Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
663/09.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONDENAÇÃO IN FUTURUM
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
DIREITO DE REGRESSO
ACÇÃO EXECUTIVA EM CURSO
Data do Acordão: 09/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INCIDENTES DA INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO/ ARTICULADOS / SENTENÇA
Doutrina: - Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC Anotado, vol 2º, pág. 244.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 523.º, 524.º, 592.º, N.º1, 593.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 329.º, N.º2, 472.º, N.º2, 662.º, 663.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/9/09, PROCESSO N.º P.374/09.8YFLSB;
-DE 7/4/11, PROCESSO N.º 419/06.3TCFUN.L1.S1.
ASSENTO DE 9/11/77.
Sumário :
1. É admissível a prolação de condenação in futurum em acção proposta por um dos devedores solidários contra os demais, destinada a fazer reconhecer antecipadamente o direito de regresso que lhe assistirá se for compelido a satisfazer no futuro prestação de valor superior à sua quota-parte nas relações internas, num caso em que já foi movida execução contra esse devedor e nela se consumou o efeito ablativo das penhoras realizadas, aguardando-se apenas o normal fluir das diligências executivas para se processar o pagamento ao exequente - o qual tornará plenamente actual e exigível esse direito de regresso.

2. Na verdade, ao propor a acção de condenação com esse fundamento e nela pedir a condenação in futurum do réu, o titular do eventual direito de regresso invoca uma peculiar necessidade de tutela jurídica antecipada, -enquadrável, desde logo, nos «casos análogos» a que alude o nº2 do art. 472º do CPC, -  fundada na pendência contra si de processo executivo  e na prática de actos ablativos do seu direito de propriedade, estando irremediavelmente privado da disponibilidade dos bens penhorados – sendo tal prejuízo naturalmente amplificado se apenas lhe fosse lícito demandar o condevedor solidário, para obtenção de título executivo, quando ocorresse pagamento ao exequente e se tornasse, por isso, imediatamente exigível o direito de regresso.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.



1. AA e mulher, BB, intentaram contra CC acção de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação da R. a:
a) a reparar o património dos AA., no âmbito do direito de regresso de que são titulares, designadamente, condenando-a ao pagamento de todos os montantes que vierem a suportar com o cumprimento da obrigação assumida e não cumprida pela R.; e
b) a pagar-lhes toda e qualquer despesa que tenham realizado no âmbito do exercício do direito de regresso, objecto da presente acção.
A fundamentar o peticionado, alegaram, em síntese, que:
Até 1.08.2003, o 1º A. foi dono do estabelecimento de farmácia denominado "F....S....", sito em Briches, altura em que decidiu trespassar o referido estabelecimento.
Foi, então, contactado pela R. que manifestou interesse em adquiri-lo, embora tenha solicitado algum tempo que lhe permitisse transmitir um outro estabelecimento de farmácia, sito numa localidade próxima, uma vez que, à data, legalmente, não podia ser titular de mais do que um estabelecimento desse tipo, ao que os AA. anuíram.
Por escrito de 1.08.2003, o A. acordou em trespassar à R. o referido estabelecimento pelo preço de € 130.000,00.

E, por escrito da mesma data, a R. declarou que assumia para si a responsabilidade pelo pagamento do débito existente para com a Codifar, correspondente à venda por esta de mercadorias para a farmácia, desde 11.09.2002, no que a Codifar consentiu tacitamente, sem desonerar expressamente os AA.
Desde 11.09.2002 e até 31.07.2003, a R., embora efectuasse frequentes levantamentos em dinheiro da conta de depósitos usada para o negócio da farmácia (ainda em nome do A., que lhe deu, temporariamente, autorização para o efeito), não pagou à Codifar as mercadorias que foi adquirindo, tendo esta, em 2004, intentado acção declarativa de condenação contra os aqui AA. e R., que terminou com sentença, transitada em julgado, que os condenou a pagar solidariamente à Codifar a quantia de € 152.591,73, acrescida de juros de mora, contados desde a data de vencimento de cada factura.
Na referida acção, resultou provado que a R. assumiu perante a Codifar a dívida.
A Codifar veio posteriormente a intentar acção executiva contra os aqui AA. e R., ascendendo o valor da execução a € 256.274,81, na qual foi já penhorado 1/3 do vencimento do A.
Apenas à R. compete satisfazer a dívida, tendo os AA. direito à reparação de todo e qualquer prejuízo que venham a ter com a dívida em causa.

A R. contestou, não sendo, todavia, admitida a contestação, por extemporânea.
Após prolação de despacho a declarar confessados os factos alegados pelos AA, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido, por considerar que o invocado direito de regresso só se constituiria na esfera dos AA com o efectivo pagamento ao credor da quantia exigida dos executados; e, não estando tal pagamento demonstrado, a procedência da pretensão traduziria, afinal, uma condenação condicional, vedada pelo art. 662º do CPC.

2. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os AA., tendo a Relação concedido provimento ao recurso.

Após notar que, no caso dos autos, é inquestionada a existência de uma obrigação solidária, beneficiando os AA. sobre a R., no plano das relações internas, de direito de regresso por todos os montantes que vierem a ser compelidos a pagar à sociedade credora, considera o acórdão recorrido que não resulta dos autos que tenha sido feita já a entrega à exequente de quaisquer dos montantes depositados na execução atrás mencionada, que se manterão, pois, à ordem deste processo, até final, a não ser que a exequente lance mão do disposto no n° 3 do art. 861° do CPC, o que não resulta demonstrado.
Assim sendo, não obstante tenha existido (e continue a existir) afectação patrimonial à acção executiva de quantias penhoradas aos apelantes (como este referiram), o que é um facto é que as mesmas não foram, ainda, afectas à satisfação do crédito da Codifar, não se podendo dizer que os apelantes, por via das referidas penhoras, pagaram (ainda que parcialmente) à credora.

Entendeu, porém, a Relação, como decisivo fundamento da revogação da sentença recorrida que veio a decretar:
Contudo, os contornos do caso subjudice não nos permitem concluir, tão linearmente como o fez o tribunal recorrido, que os apelantes não são titulares de qualquer direito de regresso, e que o que pretendem é uma condenação condicional, não permitida por lei, tendo a acção, necessariamente se naufragar.
Atente-se que da matéria de facto dada como provada resulta, inquestionavelmente, que os AA. foram chamados a pagar uma dívida que não é da sua responsabilidade, vindo-se a furtar ao pagamento a única responsável pela mesma, sendo certo que resulta já evidente que o património que tem não será suficiente para solver essa e outras dívidas.
Por outro lado, o património dos AA. já se mostra concreta e efectivamente afectado, com repercussão no seu nível de vida e do seu agregado familiar (cfr. o ponto 21° da fundamentação de facto supra), sendo certo que não obstante a exequente Codifar ainda não tenha lançado mão do disposto no art. 861°, n° 3 do CPC , como se referiu supra, o que é um facto é que, tendo já transitado em julgado o despacho de indeferimento liminar da oposição à execução, o poderá fazer a qualquer momento 14.
Por último, resulta também dos autos e do que se deixa dito que a única possibilidade dos AA. se verem, pelo menos em parte, ressarcidos do seu crédito sobre a R. (repita-se, única responsável pelo pagamento) é através da execução dos bens cujo arresto requereram.
Todos estes factos são relevantes e devem ser devidamente ponderados.
Pediram os AA. na presente acção a condenação da R. a reparar o seu património no âmbito do direito de regresso de que são titulares, designadamente, condenando-a ao pagamento de todos os montantes que vierem a despender com o cumprimento da obrigação assumida e não cumprida pela R..
Que os AA. têm direito de regresso sobre a R. relativamente a todas as quantias que pagarem à Codifar, não existem dúvidas.
E de que existe uma probabilidade segura de concretização desse direito, mostrando-se o seu património já afecto ao pagamento daquela dívida, também não.
Afigura-se-nos, pois, incontornável concluir que a obrigação da R. para com os AA. é já eminente, praticamente existente e concretizada, embora ainda não seja exigível.
Em princípio, quem vem a juízo demandar outrem para que cumpra uma obrigação ainda não exigível deve ver declarada improcedente a sua pretensão.
Mas a lei contempla excepções, de que logo nos dá conta o art. 4o, n° 2, ai. b) ao estatuir que as acções de condenação têm por fim "exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito".
Como refere Artur Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I., págs. 104 a 107, "... A lei, porém, em determinados casos contenta-se com um estado de violação apenas latente, permitindo a antecipação da condenação, isto é, que alguém seja condenado antes de ter ocorrido ainda o inadimplemento", referindo-se, em seguida, ao disposto no art. 472° do CPC, mais concretamente ao seu n° 2, donde resulta a possibilidade de condenação in futurum, para depois fazer referência ao art. 662° do mesmo diploma, que entende abranger, apenas, os casos "de incerteza inicial de violação do direito e não já os de obrigações dadas como não vencidas".
Alberto dos Reis, quer no CPC Anotado, Vol. V, págs. 72 a 80, quer no Comentário ao CPC, Vol 3o, págs. 192 a 197, defendia que o art. 662° é aplicável no caso de ser peticionado o cumprimento de uma obrigação ainda não vencida, e cujo processo tenha alcançado a fase da sentença, obedecendo aquele artigo "à ideia de salvar o processo, não obstante a inexigibilidade; quer dizer, a doutrina do artigo foi ditada pelo princípio da economia processual".
Com particular interesse, escrevem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nova, in Manual de Processo Civil, 2a ed. revista e actualizada, págs. 682 e 683 que "o fim natural da sentença é, porém, o julgamento do mérito, seja para deferir a pretensão principal deduzida pelo autor (julgando a acção procedente), seja para indeferir o pedido (julgando a acção improcedente). No caso especial de a obrigação ainda não ser exigível no momento em que a acção foi proposta, mas a acção houver de prosseguir ou tiver prosseguido, pode bem suceder que a obrigação se não ache vencida, nem sequer no momento do encerramento da discussão.
Quando assim seja, por uma pura questão de economia processual, deve o juiz proferir sentença de condenação in futurum, ou seja decisão condenando o réu a cumprir, mas só a partir do momento em que a obrigação se vencer (art. 662°, 1 e 2, a)). Assim se concilia o interesse do autor (credor) em ficar munido desde logo (não obstante a precipitação ou prematuridade da proposição da acção) com um título judicial reconhecendo a existência do seu direito e condenado o réu a cumprir, com o interesse contraposto do devedor em não perder o prazo estipulado a seu favor. Não é só no caso de a obrigação não ser ainda exigível no momento da discussão que a sentença necessita de amoldar-se à situação. Fenómeno análogo ocorrerá nos casos em que a obrigação seja ainda incerta nessa data ou em que, sendo certa a obrigação, seja ainda incerta ou ilíquida a prestação. Se, por exemplo, ao contrário do sustentado pelo autor, o juiz entender que a obrigação por ele pleiteada se encontra sujeita a determinada condição, ainda não verificada, poderá o juiz proferir uma sentença de condenação condicional, em termos paralelos aos previstos no artigo 662°", anotando que "não deve confundir-se a sentença de condenação condicional, em que condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio, não são admitidas no nosso sistema".
Ponderando estes ensinamentos e o disposto no art. 662° do CPC, e atentando nos factos concretos do caso em apreço, afigura-se-nos que outra não deverá ser a solução senão julgar procedentes os pedidos formulados pelos AA. na P.I..
A condenação há-de fazer-se ao abrigo do disposto no art. 661°, n° 2 do CPC, no montante que se vier a liquidar, nos termos do art. 378° e ss. do CPC, não existindo, ainda, qualquer parte líquida que permita a condenação imediata, como pretendem os apelantes.

3. Inconformada com este inovatório sentido decisório, interpôs a R. a presente revista que encerra com as seguintes conclusões:
I-
O douto acórdão recorrido, entendeu que é possível lançar mão de uma condenação " in futurum", nos termos do artigo 662 n° 2 alínea a) do CPC, apesar de reconhecer que a obrigação da recorrida apenas será praticamente existente.

Sendo certo que, o reconhecimento de que uma obrigação é praticamente existente, mais não é que o reconhecimento, tácito, de que a mesma ainda não nasceu e por isso não existe.

II-
O douto acórdão ora recorrido com este entendimento, no nosso entender, violou o artigo 662 n° 2 alínea a) do CPC, com a interpretação que dele fez, isto é, que é possível impor a condenação futura com base numa obrigação que pode ser expectável mas ainda não nasceu, razão pela qual deve ser revogado com todas as legais consequências daí advenientes.

Os recorridos pugnam, no essencial, pela manutenção da solução contida no acórdão recorrido, embora comecem por discordar da conclusão de que o direito de regresso que lhes assiste se não traduz numa relação jurídica já vencida e plenamente exercitável – por os montantes penhorados se encontrarem à inteira disposição da sociedade credora, apenas dependendo o pagamento efectivo de acto voluntário e discricionário desta. Note-se, todavia, que, não tendo os AA interposto recurso da decisão proferida, na parte em que a mesma lhes não foi inteiramente favorável, está naturalmente vedada a possibilidade de, em recurso interposto unicamente pela contraparte, obterem decisão mais favorável aos seus interesses.

4. As instâncias fizeram assentar a solução do pleito na seguinte matéria de facto ( incluindo os que foram aditados pela Relação):

Io - O primeiro Autor é Farmacêutico e Administrador Hospitalar, actualmente no exercício do cargo de Vogal Executivo do Conselho de Administração da Unidade

Local de Saúde do Baixo Alentejo, E.P.E., com sede em Beja e a segunda Autora é Licenciada em Farmácia, coordenadora do pessoal técnico de diagnóstico e terapêutica da Farmácia do Hospital J............ - Beja (Artigo Io da Petição Inicial).
2o - A Ré é também Farmacêutica (Artigo 2o da Petição Inicial).
3o - Até 01 de Agosto de 2003, o primeiro Autor foi dono do estabelecimento de farmácia, denominado "F....S....", sito no Largo do Adro, n.° 8, em Brinches, conselho de Serpa (Artigo 3o da Petição Inicial).
4o - Como se encontrava a terminar o curso de Administração Hospitalar e pretendia dedicar-se à área de Gestão para a qual se habilitou tecnicamente, decidiu trespassar o estabelecimento comercial referido no artigo anterior, para o qual deixaria de ter disponibilidade quando iniciasse a sua actividade como Administrador Hospitalar (Artigo 4o da Petição Inicial).
5o - Anunciada essa intenção, foi contactado pela Ré que lhe manifestou grande interesse em adquirir o estabelecimento e lhe solicitou algum tempo que lhe permitisse proceder à transmissão do estabelecimento de farmácia de que era proprietária em Relíquias, próximo de Brinches, uma vez que à data, legalmente, não podia ser titular de mais do que um estabelecimento de farmácia (Artigo 5o da Petição Inicial).
6o - Compreendendo as razões invocadas, decorrentes de limitações legais, os Autores anuíram e acordaram com a Ré um período transitório para a resolução do impedimento formal, tendo a Ré reforçado a sua intenção de concretizar o negócio, mediante a entrega de sinal (Artigo 6o da Petição Inicial).
7º- Por escrito de 1 de Agosto de 2003, o Autor e a Ré acordaram que aquele trespassaria para esta, o estabelecimento de farmácia identificado no artigo anterior, pelo preço de €130.000 (Artigo T da Petição Inicial).
8o - Também por escrito da mesma data (01.08.2003), pela Ré foi declarado que "assumia para si a responsabilidade pelo pagamento" do débito existente para com a Codifar -Cooperativa Distribuidora Farmacêutica, CRL, correspondente à venda por esta de mercadorias à "F....S....", "tendo a Ré declarado que assumia a responsabilidade pelo pagamento dessas vendas desde 11 de Setembro de 2002, até esta data, ... (ai. E) dos factos dados por assentes)" (01.08.2003) (Artigo 8o da Petição Inicial).

9o - A Codifar, Cooperativa de Distribuição Farmacêutica, C.R.L., consentiu tacitamente na transmissão da dívida do Autor para a Ré, sem dela exonerar expressamente os Autores (Artigo 9o da Petição Inicial).
10° - Sucede que, desde 11.09.2002 e até 31.07.2003, a Ré não procedeu ao pagamento de qualquer compra que efectuou à Codifar (ponto 10., II, da Matéria de Facto da Sentença, com trânsito em julgado junta), muito embora efectuasse frequentes levantamentos de dinheiro da conta de depósitos de que o Autor era titular e cuja movimentação autorizou,temporariamente, enquanto não se resolvesse o impedimento legal supra descrito (Artigo 10° da Petição Inicial).
11° Isto é, embora tenha adquirido as mercadorias à Codifar, as tenha vendido aos clientes da "F....S....", obtendo o lucro correspondente e tenha procedido à movimentação da conta de depósitos usada para o negócio da Farmácia, a verdade é a que Ré não cumpriu as suas obrigações, pagando as dívidas que contraiu no âmbito da actividade comercial que desenvolvia desde 11.09.2002 (Artigo 11° da Petição Inicial).
12° - Por essa razão, em 2004, a Codifar - Cooperativa de Distribuição Farmacêutica, CRL, instaurou acção declarativa de condenação contra os aqui Autores e contra a ora Ré, que correu termos pela 3a Secção da 3a Vara, com o n.° 4014/04.3TVLSB (Artigo 12° da Petição Inicial).
13° - Por sentença transitada em julgado em 10.07.2008, cujo traslado se junta, Autores e Ré foram condenados solidariamente "... a pagar à Codifar - Cooperativa Distribuidora Farmacêutica CRL, a quantia de €152.591,73 (cento e cinquenta e dois mil, quinhentos e noventa e um euros e setenta e três cêntimos) (...) acrescida de juros de mora, à taxa aplicável aos créditos de empresas comerciais (...) contados desde a data de vencimento de cada factura junta em dívida até integral pagamento" (Artigo 13° da Petição Inicial).
14° - Em sede de enquadramento jurídico, na Douta Sentença junta, pode ler-se que por escrito "datado de 1 de Agosto de 2003, subscrito pela 3a Ré e pelo 1° R., por si e na qualidade de procurador da sua esposa, foi declarado que ambos acordaram que existia um débito à A., de quantia não apurada, correspondente a venda de mercadorias à "F....S....", tendo a 3a R. aí dito assumir para si a responsabilidade pelo pagamento dessas vendas desde 11 de Setembro de 2002 até essa data. Esse contrato é formalmente válido e eficaz, a partir do momento em que o credor consinta nessa transmissão singular da dívida (artigo 595° do Código Civil). Diga-se que o acto de ratificação da transmissão da dívida por parte do credor pode ocorrer a qualquer momento e assumir qualquer forma possível de declaração negocial, inclusivamente pode ser expresso por declaração tácita (artigo 217° do C.C.) ou até por declaração expressa feita na petição inicial, como também aconteceu no caso dos autos. No entanto, a ratificação do acto de transmissão da dívida pelo credor não tem, só por si, o efeito de exonerar o devedor originário. A transmissão singular de dívidas só exonera o antigo devedor se o credor assim o declarar expressamente, pois caso contrário o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado (artigo 595°, n.° 2 do C.C.). Foi esta segunda hipótese que aconteceu no caso dos autos, pois ficou provado que a A. consentiu de forma tácita no acordo de transmissão de dívida para a 3a R. (...) mas sem exonerar os 1° e 2° R.R. dessa mesma dívida" (Artigo 14° da Petição Inicial).
15° - Por outro lado, nos autos n.° 4014/04.3TVLSB, 3a Vara, 3a Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, ficou também provado que: "Desde 1 de Agosto de 2003 a 3a R. afirmou por diversas vezes perante a A. que tinha assumido a dívida a que se reportam as facturas dos autos (resposta ao 8° quesito da base instrutória)" (Artigo 15° da Petição Inicial).
16° - Que... "A A. reclamou o pagamento dessas facturas junto da 3a R., quer pessoalmente em reuniões havidas para o efeito, quer pelo envio de carta registada com aviso de recepção, de 6 de Abril de 2004, na qual discriminou as quantias reclamadas e os documentos que as titulavam... (resposta ao 9° da base instrutória)" (Artigo 16° da Petição Inicial).
17° - Ficou também provado que... "Em reuniões havidas com a A., a 3a R. assumiu perante aquela ser a única responsável por todas as dívidas relativas à "F....S...." (resposta ao 17° da base instrutória)" (Artigo 17° da Petição Inicial).
18° - E que, "A funcionária da A., DD, por diversas vezes garantiu ao telefone ao 1° R. que "estava a par de toda a situação e que este ficasse descansado pois a situação já não era mais com ele (ai. H) dos factos dados por assentes)" (Artigo 18° da Petição Inicial).
19° - Decorrido mais de um mês sobre o trânsito da sentença a que nos vimos referindo sem que a dívida tivesse sido satisfeita, a Codifar, Cooperativa de Distribuição
Farmacêutica, CRL, instaurou a acção executiva, que corre termos pela Ia Secção do 2° Juízo da Secretaria-Geral de Execuções, com o n.° 28158/08.3YYLSB (Artigo 19° da Petição Inicial) \
20° - O montante da dívida peticionada em sede de execução ascende a € 256.274,81 (duzentos e cinquenta e seis mil, duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos) (Artigo 20° da Petição Inicial).
21° - No âmbito desta execução foi já penhorado 1/3 do vencimento que o Autor aufere e com o qual fazia face às despesas do seu dia-a-dia e à manutenção do nível de vida que pretende dar à sua família (Artigo 21° da Petição Inicial).

Ao abrigo do disposto no mencionado artigo, e por força da remissão constante do art. 713°, n° 2 do CPC6, aditaram -se, ainda, à factualidade provada, os seguintes factos:
22° - No âmbito da execução a que se alude em 19°, foi penhorado o vencimento que a A. aufere ao serviço da ULSBA - Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE.
23o- Até 12.01.2011 encontrava-se depositado na conta do agente de execução com referência à referida acção executiva, o valor de € 34.610,30, decorrente da penhora do vencimento dos executados.
24o- No âmbito da execução a que se alude em 19°, foi penhorado o prédio urbano descrito na CRP de Serpa sob o n° 1371/20060724 da freguesia de Serpa (Salvador) e inscrito na respectiva matriz sob o art. 3419, pertencente aos AA.

5. A matéria litigiosa centra-se plenamente na questão da admissibilidade da condenação in futurum : em que medida será admissível que o credor proponha acção de condenação tendo como objecto uma obrigação ainda não exigível ao devedor, nela obtendo decisão de mérito favorável, apesar de – nos momentos da propositura da causa e do encerramento da discussão – ainda não se ter verificado o termo ou ocorrido facto ou condição que tornaria tal obrigação vencida e exigível?
Como é sabido, tem sido doutrinariamente controversa a articulação dos regimes – aparentemente dissonantes – que constam do nº2 do art. 472º e do art. 662º do CPC – condicionando o primeiro de tais preceitos legais a efectivação em juízo de obrigações referentes a prestações futuras à existência de um interesse específico do credor ( que pretende antecipar a efectivação em juízo do seu direito) traduzido uma particular necessidade de tutela no momento da exigibilidade ou vencimento da obrigação; e, pelo contrário, parecendo a segunda daquelas normas admitir, sem essa ressalva, a prolação de sentença condenatória relativamente a obrigações ainda não vencidas ou exigíveis.

Assim, uma parte substancial da doutrina ( Antunes Varela, Anselmo de Castro, Montalvão Machado), estribada na lição de Alberto dos Reis, estabelece uma diferenciação do campo de aplicação daquelas duas normas em função do momento processual em que a inexigibilidade é detectada no processo: o art. 472º, nº2, vedaria a propositura de acções de condenação referentes a prestações futuras, em que a inexigibilidade actual é assumida pelo credor na petição inicial – condicionando a admissibilidade desta à invocação do referido interesse específico na obtenção de tutela jurídica futura ; pelo contrário, a norma que consta do art. 662º aplicar-se-ia apenas na fase do julgamento, permitindo, por evidentes razões de economia processual, a condenação in futurum quando apenas se viesse a verificar, na fase do julgamento, que, afinal, a obrigação invocada como exigível pelo credor não estaria afinal ainda vencida, no momento mais recente que podia ser atendido pelo tribunal.

Pelo contrário, outra orientação doutrinária, sustentada nomeadamente por Castro Mendes e Lebre de Freitas, delimita o âmbito de aplicação das referidas normas processuais em função da diversidade intrínseca das situações materiais em litígio, reportando-se o art. 472º a obrigações ainda não constituídas e o art. 662º a obrigações já actualmente existentes, mas ainda não vencidas ou exigíveis.

Não sendo necessário, para dirimir o presente litígio, como se verá, tomar cabalmente posição em favor de uma destas orientações doutrinárias, apenas se formularão duas breves observações sobre este tema.
Assim, importa reconhecer que, pelo menos, os casos-padrão que são apresentados pelo legislador como exemplos paradigmáticos de aplicação de uma e outra daquelas normas são substancialmente diferentes, representando realidades materiais bem diferenciadas pedir e obter a condenação futura do inquilino na restituição do imóvel arrendado, no momento mais ou menos distante em que venha porventura a cessar a relação locatícia ( estamos aqui perante um verdadeiro direito futuro , sujeito a uma espécie de condição suspensiva, embora inserido no desenvolvimento de uma relação jurídica complexa actual, emergente do contrato de locação); ou obter a condenação do devedor numa obrigação já existente, mas cuja exigibilidade depende de termo certo, já que apenas se vence em momento temporal ulterior ao encerramento da discussão da causa ( se a obrigação não era exigível no momento da petição inicial, mas se veio entretanto a vencer, até ao termo da audiência final, é evidente que sempre será lícito ao credor invocar tal facto superveniente, nos termos previstos no art. 663º do CPC).

Na verdade, se parece perfeitamente razoável limitar, com algum rigor, a possibilidade de efectivação em juízo de direitos futuros ou meramente condicionais - que constituem desenvolvimento futuro e eventual de uma relação jurídica complexa que existe entre as partes - ninguém compreenderia seguramente que – apesar de admitida sem reservas a vigência do interesse em agir como pressuposto processual e a proibição/regra de condenações in futurum - se desperdiçasse toda a actividade processual desenvolvida na tramitação de uma causa, apenas por se ter constatado em julgamento que o crédito invocado se venceria no mês seguinte à prolação da sentença condenatória…

A segunda observação prende-se com os reflexos neste tema da eliminação do despacho liminar–regra na reforma de 1995/96, implicando que – se o credor propuser acção relativa a crédito assumido explicitamente como futuro ou ainda não vencido ou exigível – a primeira intervenção judicial apenas ocorrerá finda a fase dos articulados; ou seja: a inviabilidade de indeferimento liminar da petição referente a crédito não exigível implicará, porventura, na óptica do entendimento doutrinário dominante, uma muito maior inutilização de actividade processual consumada, já que só no momento do despacho saneador será possível ao juiz inviabilizar o prosseguimento da acção explicitamente reportada a direito futuro ou ainda não exigível . Daí que nos pareça perfeitamente justificável que – confrontando-se o juiz na fase da audiência preliminar com acção relativa a crédito apresentado como futuro ou não exigível - deva ainda convidar o credor a aperfeiçoar a sua petição, alegando, nomeadamente, a existência de um possível e fundado interesse específico na antecipação da tutela, em termos análogos aos que estão previstos no nº2 do art. 472º do CPC.

6. A figura da condenação in futurum e o exacto âmbito da sua admissibilidade envolve ponderação de vários interesses ou valores processuais relevantes:

- desde logo, o interesse em agir, como pressuposto processual genericamente admitido, que implica, como regra, a inviabilidade de propositura de acções que não tenham subjacente um litígio actual – só este legitimando, em princípio, a necessidade de usar o processo e de nele obter a tutela judiciária pretendida; porém, como decorre do nº2 do art. 472º, o interesse processual poderá excepcionalmente reportar-se a um eventual litígio sobre direitos futuros, radicando, neste caso, a necessidade de tutela jurídica antecipada num peculiar interesse do credor, que carece justificadamente de dispor de título executivo no momento em que, nascendo o direito, o litígio se consumar como actual;

- em segundo lugar, o princípio fundamental da economia e celeridade do processo, implicando a necessidade imperiosa de evitar o desperdício da actividade processual realizada, a repetição de acções materialmente idênticas e a demora acrescida na administração da justiça substantiva: e se tal vector já era manifestamente relevante para o distinto autor do CPC de 1939 ( veja-se a justificação apresentada para a norma do art. 662º) – em termos de levar à incontestada conclusão de que a inexigibilidade do direito e a não actualidade de litígio entre as partes, detectados na fase do julgamento, não deveriam nunca obstar à prolação de decisão de mérito, reconhecendo o direito – terá obviamente um peso acrescido num sistema em que a morosidade é a principal crítica dirigida à justiça cível, vigora um princípio de prevalência do mérito sobre meras decisões de forma e a própria Lei Fundamental consagra o direito à sentença em prazo razoável;

- finalmente, há que ter em consideração a problemática da indispensável determinação do conteúdo da sentença judicial, colocando, nomeadamente, limites à admissibilidade de condenações condicionais, expressadas em sentenças que reconhecem direitos sujeitos a uma verdadeira condição suspensiva, de conteúdo amplamente indeterminado, ao menos nos casos em que as possíveis dúvidas sobre a verificação ou não verificação da condição impliquem inevitavelmente uma nova e ulterior apreciação jurisdicional. Ou seja: os direitos futuros e condicionais, a reconhecer jurisdicionalmente de forma antecipada, mesmo com base numa particular necessidade de tutela do credor, que careceria justificadamente de título executivo no momento em que tais relações se transformassem em actuais e exigíveis, não poderão traduzir-se numa condenação sujeita a um facto-condição de conteúdo amplamente indeterminado – e, portanto, susceptível de, com toda a probabilidade ocasionar um novo litígio entre as partes, a ser dirimido por nova intervenção do juiz. Como se afirma no Ac. de 7/4/11, proferido pelo STJ no P. 419/06.3TCFUN.L1.S1 ,
A lei processual não admite em regra, por força do princípio da determinabilidade do conteúdo das decisões judiciais, a condenação condicional, ou seja, a sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto,

ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa – particularmente nos casos em que o facto condicionante sempre exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção e a efectividade da tutela alcançada pelo demandante.
Pelo contrário, admitimos que possa ser logo judicialmente reconhecido um direito sujeito a condição suspensiva quando esta se consubstanciar numa factualidade que, embora futura e eventual, seja susceptível de fácil e inequívoca demonstração, nomeadamente mediante prova documental – veja-se, por exemplo, o Ac. de 10/9/09, (de que fomos relator), proferido pelo STJ no P.374/09.8YFLSB , em que, aderindo à posição sustentada por A. Varela, se tem como admissível a sentença de condenação condicional, em termos paralelos aos previstos no art. 662º, num caso em que a condição suspensiva se resumia à obtenção de licença de utilização de certo prédio, por o«facto condicionante» da plena disponibilidade substantiva da fracção em causa, ligado à estrita verificação pela Administração das condições regulamentares de emissão da licença de utilização, , não exigir qualquer ulterior verificação judicial, susceptível de prejudicar a certeza do direito e das situações jurídicas reconhecidas, não devendo, nessa medida, constituir obstáculo relevante à prolação de condenação «in futurum»

7. De um ponto de vista material, a condenação in futurum pode perspectivar-se a propósito de três tipos de situações, substancialmente diversificadas:
a)- em primeiro lugar, pode surgir reportada a um reconhecimento de verdadeiros direitos futuros, ou seja, de inovatórias relações jurídicas, ainda não existentes, a constituírem-se eventualmente no futuro se e quando ocorrerem determinadas vicissitudes ou situações de facto condicionantes: é nesta tipologia de situações que se configura como mais problemática a admissibilidade de um reconhecimento condicional de direitos futuros e hipotéticos das partes, ainda não existentes na respectiva esfera jurídica e que nem sequer surjam como desenvolvimento de uma relação jurídica complexa já constituída: ou seja, neste caso seria futuro, não apenas o litígio, mas a própria relação litigiosa, nem sequer ainda constituída na ordem jurídica subjectiva.
As reservas à admissibilidade de condenação in futurum neste tipo de situações são bem ilustradas pela jurisprudência que entende não ser admissível a sub-rogação em relação a prestações futuras ( Assento do STJ de 9/11/77) : na verdade, sendo o pagamento pelo terceiro o facto futuro e eventual, gerador da transmissão da relação creditória em que se consubstancia a subrogação, não existiria qualquer direito efectivável em juízo antes de efectivamente verificado esse facto futuro e incerto : não havendo sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, é a condição e medida dos direitos do sub-rogado, pelo que a entidade patronal ou a seguradora só poderiam exigir do terceiro responsável pelo acidente o que houvessem pago e não o que tivessem a pagar no futuro – entendendo-se não caber esta hipótese no âmbito da previsão normativa contida no referido art. 472º ( apesar de no próprio assento se reconhecer os inconvenientes desta solução no plano da economia processual, nos casos de sub-rogação legal prolongada no tempo, originando necessariamente uma multiplicidade de pagamentos, geradores de uma pluralidade de acções).
b) – Em segundo lugar, a condenação em prestações futuras pode traduzir-se no reconhecimento antecipado de um direito que – sendo desenvolvimento futuro de uma relação jurídica complexa já existente entre as partes - apenas se tornará actual num momento ulterior – admitindo, porém, a lei de processo o seu reconhecimento antecipado com base na invocação de uma peculiar necessidade de tutela do credor; é a situação paradigmática que está prevista no nº2 do art. 472º: na verdade, a pretendida restituição in futurum do prédio arrendado insere-se num contrato duradouro de arrendamento, já existente entre as partes ( ou seja: o direito à restituição no termo do contrato é um direito novo, mas resultante do provável desenvolvimento de uma relação actual, complexa e duradoura), estando condicionada pela invocação de uma peculiar necessidade de tutela jurídica do credor, que sobreleva a actualidade do litígio ( a imperiosa necessidade de título executivo quando tal direito se concretizar, no momento em que findar a relação locatícia).

c)- Em terceiro lugar, importa referenciar os casos em que a condenação in futurum tem como objecto uma relação creditória actual, já constituída no ordenamento jurídico, mas reportada a prestação ainda não exigível, nomeadamente por o respectivo vencimento estar dependente de termo, ainda não verificado aquando da propositura da acção – sendo inquestionável que, neste caso, por via do estatuído no art. 662º, os valores da celeridade e da economia processual prevalecem, implicando a prolação de uma sentença de condenação, mesmo que o vencimento e a exigibilidade apenas se verifiquem posteriormente ao momento mais recente que puder ser atendido pelo tribunal.

8. Transpondo estas considerações gerais para o caso dos autos, impõem-se, desde logo, três constatações fundamentais:

- a acção proposta assenta na invocação da figura do direito de regresso ( e não no instituto da sub-rogação) pelo que, como melhor se verá, tal circunstância determina a não aplicabilidade da orientação subjacente ao Assento de 9/11/77;

- ao propor a acção, o titular do direito de regresso invocou uma peculiar necessidade de tutela jurídica antecipada , fundada na pendência contra si de processo executivo e em já terem sido praticados na acção executiva em curso, através de penhoras já consumadas, actos ablativos do seu direito de propriedade, estando irremediavelmente privado da disponibilidade de tais bens - apenas dependendo o efectivo pagamento do credor do andamento da execução e do eventual exercício das faculdades que a lei de processo confere ao exequente para ser pago faseadamente ao longo da instância executiva;

- finalmente, estando processualmente sedimentado o acto de penhora, o pagamento do credor apenas dependerá do normal e regular fluir do processo executivo, não ocorrendo aqui qualquer indeterminação na prolação de sentença de condenação condicionada à efectiva satisfação do direito do credor através do produto dos bens penhorados: saliente-se que, no caso dos autos, o credor não se limitou a interpelar certo devedor solidário , mostrando que tenciona exigir-lhe o pagamento por inteiro da prestação: pelo contrário, já moveu contra ele acção executiva, nela efectivando a garantia patrimonial, obtendo definitivamente a penhora de bens determinados – de que o devedor está privado – apenas dependendo a efectiva satisfação do direito do credor de diligências a processar no âmbito de tal acção executiva em curso.

9. Na peculiar situação litigiosa dos autos, estamos confrontados com uma obrigação solidária a cargo dos condevedores – AA e R – enquadrável na figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que os demandantes beneficiam, no plano das relações internas, de direito de regresso sobre a demandada pela totalidade dos valores pecuniários que forem compelidos a satisfazer à sociedade credora.

As figuras do direito de regresso e da sub-rogação legal, diferenciando-se claramente na sua estrutura e fisionomia jurídica, desempenham, do ponto de vista prático ou económico, uma análoga «função recuperatória» no âmbito das «relações internas» entre os vários sujeitos que estavam juridicamente vinculados ao cumprimento de certa obrigação ou, embora não o estando, acabaram por realizar efectivamente , na veste de garantes ou interessados directos no cumprimento, a prestação devida, -permitindo que o interessado que, no plano das «relações externas», satisfez um valor superior ao correspondente à sua quota de responsabilidade nas «relações internas» possa repercutir tal valor sobre os restantes co-obrigados ou sobre o principal e definitivo devedor.

No CC, a figura do direito de regresso aparece coligada à modalidade e ao regime das obrigações solidárias: a satisfação do direito do credor por um dos devedores solidários produz, nos termos do art. 523º, a extinção da obrigação, outorgando o art. 524º um inovatório direito de regresso ao devedor que satisfez o direito do credor para além da quota que, nas relações internas, lhe cumpria suportar a título definitivo.

Por seu lado ,a figura da sub-rogação legal tem o seu assento normativo no âmbito do instituto da transmissão de créditos e dívidas envolvendo, deste modo, quando se verifiquem os respectivos pressupostos, a sucessão do terceiro que cumpriu a obrigação no próprio direito do credor que, assim, se não extingue com o cumprimento, nos termos do art. 593º do CC.
E, por força do preceituado no art. 592º, nº1, a sub-rogação legal ocorre:
-nos casos especialmente previstos na lei;
-quando terceiro, directa e juridicamente interessado na satisfação do crédito, realiza o interesse do credor;
-quando o sujeito que tiver realizado a prestação devida tiver garantido o cumprimento da obrigação.

Sendo embora o direito de regresso um direito novo, que se constitui com o cumprimento da obrigação solidária por um dos condevedores em parcela superior à responsabilidade que lhe cabe no plano das relações internas, não deixa de se perspectivar tal relação de regresso como desenvolvimento de uma relação jurídica complexa, já existente entre as partes – o que a nosso ver, não poderá deixar de nos aproximar decisivamente da tipologia dos casos previstos no nº2 do art. 472º do CPC – ao contrário do que, como se referiu, tem sido jurisprudencialmente entendido no campo do instituto da sub-rogação, em que – radicando o efeito transmissivo da obrigação num facto absolutamente inovatório e eventual ( o pagamento por terceiro, em muitos casos não enquadrável na disciplina e desenvolvimento de uma relação jurídica pré-existente entre as partes) – se não admite o exercício antecipado do direito pelo sub-rogado, relativamente às prestações futuras que, com toda a probabilidade, irá ter de desembolsar em momentos ulteriores.
Esta possibilidade de efectivação antecipada do direito de regresso, relativamente ao exacto momento em que se verifica o cumprimento da obrigação solidária que o constitui, está, aliás, aflorada na lei de processo, a propósito do incidente de intervenção principal provocada passiva: assim, no caso de obrigação solidária, se a prestação for exigida na totalidade a um dos condevedores, é este admitido a deduzir o chamamento dos restantes, com o fim de obter a respectiva condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, nos termos do nº2 do art. 329º do CPC.
Ou seja: pelo menos após a reforma de 1995/96, admite-se expressamente que a finalidade da intervenção principal provocada possa também consistir – para além do normal propósito de dedução de uma defesa comum – em o R. obter logo o reconhecimento do eventual direito de regresso que lhe assistirá se for compelido a pagar a totalidade do débito, munindo-se, por esta via, desde logo, de título executivo contra o chamado – evitando a necessidade de ter de, no futuro, propor nova acção de condenação para efectivação da relação de regresso que se venha a constituir no momento do pagamento.
E, como nos parece evidente, este regime de admissibilidade da efectivação incidental e antecipada de um futuro direito de regresso, previsto a propósito de uma particular situação de litisconsórcio subsequente, terá inteiro cabimento também noutras situações processuais equiparáveis, independentemente do tipo de procedimento ou acção através do qual se dever efectivar o direito a uma prestação futura por parte do titular da relação de regresso .

Deste modo, pode concluir-se pela admissibilidade de reconhecimento antecipado e condicional do direito de regresso, enquanto direito a uma prestação futura de um dos devedores no confronto dos demais, que se constitui no momento do cumprimento – não valendo, pois, nesta sede, a orientação jurisprudencial delineada, no campo da sub-rogação, pelo Assento de 9/11/77. E, assim sendo, nada obstava a que os AA. demandassem a R. pedindo o reconhecimento do seu eventual direito de regresso, mesmo antes de ter ocorrido, na execução pendente, efectiva satisfação do direito da exequente - que tornaria actual e exigível aquela relação jurídica de regresso.

10. Acresce que, na peculiar situação dos autos, o pedido formulado pelo autor pode, sem esforço, integrar-se na previsão normativa constante do nº2 do art.472º do CPC, já que este invoca consistentemente uma necessidade de tutela antecipada do direito de regresso que, com toda a probabilidade, lhe assistirá quando se consumar integralmente o fim da acção executiva em curso, emergente da persistência do efeito ablativo no seu património das penhoras já efectuadas – e sendo evidente que o efeito nocivo do arrastamento de tal situação de privação de bens seria potenciado e incrementado se apenas lhe fosse possível iniciar a acção destinada a efectivar o direito de regresso quando a dita acção executiva estivesse finda.
Na verdade, o referido preceito legal , ao admitir o pedido de condenação em prestações futuras nos casos análogos ao ali retratado, não deve interpretar-se restritivamente, de modo a concluir que tal pedido só seria possível no caso de se pretender a condenação na obrigação de restituir determinado bem, no termo de uma relação contratual duradoura ainda em curso, mas antes como permitindo pretensão dessa natureza quando se invoque justificadamente uma especial necessidade de tutela antecipada, pretendendo o autor prevenir-se contra os riscos da morosidade na obtenção do título executivo apenas quando tal relação futura se tivesse tornado actual e exigível.
Como se refere no CPC Anotado por Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto ( vol 2º, pag. 244) , os «casos semelhantes» a que o preceito se refere serão, pois, designadamente os de obrigação sujeita a condição suspensiva, quando se verifique a probabilidade de o credor ter grave prejuízo por não dispor de título executivo quando a condição se verifique.

Finalmente, importa realçar que o reconhecimento antecipado do direito de regresso não implica manifestamente, no caso dos autos, uma condenação condicional de conteúdo indeterminado, susceptível de afrontar o princípio da determinabilidade das decisões judiciais.
Na verdade, tendo sido instaurada execução contra os ora autores e tendo nela sido penhorados bens que lhes pertencem, sendo insusceptível de controvérsia, neste momento, quer a admissibilidade da execução, quer a legalidade dos actos de penhora já realizados, a efectividade e exigibilidade do direito de regresso dependem exclusivamente, não de quaisquer factos externos e relativamente indeterminados, mas apenas do regular andamento e normal fluir da execução – cujo fim será plenamente obtido quando o produto da penhora for adjudicado à satisfação do direito do exequente.

11. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa 27 de Setembro de 2012

Lopes do Rego (Relator

Orlando Afonso

Távora Victor