Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
95/08.9TBAMM.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALVES VELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
DEVER DE VIGILÂNCIA
DEVERES DO TRÁFEGO
OMISSÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
RECURSO DE REVISTA
SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., I, 948; in RLJ, 102º-60.
- CARNEIRO DA FRADA, Contrato e Deveres de Protecção, 1994, p. 165; Direito Civil – Responsabilidade Civil – O Método do Caso, p. 74.
- J. C. BRANDÃO PROENÇA, A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, pp. 479, 561, 578, 587, 590; in “Cadernos de Direito Privado, n.º 17, p. 32.
- MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé, II; Direito das Obrigações, 2º, p. 409.
- P. de LIMA e A. VARELA, “Código Civil”, Anotado, I, 4ª ed., p. 488.
- PESSOA JORGE, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 360.
- R. ALARCÃO, Obrigações, Lic. Policop., 1983, p. 283.
- SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos Recomendações e Informações, p. 307 e ss..
- VAZ SERRA, in BMJ, 85º-378.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.ºS 1 E 2, 486.º, 491.º, 493.º, 563.º, 570.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 715.º, N.º2, 731.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/04/2008, PROC. N.º 08B626;
-DE 02/06/2009, PROC. 560/2001.S1;
-DE 21/10/2010 E DE 14-4-2011, PROCS. N.ºS 12280/07.6TBVNG.P1.S1 E 3075/05.2TBPBL.C1.S1, RESPECTIVAMENTE;
-DE 10/07/2012, PROC. 1400/04.2TBAMT.P1.S1;
-DE 04/12/2012, PROC. 289/10.7TVLSB.L1.S1.
Sumário :
I - Sobre o detentor de instalações intrinsecamente portadoras de perigosidade e geradoras de risco recai um dever de agir, mediante a execução de medidas tendentes a impedir o livre acesso de pessoas a essas instalações.
II - A obrigação repousa nas normas do art. 493.º CC, que elegem como sua fonte a omissão do dever de agir para evitar o dano por quem criar ou mantiver uma “fonte especial de perigo” do qual esse dano resulte.
III - Trata-se de equiparar a conduta omissiva à acção violadora do dever de actuar no campo da prevenção da violação dos direitos alheios, integrando, assim, o quadro da previsão da responsabilidade delitual.
IV - A violação dos deveres de prevenção do perigo ou deveres de tráfego, quando comprovada a efectiva abstenção do dever de adoptar as necessárias medidas de prevenção, permite basear a responsabilidade em culpa efectiva e não meramente presumida.
V - A ausência de barreiras ou avisos tendentes a evitar o acesso a silos com bagaço, libertador de CO2, de menor que “legitimamente se encontrava no local, por habitar a casa do caseiro próxima dos silos”, não pode considerar-se indiferente para a verificação do acidente (morte por intoxicação), pois que, segundo a normalidade das coisas, a omissão/violação da obrigação de prevenção favorece claramente os riscos de verificação do dano produzido, ocorrendo nexo causalidade entre o facto e o dano.
VI - O regime prescrito no art. 731.º, n.º 2, do CPC para o suprimento da nulidade por omissão de pronúncia deve também aplicar-se no caso de o Tribunal da Relação não ter apreciado a matéria de atribuição e fixação das indemnizações, designadamente por danos não patrimoniais, face à solução que deu ao litígio, desresponsabilizando inteiramente os réus, em confirmação integral do anteriormente decidido na 1.ª Instância, que, pela mesma razão, também não a apreciara.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - AA intentou acção declarativa contra “BB – ..., ...”, pedindo que fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia global de 237.607,00€, correspondendo 135.000,00€ a danos patrimoniais e 102.607,00€ a danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese:

  Era casada com CC, casamento de que nasceram dois filhos, DD e EE, ambos menores;

  O marido da A. era trabalhador agrícola por conta da Ré e todos viviam na Quinta ..., habitando a “casa do caseiro”;

  Entre as funções que estavam cometidas ao CC, incluía-se a de vigilante da Quinta e da unidade fabril de transformação de bagaço e produtos de origem vinícola, aí existente;

  A “casa do caseiro” fica situada junto à unidade fabril, existindo, entre aquela e esta, apenas um caminho lhes dá acesso, não existindo qualquer delimitação física, separação, resguardo ou barreira entre uma e outra;

  Os menores para entrarem e saírem de casa passavam, necessariamente, junto à unidade fabril e aos silos, para depósito do bagaço, aí existentes, construídos no solo, que têm cerca de 7 metros de profundidade, 6 metros de largura e 10m de comprimento;

  No dia 17/09/2004, pelas 23,30horas, o menor DD desceu pela rampa formada pelo bagaço depositado num dos silos, para recuperar a bola que aí caíra, tendo, devido à concentração de CO2 no interior do silo, caído inanimado no fundo do mesmo, vindo a falecer;

  Dois funcionários da Ré, que nesse momento chegavam ao local para iniciarem o seu turno de trabalho, viram o menor cair inanimado no fundo do silo e de imediato tentaram socorrê-lo, para o que desceram ao fundo do silo, onde um deles ficou caído, inanimado, vindo a falecer, tendo o outro perdido os sentidos;

  O marido da Autora, que se encontrava em casa, acorreu ao local do acidente e desceu ao silo, para tentar salvar o filho, aí caindo também inanimado pela inalação de CO2 e vindo a falecer;

  À data do acidente as aberturas dos silos não dispunham de barreiras de protecção contra quedas e a R. não tinha alertado os seus trabalhadores, nomeadamente, o marido da A., sobre o perigo para a vida que a descida aos silos poderia constituir e nem no local tinha colocado informação ou sinalização de segurança, nem meios de socorro. Não existia no local qualquer sinal de proibição de descer aos silos, nem sinal de perigo pela existência de CO2 nos silos, nem aparelhos de medição, nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação, nem máscaras de respiração autónoma, nem cintos de segurança, que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse;

  A A. e os filhos não foram alertados para os perigos existentes nos silos, desconhecendo, por isso, que a fermentação do bagaço que ali era depositado produzia CO2, gás que, em determinadas concentrações, provoca a morte.

A Ré contestou.

Negou que o marido da Autora exercesse funções de vigilância e alegou que, aquando da ocorrência do acidente, se encontrava a dormir e momentos antes de acontecer o acidente, o menor DD encontrava-se a jogar à bola junto dos silos, tendo o mesmo sido advertido, por empregado da Ré, de que era proibido jogar à bola naquele local, mandando-o para casa, o que o mesmo não acatou. Mais alegou que existia no local a ponte rolante (“grapim”) que permitia retirar do fundo do silo qualquer pessoa ou objecto, podendo ser descido a partir da superfície e apanhar o objecto ou permitir a subida de uma pessoa.

A Ré requereu a intervenção da seguradora “FF, S.A.”, que foi admitida.

Citada, a Seguradora apresentou-se a contestar.

Articulou que contrato de seguro garante a responsabilidade civil de exploração até ao limite máximo de 50.000,00€, deduzido de uma franquia por sinistro, para os danos materiais de 10%, com um mínimo de 50,00€ e máximo de 500,00€. Acrescentou que, a ser o marido da autora trabalhador agrícola por conta da Ré “BB”, não pode o mesmo ser considerado terceiro para efeitos da cobertura da responsabilidade civil, pelo que, o peticionado a título de danos deste terá de soçobrar, por força do artigo 11.º, n.º 1, al. a) das Condições Gerais do Seguro, e que o acidente não foi originado pela exploração normal da actividade segura, mas por um menor desacompanhado, que numa brincadeira desceu a um silo, causando a sua morte e de mais duas pessoas que o tentaram ajudar/salvar, existindo uma omissão do dever de vigilância dos pais do menor/vítima.

FF, na qualidade de filho e de irmão das vítimas do acidente deduziu incidente de intervenção principal espontânea. Admitido, formulou pedido contra as Rés, pelos montantes e fundamentos coincidentes com os da Autora na petição inicial.

         Após completa tramitação da acção, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu as Rés do pedido.

A Autora e o Interveniente EE apelaram, mas a Relação confirmou o sentenciado.

         A Autora e o mesmo Interveniente interpuseram recurso de revista excepcional, que lhes foi admitida.

         Em impugnação da decisão recorrida, argumentam nas conclusões da sua alegação:

1º - A ré BB, que se dedica à actividade, perigosa, de produção industrial de aguardente vínica a partir do bagaço, não deu cumprimento às normas imperativas que a obrigavam a afixar, nas suas instalações, adequada sinalética de proibição de descer ao fundo dos silos, de perigo de morte, perigo de morte por asfixia por C02, nem tinha no local os meios obrigatórios de salvamento, nomeadamente, máscaras de respiração autónoma para, em caso de emergência, retirar qualquer pessoa do fundo dos silos, normas estas que se destinavam directamente aos seus trabalhadores e indirectamente a todas as pessoas que legitimamente tivessem acesso aos silos.

2º - A ré BB, que cedeu gratuitamente à autora, seu marido e filhos menores, a habitação num pré-fabricado existente junto dos silos da instalações fabris, onde viveram durante mais de 13 anos, não só não cumpriu aquelas regras como também não informou os seus trabalhadores nem o falecido CC sobre os perigos para a vida que a descida ao fundo dos silos comportava.

3º - Da matéria de facto provada, resulta que a ré BB não cumpriu as mais elementares regras de informação e de salvamento a que estava obrigada nos termos legais, assim, não tinha alertado os seus trabalhadores, nem CC, sobre os “perigos para a vida" que a descida aos silos poderia constituir (15 da BI), não colocou no local informação ou sinalização de segurança nem meios de socorro (n.º 16 da BI); não existia qualquer sinal de proibição de descer aos silos (n.º 17 da BI); nem existia sinal de perigo pela existência de C02 nos silos nem aparelhos de medição nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação (n.º 18 da BI), nem existiam máscaras de respiração autónoma que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse (n.º 19 da BI) nem existiam cintos de segurança, nem arnês que permitissem socorrer as vítimas no fundo do silo (n.º 20 da BI).

4º - Ocorrendo as (três) mortes num dos silos devido à inalação do C02 (dióxido de carbono) aí concentrado - silos construídos no solo com 10 metros de comprimento por 6 metros de lado por 7 metros de profundidade, sem qualquer sistema de renovação de ar ou de extracção desse gás - cabia à ré BB alegar e provar, o que não fez, que cumpriu todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, nos termos do disposto no artigo 493º, n.º 2 do Código Civil e 799º nº 1, presumindo-se até que não avisou a autora desses perigos.

5º - As barreiras de segurança e os demais avisos de informações e sistemas de salvamento contribuiriam, no seu conjunto, para os pais do menor conhecerem os perigos e proibi-lo de descer aos silos e tendo o menor já 13 anos de idade, este já possui maturidade para respeitar às proibições caso elas ali existissem, como depois do acidente foram colocadas.

6º - A conduta omissiva da ré, ao contrário do decidido, não só não é indiferente para a ocorrência do dano - três mortes - como é agravada pelo facto de, no seu próprio interesse, ter cedido a habitação à autora e sua família, nesta incluindo os dois menores, junto aos silos e nada ter feito para informar e prevenir do perigo de morte que a descida aos silos comportava.

7º - O Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação aos factos do disposto nos artigos 491º, 486º, 493º, n.º 2, 483º designadamente na parte em que se refere à violação de “qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios", e 799º n.º 1 todos do Código Civil.

            A Recorrida Massa Insolvente de “BB, ...” respondeu, em defesa do julgado.

         2. - No acórdão da Formação que admitiu o recurso a questão a apreciar e decidir ficou enunciada e definida como sendo a de “determinar a existência ou não de um nexo de causalidade adequada entre a inobservância de regras de sinalização, informação e salvamento, conjugadas com a falta de colocação de barreiras de proteção, se quando, estando em causa o exercício de uma atividade perigosa, a inobservância de tais regras pela entidade empregadora a elas sujeita possa eventualmente ter contribuído para um sinistro que vitime pessoa ou pessoas que legitimamente se encontrassem no local, inclusive, no caso concreto, por habitarem a casa do caseiro existente próximo dos silos referidos, e em relação às quais não se possa considerar o mesmo como um acidente laboral”.

3. - Vem definitivamente fixado o quadro factual que segue.

1) AA casou catolicamente com CC, em … de Agosto de 19… - al. A) dos factos assentes.

2) Tal casamento foi dissolvido por óbito de CC em … de Setembro de 20…. - al. B) dos factos assentes.

3) DD nascido a … de Novembro de 19… e falecido em … de Setembro de 20… era filho de AA e de CC. - al. C) dos factos assentes.

4) FF nascido a … de Novembro de 19… é filho de AA e de CC. - al. D) dos factos assentes.

5) CC era trabalhador agrícola por conta da ré BB e nessa qualidade tratava das vinhas e exercia de forma remunerada as demais funções agrícolas que lhe fossem ordenadas pela Ré “BB, CRL”. - al. E) dos factos assentes.

6) CC, residia, dia e noite e durante todo o ano, na Quinta .... - al. F) dos factos assentes.

7) A ré BB, entre outras, tem por actividade a transformação de bagaço e produtos de origem vinícola nas suas instalações fabris da Quinta do …. - al. G) dos factos assentes.

8) Em 17 de Setembro de 2004, pelas 23 horas 30 m, ocorreu “um acidente” nas instalações fabris da ré na Quinta …, do qual resultou a morte de CC, DD e GG. - al. H) dos factos assentes.

9) No local onde ocorreu o acidente, procede-se à armazenagem de bagaço em silos construídos no solo, os quais têm cerca de 7,0 metros de profundidade, 6,0 metros de largura e 10,0 metros de comprimento. - al. I) dos factos assentes.

10) No referido dia 17 de Setembro, o menor DD, que se encontrava nas imediações dos silos, desceu pela rampa de bagaço de um dos silos que se encontrava aproximadamente com um quarto do seu volume ocupado, para recuperar a bola que aí caíra. - al. J) dos factos assentes.

11) O menor DD desceu pelo seu pé ao interior do silo. - al. K) dos factos assentes.

12) Devido à concentração de CO2 no silo, o menor acabou por cair inanimado no fundo do mesmo. - al. L) dos factos assentes.

13) É então, que os funcionários da Ré, GG e HH, que nesse momento chegavam ao local para iniciarem o seu turno de trabalho pelas 24 horas, viram o menor cair inanimado no fundo do silo e de imediato tentaram socorrê-lo. - al. M) dos factos assentes.

14) GG e HH ao descerem ao fundo do silo, sentiram-se com dificuldades em respirar e tentaram sair. - al. N) dos factos assentes.

15) HH conseguiu aproximar-se da parte superior do silo, apesar de ter perdido os sentidos e GG acabou por cair inanimado no fundo do silo, onde também veio a falecer. - al. O) dos factos assentes.

16) CC que se encontrava em casa, acorreu ao local do acidente e desceu também ao silo para tentar salvar o filho, aí caindo também inanimado pela inalação de CO2. - al. P) dos factos assentes.

17) No Tribunal de Trabalho de Lamego correu termos o processo 454/04.6TTLMG, na qual era A. AA, por si e em representação do seu filho EE e Rés a “BB, CRL” e “II, S.A.” e no qual foi proferida sentença, em 1 de Fevereiro de 2008, a qual foi julgada improcedente e as aqui rés foram absolvidas do pedido. - al. Q) dos factos assentes.

18) No Tribunal Judicial de Armamar correu termos o processo de inquérito n.º 71/04.0GAAMM, que foi arquivado pelo Ministério Público por despacho de 27.06.2007. - al. R) dos factos assentes.

19) A Ré “BB, CRL” e a Ré “II, S.A.” celebraram um acordo escrito denominado de “JJ – …” titulado pela apólice n.º ..., o qual se encontrava em vigor em 17 de Setembro de 2004. - al. S) dos factos assentes.

20) Do acordo escrito referido em 19) consta para além do mais, nas condições gerais, que:

Artigo 2º - OBJECTO DO CONTRATO

1. O presente contrato garante, nos termos estabelecidos nas respectivas coberturas, as indemnizações devidas por:

a) Danos directamente causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares e destinados exclusivamente à actividade do Segurado.

b) Responsabilidade Civil do Segurado, emergente da actividade segura, objecto do presente contrato. 2. Mediante convenção expressa nas Condições Especiais, poderão ser objecto do presente contrato outros valores e/ou custos declarados nas Condições Particulares.

“Artigo 3º - COBERTURA BASE

A cobertura de base do presente contrato garante o ressarcimento dos prejuízos em consequência directa de:

(...) 11. Responsabilidade Civil Exploração.

“Artigo 5º - COBERTURA BASE

11. Responsabilidade Civil Exploração

11.1 Garantindo o pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado com fundamento em Responsabilidade Civil Extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, ocorridos e reclamados na vigência do Contrato e decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros em consequência de sinistros ocorridos em Portugal Continental e regiões autónomas dos Açores e Madeira, quando originadas pela exploração normal da actividade segura e até ao limite máximo fixado nas Condições Particulares.

Não serão considerados terceiros, para efeitos desta cobertura:

a) O Tomador de Seguro, Segurado, os cônjuges ou pessoa que viva em união de facto com o Segurado, os parentes ou afins do Segurado e/ou do causador do sinistro, até ao segundo grau, bem como os sócios, gerentes ou legais representantes;

b) os trabalhadores ou mandatários do Segurado, quando ao serviço do mesmo ou quando os danos resultem de acidente enquadrável na Legislação sobre Acidentes de Trabalho ou Doença Profissional;

Fica convencionado que se entende por sinistros os eventos súbitos e imprevistos, exteriores às vítimas ou coisas danificadas, que ocasionem a responsabilidade civil extracontratual do Segurado, tenham uma mesma causa e sejam consequência de uma acção ou omissão, qualquer que seja o número de lesados e as características dos danos provocados.

11.2 Para além das Exclusões previstas no Artigo 6º, consideram-se excluídos desta cobertura:

al. n) decorrentes de falta de cumprimento das disposições legais ou regulamentares respeitantes à conservação de edifícios e suas instalações;

al. o) causados por instalações precárias ou que não obedeçam aos requisitos legais ou regulamentares respeitantes à montagem, instalação ou segurança.” - al. T) dos factos assentes.

21) Nas condições particulares do acordo escrito referido em 19) consta, para além do mais, que pela “Responsabilidade civil de exploração”, o limite da indemnização se fixa em 25% do capital seguro, sendo no máximo € 50.000,00 e com franquia de 10%, sendo mínimo € 50,00 e o máximo € 500,00. - al. U) dos factos assentes.

22) CC vivia com a autora e os filhos DD e EE, na Quinta ..., habitando a “casa do caseiro”. - resposta ao ponto 1) da base instrutória.

23) A casa aludida em 22) foi atribuída a CC pela KK, sendo que a R. BB sucedeu àquele entidade, tendo-lhe comprado a “Quinta ...” e passando CC a trabalhar por conta desta R. - resposta ao ponto 2) da base instrutória.

24) A casa aludida em 22) é um pré-fabricado. - resposta ao ponto 3) da base Instrutória.

25) A casa aludida em 22) fica situada junto à unidade fabril. - resposta ao ponto 4) da base instrutória.

26) Entre a casa referida em 22) e a unidade fabril existe uma estrada com um largo que dá acesso às duas “construções”. - resposta ao ponto 5) da base instrutória.

27) Não existe qualquer delimitação física, resguardo ou barreira entre a casa referida no ponto 24) e a unidade fabril. - resposta ao ponto 6) da base instrutória.

28) CC dispunha de telefone na casa indicada no ponto 22) que lhe foi atribuído quando foi contratado nas circunstâncias descritas no ponto 23). - resposta ao ponto 10) da base instrutória.

29) Em 17 de Setembro de 2004, as aberturas dos silos não dispunham de barreiras de protecção contra quedas. - resposta ao ponto 12) da base instrutória.

30) E as que actualmente possui têm de ser retiradas sempre que e para possibilitar a descarga do bagaço, o que ocorre em permanência durante o dia, sendo que durante a noite se procede ao acondicionamento do bagaço através de uma máquina de ponte rolante, comandada do exterior dos silos, sendo que tal sucede durante o período de campanha que decorre de Agosto a Outubro de cada ano. - resposta aos pontos 13) e 14) da base instrutória.

31) Aquando da ocorrência do acidente ré BB não tinha afixada informação ou sinalização de perigo e proibição mencionados nos pontos 32) e 33), nem dispunha dos meios aludidos nos pontos 34) e 35). - resposta ao ponto 16) da base instrutória.

32) E não existia qualquer sinal de proibição de descer aos silos. - resposta ao ponto 17) da base instrutória.

33) Nem existia sinal de perigo pela existência de CO2 nos silos nem aparelhos de medição nem de ventilação destinados a captar o dióxido de carbono resultante da fermentação. - resposta ao ponto 18) da base instrutória.

34) Não existiam máscaras de respiração autónoma que permitissem descer aos silos para salvar qualquer pessoa que ali caísse. - resposta ao ponto 19) da base instrutória.

35) Não existiam cintos de segurança, nem arnês que permitissem socorrer as vítimas no fundo dos silos. - resposta ao ponto 20) da base instrutória.

36) A autora AA permanecia na casa do caseiro, ficando com a guarda dos filhos DD e EE. - resposta ao ponto 22) da base instrutória.

37) No dia 17 de Setembro de 2004, no momento em que ocorreu o descrito em 8) a 16) não havia qualquer camião a entrar ou a sair da fábrica ou a descarregar. - resposta ao ponto 27) da base instrutória.

38) A R. sabia que na casa aludida em 22) viviam dois menores. - resposta ao ponto 28) da base instrutória.

39) A R. só após os factos ocorridos em 17 de Setembro de 2004 é que colocou as barreiras de protecção nos silos, colocou sinais de perigo e comprou as máscaras de salvamento. - resposta ao ponto 29) da base instrutória.

40) CC e AA constituíam um casal jovem, harmonioso e feliz na companhia dos seus dois filhos. - resposta ao ponto 32) da base instrutória.

41) Entre o casal reinava a harmonia e o bom entendimento. - resposta ao ponto 33) da base instrutória.

42) A A. AA e EE sofreram e continuam a sofrer com a perda dolorosa e simultânea de CC e de DD. - resposta ao ponto 34) da base instrutória.

43) AA e EE ainda choram a morte de CC e de DD. - resposta ao ponto 35) da base instrutória.

44) AA e EE padeceram de grande sofrimento, desgosto, tristeza e um forte abalo psíquico com a morte de CC e DD. - resposta ao ponto 36) da base instrutória.

45) AA e EE sentem a falta de CC e de DD. - resposta ao ponto 37) da base instrutória.

46) CC amava AA e os filhos DD e EE, a quem dedicava a maior parte dos tempos livres. - resposta ao ponto 38) da base instrutória.

47) Gostava de passar os fins-de-semana com a família, sua mulher AA e os dois filhos casal. - resposta ao ponto 39) da base instrutória.

48) Era um pai carinhoso, meigo e dedicado à esposa e aos filhos com quem gostava de estar. - resposta ao ponto 40) da base instrutória.

49) CC era uma pessoa saudável, dinâmica e cheia de alegria de viver. – resposta ao ponto 41) da base instrutória.

50) Era uma pessoa muito estimada e respeitada quer nas relações com os seus colegas quer com todas as pessoas conhecidas. - resposta ao ponto 42) da base instrutória.

51) CC era um profissional dedicado e competente nas suas funções. - resposta ao ponto 43) da base instrutória.

52) CC recebia a remuneração mensal de €505,62 de salário base, mais €3,03, 22 dias por mês, onze meses por ano, de subsídio de alimentação. - resposta ao ponto 44) da base instrutória.

53) AA ficou só e com o encargo de cuidar e educar o filho EE. - resposta ao ponto 45) da base instrutória.

54) O salário de CC era a única fonte de rendimentos do agregado familiar, sendo o mesmo aplicado nas despesas do agregado. - resposta ao ponto 46) da base instrutória.

55) A autora ficou sozinha a cuidar e a apoiar o seu filho EE, não conseguindo arranjar emprego. - resposta ao ponto 47) da base instrutória.

56) DD momentos antes do referido em 10) encontrava-se a jogar à bola junto dos silos. - resposta ao ponto 48) da base instrutória.

57) LL que ali se encontrava a trabalhar, advertira DD de que era proibido jogar à bola naquele local, mandando-o para casa. - resposta ao ponto 49) da base Instrutória.

58) Aquando do referido nos pontos 10) a 15) CC encontrava-se em casa, sendo esta a mencionada no ponto 22). - resposta ao ponto 50) da base instrutória.

59) Nos meses de Agosto a Outubro os portões e as barreiras têm de ser retiradas para recolha do bagaço. - resposta ao ponto 51) da base instrutória.

60) Em 17 de Setembro de 2004, existia no local a ponte rolante (“grapim”) que permitia retirar do fundo do silo qualquer objecto e ser utilizada na retirada de pessoas, sendo que neste último caso, se a pessoa estiver inanimada e não houver auxilio de uma pessoa a colocar o corpo em posição de poder ser “agarrado”, existe o risco de as pontas do “grapim” poderem perfurar o corpo. - resposta ao ponto 52) da base instrutória.

61) O objecto referido em 60) pode ser descido a partir da superfície e apanhar o objecto ou permitir a subida de uma pessoa, sendo que neste último caso, se a pessoa estiver inanimada e não houver auxilio de uma pessoa a colocar o corpo em posição de poder ser “agarrado”, existe o risco de as pontas do “grapim” poderem perfurar o corpo. - resposta ao ponto 53) da base instrutória.

62) A ré BB não tinha alertado os seus trabalhadores, nem CC, sobre os “perigos para a vida” que a descida aos silos poderia constituir. – resp. ao ponto 15), aditada pelo Tribunal da Relação.

         4. 1. - Mérito do recurso.

         4. 1. - As Instâncias negaram a atribuição das reclamadas indemnizações com fundamento na inexistência de nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras de informação, segurança e socorro por parte da “BB” e a ocorrência do acidente de que resultou a morte das vítimas.

     Considerou-se, no acórdão impugnado, que embora, em abstracto, a omissão seja apta a produzir o resultado, em face das circunstâncias concretas, a conduta omissiva da Ré mostra-se indiferente para a produção do dano, que ocorreu devido a circunstâncias anómalas ou extraordinárias que aumentaram o risco da sua verificação e que, dada a imprevisibilidade da conduta da vítima, não podem ter-se como passíveis de serem conhecidas ou cognoscíveis da “BB”.

Mais concretamente, e transcrevendo o trecho do aresto, escreveu-se: “... Se é certo que a violação das regras de segurança se apresenta como apta a provocar a morte de alguém que inalasse CO2 acumulado no fundo do silo, já a descida ao silo teria de resultar direta ou indiretamente da violação das ditas regras, para que se pudesse estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a omissão e o dano. 

Sucede que as regras de segurança consistente na colocação de barreiras, sinalização, meios de socorro, etc., visam prevenir os riscos profissionais e a ocorrência de acidentes de trabalho. Assim, estarão cobertos atos decorrentes de descuido, de distração ou outra situação imprevista, por parte de trabalhadores ou de terceiros que, no âmbito da atividade laboral desenvolvida, entrem em contato com as instalações referidas.

Porém, não foi o que sucedeu no caso concreto, já que resultou provado que o menor DD entrou pelo seu próprio pé no silo e fê-lo por uma razão totalmente alheia às atividades acima mencionadas. Tratou-se de um ato voluntário do menor – recolher uma bola – que caiu no silo quando o menor se encontrava a jogar no local, totalmente desconexionado com atividade em curso, imprevisto e imprudente, tanto mais que tinha acabado de ser advertido que era proibido jogar à bola naquele local (cfr. ponto 57) dos factos provados).

Por outro lado, também a entrada no silo por parte do pai do menor está igualmente desconexionada com a atividade em curso e com a omissão das referidas regras de segurança, já que é um ato de heroísmo, de socorro do próprio filho.

A desconexão apontada vista na perspetiva da chamada teoria do escopo da norma jurídica – que procura determinar os danos resultantes de determinado comportamento em função do objetivo ínsito na norma jurídica violada – bastaria para se concluir pela inexistência de nexo de causalidade adequada entre a omissão e o dano, por o objetivo ou função das normas violadas sobre segurança no trabalho não terem como escopo evitar condutas como as ocorridas”.

      Assim, concluiu-se, não se verificaria a concorrência de processos causais, radicando a causa do dano na acção das vítimas e, consequentemente, afastada estaria a obrigação de indemnizar.

O objecto deste recurso encontra-se centrado, como já dito, na questão de “determinar a existência ou não de um nexo de causalidade adequada entre a inobservância de regras de sinalização, informação e salvamento, conjugadas com a falta de colocação de barreiras de proteção, quando, estando em causa o exercício de uma atividade perigosa, a inobservância de tais regras pela entidade empregadora a elas sujeita possa eventualmente ter contribuído para um sinistro que vitime pessoa ou pessoas que legitimamente se encontrassem no local, inclusive, no caso concreto, por habitarem a casa do caseiro existente próximo dos silos referidos, e em relação às quais não se possa considerar o mesmo como um acidente laboral”.

         4. 2. - Assim delineado o thema decidendum, importa, portanto, apreciar e tomar posição sobre se entre a conduta da Ré “BB”, na medida em que integre acto ilícito, e a verificação do acidente que resultou na morte de DD e CC concorre, como requisito da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar, o necessário nexo causal.

         A acção foi intentada ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e também a coberto das respectivas normas foi proferida a decisão impugnada.

         Irrelevam, portanto, ao menos directamente, ou seja, para efeitos de consideração de obrigações específicas da responsabilidade contratual, as relações existentes entre a Ré “BB” e as vítimas, enquanto empregadora do pai e cedente da casa, na Quinta, em que ambas habitavam.  

   

         Necessário, então, o concurso dos requisitos enunciados no art. 483º--1 C. Civil: - facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, pressuposto este que, por controvertido, aqui avulta.

O concurso do nexo causal, na vertente normativa da adequação da causa, para além da sua materialidade, é, enquanto matéria de direito, cognoscível pelo Supremo.

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão – art. 563º C. Civ..

         É pacífico que o nosso sistema jurídico acolheu a doutrina da causalidade adequada, a qual não pressupõe a exclusividade de uma causa ou condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.

         O nexo de causalidade que se exige apresenta-se, a um tempo, como pressuposto da responsabilidade e como medida da obrigação de indemnizar.

         4. 3. - Vem-se entendendo – acolhendo, no campo da responsabilidade aquiliana, a formulação negativa da dita doutrina - que o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.

            Assim, o conceito de causalidade adequada, tendo ínsita, embora, uma ideia de probabilidade ou normalidade causal, pode bastar-se com um pequeno grau de probabilidade, não se identifica com causa típica ou normal (R. ALARCÃO, “Obrigações”, Lic. Policop., 1983, 283).

            Hão-de ser, sempre, as circunstâncias a definir a adequação da causa, sempre sem desconsiderar que para a produção do dano pode ter havido a colaboração de outros factos, contemporâneos ou não, e que a causalidade não tem de ser, necessariamente, directa e imediata, bastando que a acção condicionante desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano – causalidade indirecta.

         É o que pode suceder quando a condição operante seja um facto do próprio lesado ou de terceiro, nomeadamente nos casos em que a uma omissão se segue o acto danoso. 

Pode também acontecer que a lesão resulte de duas ou mais causas, que vários factos tenham contribuído para a produção do mesmo dano, isto é, que haja um concurso real de causas, o que se verifica, designadamente, quando nenhum dos factos, singularmente considerado, é suficiente, só por si, para produzir o efeito danoso, mas o primeiro é causa adequada do facto que se lhe sucede, praticado por outro sujeito.

      4. 4. - No acórdão recorrido entendeu-se que a Ré omitiu regras de segurança no local, pois que, como resulta dos pontos 29) a 35) e 39) dos factos provados, “na data dos factos, a abertura dos silos não dispunha de barreiras de proteção contra quedas, não havia qualquer sinalética a indicar o perigo resultante da inalação de CO2 ou a proibir a descidas aos silos, nem meios que permitissem descer aos silos em segurança (sejam máscaras de respiração autónoma ou outros meios como cintos de segurança e arnês), nem sequer meios que permitissem medir a concentração de dióxido de carbono ou que permitissem a ventilação do local”, sendo que “a omissão destes meios de segurança viola o disposto no Regulamento Geral da Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais (cfr. artigo 149.º e 151.º, n.ºs 3 e 4 da Portaria n.º 53/71, de 03/02, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 702/80, de 22/09, bem como os artigos 272.º e 273.º do Código do Trabalho de 2003 e artigos 211.º a 289.º da respetiva Regulamentação de 2004, em vigor na data dos factos), bem como a lei laboral nas várias perspetivas enunciadas na mesma, ou seja, planeamento e organização da prevenção de riscos profissionais, avaliação, controle e eliminação de fatores de risco, bem como informação sobre os riscos profissionais existentes”.

         Perante esse quadro, concluiu-se, como referido, que não tendo a descida ao silo resultado directa ou indirectamente da violação das ditas regras não seria possível estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a omissão e o dano, tanto mais que não tinham as normas de segurança violadas como escopo evitar condutas como a ocorrida.

         Também se nos afigura que, do ponto de vista estritamente adoptado pelo acórdão, ou seja, da ponderação sobre a natureza das normas de segurança violadas, na sua relação com os específicos interesses que visam proteger – a segurança no trabalho -, a quebra de adequação causal emerge com suficiente clareza, mostrando-se as omissões ou violações dos deveres legais de instalação dos meios de segurança indiferentes no confronto com comportamentos inesperados e indevidos de não utilizadores do local por causa ou por ocasião da actividade laboral que aí se desenvolvia.

         Assim, se, em abstracto, as omissões revelam aptidão para produzir danos como os verificados, já perante as concretas circunstâncias se constata serem alheias ao círculo de riscos que têm por objectivo ou estão funcionalmente vocacionadas para proteger.

         4. 5. - Acompanha-se ainda o acórdão sob impugnação na afirmação de que a causa do dano radica em acção das vítimas.

         Não já que, como parece extrair-se da argumentação nele vertida, que essa tenha sido a causa única ou exclusiva do dano, mas que o seu comportamento tenha contribuído para a produção do dano.

         Com efeito, pensa-se que a actuação das vítimas, designadamente e em primeiro lugar a do DD, é, face ao conjunto das circunstâncias apuradas e delas conhecidas, revelador de inconsideração e mesmo de imprudência, concorrendo, do mesmo passo, o nexo de causalidade entre tal comportamento e a sua morte.

         Depara-se, efectivamente, com uma acção imputável ao lesado, de uma conduta, livre e consciente, representativa de um acto constitutivo de responsabilidade pessoal (cfr. J. C. BRANDÃO PROENÇA, “A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual”, 561).  

        
Estar-se-á, então, perante a denominada “culpa do lesado”, de que trata o art. 570º C. Civil, preceito em cujo nº 1 se dispõe que a indemnização deve ser reduzida ou mesmo excluída quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, tendo em consideração a gravidade das culpas das partes e as consequências delas resultantes. 

        Como é geralmente entendido, não se pode falar com rigor, como consta da norma, em culpa do lesado. A expressão “culpa” deve aqui ser entendida em sentido muito amplo, pois que a indemnização deve ser reduzida ou negada desde que o acto do lesado tenha sido concausa do prejuízo, mesmo que não tenha carácter ilícito ou corresponda à violação de um dever, nos termos em que o pressupõe um juízo de culpa em sentido estrito (cfr. PESSOA JORGE, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 360; MENEZES CORDEIRO, “D.to das Obrigações”, 2º, 409; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, 9ª ed., I, 948).
        De qualquer modo, face à referência da lei à gravidade das «culpas», tem-se por segura a necessidade de formulação de um juízo de censura sobre o comportamento do lesado, embora desligado da ilicitude, decorrente de uma actuação negligente ou deficiente relevante no processo causal (adequado) do dano. O que se pretende excluir na formulação legal serão, como escreve A. VARELA (RLJ, 102º-60), “os casos em que entre o facto ilícito do agente ou o dano e o facto do lesado há um puro nexo mecânico-causal, para apenas abrangerem os casos em que o comportamento do prejudicado é censurável ou reprovável”.


                
        4. 6. - Aqui chegados, e adquirido que existe “culpa” do lesado, há que averiguar se se lhe opõe responsabilidade da “BB”, cujo dever de indemnizar seja ou não susceptível de ser afastado por aquela acção das vítimas, nomeadamente em sede de causalidade.

        A situação sob apreciação reclama, se bem se ajuíza, que se convoquem e ponham em evidência, alguns elementos de facto, relativos à envolvência do evento, como: - a circunstância de as vítimas, uma delas menor de treze anos, habitarem numa casa da Quinta, fornecida pela Ré, separada dos silos por uma estrada com um largo que dá acesso a ambas as construções; - de os silos, destinados ao armazenamento de bagaço, produto naturalmente libertador de CO2, terem cerca de sete metros de profundidade; e, - de não existir não existir qualquer resguardo ou barreira entre a casa e os silos ou qualquer sinal de proibição de a eles descer.
         Acresce não ser desprezível a circunstância de o local de instalação dos silos ser facilmente acessível aos filhos menores do “caseiro”, que ali habitavam, com a possibilidade de entrada livre no recinto em que estavam implantados os tanques não protegidos, uma dos quais a vítima DD. Sob este aspecto, não poderia Ré deixar de conhecer estar a adoptar um comportamento naturalmente idóneo para colocar em perigo pessoas que não possuem aptidão psíquica e intelectual para velarem pela sua segurança e adoptarem as cautelas mais adequadas ao afastamento do dano. Aqui em causa, pois, uma responsabilidade subjectiva reclamada pelo princípio da tutela desses lesados, enquanto inimputáveis “sempre solícitos a brincadeiras e explorações perigosas” (BRANDÃO PROENÇA, Ob. cit., 479). 
  

            Verifica-se, portanto, que a Ré, tendo a propriedade e a fruição dos silos, destinados e estando a ser efectivamente utilizados como depósitos ou armazéns de bagaço, substância libertadora de gases perigosos, estava, por lei – aquém e além da específica tutela das leis laborais, especialmente voltada para a segurança no trabalho -, obrigada a vigiá-los, assumindo as cautelas e tomando as providências necessárias para evitar possíveis danos a terceiros, como se prevê no n.º 1 do art. 493º C. Civil.

Estabelece-se, no preceito, uma modalidade especial de responsabilidade delitual, fundada na culpa, mediante uma inversão do ónus da prova ou presunção de culpa, a recair sobre quem exerça ou beneficie de determinadas actividades, em regra também com especial aptidão para causar danos, sendo que o referido n.º 1 declara responsáveis pelos danos causados pelas coisas e onera com a presunção de culpa da sua produção quem tiver em seu poder a coisa móvel ou imóvel geradora do evento danoso e, cumulativamente, tenha o dever de a vigiar.

A responsabilidade recai sobre a pessoa que detém a coisa, exercendo sobre ela o poder de facto, e encontra fundamento na ideia de que ela não tomou as necessárias medidas cautelares idóneas à não produção do dano.

O n.º 2 do mesmo artigo, acolhe idêntico regime de responsabilidade para quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, impondo-lhe a demonstração de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

A lei não fornece um conceito ou critério de determinação de actividades perigosas.

 Vem-se entendendo, na esteira da proposta de VAZ SERRA (BMJ 85º-378), como sendo aquelas “que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades”.

Assim, como se escreveu, no ac. deste Supremo de 22/4/08 (proc. 08B626), actividade perigosa será “aquela que, face às circunstâncias do caso concreto, implica para outrem uma situação de perigo, ou seja, a probabilidade de lhe infligir um dano, o mesmo é dizer que envolve maior probabilidade de causar danos do que a generalidade das actividades”, qualificando-a como tal a especial aptidão da actividade exercida para produzir danos (cfr. ac. de 10-7-2012 – proc. 1400/04.2TBAMT.P1.S1)       

 Deste modo, a utilização de certos meios há-de considerar-se ou não actividade perigosa consoante dela resulte ou não, na concretização desse perigo, a provável ou possível geração de danos para terceiros.

 

Embora no acórdão recorrido se tenha concluído que a actividade ali exercida pela “BB” «não pode deixar de se considerar uma atividade perigosa, pela própria natureza da atividade e meios utilizados», não se tem por igualmente líquida tal qualificação, por isso que, embora seja indiscutível que a manipulação de bagaços vínicos, por via da libertação de gases eventualmente letais, envolve uma maior probabilidade de causar danos do que a resultante de muitas outras actividades em geral, o que aqui está em causa é, essencialmente, o armazenamento desse produto em profundos silos, libertando os gases em repouso, ou seja, a simples armazenagem de substâncias tóxicas sem a tomada de precauções adequadas à vedação do acesso de terceiros ao local e ao contacto com os gases.

         Não está, assim, tanto em causa uma acção ou actuação, como manifestação dinâmica ou de funcionamento, ela própria produtora do efeito danoso, como parece postular o próprio conceito de actividade, mas a detenção, com o dever de guarda e especial vigilância, de uma coisa, silo ou depósito, de substância ela mesma, pela sua natureza e qualidades, portadora de perigosidade.

         Por isso, apesar da irrelevância da qualificação, propendemos para integrar a situação fundante do dever de agir, mediante as providências devidas, preferencialmente na previsão do n.º 1 do art. 493º.

         4. 7. - Acautela o art. 486º C. Civil a obrigação de reparação dos danos causados por omissões «quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido».

         Assim, havendo um dever de agir juridicamente relevante, uma obrigação de praticar o acto omitido, concorrendo o nexo de causalidade entre a omissão - violação do dever de praticar o acto omitido – e o dano verificado, há também obrigação de indemnizar.

         A obrigação de agir, no caso, como adiantado, tendo por objecto a execução de medidas tendentes a impedir o livre acesso de pessoas aos silos, como instalações intrinsecamente portadoras de perigosidade e geradoras de risco, repousa nas normas do citado art. 493º, que elegem como fonte da obrigação a omissão do dever de agir para evitar o dano por quem criar ou mantiver uma “fonte especial de perigo” do qual esse dano resulte. A relevância jurídica da omissão encontra-se, aqui, ligada ao “dever genérico de prevenção de perigo” (cfr. ac. STJ, de 02-6-2009 - proc. 560/2001.S1; P. de LIMA e A. VARELA, “C. C., Anotado”, I, 4ª ed., pg. 488).         
        Trata-se, de algum modo, de equiparar a conduta omissiva à acção violadora do dever de actuar no campo da prevenção da violação dos direitos alheios, integrando, assim, o quadro da previsão da responsabilidade delitual.


        Na sua relação com a responsabilidade por factos ilícitos, os deveres de protecção perspectivam-se, portanto, como deveres de comportamento cuja violação é imputada ao sujeito sobre que impendem a título de culpa, efectiva, se provada a abstenção, ou presumida, se apenas não provada a execução das providências devidas ou a inevitabilidade do dano por outro motivo.

         Com efeito, sendo certo que, como adverte CARNEIRO DA FRADA (Contrato e Deveres de Protecção), 1994, pg. 165) - depois de incluir a violação dos chamados “deveres (de segurança) no tráfico” no art. 483º -- 1-1ª parte C. Civil e o seu amplo reconhecimento pela lei portuguesa -, no campo das omissões, “a ilicitude não é indiciada automaticamente pela produção (adequada) de uma lesão do direito de outrem, (pois que) necessita antes de ser positivamente determinada pela ponderação de diversos factores, com relevo naturalmente para a perigosidade de um comportamento no confronto com a necessidade de protecção social do lesado … (o que) implica a elaboração (judicial) de normas de conduta cujo desrespeito seja havido em princípio como ilícito”, pensa-se que, malgrado a delicadeza do problema de identificação de tais normas elegíveis a fonte autónoma da obrigação de indemnizar, a situação que ora se nos depara é uma daquelas que, por contida nas hipóteses de aplicação do art. 493º, facilmente permite estabelecer a responsabilidade “pelo domínio de uma esfera de vida espaciofisicamente determinada (…) e(ou) decorrente da assunção de uma actividade”, a imporem ao sujeito deveres de evitar perigos e afastar riscos (cfr. A. citado, agora em “Direito Civil – Responsabilidade Civil – O Método do Caso”, 74).

         No mesmo sentido, e em confirmação da posição que se anunciou, vem, na doutrina, SINDE MONTEIRO (“Responsabilidade por Conselhos Recomendações e Informações”, 307 e ss.), que, no seguimento da afirmação de que aquele que cria uma situação de perigo ou a deixa persistir na sua esfera tem de tomar as medidas de segurança necessárias – «cujo objecto é um agir positivo e não uma omissão» -, de acordo com as circunstâncias, para a protecção de outras pessoas, relativamente aos danos com ela relacionados, como princípio geral, pronunciando-se sobre o enquadramento dos deveres (de segurança) no tráfico, conclui estarmos “perante direito delitual de pura água” em que “o tratar-se de acção ou omissão não muda a natureza jurídica do dever de responder” e “na medida em que seja legítima a admissibilidade de uma presunção de culpa com respeito à violação de deveres de protecção de perigos, o correcto processo técnico para alcançar esse desiderato parece ser o da aplicação extensiva ou analógica de um dos preceitos em que está expressamente consagrado, ou a que em todo o caso subjaz o pensamento dos deveres de tráfico, e em particular do art. 493º/2 do Código Civil”.

         Como se fez notar no acórdão supra identificado, citando MENEZES CORDEIRO, “Da Boa Fé, II”, “o conteúdo dos deveres de tráfico depende da gravidade dos efeitos danosos, da probabilidade de acidente, das medidas preventivas possíveis ou exigíveis e da possibilidade de auto-protecção do lesado, já que os avisos de perigo terão de ser mais intensos para crianças que para adultos, mas mesmo estes, intrusos ou não, têm de ser “avisados” dos perigos especiais – á partida não há responsabilidade do criador do perigo se o dano resultar da exposição voluntária do lesado ao perigo, tendo aquele adoptado medidas suficientes para evitar a intromissão abusiva”.         

         Voltando ao quadro factual e considerações sobre o mesmo atrás postos em relevância, tem-se por incontornável a violação dos deveres de prevenção do perigo ou deveres de tráfego, com a relevância jurídica que lhes atribuem as normas do art. 493º C. Civil, com a responsabilidade da Ré “BB” a assentar na sua culpa, por comprovada e efectiva violação do dever de adoptar as medidas suficientes ao impedimento da intromissão no espaço portador do perigo especial, malgrado o acto de exposição voluntária a esse perigo do próprio lesado. 

         4. 8. - Aqui chegados, há que ponderar se, face ao quadro de ilicitude e culpa que se deixou traçado, concorre, por referência ao mesmo, mas agora independentemente da violação das normas de segurança laborais, o nexo de causalidade adequada.

         Ora, repondo aqui as considerações inicialmente expostas sobre a causalidade, entende-se que não pode deixar de concluir-se que, uma vez desligados os deveres de protecção e normas de segurança incumpridos da sua específica relação, designadamente teleológica e funcional, com a actividade laboral, a adequação causal que, em abstracto já se reconhecera existir, também concorre perante a convocação das concretas circunstâncias sob ponderação.

         É que, relembra-se, agora, o ilícito considerado é a violação de deveres genéricos ou obrigações com prestações comportamentais exigíveis do dono de coisas criadoras ou sustentadoras de especial perigo na sua relação causal, antes desconsiderada, com a produção de um dano que provavelmente se não teria verificado se não fossem as omissões, isto é, se tivessem sido cumpridas as obrigações que integram o conteúdo do dever de vigilância da coisa (não interessando a este ponto, de adequação causal entre o facto ilícito do lesante e o dano, o dever de vigilância de menor pelos pais sobre o filho – art. 491º C. C.).

         Numa palavra, se, como se referiu, são as circunstâncias a definir a adequação da causa, sabido que não havia quaisquer barreiras ou avisos tendentes a evitar o acesso do menor aos depósitos do bagaço, que, utilizando as palavras do acórdão da Formação, “legitimamente se encontrava no local, por habitar a casa do caseiro próxima dos silos”, não podem considerar-se indiferentes para a verificação do acidente as violações comportamentais da Ré, pois que, segundo a normalidade das coisas, favorece claramente os riscos de verificação do dano produzido.

         Presentes, portanto, os pressupostos da responsabilidade civil da “BB” e da respectiva obrigação de indemnizar.

         4. 9. - Como atrás se deixou adiantado, existe “culpa” do lesado.

         Apesar de não interferir propriamente com a conduta do lesante e respectiva valoração, a “culpa do lesado” intervém como limitação aos efeitos indemnizatórios da responsabilidade do obrigado a indemnizar.

         Há, então, que tomar posição sobre o concurso desse facto “culposo”, de uma acção livre e consciente do lesado, como acto constitutivo de responsabilidade pessoal, da sua auto-responsabilização e respectiva gravidade.

         Assim, relativamente ao falecido DD, há que ponderar, por um lado, que desceu “pelo seu próprio pé” ao silo, expondo-se aos gases que lhe foram letais, com o evento a ficar a dever-se a imprudência da vítima mas, por outro lado, deparamos com uma criança de 13 anos de idade que, no largo fronteiro à casa, que lhe era familiar e sem limitações, jogava a bola, actividade que, associada à inimputabilidade inerente à idade, é propícia a actos irreflectidos como o traduzido pela bem conhecida máxima, embora em sede de prevenção rodoviária, “atrás da bola vai o menino”, a merecer uma tutela mais forte que a dispensada a um adulto, como acima se referiu.

         Confrontam-se a falta de protecção do local, apesar da presença de menores, com um risco que, podendo ser revelador imprudência, não era previsível para a vítima, não podendo falar-se de “culpa” exclusiva do lesado, cuja juventude, reportada ao critério padrão de apreciação da culpa, deve interferir como factor desculpabilizante (cfr. B. PROENÇA, Ob. cit., 578 e inCadernos de Direito Privado, n.º 17, pg. 32).

No tocante ao falecido CC.

         Foi, ele, como se sabe, em socorro do filho, inanimado no fundo do silo, onde acorreu, vindo de casa.


A vítima adoptou, ao descer ao silo, uma conduta de auto-colocação em perigo, com aptidão para a produção de um dano como o que efectivamente se produziu, comportamento que revela omissão de adopção de medidas de autoprotecção, em princípio ou objectivamente exigíveis de uma pessoa normalmente prudente e avisada.
         
Porém, na imprescindível comparação dessa conduta com a que teria tido uma pessoa medianamente prudente, cuidadosa e conhecedora, naquela concreta situação, há que sopesar, contrapondo-os, a “relação de perigo”, tal como se apresentou naquele momento e (a)normalidade do erro cometido.

Desde logo, o comportamento situa-se no campo da causalidade indirecta, dependente do evento condicionante que o impeliu.
Depois, em termos de normalidade, o seu resultado não pode deixar de considerar-se de rara verificação e, consequentemente, de difícil representação e reduzida previsibilidade

        Acresce e, sobretudo, avulta que vítima viu ou representou posta em grave perigo a vida do filho menor, agindo no sentido de a salvar, incapaz de, de outra forma, evitar o perigo representado ou o resultado, sendo que lhe devia protecção.
         Compreende-se que, tais circunstâncias, como escreve B. PROENÇA (ob. cit., 587), levem “o futuro lesado a um comportamento de emergência (a «agony of the moment» ou o «dilemma principle»), não ponderando o risco próprio, mas tornado necessário face ao perigo iminente criado para os seus bens pessoais”. 
         Do mesmo modo, como refere o mesmo Autor (pág. 590), se justificará o comportamento destinado a afastar um perigo criado por terceiro, como os actos de socorro praticados em situação de emergência.
Aquela atitude impulsiva ou não reflectida por parte do lesado e a assunção deste risco, quando não ferido de desproporcionalidade, integram comportamentos merecedores, em geral, de um juízo desculpabilizante.   

Nesta conformidade, crê-se que a auto-responsabilização do lesado por efeitos lesivos da sua conduta, à luz do necessário juízo de censura, com os contornos enunciados, e de critérios de justiça e equilíbrio de repartição do dano, não colhe justificação.

Apesar disso, pensa-se que, dependente, como foi, da prática do facto condicionante, os efeitos do facto condicionado, subordinado e puro reflexo daquele, não podem ser desligados do que, como condição necessária e única, foi deles determinante como acção directora.

A conduta desculpabilizada da vítima e a sua desresponsabilização, carecem, face aos fundamentos que a sustentam, de autonomia, devendo seguir o destino da acção que esteve na sua origem e causa e que a absorve.

Donde que, como consequência, na graduação do montante indemnizatório devido, se entenda que deverá intervir o mesmo critério adoptado para a aferição da relevância do comportamento condicionante e directamente causal.

4. 10. – Atingido este ponto, e assente o dever de indemnizar, seguir--se-ia pronúncia sobre a fixação do grau de concurso determinante da redução do quantum a satisfazer aos Demandantes, a valoração dos danos e pertinente cálculo, bem como a apreciação da pretendida responsabilidade contratual da Seguradora pela satisfação das quantias que forem devidas

   As Instâncias não se pronunciaram sobre nenhuma das questões referidas, pois que, como se sabe, entenderam inexistir responsabilidade da Ré e, consequentemente, da Chamada para quem, alegadamente, a transferira.

Estão em causa, além do mais, questões relativas à fixação de montantes indemnizatórios, para compensação por danos não patrimoniais, com recurso a juízos de equidade.

         

            A apreciação e decisão daquelas questões pelo Supremo, pela primeira vez, em substituição cumulativa da 1ª Instância e da Relação, traduzir-se-ia, seguramente, numa dupla preterição de jurisdição, vedando às Partes qualquer grau de recurso, preterição que o art. 715º-2 CPC, embora aplicável ao recurso de revista, por remissão do art. .., não prevê ou resolve.

         Perante a omissão, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal não ser aplicável, nestes casos, a regra da substituição que a referida norma prevê em um grau.

         Também se aceita tal entendimento, seguindo jurisprudência acolhida, entre outros, nos acórdãos deste Supremo de 21/10/2010 e de 14-4-2011 (procs. 12280/07.6TBVNG.P1.S1 e 3075/05.2TBPBL.C1.S1), que confrontado (o Tribunal) com a situação processual prevista no nº 2 do art. 715º, depois de notar que,apesar de a letra do art. 726º apenas excluir do âmbito da revista a aplicação do nº 1 do art. 715º - não se pronunciando, ao menos de forma expressa, sobre a eventual aplicabilidade à revista da norma constante do nº 2 daquele preceito legal -”, se entendeu que, em situações como a que aqui se apresenta, “não deverá efectivamente funcionar a regra da substituição por parte deste Supremo, de modo a apreciar imediatamente as questões, referentes ao cômputo da indemnização, suscitadas pelas partes nos respectivos recursos de apelação”.

A sustentar tal posição invoca-se, por um lado, a circunstância de “a fixação dos montantes indemnizatórios devidos por danos não patrimoniais pressupor essencialmente um juízo equitativo, que se não reconduz à estrita resolução de uma «questão de direito», segundo critérios estritamente normativos”, e, por outro lado, “não se justificar a eliminação de um grau de jurisdição, de modo a ficar resolvida definitivamente a questão dos montantes indemnizatórios devidos”, sem que a Relação possa apreciá-la e decidi-la, salvo se desse grau de jurisdição prescindiu antes a parte interessada.

         Será de aplicar, consequentemente, nestes casos, dado o paralelismo de situações, o regime previsto no n.º 2 do art. 731º CPC. 

Nesta conformidade, deverão os autos ser remetidos ao Tribunal da Relação, a fim de ser emitida pronúncia sobre as questões que haviam ficado prejudicadas pelo decidido em sede de pressupostos da responsabilidade (no mesmo sentido, em apreciação de arguição de nulidade por excesso de pronúncia, o ac. desta Conferência no proc. 289/10.7TVLSB.L1.S1)

            

         4. 11. - Respondendo, em síntese, às questões colocadas pelo tema proposto no acórdão que admitiu a revista excepcional, pode concluir-se:

         Sobre o detentor de instalações intrinsecamente portadoras de perigosidade e geradoras de risco recai um dever de agir, mediante a execução de medidas tendentes a impedir o livre acesso de pessoas a essas instalações.

A obrigação repousa nas normas do art. 493º C. Civil, que elegem como sua fonte a omissão do dever de agir para evitar o dano por quem criar ou mantiver uma “fonte especial de perigo” do qual esse dano resulte;
       
Trata-se de equiparar a conduta omissiva à acção violadora do dever de actuar no campo da prevenção da violação dos direitos alheios, integrando, assim, o quadro da previsão da responsabilidade delitual.

A violação dos deveres de prevenção do perigo ou deveres de tráfego, quando comprovada a efectiva abstenção do dever de adoptar as necessárias medidas de prevenção, permite basear a responsabilidade em culpa efectiva e não meramente presumida. 

          

A ausência de barreiras ou avisos tendentes a evitar o acesso a silos com bagaço, libertador de CO2, de menor que “legitimamente se encontrava no local, por habitar a casa do caseiro próxima dos silos”, não pode considerar-se indiferente para a verificação do acidente (morte por intoxicação), pois que, segundo a normalidade das coisas, a omissão/violação da obrigação de prevenção favorece claramente os riscos de verificação do dano produzido, ocorrendo nexo causalidade entre o facto e o dano.

        

O regime prescrito no art. 731º-2 do CPC para o suprimento da nulidade por omissão de pronúncia deve também aplicar-se no caso de o Tribunal da Relação não ter apreciado a matéria de atribuição e fixação das indemnizações, designadamente por danos não patrimoniais, face à solução que deu ao litígio, desresponsabilizando inteiramente os réus, em confirmação integral do anteriormente decidido na 1ª Instância, que, pela mesma razão, também não a apreciara.

     

         5. – Decisão.

         De harmonia com o exposto, acorda-se em:

         - Conceder a revista;

        

- Revogar o acórdão recorrido; e,

        

- Determinar a remessa do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento e decisão das questões identificadas no ponto 4. 10.; e,

        

- Colocar as custas a cargo de Recorrentes e Recorridas, segundo o critério que vier a ser fixado a final.

Lisboa, 11 Julho 2013

Alves Velho (relator)

Paulo Sá

Garcia Calejo