Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B2219
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: SJ200506290022197
Data do Acordão: 06/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 463/05
Data: 02/28/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador, excede o âmbito do recurso de revista.
2. Face à petição inicial apresentada por uma sociedade portuguesa em acção intentada contra duas sociedades espanholas, tendo a Relação declarado ter o contrato sido celebrado entre elas em Portugal, não pode o Supremo Tribunal de Justiça sindicar esse facto no recurso.
3. Porque se trata do sentido normal da declaração a que se reporta o artigo 236º, nº 1, do Código Civil, pode o Supremo Tribunal de Justiça, alterar o juízo da Relação quanto ao lugar onde devia ser cumprida a obrigação de entrega das coisas objecto mediato do contrato de aluguer.
4. A competência internacional dos tribunais portugueses no confronto dos tribunais espanhóis para conhecer de acções sobre matéria contratual intentadas depois 1 de Março de 2002 é determinada ao abrigo do Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.
5. De harmonia com a Convenção relativa à adesão de Portugal e da Espanha à União Europeia de 19 de Maio de 1992, o conflito da lei substantiva portuguesa e espanhola concernente a obrigações contratuais é regido pela Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980.
6. Na falta de escolha expressa ou tácita pelas partes da lei aplicável ao contrato, é globalmente regulado pela lei do país com o qual apresente conexão real ou presumida mais estreita.
7. Celebrado o contrato em Portugal e sendo a sua prestação característica a que vincula a sociedade portuguesa, no exercício de uma actividade económica e profissional, a sua conexão mais estreita verifica-se em relação ao ordenamento jurídico português.
8. Não tendo as sociedades espanholas provado o lugar onde se encontravam as coisas móveis objecto mediato do contrato de aluguer ao tempo da sua celebração, não pode proceder a excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses que deduziram.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"A", Lda, com sede em Portugal, intentou, no dia 15 de Maio de 2003, contra B e C, ambas com sede em Espanha, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação solidária a entregar-lhe identificadas peças de iluminação e a indemnizá-la no montante de € 106.976,79 e juros, com fundamento no aluguer de 18.259 pontos de luz, na recusa da sua entrega e nos prejuízos decorrentes da sua não utilização negocial.
As rés não contestaram a acção, a autora alegou de direito e, no dia 15 de Julho de 2004, foi proferida sentença pela qual as rés foram condenadas na entrega à autora daquelas peças e no pagamento da quantia peticionada acrescida dos juros legais que se vencerem desde a data da propositura da acção até ao efectivo recebimento, calculados à taxa legal corrente no mercado.
À autora foi concedido, no dia 7 de Abril de 2003 o apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e de encargos com o processo.
Apelaram as rés, afirmando que os factos provados não justificavam a sua condenação e invocando a excepção dilatória da incompetência internacional do tribunal português, e a Relação, por acórdão proferido no dia 28 de Fevereiro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpuseram as rés apelantes recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- está em causa um contrato de aluguer recíproco concluído em Tui, Espanha, onde se permutaram e encontram coisas móveis e deviam ser entregues, e a sua não restituição, e o pedido principal é o da sua entrega;
- nos termos dos artigos 722º e 773º do Código Civil e 2º da Convenção de Bruxelas, o lugar do cumprimento da obrigação de restituir é o do domicilio do réu;
- a questão da competência internacional dos tribunais portugueses deve ser resolvida pela Convenção de Bruxelas, e, segundo o seu artigo 5º, nº 1, é competente o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou devia ser cumprida.
- os tribunais portugueses devem ser declarados incompetentes para conhecer da acção.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão:
- da petição inicial e da queixa feita pela recorrida na Guardia Civil de Tui, Espanha, não se pode extrair o entendimento de que o contrato foi feito naquela cidade;
- o que uma e outra revelam na parte suscitada pelas recorrentes são as diligências a recorrida fez, sem êxito, para reaver aquilo a que tem direito.
II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A autora e as rés dedicam-se à armação de andores e à iluminação, as últimas em Espanha.
2. No desenvolvimento da sua actividade, em meados de Novembro de 2000, as rés contactaram com o representante da autora para que esta lhes fornecesse artigos de iluminação que eram novidade para o período do Natal.
3. Nesta actividade de iluminação, que vai de 25 de Novembro de 2000 a 8 de Janeiro de 2001, inúmeras vezes as rés forneceram à autora, tanto para o Verão como para o Natal, peças de iluminação, muito mais no começo da actividade desta, entregando sempre àquelas o preço de 270$00, convertido em pesetas, por cada ponto de luz, restituindo, depois da utilização, essas peças às rés.
4. Quando as rés fizeram o referido contacto não falaram em preço, mas isso era matéria que elas e a autora acharam despiciendo esclarecer, por o preço que a autora iria cobrar ser o mesmo que havia entregue às rés, sem qualquer acréscimo, apesar de este contrato ter lugar depois daqueles em que a autora pagou às rés a utilização das suas peças de iluminação.
5. Porque a autora necessitava de peças de iluminação das rés, aceitou fornecer-lhes as peças de iluminação que elas pretendiam, correspondentes a 25.288 pontos de luz, ao mesmo tempo que recebeu em alugado peças que as rés tinham, correspondentes a 7.029 pontos de luz.
6. Desde 25 de Janeiro de 2000 e até 8 de Janeiro de 2001, as rés utilizaram as peças de iluminação constantes do documento nº 3 e a autora, em contrapartida, utilizou as peças referidas no documento nº 4.
7. Em finais de Janeiro de 2001, o representante da autora deslocou-se à sede das rés, entregou-lhe as peças que havia recebido delas, constantes do documento nº 4, e pretendeu receber as peças que lhes havia entregado, referidas no documento nº 3, e fazer o acerto de contas.
8. O representante das rés recusou-se a entregar à autora as peças de iluminação que dela havia recebido e a fazer contas e, contactado ulteriormente para o efeito, fez ouvidos de mercador.
9. Em deslocação do gerente da autora à sede das rés, em meados de 2001, foi possível trazer consigo algumas peças, mas falta a entrega 32 peças em forma de espiga, de 18 peças em forma de prenda, de 15 peças em forma de sino, de 17 peças em forma de vela e de 30 peças em forma de gota, correspondentes a 15 689 pontos de luz, cuja entrega recusaram.
10. Porque se aproximava o Verão, pico da actividade da autora, e esta não podia satisfazer compromissos que havia assumido com comissões de festas e câmaras municipais, o representante da autora, diligenciou de novo, junto do representante das rés, no sentido de estas, pelo menos, lhe entregarem as peças de iluminação que faltavam, sem prejuízo de ulteriormente acertarem as contas.
12. Porque aquelas diligências não produziram resultado, o representante da autora, no dia 16 de Julho de 2001, deslocou-se ao Posto da Guardia Civil de Tui, Espanha, e lá apresentou queixa contra as rés, e a Guardia Civil enviou a participação ao Tribunal de Instrução de Tui, cujo juiz ordenou o arquivamento dos autos, sem prejuízo da indemnização civil a que houvesse direito.
13. A autora ainda não recebeu as peças de iluminação nem qualquer dinheiro pela utilização que as rés delas fizeram, e não pôde operar a iluminação em algumas festas, no Verão de 2001, e a de ruas no Natal desse ano, e fez algumas de modo deficiente.
14. O bom nome da autora ficou afectado junto de entidades públicas e privadas, não pôde cumprir compromissos económicos que havia assumido com bancos e particulares por estar impedida de realizar festas e iluminações e, consequentemente, de auferir proveitos derivados do seu cumprimento.

III

A questão essencial decidenda é a de saber se os tribunais espanhóis são ou não internacionalmente competentes para conhecer da acção declarativa de condenação que a recorrida intentou contra as recorrentes no Tribunal Judicial da Comarca de Murça.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e as conclusões de alegação formuladas pelas recorrentes e pela recorrida, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- questão de facto relevante no recurso;
estrutura e efeitos da excepção dilatória de incompetência internacional;
- regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna;
- normas de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de origem comunitária;
- lei substantiva aplicável às relações jurídicas estabelecidas entre as recorrentes e a recorrida e respectivo conteúdo relevante no caso espécie;
- solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela análise da questão de facto relevante no recurso, tendo em conta o que foi considerado pela Relação e os limites de conhecimento da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Em quadro de facto, releva a determinação do lugar onde aquelas sociedades convencionaram a entrega de determinadas peças de iluminação ou pontos de luz.
Todavia, a lei estabelece limites ao conhecimento da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - LOTJ99).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar o erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação quando esta declarou provados factos sem produção da prova por força de lei especial indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou internacional.
Por isso, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos livremente apreciáveis pelo julgador excede o âmbito do recurso de revista.
Está assente que as recorrentes são sociedades espanholas com sede em Espanha e que a recorrida é uma sociedade portuguesa com sede em Portugal, e que esta e aquelas estabeleceram, no final de 2000 e no princípio de 2001 relações comerciais no âmbito da respectiva actividade empresarial.
A Relação, face à petição inicial apresentada pela recorrida, ou seja, aos factos que foram considerados assentes em razão da revelia absoluta operante das recorrentes, considerou ter o contrato celebrado entre elas sido celebrado na cidade portuguesa de Murça.
O Supremo Tribunal de Justiça, dado o limite no conhecimento da matéria de facto acima referido, não pode sindicar a mencionada afirmação de facto operada pelo Tribunal da Relação (artigo 722º, nº 2, do Código de Processo Civil).
As recorrentes, a fim de justificarem o seu entendimento de que deviam entregar o material de iluminação no lugar da sua própria sede, referem-se, por um lado, à afirmação de facto de que a recorrida aceitou fornecer-lhes as peças de iluminação que pretendiam, correspondentes a 25.288 pontos de luz, ao mesmo tempo que recebeu alugado delas peças que possuíam correspondentes a 7.029 pontos luz.
E, por outro, aludem à afirmação de facto de que, em finais de Janeiro de 2001, o representante da recorrida se dirigiu à sua sede e aí entregou o material que delas tinha recebido e haver solicitado o material que lhes havia entregue e aos termos da denúncia feita por aquele contra elas na Guardia Civil de Tui, Espanha.
Tendo em conta o disposto nos artigos 236º, nº 1, do Código Civil e 722º, nº 2, do Código de Processo Civil, este Tribunal pode sindicar o sentido das referidas declarações negociais.
Mas o referido comportamento declarativo, à luz do princípio da impressão do declaratário normal colocado na posição do real declaratário, apenas revela a própria negociação entre a recorrida e as recorrentes, a diligência da primeira no sentido de obter das últimas a devolução das aludidas peças de iluminação ou pontos de luz e a recusa por elas da respectiva entrega, mas não mais do que isso, nomeadamente não revelam que o aludido material de iluminação da recorrida estivesse em Espanha aquando da mencionada contratação.
Assim, ao invés do afirmado pela Relação no sentido de que o lugar do cumprimento em causa decorria claramente da factualidade alegada, a conclusão é no sentido de que os factos provados não revelam o lugar onde deviam ser entregues as peças de iluminação ou pontos de luz no termo do contrato que as teve por objecto mediato.
Do mesmo modo, não tem fundamento legal a afirmação das recorrentes de que, segundo o contratado, deviam entregar à recorrida as peças de iluminação ou pontos de luz no lugar da sua própria sede, isto é, na cidade espanhola de Tui.

2.
Atentemos agora na estrutura e nos efeitos da excepção dilatória relativa à incompetência internacional dos tribunais portugueses.
A referida excepção dilatória deve aferir-se essencialmente, como é natural, face ao pedido e à causa de pedir formulados pelo autor na petição inicial.
No caso vertente, o litígio tem conexão com as ordens jurídicas portuguesa e espanhola, no âmbito da qual emerge a questão da competência ou incompetência internacional do tribunal português que foi suscitada pelas recorrentes.
As normas de competência internacional, em jeito de normas de conflito, delimitam o exercício da função jurisdicional pelo conjunto dos tribunais portugueses no quadro de relações jurídicas conexas com ordens jurídicas estrangeiras.
As referidas regras, salvo as relativas à mera violação de algum pacto privativo de jurisdição, integram a chamada incompetência absoluta, de conhecimento oficioso, em qualquer estado do processo, até ao trânsito em julgado da sentença sobre o mérito da causa, implicante da absolvição do réu da instância (artigos 101º, 102º e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil).

3.
Vejamos agora as regras de competência internacional dos tribunais portugueses de origem interna.
A regra geral no direito processual interno português é no sentido de que sendo ré uma sociedade deverá demandada no tribunal da sede da sua administração principal ou no da sede da sua sucursal, agência filial, delegação ou representação, conforme a acção seja dirigida contra a primeira ou contra as últimas.
Mas as acções intentadas contra sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Portugal podem ser propostas no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da administração principal (artigo 86º, nº 2, do Código de Processo Civil).
As regras de competência internacional dos tribunais portugueses foram adaptadas pela reforma processual que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 às Convenções de Bruxelas e de Lugano, de 27 de Setembro de 1968 e de 16 de Setembro de 1988, respectivamente, que passaram a vigorar em Portugal no dia 1 de Julho de 1992.
Das referidas regras de competência internacional dos tribunais portugueses actualmente em vigor resulta, à luz dos mencionados princípios, por exemplo quando o sujeito passivo seja uma sociedade estrangeira, como é o caso vertente, que sem prejuízo, além do mais, do estabelecido nos regulamentos comunitários, que a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de um de quatro factores de atribuição, inspirados nos princípios actio sequitur forum rei, da coincidência, da causalidade e da necessidade.
Em aproximação ao caso vertente, dir-se-á que os referidos factores se traduzem na localização em território português da sede estatutária ou efectiva ou da sua sucursal, agência, filial ou delegação, na prática em território português do facto que serve de causa de pedir à acção ou de algum dos factos que a integram e na impossibilidade de se tornar efectivo o direito invocado senão por via de acção intentada em Portugal, ou constituir para o autor dificuldade apreciável o accionamento no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão pessoal ou real (artigo 65ºdo Código de Processo Civil).

4
Atentemos agora nas regras de competência internacional dos tribunais portugueses decorrentes do direito interno de origem comunitária, designadamente as constantes do Regulamento CE nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000.
Visou unificar, no âmbito da sua aplicação, além do mais, as normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (artigo 1º, nº 1).

Reporta-se, além do mais, à competência judiciária, entrou em vigor no 1 de Março de 2002 e substituiu entre os Estados-Membros da União Europeia, com excepção da Dinamarca, a Convenção de Bruxelas de 1968, aplica-se às acções judiciais intentadas posteriormente à sua entrada em vigor, é obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1º, 68º e 76º).
Estabelece, por um lado, a regra geral do domicílio do requerido como critério fundamental de conexão para determinação da competência internacional do tribunal, e que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado (artigo 2º, nº 1).
E, por outro, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do respectivo capítulo (artigo 3º, nº 1).
Assim, a referida regra do domicílio não é absoluta, certo haver casos em que é possível instaurar a acção nos tribunais de Estado-Membro diverso daquele onde o sujeito passivo tenha o seu domicílio ou sede.
Para efeitos do disposto no Regulamento em análise, as sociedades comerciais, tal como é o caso das recorrentes e da recorrida, têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede social, a sua administração principal ou o seu estabelecimento principal (artigo 60º, nº 1).
O referido foro é, porém, completado, em termos de especialidade, por alguns foros ditos alternativos em razão de especial conexão entre a jurisdição e o litígio, com vista a facilitar a administração da justiça.
Tendo em conta a natureza do caso espécie, entre as referidas competências especiais, releva o disposto no artigo 5º do Regulamento em análise.
Expressa o referido artigo, por um lado, que uma pessoa domiciliada no território de um Estado-Membro pode ser demandada sobre matéria contratual noutro Estado-Membro perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão (nº 1, alínea a)).
E, por outro, para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, que o lugar de cumprimento da obrigação será, no caso de venda de bens ou de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues e os serviços foram ou devam ser prestados (nº 1, alínea b)).
Finalmente, estabelece o referido artigo que se não se aplicar o disposto na alínea b) será aplicável o disposto na alínea a) (nº 1, alínea c)).
Assim, face ao mencionado critério especial, uma pessoa com domicílio no território de um determinado Estado-Membro pode ser demandada sobre matéria contratual noutro Estado-Membro perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em causa.
Face ao exposto, ao invés do que as recorrentes expressam, não é aplicável à questão da competência internacional em análise a Convenção de Bruxelas, mas sim o aludido Regulamento nº 44/2001, que insere normas de direito comunitário implicantes do afastamento da aplicação das normas sobre competência internacional dos tribunais dos Estados-Membros da União Europeia, incluindo as da República Portuguesa a que aludem os artigos 65º e 65º-A do Código de Processo Civil.
Assim, ao invés do que foi entendido no acórdão recorrido, é inaplicável no âmbito das relações comerciais transfronteiriças em análise, envolventes de uma sociedade de nacionalidade portuguesa e de duas sociedades de nacionalidade espanhola, o disposto no artigo 65º do Código de Processo Civil, tal como lhes não é aplicável, ao invés do afirmado pelas recorrentes, o disposto na Convenção de Bruxelas.

5.
Vejamos agora qual é a lei substantiva aplicável às relações jurídicas estabelecidas entre as recorrentes e a recorrida e qual o respectivo conteúdo.
A Relação declarou que o contrato em causa foi celebrado em Murça, local da sede da recorrida, ou seja, no âmbito da sua competência, definiu esta vertente da situação de facto, que este Tribunal, conforme já se referiu, não pode sindicar, por falta de competência funcional para o efeito (artigo 722º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Estamos perante um conflito de leis aplicáveis às obrigações contratuais, outrora regido pelos artigos 41º e 42º do Código Civil, e actualmente pela Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980, em vigor desde 1 de Abril de 1991, a que se seguiu, além do mais, a Convenção relativa à adesão da Espanha e de Portugal de 19 de Maio de 1992, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 3/94, de 3 de Fevereiro de 1993, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 1/94, de 3 de Fevereiro, em vigor em Espanha desde o dia 1 de Setembro de 1993 e em Portugal desde o dia 1 de Setembro de 1994.
A regra é no sentido de que o contrato se rege pela lei escolhida expressamente pelas partes ou em termos de resultar de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa (artigo 3º, nº 1, da Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980).
Não tendo as partes escolhido a lei aplicável ao contrato, este é regulado pela lei do país com o qual o mesmo apresente uma conexão mais estreita (artigo 4º, nº 1).
Em princípio, presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a parte que está obrigada a fornecer a prestação característica do contrato tem, no momento da sua celebração, a sua residência habitual ou, no caso de se tratar de sociedade, a sua administração central.
Todavia, se o contrato for celebrado no exercício da actividade económica ou profissional dessa parte, o país a considerar é aquele em que se situe o seu estabelecimento principal (artigo 4º, nº 2).
A lei aplicável regula a sua interpretação, o cumprimento das obrigações dele decorrentes, as diversas causas de extinção das obrigações, incluindo a prescrição e a caducidade fundadas no decurso de um prazo e, nos limites dos poderes atribuídos ao tribunal pela respectiva lei do processo, as consequências do incumprimento total ou parcial dessas obrigações, incluindo a avaliação do dano, na medida em que esta seja regulada pela lei (artigo 10º, alíneas a) a d)).
Por aplicação da lei de um país determinado pela presente Convenção é entendida a das normas de direito em vigor nesse país, com exclusão das normas de direito internacional privado, pelo que se exclui o reenvio (artigo 15º).
No caso vertente, as recorrentes e a recorrida não escolheram, expressa ou tacitamente, a lei aplicável ao contrato em causa.
A circunstância de o contrato celebrado entre as recorrentes e a recorrida haver sido celebrado em Portugal revela que ele apresenta com o nosso País uma conexão mais estreita do que com a Espanha.
Ademais, a prestação característica do referido contrato, celebrado no exercício da actividade económica e profissional da recorrida, consubstanciou-se na entrega por esta às recorrentes das peças de iluminação ou pontos de luz em causa.
Daí que a presunção de maior conexão do contrato celebrado entre a recorrida e as recorrentes se estabeleça por via da localização do estabelecimento, principal ou não principal, da titularidade da primeira.
Tendo em conta o facto de o contrato em causa haver sido celebrado em Portugal e a sua prestação característica ser aquela a que a recorrida estava vinculada, a conclusão não pode deixar de ser no sentido de que a sua conexão é mais estreita com o ordenamento jurídico português.
Em consequência, o regime substantivo aplicável ao mencionado contrato, nas suas várias vertentes, é o português.
Estabelece a lei comercial portuguesa, por um lado, que o aluguer será mercantil quando a coisa tiver sido comprada para se lhe alugar o uso (artigo 481º do Código Comercial).
E, por outro, que o contrato de aluguer comercial será regulado pelas disposições do Código Civil que regem o contrato de aluguer e por quaisquer outras aplicáveis deste Código, salvo as prescrições relativas aos fretamentos de navios (artigo 482º do Código Comercial).
Expressa, por seu turno, a lei civil ser a locação o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição, e que ele se designa por aluguer quando versar sobre coisa móvel (artigos 1022º e 1023º do Código Civil).
Resulta do referido contrato, para o locador a obrigação de entrega ao locatário da coisa locada e de lhe assegurar o respectivo gozo para o fim a que se destina, e, para o último, além do mais, a obrigação de pagar a renda ou o aluguer e de restituir a coisa findo o contrato (artigo 1038º, alíneas a) e f), do Código Civil).
O incumprimento pelo locatário da obrigação de restituição das coisas objecto do contrato de locação é susceptível de implicar a sua obrigação de indemnização no confronto do locador (artigos 798º e 1045º do Código Civil).
Estamos no caso vertente perante uma relação jurídica complexa, mas, dado o objecto da acção no que concerne à causa de pedir e aos pedidos formulados pela recorrida, importa analisá-la na vertente em que aquela figura como sujeito activo no confronto das recorrentes na posição de sujeitos passivos.
A causa de pedir que a recorrida formulou na acção e que as recorrentes, em situação de revelia absoluta relevante, não impugnaram nem excepcionaram peremptoriamente, integra um contrato de aluguer de natureza comercial, pelas últimas incumprido, designadamente no que concerne à devolução das peças de iluminação.
A regra do nosso direito substantivo é no sentido de que na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor (artigo 772º, nº 1, do Código Civil).
Assim, não havendo convenção ou norma legal, o critério legal é no sentido de a prestação ser efectuada no lugar do domicílio do devedor.
E os factos não revelam alguma convenção entre a recorrida e as recorrentes relativamente ao lugar em que deviam ser cumpridas as obrigações decorrentes do referido contrato de aluguer.
Todavia, no que concerne às obrigações de entrega de coisas móveis determinadas, como ocorre no caso vertente, devem ser cumpridas nos lugares onde as coisas se encontravam ao tempo da conclusão do negócio (artigo 773º, nº 1, do Código Civil).

6.
Vejamos agora a síntese da solução para o caso espécie decorrente da dinâmica processual envolvente e da lei.
De harmonia com a chamada primazia do direito comunitário em relação ao direito dos Estados-Membros da União Europeia, as normas concernentes à competência judiciária integrantes do Regulamento nº 44/2001 prevalecem sobre as de idêntica natureza constantes do artigo 65º do Código de Processo Civil (artigos 3º, nº 2, do Regulamento e 8º, nº 3, da Constituição).
Trata-se, na espécie, de três sociedades comerciais que figuram como sujeitos da acção, uma com a sua sede em Portugal e as outras duas com a respectiva sede em Espanha, ambos Estados-Membros da União Europeia.
Resulta da lei aplicável que a obrigação relevante para efeito de determinação da competência internacional no confronto dos tribunais portugueses e dos tribunais espanhóis é a de entrega do objecto mediato do contrato de aluguer - peças de iluminação ou pontos de luz - celebrado entre as recorrentes e a recorrida.
As recorrentes invocaram a excepção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses, afirmando que o lugar de cumprimento da obrigação em causa era na cidade espanhola de Tui.
Nessa perspectiva, se exacta fosse, e tendo em conta o disposto no artigo 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, os tribunais competentes para o conhecimento da acção em causa seriam os espanhóis.

O referido facto de excepção devia, como é natural, ter sido alegado e provado pelas recorrentes (artigos 10º, nºs 1 e 2 e 342º, nº 2, do Código Civil, 264º, nº 1 e 664º do Código de Processo Civil).
Mas as recorrentes não contestaram a acção, constituindo-se na situação de revelia, pelo que não puderam articular qualquer facto de impugnação ou de excepção (artigos 483º, 484º, nº 1 e 489º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Mas isso não obstava à procedência da excepção dilatória de incompetência em razão da nacionalidade dos tribunais portugueses, dado ser oficiosamente cognoscível, caso os factos provados sustentassem aquela excepção (artigos 25º do Regulamento nº 44/2001 e 495º do Código de Processo Civil).
Todavia, os factos provados não revelam que a obrigação das recorrentes de entrega à recorrida das peças de iluminação em causa devesse ser cumprida em Espanha.
Em consequência, ao invés do que as recorrentes alegaram, os factos não revelam que os tribunais portugueses não sejam internacionalmente incompetentes para conhecer da acção em causa.
Não ocorrem, por isso, os pressupostos de absolvição das recorrentes da instância a que se reportam os artigos 101º, nº 1 e 105º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencidas, são as recorrentes responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condenam-se as recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Lisboa, 29 de Junho de 2005.
Salvador da Costa,
Ferreira de Sousa,
Armindo Luís.