Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6115/15.3T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
CONTRATO DE SOCIEDADE
NULIDADE
CAPITAL SOCIAL
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / PRAZO DA PRESTAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO DAS SOCIEDADES – CONTRATO DE SOCIEDADE / REGIME DA SOCIEDADE ANTES DO REGISTO. INVALIDADE DO CONTRATO.
Doutrina:
-Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª Edição p. 898;
-Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obras Dispersas I, 1991, p. 137 e 146;
-Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, p. 128 ; Do Cumprimento do Contrato Promessa Bilateral, p. 88 e 8;
-Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, parte geral, Almedina, 3.ª edição, p. 493;
-Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Volume IV, Lisboa 2000, p. 146 e ss.;
-Paulo de Tarso Domingues, Do Capital Social/noção, princípios e funções, 1998, p.. 19 e ss.;
-Pinto Monteiro, Cláusula Penal, p. 725;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Direito das Obrigações, Almedina, p. 72.

Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 762.º, 777.º, N.º 1, 804.º, 805.º, N.ºS 1 E 2, 808.º, N.º 1 E 812.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 36.º E 42.º
Sumário :
I - Não sendo o capital social um elemento essencial do contrato de sociedade, a eventual ausência deste elemento do contrato e, por maioria de razão, do contrato-promessa de constituição de sociedade, não configura vício reconduzível à nulidade (arts. 42.º, e 36.º do CSC).

II - O não cumprimento da obrigação pode assumir diferentes modalidades: mora, não cumprimento definitivo ou cumprimento defeituoso.

III - A conversão da mora em incumprimento definitivo pode verificar-se: (i) por via do decurso do prazo admonitório; (ii) da perda do interesse do credor; (iii) da declaração do devedor de que não cumprirá a obrigação (art. 808.º, n.º 1, do CC); ou (iv) da violação de um dever acessório da prestação principal (i.e., destinado a preparar ou a assegurar a perfeita execução da prestação) que, em face das circunstâncias concretas do caso, seja de considerar indispensável à regular execução do programa contratual.

IV - Resultando da matéria de facto provada que o contrato-promessa de constituição de sociedade não tinha prazo certo para a celebração do contrato prometido, bem como que, apesar de devidamente interpelado, o réu, não só não entregou a documentação necessária à celebração da escritura (que lhe foi solicitada mais do que uma vez) e que, quando lhe foi comunicada a data, hora e local para a sua outorga, não compareceu, assim reafirmando a sua intenção de não cumprir o contrato, incorreu o mesmo em incumprimento definitivo (arts. 777.º, n.º 1, 804.º, e 805.º, n.os 1 e 2, do CC).

V - A ratio de o tribunal poder reduzir a cláusula penal, de acordo com a equidade, quando a mesma for manifestamente excessiva funda-se na necessidade de conciliar o respeito devido à autonomia das partes com o princípio da boa fé que deve reger a sua atuação (arts. 812.º, e 762.º do CC).

VI - O juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve ser feito, não relativamente ao momento em que ela foi estipulada, mas antes ao da sua exigibilidade, posto que o que se pretende evitar é o exercício abusivo do direito à pena, ainda que ela tenha sido acordada em termos razoáveis. Ou seja, é ao dano efectivo que deve atender-se para efeitos de redução e não ao dano previsível.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. AA, S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe:

“a) A quantia de € 58.558,00, acrescida de juros vencidos desde 21.3.2004, no valor de € 59.739,40, e vincendos até integral pagamento;

b) A quantia contratada e fixada a título indemnizatório de despesas judiciais e/ou extrajudiciais causadas pelo incumprimento atempado do contrato de € 5.000,00.”.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

No dia 9 de Março de 2004, foi constituída a sociedade “CC - Caixilharia de Alumínios, Lda, cujo objeto consistia na fabricação de produtos metálicos para a construção civil, sendo seus sócios, com quotas iguais, DD, EE e o ora réu, BB.

Em 5 de Agosto de 2004, o réu subscreveu um documento em que, além do mais, declarou que, em 7 de Julho de 2004, havia celebrado com o IEFP contrato de concessão de incentivos financeiros destinando-se os fundos obtidos nesse contrato, bens com ele obtidos e atividade nele referida a ser integrados e explorada através dos sócios da sociedade CC, reconhecendo o direito de compropriedade desses fundos, bens e atividade, na proporção de 1/3 para cada um dos identificados sócios da referida sociedade.

Por escritura de 22/03/2005, os três sócios procederam à dissolução da sociedade CC, Ld.ª, tendo nessa mesma data, o EE e o BB subscrito documento em que ficou consignado que o primeiro tinha vendido ao segundo, por € 20.000,00, a quota que detinha naquela sociedade, desvinculando-se reciprocamente de quaisquer compromissos, contas ou obrigações, anteriormente assumidas.

O réu acordou, então, com o DD desenvolver um novo projeto empresarial, que passaria pela constituição entre ambos de uma sociedade, nos termos que constam do documento de fls. 29, intitulado “contrato promessa de constituição de sociedade”.

Sucede que, apesar de interpelado pelo DD, para cumprir o contrato promessa e marcar a escritura, sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato, o réu recusou fazê-lo.

Nestas circunstâncias, assiste ao outorgante DD, nos termos clausulados no contrato promessa, o direito a exigir o pagamento de € 58.558,00, acrescidos de juros legais, conforme ali estipulado.

Esse crédito foi, no entanto, cedido à ora autora, cedência que, oportunamente, DD comunicou ao réu.

2. O réu contestou. Por exceção, invocou a ilegitimidade ativa da autora, afirmando não ter sido celebrado qualquer contrato de cedência do alegado crédito entre o identificado DD e a autora. Por impugnação, alegou, em síntese, que:

Na sequência da dissolução e liquidação da sociedade “CC”, os respectivos bens foram adjudicados ao réu que pagou as tornas correspondentes aos outros sócios.

A partir de então, o réu passou a exercer a atividade comercial em nome pessoal e de forma exclusiva.

O intitulado contrato-promessa de constituição de sociedade foi elaborado após ter sido assinado em branco pelo réu, pelo que não corresponde a qualquer declaração de vontade sua, sendo que o aludido contrato sempre seria nulo, por não conter a descrição dos requisitos essenciais do contrato prometido.

Para a hipótese de assim não ser entendido, invocou a prescrição dos juros peticionados, nos termos previstos no art. 310º, al. d), do CC.

Concluiu, pedindo a improcedência da ação e a condenação da A., como litigante de má-fé, em multa e indemnização no valor de € 10.000,00.

3. Foi proferido despacho saneador em que, além do mais, foi julgada improcedente a exceção de ilegitimidade suscitada.

4. Realizado o julgamento, foi, então, proferida sentença, em que se julgou a ação parcialmente procedente em consequência, se condenou o réu a pagar à autora:

a) - A quantia de € 58.558,00, acrescida dos juros de mora já vencidos, que se fixam em € 10.000,00, bem como dos que se vencerem desde a citação e até integral pagamento, à taxa legal.

b) - A quantia de € 5.000,00, a título de indemnização, por despesas relativas à cobrança do crédito.

5. Inconformado com tal decisão, o réu interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão em que, revogando a sentença, julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o réu do pedido.

6. Irresignada com esta decisão, veio, agora, a autora, interpor recurso de revista.

Nas suas alegações, em conclusão, disse:

1. A decisão do Tribunal da Relação de … que deu por totalmente procedente a apelação, revogando em consequência a decisão do Tribunal de Primeira Instância, absolvendo o Réu de todos os pedidos, não se pode manter por, face à aplicação das normas jurídicas aplicadas, violar o sentido de justiça que se requer.

2. Pelo que o presente recurso fundamenta-se nos termos do artigo 674º nº 1 alínea a), do Código do Processo Civil, na violação da lei substantiva.

3. Visando o presente recurso apreciar a decisão do Tribunal da Relação de … que foi no sentido da nulidade do contrato promessa de constituição de sociedade por aplicação das normas constantes dos artigos 410º, nº 1 do Código Civil, em conjugação com os artigos 9º,1, f) e 42º, do Código das Sociedades Comerciais que, em consequência, deu procedência integral ao recurso do réu, aí recorrente.

4. Assim quanto à determinação das normas de direito substantivo aplicáveis, entende-se que as normas a aplicar às relações entre os outorgantes do "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade" não eram as aplicadas pelo Tribunal da Relação de …, mas sim as disposições constante do artigo 36º do Código das Sociedades Comerciais, por, aquando a assinatura do contrato a sociedade, a sociedade já ter iniciado a atividade pelas mãos do R., segundo outorgante, conjuntamente com a intervenção do DD;

5. Artigo que dispõe que: "Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas antes da celebração do contrato de sociedade, os sócios iniciarem a sua atividade são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre sociedades civis".

6. Integrando-se o contrato aqui em questão "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade", face ao tempo e ao modo em que foi celebrado, nas relações entre os sócios pelo que o regime aplicável ao mesmo, por anteceder a celebração do contrato de sociedade e o respectivo registo, integra-se no nosso modesto entendimento nas disposições do artigo 980º e seguintes do Código Civil;

7. Não sendo, nos termos do artigo 981º do Código Civil, exigida qualquer forma específica para a validade do mesmo, uma vez que o mesmo não se esgota numa simples promessa e reveste também características de um contrato misto;

8. Concluindo-se assim que o contrato celebrado entre os outorgantes descrito no facto provado nº 8 é perfeitamente válido e eficaz entre as partes e entre a aqui autora e o réu, nos termos vertidos nos autos.

9. Concluindo pela validade e eficácia do contrato, conclui-se também pelo incumprimento pelo réu do acordado no "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade".

10. Face a todas as razões aduzidas nas presentes alegações, e concretamente por objetivamente o réu interpelado não comparecer no dia marcado no cartório notarial para realização da escritura nos termos do facto provado nº1, sendo condição objetiva do incumprimento conforme o plasmado na referida cláusula contratual "a falta à escritura".

11. O que conferia nos termos da cláusula nº5 do contrato celebrado entre as partes conforme reproduzido no facto provado nº 8 ao DD o direito de exigir ao R. o pagamento da quantia €58.558,00 acrescido de juros e cláusula indemnizatória no montante de 5.000,00€, conforme titulado no acordo, nos termos da condenação do Tribunal de Primeira Instância.

12. Sem prescindir de tudo o ante exposto, conclui-se ainda que o réu arguiu ilegitimamente a nulidade do "acordo-contrato promessa de constituição de Sociedade";

13. Por tal se consubstanciar numa situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334º do Código Civil;

14. Isto porque em situações semelhantes a jurisprudência tem configurado como situação de abuso de direito as situações em que o interveniente em incumprimento invoca a nulidade do contrato por falta de pressupostos do contrato prometido nos contratos-promessa quando esse interveniente opte por um comportamento em momento posterior à conclusão do contrato que tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contraparte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido;

15. Pois bem sabia o réu, aquando da celebração do referido contrato aqui em questão, que a sociedade a constituir "(...) passaria pela constituição entre ambos de uma similar sociedade de gerência conjunta e igualdade de quotas...)", conforme facto provado n º26.

16. Resultando assim para efeito do "acordo-contrato promessa de constituição de sociedade" e para os efeitos do disposto no artigo 9º nº1, que o R. tinha conhecimento de quem eram os sócios da sociedade a constituir, o tipo de sociedade a constituir; o objeto da sociedade a constituir; a sede da sociedade a constituir onde a mesma já estava instalada; o capital social de acordo com as entradas dos sócios para a sociedade, tudo nos termos dos factos provados nºs 1; 2; 3; 4; 5; 6; 7; 8; 9; 10.

17. Ficando efetivamente demonstrado que o réu nas relações com o DD nunca pôs em questão a validade do negócio e, por outro, até ao incumprimento definitivo do contrato sempre criou na contraparte DD a fundada confiança de que o contrato seria integralmente cumprido.

18. Concluindo-se assim que o R. exerceu ilegitimamente o direito de arguir a nulidade do "Acordo-contrato promessa de constituição de sociedade", por face às circunstancias supra-expostas tal se compaginar com uma situação de abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium", nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334º do Código Civil, com as interpretações e aplicações que lhe têm vindo a ser dadas doutrinalmente e jurisprudencialmente.

19. Face a isto e demonstrado que está o incumprimento do R. do "Acordo-Contrato promessa de constituição de sociedade" deve o réu ser condenado no peticionado pela Autora ou seja pagamento dos montantes peticionados de € 58.558,00 (cinquenta e oito mil e quinhentos e cinquenta e oito euros), acrescida de juros vencidos, que se fixam em 10.000,00€), reduzindo-se nesta medida a cláusula penal acordada, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre €58.558,00, desde a citação até efetivo e integral pagamento e a quantia de 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização.

7. Nas contra-alegações, pugnou-se pela improcedência do recurso.

8. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC)[1], importando, assim, decidir se o contrato promessa de constituição de sociedade comercial é nulo e, a ser assim, se a invocação da nulidade do contrato, pelo réu, consubstancia abuso de direito; se, concluindo-se pela validade do contrato, o réu incorreu em incumprimento definitivo, sendo responsável pelo pagamento das quantias peticionadas.


***


II – Fundamentação de facto

9. Está provado que:

1. No dia 9 de Março de 2004, foi constituída a sociedade “CC –Caixilharia de Alumínios, Lda.”, cujo objeto consistia na fabricação de produtos metálicos para a construção civil.

2. Com o capital social de € 5.001,00, dividido e realizado em três quotas iguais, no valor nominal de € 1677,00, pertencente cada uma delas a DD, EE e ao aqui R. BB, tendo a sede em …, Freguesia de …, Concelho de ….

3. Em documento, datado de 5 de Agosto de 2004 (reconhecido notarialmente), o aqui réu, BB, declarou que:

“ Outorgou em 7 de Julho de 2004 com o IEFP contrato de concessão de incentivos financeiros.

- Que todo o processo foi feito com o impulso e colaboração dos Srs. DD e EE, destinando-se os fundos obtidos nesse contrato, bens com ele obtidos e atividade aí referida a ser integrados e explorada através dos sócios da sociedade CC – Caixilharia de Alumínios, Lda. da qual os 3 são únicos sócios.

- Que, a não ser autorizada desde já a transmissão dos fundos, bens e atividade para a referida sociedade, o declarante se compromete a efetuar essa transmissão logo que lhe seja legal e contratualmente possível, reconhecendo desde já o direito de compropriedade desses fundos, bens e atividade, na proporção de 1/3 para cada um dos identificados sócios da referida sociedade.

- Mais declara que caso nunca se venha a consumar a transmissão referida, se obriga a proceder à divisão dos bens e frutos da atividade em 3 partes iguais, entregando 1/3 a cada um dos demais sócios da sociedade ou, não o fazendo, 1/3 do valor desses bens e atividade ou 1/3 do valor recebido a título de incentivo financeiro, conforme for exigido pelos sócios referidos. “

4. Mais tarde, os três sócios optaram por proceder à dissolução da “CC – Caixilharia de Alumínios, Lda.”, o que fizeram por escritura de 22/03/2005 (cf. fls. 68 e verso) – em que declararam que a atividade da mesma já cessou, “tendo já liquidado todo o seu ativo e passivo – a qual foi registada pela AP.01 de 05.03.23.

5. Em documento, também datado de 22 de Março de 2005, EE declarou “(…) que a partir desta data e com o recebimento da quantia de € 20.000,00 do BB (…), referente ao preço de venda da minha quota na sociedade constituída (…) em nome de BB, CC Caixilharia de Alumínios, Lda. (…), todos os contratos e acordos anteriormente assinados referentes a esta sociedade ficam anulados e sem qualquer efeito, desvinculando de hoje em diante e para sempre o Sr. BB de quaisquer compromissos e obrigações por este assumidos, não lhe podendo exigir mais nada a nenhum título, ficando o ora declarante desvinculado de quaisquer assuntos e negócios que digam respeito ou estejam relacionados com o estabelecimento comercial de fabrico e comercialização de alumínios instalado no pavilhão de …, ficando ainda desvinculado de qualquer assunto relacionado com quaisquer contratos cujos efeitos venham a produzir-se no futuro, dando assim total quitação e remição de todas as contas e obrigações assumidas pelo BB”.

6. No que respeita ao DD, acordaram o início de um novo projeto empresarial, que passaria pela constituição entre ambos de uma similar sociedade, de gerência conjunta e igualdade de quotas, salvaguardando as partes inclusive com este novo negócio os direitos pré-existentes nascidos da precedente “CC – Caixilharia de Alumínios, Lda.”, acabando por transportar tais direitos e mesmo bens, materiais e equipamentos, duas viaturas e o próprio estabelecimento comercial para a nova sociedade a constituir, assumindo ambos, consensualmente, a continuidade e transmissão dos negócios anteriormente celebrados e direitos recíprocos constituídos, stocks, clientela, bens/equipamentos através daquela sociedade, que integraram fisicamente a nova sociedade.

7. Manteriam ambos as mesmas funções, incumbindo ao DD tratar de toda a papelada/procedimentos formais da sociedade, inclusive da sua constituição e registo, procedimentos contabilísticos e de promoção e angariação de clientela, e incumbindo ao Réu, como homem no terreno, a fabricação e instalação dos produtos metálicos - procedimentos que o DD já vinha executando na “CC – Caixilharia de Alumínios, Lda.”, sendo este quem tratou do projeto de investimento junto do IEFP, contratado em 7 de Julho de 2004 e, concluído passados 4 anos, requereu e pagou o certificado de admissibilidade e tratou dos demais atos para a constituição e registo desta sociedade, contratou o telefone, EDP, e negociou e adquiriu a viatura Mitsubishi.

8. Naquela convergência de vontades, entre o réu BB (2º Outorgante) e o DD (1º Outorgante), foi reduzido a escrito, no dia 21 de Março de 2005, um intitulado:

 “Acordo–contrato promessa de constituição de sociedade”, submetido às seguintes cláusulas:

«(…) E considerando que:

a) Os dois outorgantes negociaram constituir em comum e em partes iguais um estabelecimento comercial de fabrico e comercialização de caixilharias de alumínio, o qual foi instalado num pavilhão sito ao …, …, propriedade de FF e esposa, inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 3…7, arrendado ao segundo outorgante por contrato de 1 de Agosto de 2004.

b) Que para essa constituição e apetrechamento, o 1.º Outorgante investiu a quantia de 36.565€ (diferença entre o valor do projeto de investimento e o valor do financiamento ao segundo outorgante referido na cláusula seguinte) e mais disponibilizou os seus serviços e conhecimentos com vista a lançar no mercado e promover esse estabelecimento e deu impulso e colaboração ao 2.º Outorgante na obtenção do subsídio referido na cláusula seguinte.

c) Que o 2.º Outorgante contribui para a constituição e apetrechamento do estabelecimento com a totalidade de um subsídio que requereu no IEFP ao abrigo de um contrato de concessão de incentivos financeiros, com a colaboração do 1.º Outorgante, no valor de €58.558.

d) Que, por virtude das condições do contrato referido na alínea anterior, o estabelecimento terá que ficar durante os primeiros 4 anos na titularidade exclusiva do 2.º Outorgante.

Acordam os outorgantes que:

1º – O 2.º Outorgante reconhece que, não obstante o estabelecimento constituído ir ficar na sua exclusiva titularidade, pelos motivos supra referenciados, na realidade o mesmo é propriedade, em comum e partes iguais, de ambos os outorgantes os quais assumem também em comum os custos da sua exploração e para quem revertem os lucros de exploração desde a sua abertura.

2º - Mais reconhece o segundo outorgante que o investimento inicial do primeiro outorgante corresponde ao valor referido na alínea b) acrescido do valor do seu trabalho, colaboração e aplicação de seu conhecimentos na constituição e aperfeiçoamento do estabelecimento o qual acordam os outorgantes ser valorizado monetariamente na quantia de € 58.558, reconhecendo assim os outorgantes ter sido igual a participação na constituição, apetrechamento e relançamento no mercado desse estabelecimento.

3º - O segundo outorgante promete e obriga-se a, logo que tal seja legal e contratualmente possível, em face do contrato celebrado com o IEEP, constituir com o primeiro outorgante, sociedade por quotas, na qual cada um terá quota no valor de 50% e gerência conjunta com obrigatoriedade das duas assinaturas para obrigar a sociedade e transmitir para essa sociedade o estabelecimento comercial referido neste acordo, sem qualquer contrapartida financeira do 1º outorgante, formalizando desta forma a situação de facto prevista no presente acordo.

4º - Para o efeito, o 2.º outorgante obriga-se a comparecer à escritura de constituição de sociedade e a outorgar contrato de trespasse para a mesma ou como sempre que para o efeito seja notificado pelo primeiro outorgante, por carta registada com A/R, com, pelo menos, 15 dias de antecedência, mais se obrigando a, dentro do mesmo prazo e nos primeiros 5 dias, enviar ao primeiro outorgante todos os documentos que por ele sejam solicitados com vista a permitir a realização desse contrato.

5º - Caso o segundo outorgante se recuse a receber as cartas ou falte ou se recuse a assinar as escrituras e contratos referidos na cláusula anterior, poderá, de imediato, o 1.º outorgante demandar judicialmente o segundo e, em alternativa ou de acordo com a sua livre escolha, exigir a execução especifica do presente contrato, por forma a obter sentença que que produz os efeitos previsto no presente acordo, nomeadamente na sua clausula 4.ª ou exigir o pagamento do segundo ao primeiro do valor de € 58.558, acrescido de juros legais, contados desde a data da assinatura do presente contrato até efetiva liquidação dessa quantia.

Em qualquer dos casos mais acordam os outorgantes e se obriga o segundo a indemnizar primeiro, ainda, no valor de 5.000 euros a titulo de ressarcimento de despesas judiciais e/ou extrajudiciais causadas pelo seu incumprimento atempado deste contrato.”.

9. Nos termos acordados, o estabelecimento ficou na titularidade exclusiva do 2.º Outorgante, o aqui R., integrando no mesmo todos os bens/equipamentos da “CC – Caixilharia de Alumínios, Lda.” e que estavam afetos ao contrato de concessão de incentivos financeiros contratados entre o IEFP e em nome individual pelo Réu, no valor global de 95.123,49 € - que se encontram identificados nas faturas relacionadas na listagem de realização do investimento.

10. Continuaram assim A. e R. a exercer atividade na sede da “CC –Caixilharia de Alumínios, Lda.”, tendo a 14 de Setembro de 2005 ambos outorgado contrato de arrendamento sobre o prédio misto denominado “P… ou T…”, composto de terreno rustico e 4 barracões, para aí desenvolverem a mencionada atividade comercial de serralharia de alumínios, sendo-lhes também em conjunto atribuído o lote n.º 5 do Plano de Pormenor de Ampliação da Zona Industrial de …, local onde planeavam construir um pavilhão para o exercício da sua atividade comercial.

11. Passado algum tempo, o réu começou a afastar o DD do negócio, não lhe apresentando contas, não “quinhoando nos lucros”, não o autorizando a interferir na gestão dos interesses do estabelecimento ou a tomar quaisquer deliberações sobre os negócios, não lhe prestando informações sobre a vida da empresa.

12. E não respondendo às sucessivas comunicações, inclusive para prestação de contas, que ao longo dos anos lhe foram sendo endereçadas pelo DD por cartas registadas, todas rececionadas pelo R – designadamente as cartas de 22 de Setembro de 2005, de 8 de Janeiro de 2007, e de 29 de Janeiro de 2008, todas expedidas com AR.  

13. Por carta remetida via postal registada de 18.12.2008 (RC122242704PT), DD manifestou ao Réu o seu interesse na celebração do negócio definitivo, aguardando pelo prazo máximo de cinco dias a contar da sua receção lhe fossem remetidos todos os documentos necessários para a sua outorga, ao que e uma vez e na sua posse, seria marcada a data, local e hora para a sua outorga.

14. A esta anexou os elementos de identificação, com cópia dos BI(s) e cartões de contribuinte fiscal de DD e mulher, GG.

15. O mesmo DD reiterou esta comunicação, por carta remetida via postal registada de 18.02.2009 (RO83258007PT), e através da qual repetiu o pedido para entrega da documentação, marcando a escritura para o dia 9 de Março de 2009, pelas 10H30 no Cartório Notarial do Dr.º HH, em …, comunicando ao Réu que e perante a sua não outorga consideraria definitivamente incumprido o contrato.

16. O R. nada disse, nem compareceu no Cartório Notarial, não se podendo realizar a escritura por falta do necessário certificado de admissibilidade da firma, que a haveria de instruir, e atenta a falta do R.”.[2]

17. DD optou, nos termos contratuais, por exigir o pagamento ao Réu do valor de € 58.558, acrescido de juros legais desde 21 de Março de 2004 [data da assinatura do citado contrato] até efetiva liquidação dessa quantia, o que comunicou por escrito ao R. através de cartas registadas de 5 de Junho de 2015, [RD589186497 PT] e de 24.04.2015 [RD565423554PT], onde também o notificou da cedência desse crédito à aqui Autora, as quais vieram devolvidas ao remetente.

18. Por “Acordo de Cessão de Crédito” datado de 24.4.2015, DD e mulher, GG, declararam ceder à ora A., que declarou aceitar, “o crédito no montante de € 58.558,00, acrescido de juros e cláusula indemnizatória, titulados por Acordo – Contrato Promessa de Constituição de Sociedade celebrado com BB… em 21 de Março de 2005, e relativo a um estabelecimento comercial de fabrico e comercialização de caixilharias de alumínio”.

19. A Autora é uma sociedade anónima cujo conselho de administração é composto por um administrador – II – que é filho de DD e uma vogal, GG, mãe do identificado administrador e cônjuge do citado DD.  

20. A atual denominação da sociedade ora autora resultou da alteração ao contrato de sociedade que antes se designava por “JJ - Atividades Hoteleiras Turísticas e Similares, Lda.”, cujo capital social pertencia, integralmente, ao identificado casal constituído pelo referido DD e mulher.

21. DD conseguiu, junto da Câmara Municipal de …, obter uma declaração camarária que atribuía o lote nº 5 do Plano de Pormenor de Ampliação da zona industrial de … a si e ao ora Réu.

22. O réu adquiriu tal lote por escritura pública outorgada nos Paços do Concelho de … em 19 de Abril de 2006.  

10. Não se provou que:

a) Não houve qualquer contrato de cessão de créditos entre o identificado DD e a Autora.

b) No dia e que foi dissolvida e liquidada a “CC”, os sócios da referida sociedade em liquidação procederam à partilha de todos os bens móveis da sociedade, que foram adjudicados ao ora Réu, pelo valor global de €30.000,00, tendo este pago aos demais contitulares de tais bens e então sócios da sociedade a extinguir as tornas correspondentes, no montante de €10.000,00 para cada um, pagamentos estes que foram feitos no mesmo dia 22 de Março de 2005 mediante a entrada de um cheque de igual valor a cada um dos sócios – EE e DD, cheque este entregue ao sócio EE.

c) A redação da declaração de fls. 20 v.º foi da exclusiva responsabilidade dos demais sócios da sociedade liquidada, tendo-a o R. assinado sem perceber ou compreender o respetivo conteúdo, que não representava a verdadeira expressão da vontade das partes.  

d) A partir da extinção da referida sociedade o Réu passou a desenvolver a sua atividade industrial de forma exclusiva, sem qualquer financiamento ou ajuda de terceiros, nomeadamente do dito DD.

e) O imóvel arrendado, referido no facto provado em 10, foi celebrado também por DD apenas por este fazer questão em figurar como arrendatário, nunca tendo este tomado posse do arrendado, ou pago qualquer renda, que têm vindo a ser exclusivamente pagas pelo réu.

f) A atribuição provada em 21 era exclusiva do Réu.  

g) Pretendia o dito DD apenas quinhoar nos resultados do estabelecimento industrial do réu.

h) O dito DD nunca contribuiu com qualquer valor monetário ou de outra índole para a constituição ou apetrechamento do estabelecimento industrial do Réu.

i) O Acordo/Contrato promessa junto com a PI não corresponde a qualquer declaração de vontade do R., tendo sido adulterado e/ou elaborado após o Réu ter assinado o respetivo papel em branco, o que aconteceu no meio de uma verdadeira “confusão de papéis e documentos” que então foram elaborados pelos demais sócios da extinta sociedade e a propósito da liquidação desta.  

j) Todos os bens e equipamentos que em 2004 integraram o projeto de investimento apresentado pelo Réu junto do Instituto de Emprego e Formação Profissional foram integralmente pagos por si.  


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III - Fundamentação de Direito

11. Da nulidade do contrato promessa

O acórdão recorrido, convocando o disposto no art. 42º, do Cód. das Soc. Comerciais, fulminou com a nulidade o contrato promessa celebrado entre os outorgantes (o ora réu e DD), por dele não constar a menção relativa ao capital social da sociedade a constituir.

Contra esta decisão se insurge a autora (a quem o referido DD cedeu o direito de crédito invocado nesta ação), sustentando que o contrato promessa é válido e eficaz entre as partes, pelo que o réu deve suportar as consequências do seu incumprimento, nos termos clausulados.

Vejamos, pois.

Nos termos do disposto no art. 410º, nº1, do CC “à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, são-lhe aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.”.

Aplicando-se-lhe, em regra, as normas disciplinadoras do contrato prometido, importa, antes de mais, analisar o que ali se preceitua sobre o conteúdo do contrato de sociedade e sobre as consequências de eventuais vícios de que possa padecer, tendo presente que, em sintonia com o art. 12º, do CC, à formação do contrato, em especial à sua validade, é aplicável a lei vigente à data da sua celebração.[3]

Ora bem.

Muito embora, o contrato de sociedade comercial seja um contrato nominado, típico e formal (arts. 7º e ss. do Código das Sociedades Comerciais), é marcado pela liberdade de estipulação, assumindo natureza supletiva muitas das regras legais que o disciplinam.

O conteúdo do contrato é, assim, o que for delimitado pelas partes no respectivo clausulado, devendo, no entanto, abranger alguns elementos que se tornam necessários à cabal compreensão do regime fixado, os quais podem, em todo o caso, constar implícita ou explicitamente do contrato.[4].

A este respeito, estabelece-se no art. 9º, do Cód. Soc. Comerciais que:

“1. Do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:

a) Os nomes ou firmas de todos os sócios fundadores e os outros dados de identificação destes;

b) O tipo de sociedade;

c) A firma da sociedade

d) O objeto da sociedade;

e) A sede da sociedade;

f) O capital social, salvo nas sociedades em nome coletivo em que todos os sócios contribuam apenas com a sua indústria;

g) A quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os pagamentos efetuados por conta de cada quota;

h) Consistindo a entrada em bens diferentes de dinheiro, a descrição destes e a especificação dos respectivos valores.

i) Quando o exercício anual for diferente do ano civil, a data do respectivo encerramento, a qual deve coincidir com o último dia do mês de calendário, sem prejuízo do previsto no artigo 7º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.”.

Diversos outros preceitos complementam o conteúdo do contrato, em função dos vários tipos sociais, designadamente o art. 199º, quanto às sociedades por quotas.

O capital social estatutário ou nominal (é nesta aceção que vem referido no art. 9º, nº1, al. f)) representa o valor inserido nos estatutos e que traduz, de modo abstrato e formal, o conjunto das entradas dos sócios.[5]

Ora, no caso em apreço, atendendo aos factos provados, afigura-se-nos que do contrato promessa em análise resulta - objetivamente e com suficiente clareza - o montante do capital social da sociedade que as partes se obrigaram a constituir (cf. ponto 8, dos factos provados, concretamente os «considerandos» a) e b) e as cláusulas 1ª, 2ª e 3ª).

Está, portanto, afastado o fundamento de invalidade que o acórdão recorrido imputa ao contrato.

Ainda que assim não fosse, teríamos que ter em conta que:

Relativamente ao capital social (art. 9º, nº1, al. f)), ”verifica-se, pelo enunciado legal, que o capital social não é um elemento essencial do contrato de sociedade, uma vez que não ocorre nas sociedades em nome coletivo, nas quais todos os sócios apenas contribuam com a sua indústria.”[6].

Não sendo um elemento essencial do contrato de sociedade, eventual ausência deste elemento no contrato de sociedade, e por maioria de razão no contrato promessa de constituição de sociedade, seria, pois, insuscetível de conduzir à sua invalidade, designadamente nos termos previstos no art. 42º, do Cód. das Soc. Comerciais, ao contrário do que se entendeu no acórdão recorrido.

Aliás, face à factualidade apurada, tudo aponta para se esteja perante uma situação enquadrável no art. 36º, do Cód. das Soc. Comerciais CSC que manda aplicar o regime das sociedades civis que não dependem de qualquer forma especial. Em todo o caso, face ao regime legal, mesmo a existir uma promessa de celebração do contrato de sociedade definitivo, a falta de menção do capital social não configuraria vício reconduzível à nulidade (arts. 980º e ss. do CC).

Pelas razões expostas, é de concluir pela validade e eficácia do contrato promessa em discussão nestes autos.


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12. Do incumprimento definitivo do contrato

Como se sabe, o contrato-promessa tem, em regra, eficácia meramente obrigacional, criando para as partes apenas a obrigação de celebrar o contrato prometido. Tal significa que estamos perante uma obrigação que tem por objeto uma prestação de facto positivo, um «facere».

Atento o disposto no art.º. 410º, nº 1, do CC, há que atender às regras que disciplinam o regime geral dos contratos, maxime, ao regime estabelecido para o não cumprimento, ou seja, para a não realização da prestação debitória.


A mora é uma falta temporária de cumprimento e vem regulada nos arts. 804º e ss., do CC.

Excluído o acordo das partes, a situação de mora extingue-se com a purgação (correspondente ao cumprimento da prestação devida com o pagamento da indemnização moratória) ou com a transformação da mora em incumprimento definitivo.

A conversão da mora em incumprimento definitivo pode verificar-se por via do decurso do prazo admonitório, da perda do interesse do credor ou da declaração do devedor de que não cumprirá a obrigação (art.º. 808º, nº1, do CC).

A interpelação admonitória traduz-se na fixação de um prazo razoável (em obediência aos princípios da boa fé, da cooperação e do exercício não abusivo do direito) para o cumprimento da prestação, podendo declarar-se, simultaneamente, que a obrigação padecerá de incumprimento definitivo, se não cumprida dentro do prazo fixado.

Já a declaração e perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente (art.º. 808º, nº2, CC).

Isto é: “não basta que o credor diga, mesmo convictamente, que a prestação já lhe não interessa, há que ver, em face das circunstâncias, se a perda de interesse corresponde à realidade dos factos." (Galvão Telles, Obrigações, 7ª edição, pág. 311).

No mesmo sentido referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela que "a perda do interesse do credor deve, nos termos do nº 2, ser apreciada objetivamente. Pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos daquele ou à perda infundada do interesse na prestação. Atende-se, por conseguinte, ao valor objetivo da prestação, não ao valor da prestação determinado pelo credor, mas à valia da prestação medida (objetivamente) em função do sujeito."(Direito das Obrigações, Almedina, pág. 72).

Tenha-se, contudo, em atenção que a perda do interesse tem de resultar da mora, isto é, de relevante retardamento da prestação (art. 808º, nº1, do CC), como realçam o Prof. Baptista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in Obras Dispersas I, 1991, 137/146) e o Prof. Almeida Costa, (Direito das Obrigações, 5ª ed, 898).

Por seu turno, independentemente da estipulação, ou não, de um prazo pelas partes e da sua natureza, em face de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não cumprir a obrigação principal, verifica-se, desde logo, um quadro de incumprimento definitivo.[7]

O mesmo se diga da violação de um dever acessório da prestação principal (i.e., destinado a preparar ou a assegurar a perfeita execução da prestação) que, em face das circunstâncias concretas do caso, seja de considerar indispensável à regular execução do programa contratual.

Voltemos agora ao caso concreto.

No contrato-promessa em causa, as partes clausularam que:

“4ª - O 2.º outorgante (o ora réu) obriga-se a comparecer à escritura de constituição de sociedade e a outorgar contrato de trespasse para a mesma ou como sempre que para o efeito seja notificado pelo primeiro outorgante, por carta registada com A/R, com, pelo menos, 15 dias de antecedência, mais se obrigando a, dentro do mesmo prazo e nos primeiros 5 dias, enviar ao primeiro outorgante todos os documentos que por ele sejam solicitados com vista a permitir a realização desse contrato.

5º - Caso o segundo outorgante se recuse a receber as cartas ou falte ou se recuse a assinar as escrituras e contratos referidos na cláusula anterior, poderá, de imediato, o 1.º outorgante demandar judicialmente o segundo e, em alternativa ou de acordo com a sua livre escolha, exigir a execução especifica do presente contrato, por forma a obter sentença que que produz os efeitos previsto no presente acordo, nomeadamente na sua clausula 4.ª ou exigir o pagamento do segundo ao primeiro do valor de € 58.558, acrescido de juros legais, contados desde a data da assinatura do presente contrato até efetiva liquidação dessa quantia.

Em qualquer dos casos mais acordam os outorgantes e se obriga o segundo a indemnizar primeiro, ainda, no valor de 5.000 euros a titulo de ressarcimento de despesas judiciais e/ou extrajudiciais causadas pelo seu incumprimento atempado deste contrato.”.

Não obstante, a escritura acabou por não ser outorgada.

Efetivamente, provou-se que:

Por carta registada endereçada ao ora réu, em 18.12.2008, DD manifestou-lhe o seu interesse na celebração do negócio definitivo, ficando a aguardar que, no prazo de cinco dias, fixado no contrato, o mesmo lhe remetesse os documentos necessários para a sua outorga, a fim de marcar a data, local e hora para a escritura (cf. ponto 13, dos factos provados).

Perante a inércia do ora réu, o referido DD, por carta registada enviada em 18.2.2009, reiterou o pedido de entrega da documentação e intimou o réu a comparecer em determinado Cartório Notarial no dia 9.3.2009, a fim de ser celebrada a escritura, sob pena de considerar definitivamente incumprido o contrato (cf. ponto 15, dos factos provados).

O réu, porém, nada disse, nem compareceu no Cartório Notarial.

Em face disso, o referido DD, atenta a faculdade que o contrato lhe conferia (cf. cláusula 5ª), veio exigir do réu o pagamento da quantia de EUR 58.558,00, acrescida dos juros legais, nos termos clausulados, pretensão que lhe transmitiu, por carta registada (cf. ponto 17, dos factos provados).

Resulta, pois, com clareza, da matéria de facto que:

O contrato promessa não previa prazo certo (“fixo”) para a celebração do contrato prometido, tendo ficado dependente de comunicação do 1º outorgante.

A celebração da escritura[8] ficou, portanto, dependente de interpelação, nos termos consagrados nos arts. 777º, nº 1 e 805º, nº 1 e 2, ambos do Código Civil.

Todavia, devidamente interpelado, o réu não só não entregou documentação necessária à celebração da escritura - e que lhe foi solicitada por mais de uma vez - o que não poderá deixar de configurar a violação de um dever acessório da prestação principal, como, quando lhe foi comunicada a data, hora e local para a sua outorga, não compareceu, assim reafirmando a sua intenção de não cumprir o contrato (cf. pontos 13, 14, 15 e 16, dos factos provados).

Incorreu, assim, inequivocamente, em «incumprimento definitivo» (arts. 804º e ss, do CC).

Atenta a factualidade provada, poderá também configurar-se uma situação de perda do interesse na prestação pelo 1º outorgante, já que, objetivamente, nas circunstâncias do caso, face ao demonstrado comportamento relapso do réu, não era razoavelmente de exigir ao credor que permanecesse vinculado ao programa contratual (art. 808º, do CC).

Por conseguinte, tendo o réu incumprido definitivamente o contrato, não pode deixar de se reconhecer à autora, cessionária dos direitos do outorgante DD, o direito a recorrer às sanções previstas para o incumprimento, nos termos expressamente clausulados no contrato promessa (arts. 577º, nº1 e 583, nº1, ambos do CC).

Ora, a este respeito, as partes estabeleceram que:

“Caso o segundo outorgante se recuse a receber as cartas ou falte ou se recuse a assinar as escrituras e contratos referidos na cláusula anterior, poderá, de imediato, o 1.º outorgante demandar judicialmente o segundo e, em alternativa ou de acordo com a sua livre escolha, exigir a execução especifica do presente contrato, por forma a obter sentença que que produz os efeitos previsto no presente acordo, nomeadamente na sua clausula 4.ª ou exigir o pagamento do segundo ao primeiro do valor de € 58.558, acrescido de juros legais, contados desde a data da assinatura do presente contrato até efetiva liquidação dessa quantia.

Em qualquer dos casos mais acordam os outorgantes e se obriga o segundo a indemnizar primeiro, ainda, no valor de 5.000 euros a titulo de ressarcimento de despesas judiciais e/ou extrajudiciais causadas pelo seu incumprimento atempado deste contrato.” (cf. ponto 8, dos factos provados).

Consubstancia esta previsão contratual uma cláusula penal, estipulada ao abrigo do disposto no art. 811º, do CC.

De harmonia com o disposto no art. 812º, do CC o Tribunal pode reduzir a cláusula penal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente.

Como ensina, Pinto Monteiro, Cláusula Penal, pág. 725, a ratio do poder de redução funda-se na necessidade de garantir um justo equilíbrio entre as exigências decorrentes do poder de autodeterminação dos contraentes e as que se fundam na dimensão material ou ético-jurídica do direito.

Por outras palavras, trata-se de conciliar o respeito devido à autonomia das partes com o princípio da boa-fé (art. 762º, CC), que deve reger a sua atuação.

Note-se ainda que o juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve fazer-se, não relativamente ao momento em que ela foi estipulada, mas antes ao da sua exigibilidade. Na verdade, o art. 812º, CC surge como uma concretização específica do dever de agir de boa-fé, previsto no art. 762º, n.º 2, do CC., pretendendo evitar-se um exercício abusivo do direito à pena, ainda que ela haja sido acordada em termos razoáveis. Ou seja: é ao dano efetivo que deve atender-se para efeitos de redução, e não ao dano previsível.

Neste contexto, tendo presente que, neste âmbito, os poderes do STJ se restringem ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, parece indiscutível que o montante que se convencionou, segundo um juízo de razoabilidade, é claramente desajustado à eficácia da ameaça que a pena consubstancia, pelo que não merece qualquer censura a decisão da 1ª instância, que reduziu a cláusula penal, nos termos em que o fez.


Em face do exposto, é de julgar procedente o recurso, devendo repristinar-se o decidido na 1ª instância.



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IV – Decisão


13. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em revogar o acórdão recorrido, e em condenar o réu a pagar à autora:

- A quantia de EUR 58.558,00, acrescida dos juros já vencidos, que se fixam em EUR 10.000,00, bem como dos juros de mora, à taxa legal, sobre EUR 58.558,00, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

- A quantia de EUR 5.000,00.

Custas pelo recorrido.


Lisboa, 19 de abril de 2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

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[1] Para além daquelas que devam ser conhecidas oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), o STJ conhece de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra ou outras (arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do mesmo diploma), sendo de ter presente que, para este efeito, as «questões» a conhecer não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, aos quais o tribunal o tribunal não se encontra sujeito (art. 5.º, n.º 3, também do CPC).

[2] Este ponto foi alterado pela Relação, em sede de reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

[3]Estamos, designadamente, a referir-nos ao Código das Sociedades Comerciais aprovado pelo DL nº 262/86, de 12 de Setembro e às alterações posteriores.

[4] Como observa Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, parte geral, Almedina, 3ª edição, pág.493.

[5] Cf., a este respeito, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol. IV, Lisboa 2000, págs. 146 e ss.

[6] Cf. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 511. No mesmo sentido, Paulo de Tarso Domingues, Do Capital Social/noção, princípios e funções, 1998, págs. 19 e ss., ao referir que, em rigor, não é possível considerar o capital como elemento essencial das sociedades de capitais uma vez que as sociedades em nome coletivo comuns comuns também terão o seu capital social.

[7] A recusa tanto pode ser expressa e categórica, como pode ser valorada a partir de outras atitudes inequívocas e concludentes daquele comportamento (cf. Brandão Proença, Do Cumprimento do Contrato Promessa Bilateral, pp. 88 89 e A Resolução do Contrato no Direito Civil, p. 128).

[8] Formalidade que a lei vigente à data da celebração do contrato promessa exigia.

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O não cumprimento da obrigação pode ter causas diversas e pode assumir diferentes modalidades: mora, não cumprimento definitivo ou cumprimento defeituoso.