em que medida, a regulamentação nacional aplicável no processo principal prevê essa proteção mais alargada” (n.º 49 do Acórdão). O Tribunal nacional não estaria, assim, dispensado de verificar se a solução do descanso no sétimo dia, após seis dias de trabalho consecutivos, não estaria consagrada na lei portuguesa, como solução mais favorável para os trabalhadores[1] (Conclusão 12.ª), o que, para o Autor/Recorrente seria o caso, não só face aos artigos 221.º n.º 5 e 232.º do CT, mas também face a vários preceitos constitucionais, designadamente o artigo 59.º alínea d) da Constituição da República Portuguesa e Convenções da OIT ratificadas por Portugal, mormente a Convenção n.º 106. Analisando esta argumentação, importa começar por sublinhar que no seu Acórdão C-306/16, o Tribunal de Justiça não se limitou a decidir que “o artigo 5.° da Diretiva 93/104 e o artigo 5.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/88 devem ser interpretados no sentido de que não exigem que o período mínimo de descanso semanal ininterrupto de vinte e quatro horas a que o trabalhador tem direito seja concedido, o mais tardar, no dia subsequente a um período de seis dias de trabalho consecutivos, mas impõem que esse período seja concedido em cada período de sete dias” (n.º 58), mas também que “[u]ma vez que o artigo 5.° da Diretiva 2003/88 não remete para o direito nacional dos Estados-Membros, a expressão «por cada período de sete dias» nele empregue deve ser entendida como um conceito autónomo do direito da União e interpretada de modo uniforme no território desta última, independentemente das qualificações utilizadas nos Estados-Membros, tendo em conta os termos da disposição em causa bem como seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra” (n.º 38). Como conceito autónomo do direito da União, para garantir maior certeza, segurança e o primado do direito da União, importa que a mesma resposta seja dada a esta mesma questão em todas as jurisdições dos Estados Membros que possam ser chamados a decidi-la. E o Tribunal de Justiça chegou a esta solução invocando, não apenas o elemento literal e o sistemático, mas também atendendo à teleologia da Diretiva 2003/88 (n.º 45). Ponderando este elemento teleológico – a proteção da segurança e saúde dos trabalhadores – o Tribunal não se limita a realçar que a Diretiva 2003/88 “não se [opõe] a uma regulamentação nacional que não garanta ao trabalhador um período mínimo de descanso, o mais tardar, no sétimo dia subsequente aos seis dias consecutivos de trabalho” (n.º 48 do Acórdão), mas, inclusive, afirma que “esta interpretação do artigo 5.° [a interpretação segundo a qual o período mínimo de descanso ininterrupto de vinte e quatro horas, às quais se adicionam as onze horas de descanso diário previstas no artigo 3.° desta diretiva, pode ser concedido em qualquer momento em cada período de sete dias – cfr. n.º 44] pode beneficiar não apenas o empregador mas igualmente o trabalhador e permite conceder vários dias de descanso consecutivos ao trabalhador em causa, no final de um período de referência e no início do seguinte” (n.º 47; o sublinhado é nosso). Em conformidade, o Tribunal acrescenta: “Além disso, no caso de uma empresa que funciona sete dias por semana, como a BB, a obrigação de descansar em dias fixos poderia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ter como consequência privar certos trabalhadores da possibilidade de gozar esses dias de descanso aos fins de semana” e “Segundo esse órgão jurisdicional, esta é a razão pela qual os empregados da BB nunca pediram para descansar em dias fixos”[2]. Em suma, no n.º 47 do Acórdão, o Tribunal de Justiça toma expressamente posição quanto à eventual disposição que garantisse ao trabalhador um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivos e conclui que a mesma não seria – ou não seria necessariamente – mais favorável para o próprio trabalhador. O que acarreta que se essa norma existisse no ordenamento português, ela não seria abrangida pelo artigo 15.º da Diretiva 2003/88, que permite aos Estados membros introduzir disposições mais favoráveis aos trabalhadores. Poderiam existir outras disposições mais favoráveis – aliás o Advogado-Geral na nota 48 das suas Conclusões refere que o Governo Português sustentou a possibilidade de o artigo 221.º n.º 4 do Código do Trabalho poder ser uma dessas normas mais favoráveis – mas a existência automática de um dia de descanso após seis dias de trabalho consecutivo não seria uma delas, de acordo com a própria decisão do Tribunal de Justiça. Em todo o caso, e como bem destaca o Acórdão recorrido, sempre o Juiz, na interpretação das normas nacionais – e também, como veremos, de Convenções internacionais subscritas apenas pelos Estados membros e não pela União – estaria vinculado ao princípio da interpretação conforme, assente, como destaca entre nós SOFIA PAIS[3], tanto na obrigação dos Estados-Membros de prosseguirem o resultado útil pretendido pela Diretiva (artigo 288.º TFUE), como no princípio da cooperação leal (artigo 4.º n.º 3 do TUE), sem prejuízo de outros fundamentos, como o princípio da tutela jurisdicional efetiva, ou, mesmo, da possibilidade de ser considerado como inerente ou imanente ao Tratado[4]. Como é sabido, a obrigação de interpretação conforme que incide sobre todas as autoridades nacionais não se circunscreve às disposições que tenham transposto diretivas, mas abrange todas as normas legais sejam elas anteriores ou posteriores à adoção da Diretiva. E sendo imanente ao Tratado, da própria hierarquia das fontes resultaria a prevalência deste princípio interpretativo sobre o artigo 9.º do Código Civil. Refira-se, também, que não se sufraga o entendimento do Recorrente segundo o qual a Ré seria uma empresa de laboração contínua. Com efeito, a expressão “período de laboração” – como o Acórdão recorrido sublinha – designa apenas o período de funcionamento de estabelecimentos industriais (n.º 3 do artigo 201.º do Código do Trabalho) o que não é o caso de um estabelecimento como o dos autos – um casino – que terá, antes, um período de abertura (n.º 2 do artigo 201.º). Acresce que a expressão laboração contínua se refere a uma laboração ininterrupta, vinte e quatro horas em vinte e quatro, o que também não corresponde ao caso dos autos. A norma aplicável será, pois, a do artigo 232.º n.º 1 do Código do Trabalho, ainda que importe referir que tanto o artigo 232.º como o artigo 221.º n.º 5 foram mencionados no direito português considerado pelo Tribunal de Justiça (números 18.º e 19.º do Acórdão). Ora, e aplicando o princípio da interpretação conforme, não se vislumbra qualquer dificuldade em interpretar a norma (artigo 232.º do CT) – “O trabalhador tem direito a, pelo menos, um dia de descanso por semana” – como consagrando o direito a um dia de descanso em um período de referência de sete dias[5] (sendo que uma semana é, precisamente, um período de sete dias), interpretação que, aliás, é perfeitamente compatível com a letra da lei. E o mesmo se dirá do artigo 59.º alínea d) da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito ao repouso semanal. Não só deste preceito não resulta qualquer direito do trabalhador de escolher o dia de descanso[6], como a sua letra apenas sugere o direito a um dia de descanso por semana e não propriamente ao sétimo dia. Relativamente à Convenção n.º 106 da OIT, importa começar por destacar que o princípio da interpretação conforme também se estende às convenções internacionais que tenham sido subscritas por um Estado Membro. Como o Tribunal de Justiça expressamente afirmou “ao aplicar o direito nacional, quer se trate de disposições anteriores ou posteriores à diretiva ou de disposições resultantes de convenções internacionais subscritas pelo Estado-Membro, o órgão jurisdicional nacional chamado a interpretá-lo é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva, para atingir o resultado por ela prosseguido e cumprir desta forma o artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE” (n.º 84 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de junho de 2008, processo C-188/07, Commune de Mesquer contra Total France SA, Total International Ltd.; o sublinhado é nosso). No entanto, há que ter igualmente em conta que, como o TJ afirmou no seu Acórdão de 2 de agosto de 1993, processo C-158/91, “o juiz nacional tem obrigação de assegurar o pleno respeito do artigo 5.° da Directiva 76/207, deixando de aplicar qualquer disposição contrária da legislação nacional, salvo se a aplicação dessa disposição for necessária para assegurar o cumprimento, pelo Estado-membro em causa, de obrigações resultantes de uma convenção concluída com Estados terceiros antes da entrada em vigor do Tratado CEE”[7]. Tal obrigação em nada é prejudicada pelo artigo 8.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Tal preceito, invocado pelo Autor no seu recurso, estabelece que “[a]s normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”. O exato significado da norma constitucional tem suscitado acesa controvérsia na doutrina, já sublinhada pelo Acórdão deste Tribunal de 12 de maio de 2016 proferido no Processo n.º 2998/14.2TTLSB.L1.S1 (PINTO HESPANHOL), sendo que a doutrina dominante defende que o Direito Internacional convencional não só vigora na ordem interna como “fonte imediata e autónoma de Direito”, como “tem valor supralegal, ou seja, prevalece sobre a lei interna, anterior ou posterior”[8]. O artigo 6.º n.º 1 da Convenção n.º 106[9], relativa ao descanso semanal no comércio e nos serviços, ratificada por Portugal em 1960 (através do Decreto-Lei 43.005, de 3 de junho de 1960) dispõe, é certo, que “[t]odas as pessoas às quais se aplica a presente convenção terão direito, sob reserva das derrogações previstas nos artigos seguintes, a um período de repouso semanal, compreendendo um mínimo de 24 horas consecutivas, por cada período de sete dias”. A letra do preceito é, no entanto, perfeitamente compatível com a interpretação segundo a qual também aqui se trata de um período de referência de sete dias e assim foi, de resto, interpretada por parte da doutrina nacional[10]. CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, em estudo muito recente sobre o tema[11], sublinha, todavia, que opinião distinta tem sido sustentada pela Comissão de Especialistas na Aplicação de Convenções e Recomendações da OIT[12], a qual tem defendido a importância da regularidade, continuidade e uniformidade do descanso semanal. Importa, contudo, ter presente que a interpretação feita pela sobredita Comissão não é, segundo a doutrina dominante, uma interpretação autêntica e não será sequer propriamente vinculante[13] [14]. Também a Carta Social Europeia consagra no seu artigo 2.º (com a epígrafe direito a condições de trabalho justas), mais precisamente no seu n.º 5, a obrigação de as Partes Contratantes assegurarem aos trabalhadores um período de descanso semanal, o qual deve, na medida do possível, coincidir com o dia que no país ou região em causa é consagrado pela tradição ou pelos usos como o dia de descanso. No entanto, e independentemente da controvérsia sobre o valor vinculante das posições do Comité Europeu dos Direitos Sociais, a verdade é que este já se pronunciou expressamente no sentido de que é lícito, à luz da Carta Social Europeia, o trabalho por doze dias consecutivos, seguido de dois dias de descanso, como entre nós já fez notar CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO[15]. Não decorre, pois, das normas, nacionais e internacionais, invocadas pelo Autor/Recorrente qualquer direito ao descanso após seis dias de trabalho consecutivos, solução que, repete-se, à luz da decisão do Tribunal de Justiça, mais precisamente do n.º 47 do Acórdão proferido no processo C-306/16, não seria sequer necessariamente mais favorável aos trabalhadores. Assim, torna-se desnecessário conhecer da segunda questão colocada pelo Autor/Recorrente (se o trabalho prestado em dia que deveria ser dia de descanso deverá ser pago como trabalho suplementar), prejudicada pela resposta negativa à primeira questão colocada no presente recurso. Decisão: Negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 14 de novembro de 2018
Júlio Gomes (Relator)
Ribeiro Cardoso
Ferreira Pinto
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