Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P4510
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
PROIBIÇÃO DE PROVA
AGENTE INFILTRADO
AGENTE PROVOCADOR
Nº do Documento: SJ200302200045105
Data do Acordão: 02/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T J SOURE
Processo no Tribunal Recurso: 106/00
Data: 07/08/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : 1 - Tem sido, em geral, admitidas medidas de investigação especiais, como último meio, mas como estritamente necessárias à eficácia da prevenção e combate à criminalidade objectivamente grave, de consequências de elevada danosidade social, que corroem os próprios fundamentos das sociedades democráticas e abertas, e às dificuldades de investigação que normalmente lhe estão associadas, como sucede com o terrorismo, a criminalidade organizada e o tráfico de droga.
2 - A pressão das circunstâncias e das imposições de defesa das sociedades democráticas contra tão graves afrontamentos tem imposto em todas as legislações, meios como a admissibilidade de escutas telefónicas, a utilização de agentes infiltrados, as entregas controladas.
3 - No quadro normativo vigente, a actuação do agente provocador é normalmente considerada como ilegítima, caindo nos limites das proibições de prova, sendo patente o consenso da doutrina e da jurisprudência de que importa distinguir os casos em que a actuação do agente policial (agente encoberto) cria uma intenção criminosa até então inexistente, dos casos em que o sujeito já está implícita ou potencialmente inclinado a delinquir e a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão. Isto é, importa distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa, e a criação dessa mesma intenção.
4 - Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação. A provocação, em matéria de proibição de prova só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria.
5 - Não se verifica a actuação de agente provocador, mas sim de agente infiltrado se:
- já está em execução uma operação de importação e introdução na Europa de 1.105 Kgs de cocaína, através de Portugal, com a droga a bordo de uma embarcação em alto mar, quando é contactado um português, livre e autonomamente escolhido pelos traficantes, para colaborar na transferência dessa substância no mar, no desembarque em território português e depósito até ser transportada para Espanha;
- esse cidadão se oferece para colaborar com a Polícia Judiciária, o que esta aceita;
- obtém uma embarcação, com outros agentes encobertos e efectua o transbordo, com a presença de um representante dos traficantes que é o único que detém as coordenadas do ponto de encontro e o número do telefone satélite da outra embarcação;
- são os traficantes que decidem onde deve ser finalmente descarregada e depositada a droga, tendo enviado um casal para estar presente no arrendamento da casa destinada a depósito;
- e são presos quando carregavam parte daquela substância para levar para a Espanha.
6 - Neste caso, também não se pode dizer que os agentes infiltrados tenham tido o total domínio do facto.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1.1.
O Tribunal Colectivo da Figueira da Foz, (proc. n.º 32/01) decidiu, por acórdão de 6.6.2001, condenar os arguidos:
- FRPR na pena de oito anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93;
- JGR na pena de oito anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma;
- JAPV na pena de seis anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma;
- PGV na pena de cinco anos de prisão pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do mesmo diploma;
- FMRR na pena de cinco anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, n.º 1, do mesmo diploma.
Mais deliberou absolver os arguidos do crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de que eram acusados.
Declarou a perda, a favor do Estado, de todos os objectos e dinheiro apreendidos, nos termos do artigo 35º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.
1.2.
Recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, os arguidos FRPR, JGR, tendo respondido os arguidos PGV e FMRR.
Nesses recursos foram suscitadas as questões de saber se:
- Os factos consubstanciam a intervenção do denominado "agente provocador", figura inadmissível perante a Lei e o Estado de Direito, sendo nulas as provas obtidas, em violação do art. 32º, n.º 8, 1.ª parte, da CRP e do art. 126º, n.ºs 1, 2 e 4 do CPP;
- se o tipo legal foi preenchido, por não se ter verificado em concreto o perigo para a saúde pública, dado o apertado controlo que a P.J. exerceu sobre toda a operação;
- subsidiariamente, se a conduta em apreciação preenche o tipo de crime transporte ilícito de substância estupefaciente, mas na forma tentada, tendo-se em conta a ausência daquele perigo concreto.
II
2.1.
Este Tribunal, por acórdão de 30.1.2002 (proc. n.º 3079/01-3), julgou verificado, no acórdão do Tribunal Colectivo da Figueira da Foz, o vício previsto na alínea a) - insuficiência da matéria de facto provada para a decisão - do n.º 2 do art. 410º do CPP e ordenou o reenvio do processo para esclarecimento dos aspectos tratados na parte 4.2., de III, nos termos dos art.ºs 426º e 426º-A do CPP.
2.2.
É o seguinte o teor da falada parte 4.2. do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça
«4.2. Como resulta do que já se disse, a avaliação da legalidade da actuação de agentes infiltrados - funcionários ou terceiros sob seu comando - passa pelo confronto com as disposições constitucionais e da lei ordinária, nas quais se protege a integridade física e moral da pessoa, no fundo tendo em conta a dignidade da pessoa humana como valor que não pode ser ferido. Os agentes do Estado utilizam os meios que a lei coloca ao seu alcance mas no estrito cumprimento dos seus pressupostos.
Sabido que este meio de investigação contem evidentes riscos de tocar naquele bem jurídico, pois é manifesto o engano ou embuste de que se serve, para além da salvaguarda do núcleo essencial da integridade moral de cada um, da observância rigorosa das regras previstas para o seu uso - em que sobreleva o controlo pela autoridade judiciária respectiva, o que sucedeu no caso concreto - há ainda que atentar na demonstração e fundamentação eficiente de que tais requisitos foram observados e que não houve desvio ou excesso, com violação da directriz constitucional do princípio da proporcionalidade.
O acórdão é suficientemente claro e preciso na demonstração de que os recorrentes foram contactados em Vigo por um indivíduo de nacionalidade espanhola com vista a assegurarem o transporte dos estupefacientes da Figueira da Foz para a Galiza, indivíduo que não aparece como qualquer agente policial ou alguém agindo a seu mando. O tentáculo de uma rede de traficantes ou de um grande traficante fez o contacto para uma grande operação de transporte de estupefacientes.
Porém, já em Portugal e a partir de um posto de abastecimento da ... na Mealhada juntou-se aos cinco arguidos um sexto indivíduo - segundo o Colectivo, diferente daquele que fizera o contacto na Galiza - que os acompanharia e orientaria no resto da operação. O que sucedeu, pois foi ele que "conduziu" o recorrente FRPR à habitação sita na Rua do ..., Buarcos, Figueira da Foz, em cuja garagem se encontrava a droga que veio a ser apreendida. Sexto indivíduo esse que se retirou do local, pondo-se em fuga, ficando-se sem saber se contra a vontade da Polícia ou não (como resulta da matéria não provada).
E não deixa de surpreender que tendo a PJ agido com a eficácia devida na prisão simultânea dos outros quatro intervenientes, tivesse deixado escapar este que ajudava directamente a carregar a droga ao FRPR...
Ainda mais enigmático, porém, é o que se diz neste excerto da matéria de facto provada:
"Os estupefacientes haviam sido embarcados no Oceano Atlântico através de colaboradores da Polícia que posteriormente os conduziram para território Português e acompanharam o desenrolar da operação".
Matéria esta que foi indagada em audiência e não constava da acusação, como não constava qualquer referência à operação de infiltrados.
Existe aqui um vazio que impede o controlo deste Supremo Tribunal sobre se existiu ou não uma conduta que extravasa os limites do que se dispõe no artigo 59º do Decreto-Lei n.º 15/93, ou seja, se os agentes infiltrados aceitaram, detiveram, guardaram, transportaram droga segundo uma operação desencadeada por outrem ou por eles próprios, porquanto não se explícita minimamente o que está por detrás deste embarque algures no mar alto em pleno Atlântico.
Daí que o próprio Colectivo estranhe - conquanto diga de alguma forma compreender - "que no relatório não tivesse sido configurada a actuação dos agentes até ao fim da operação, nomeadamente para a operação de desembarque e acompanhamento do produto até à Figueira da Foz".
Como pensa, "seria legitimo que esta investigação nos pudesse levar ao elo final da cadeia de tráfico e não se cingisse à conduta de meros operacionais".
O que implicaria - acrescentamos - a realização não de uma simples acção de infiltração, mas a efectivação de uma entrega controlada, sob a supervisão do Ministério Público, com vista a proporcionar "a identificação e arguição do maior número de participantes nas diversas operações de tráfico e distribuição" - artigo 61º, n.º 1, do citado Decreto-Lei (Artigo agora revogado e substituído pelos artigos 2º e 3º da Lei n.º 104/01, de 25 de Agosto). Sob pena, como bem salienta o Colectivo, de se ficar, mais uma vez, perante a mera "arraia miúda", enquanto os grandes traficantes rapidamente reparam as "perdas" sofridas através de novas operações.
De acordo com o exposto, entendemos que a matéria de facto recolhida sobre este ponto se mostra insuficiente para tomar uma decisão no sentido de que não se verifica uma situação de proibição de prova.
Elementos existem para que o Tribunal possa deslindar este ponto, na extensão necessária e suficiente, sem margem para dúvidas: a delicadeza do método mas também o prestígio (e legais propósitos) do Estado e das instituições, nomeadamente uma correcta administração da Justiça, assim o impõem.
A nosso ver, não podem ficar suspensas e sem rasto as afirmações dos recorrentes quanto à actividade do "sexto indivíduo", as quais encontram eco nas que são feitas pelo Digmo. Representante do Ministério Público na 1.º Instância, na sua resposta ao recurso, e bem reflectidas nos pontos II, III e IV das conclusões acima transcritas.
Nem tão pouco são elucidativas para o efeito as afirmações do Colectivo quando aprecia "de direito", pois está em causa "matéria de facto".
"Na verdade, a P.J. teve conhecimento desde o início da existência da operação de tráfico que se iria realizar, tendo desde esse momento colocado no "centro de execução" dessa operação agentes da sua confiança, que informavam aquela polícia de todos os desenvolvimentos que se iam sucedendo.
Após ter sido remetida do Brasil nunca houve o perigo da cocaína entrar no circuito do tráfico de estupefacientes, não tendo a P.J. procedido à sua apreensão logo que a deu entrada no território nacional e foi desembarcada no Atlântico, apenas para poder surpreender os destinatários da mesma em flagrante delito, de modo a obter uma prova concludente da actividade daqueles.
Por outro lado, aparece como despida de qualquer interesse, para o efeito ora pretendido, a afirmação do Colectivo de que prestou depoimento o coordenador da operação, inspector RC, sobre o papel dos agentes infiltrados no decurso da operação. Tornava-se essencial o esclarecimento de todos os contornos da operação, desde a encomenda da droga, aos pormenores da infiltração e à motivação da incompletude do seu relato.
No uso da faculdade que o n.º 3 do artigo 59º-A do Decreto-Lei n.º 15/93, concede ao Colectivo e tendo em conta o agora disposto, na medida aplicável, na Lei 101/2001, nomeadamente no seu artigo 4º, há que ampliar a matéria de facto em ordem a tomar uma decisão límpida sobre a validade ou invalidade da prova recolhida através de agentes policiais ou seus colaboradores como agentes infiltrados. E com a reserva permitida pela lei, há que solicitar da PJ que esclareça toda a situação, como lhe cumpre e está perfeitamente ao seu alcance (não é possível clarificar se o sexto indivíduo é ou não um agente infiltrado e quem?), a fim de os tribunais poderem agir em conformidade com a lei em tão sensível matéria. Louva-se a eficácia mas esta não pode depreciar ou ultrapassar o apego à lei.
Sendo assim, prejudicada fica a apreciação da restante matéria do recurso.»
III
3.1.
Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo de Soure, por acórdão de 8.7.02, decidiu:
- declarar a nulidade da prova obtida nestes autos contra os arguidos e que permitiu a sua detenção, porque obtida mediante meio enganoso e absolutamente proibido;
- decretar, em consequência, a absolvição dos arguidos FRPR, JGR, JAPV, PGV, FMRR, com os sinais dos autos, do crime de tráfico de estupefacientes de que se encontram acusados;
- ordenar a imediata restituição dos arguidos à liberdade;
- ordenar a restituição aos arguidos dos bens que lhes foram apreendidos, com excepção da cocaína, a qual deverá ser destruída (art. 62º DL 15/93).
3.2.
Para tanto teve presente a seguinte factualidade.
Factos provados:
1º) Em Maio e Junho de 2000 decorria uma operação internacional de venda e aquisição de cocaína oriunda do Brasil e presumivelmente produzida na Colômbia, a qual decorria por conta de alguém sediado na Galiza, em Espanha, e que se dedica à compra e posterior venda de estupefacientes;
2º) No âmbito dessa operação, em data exacta que não foi possível determinar, mas que se situa no primeiro semestre de 2000 e antes de 24/5/00, o arguido FRPR é contactado por um indivíduo, de nacionalidade espanhola, em Vigo, para assegurar o transporte de produto estupefaciente que viria a ser desembarcado na costa portuguesa e que seria armazenado em Portugal;
3º) De imediato, o arguido FRPR entrou em contacto com o co-arguido JGRR e em conjunto delinearam o projecto de transporte do estupefaciente que lhes era solicitado, nomeadamente os elementos a contactar, viaturas a alugar e outros aprovisionamentos necessários;
4º) O FRPR entrou em contacto com os arguidos PGV e FMRR, que de imediato se prontificaram a colaborar, depois de lhes ter sido dado conhecimento da tarefa a executar;
5º) O JGRR contactou o JAPV, o qual também se dispôs a colaborar, depois de lhe ter sido dado conhecimento da tarefa a executar;
6º) Na sequência da decisão de todos os arguidos no sentido de assegurarem a realização daquele transporte de estupefacientes e em execução dessa decisão levada a cabo com o conhecimento e acordo de todos os arguidos, em data exacta que não foi possível apurar mas, em qualquer caso, posterior à do contacto referido no ponto 2º) dos factos provados e anterior a 24/5/00, um cidadão português de identidade exacta não determinada neste processo principal mas que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249, o qual no expediente de fls. 1204 foi identificado como sendo o "S", foi contactado telefonicamente por um indivíduo de nacionalidade espanhola (galego), dando-lhe conta de que tinha um serviço para lhe propor relacionado com o tráfico de estupefacientes e que precisavam, para o efeito, de se encontrarem pessoalmente, ao que o "S" acedeu;
7º) Nessa ocasião, o "S" contactou a PJ, dando conta do ocorrido e perguntando se a PJ estava ou não interessada em pagar-lhe uma determinada remuneração, bem assim como a prestar-lhe a colaboração e os meios necessários para a realização do serviço que lhe viesse a ser solicitado, dispondo - se ele, em contrapartida, a disponibilizar à PJ todas as informações que lhe fossem prestadas e relacionadas com esse serviço, bem assim como a colaborar com a PJ no sentido de esta fazer fracassar a eventual operação de tráfico em que iria participar e deter aqueles que nela igualmente participassem;
8º) A PJ acedeu ao pedido do "S" e nomeou o inspector RM para acompanhar e controlar toda a actividade do "S" relacionada com o serviço que lhe viesse a ser solicitado;
9º) A partir de então, o "S" passou a actuar sob controlo da PJ, com a finalidade de receber uma remuneração especial que foi acordada com a PJ e de proporcionar à PJ todas as informações que lhe fossem prestadas relativamente à operação de tráfico que eventualmente estivesse em curso, por forma a que a PJ pudesse apreender o estupefaciente traficado e prender o maior número possível de pessoas relacionadas com esse tráfico;
10º) Na sequência do contacto telefónico referido no ponto 6º) dos factos provados, em data exacta que não foi possível determinar, mas seguramente posterior à do Contacto telefónico referido nesse ponto 6º) e anterior a 24/5/00, data essa que foi próxima dos dias 21 ou 22 de Maio de 2000, o "S" encontrou-se, em Caminha, junto ao restaurante ..., com o aqui arguido JAPV e com outro cidadão que se dizia de nacionalidade colombiana e chamar-se P, encontro esse que foi presenciado pela testemunha RM;
11º) Nesse encontro, foi solicitada ao "S" a sua colaboração no sentido de disponibilizar uma embarcação que rumasse a um certo ponto do oceano Atlântico, onde se encontraria com uma outra embarcação que nessa altura já navegava nesse oceano, trazendo a bordo uma quantidade significativa de cocaína, estupefaciente este que deveria ser transbordado para a embarcação a disponibilizar pelo "S", deveria ser trazido para a costa portuguesa e depositado em território português, em local que o "S" teria de disponibilizar, tudo de acordo com instruções que iriam sendo fornecidas, logo sendo feito notar ao "S", entre outras coisas, que a operação teria que ser urgente e rapidamente realizada, uma vez que a embarcação que já estava em navegação seguia com dificuldades decorrentes da falta de água e de alimentos para os seus tripulantes, bem assim como da falta de combustível necessário à navegação, e que a cocaína não deveria ser desembarcada nas costas algarvia ou alentejana, tendo o "S" proposto que o desembarque se fizesse nas proximidades de Lisboa;
12º) Posteriormente a este contacto em Caminha, o "S" informou o inspector RM do teor concreto do contacto que com ele tinha sido estabelecido e que se tinha prontificado a realizar o serviço solicitado;
13º) Na sequência disso, a PJ contratou uma embarcação e três tripulantes civis, a quem deu conhecimento da operação em curso, dos objectivos da PJ e que se dispuseram a colaborar com a PJ, pagou o preço do aluguer da embarcação, bem assim como a remuneração devida aos tripulantes civis contratados, elaborou o expediente que está documentado a fls. 1204 e 1205, as quais aqui se dão por integralmente reproduzidas, submeteu-o à consideração do Magistrado Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Sintra, o qual exarou o despacho que se encontra documentado a fls. 1206 dos autos, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida;
14º) Entretanto, num dos dias de 25/5/00 ou 26/5/00, o "S" encontrou-se novamente com o aqui arguido JAPV e com o outro cidadão que dizia chamar-se P, comunicando-lhes que conseguia disponibilizar a embarcação que lhe tinha sido solicitada e que, assim, seria possível realizar o transporte para terra da cocaína em causa;
15º) Nesse encontro, o aqui arguido JAPV e o referido P faziam-se acompanhar de um outro cidadão de nacionalidade não determinada, mas que falava espanhol, tendo sido comunicado ao "S" que esse outro cidadão devia seguir na embarcação, como representante dos adquirentes do estupefaciente, sendo esse outro cidadão que controlaria a operação de transbordo da droga em alto mar e o seu transporte para terra, além de que seria ele que detinha as coordenadas aproximadas do local onde decorreria o encontro de embarcações e o transbordo do estupefaciente, bem assim como o número de telefone satélite da embarcação que navegava no oceano Atlântico transportando a cocaína;
16º) No dia 26/5/2000, a embarcação alugada pela PJ saiu do porto de Peniche, com vista a encontrar-se com a outra embarcação que transportava o estupefaciente;
17º) A bordo seguiam o cidadão de nacionalidade não determinada, o qual falava espanhol e representava os adquirentes do estupefaciente, que foi dissimuladamente introduzido na embarcação pela PJ, mais sete pessoas, a saber: a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Pelicano", a qual nesta audiência foi ouvida sob a designação de Alfa, tripulante da embarcação que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249; a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Gaivota" e que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249; a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Andorinha do Mar" e que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249; a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Pantera", a qual nesta audiência foi ouvida sob a designação de Delta, agente da PJ que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249; a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Tigre", agente da PJ que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249, entretanto falecida; a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Leopardo", a qual nesta audiência foi ouvida sob a designação de Sigma, militar de profissão que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249, o qual foi superiormente incumbido de prestar segurança na embarcação onde todos seguiam; a pessoa que a fls. 1204 está identificada sob a designação de "Chita" e que foi devidamente identificado no processo secreto urgente instaurado na sequência do despacho de fls. 1249;
18º) O encontro entre as duas embarcações - a que trazia a cocaína e a alugada pela PJ - deu-se no dia 2/6/2000, a cerca de 300 milhas a sudoeste da Madeira, dia e local onde foi efectuado o transbordo da cocaína para o barco alugado pela PJ;
19º) Por ocasião desse encontro verificou-se que o único tripulante do barco que trazia a cocaína não tinha água, alimentos e combustível absolutamente imprescindíveis para que o mesmo prosseguisse a sua viagem, tendo-lhe sido fornecidos pelos elementos da embarcação alugada pela PJ bens dessa natureza em quantidades para o efeito suficientes;
20º) Os elementos da PJ a bordo do barco alugado pela PJ não procederam à detenção do tripulante do outro barco e permitiram que o mesmo prosseguisse viagem, por razões ligadas à estratégia de investigação delineada pela própria PJ relativamente a esta operação internacional de tráfico;
21º) Entretanto, ao "S" foi prestada, por parte dos destinatários da cocaína, a informação de que o estupefaciente deveria ser depositado, de preferência, na F. da Foz, local onde o "S" não dispunha de instalações que permitissem esse armazenamento;
22º) Por isso, no dia 7 ou 8 de Junho de 2000, acompanhado de um casal espanhol que foi enviado pelos destinatários do estupefaciente, o "S" arrendou, com o conhecimento e consentimento da PJ, a AMT, identificado a fls. 325, por uma semana, uma casa sita da rua do ..., em Buarcos, na F. da Foz, sob o falso pretexto de que a casa se destinava a gozo de férias, já que realmente a casa foi arrendada para depósito da cocaína que nessa altura era já transportada no barco alugado pela P J;
23º) Pelo arrendamento foi paga pelo "S" uma quantia exacta não determinada, mas que rondará os 60.000$00, quantia essa que lhe foi disponibilizada pela PJ;
24º) No dia 10/6/00, a embarcação alugada pela PJ chegou ao porto de Peniche, transportando a cocaína;
25º) Instantes antes da chegada ao porto de Peniche, foi desembarcado o cidadão que falava espanhol e representava os adquirentes do estupefaciente, com utilização de um bote facultado pela PJ, tendo a PJ permitido que o mesmo se ausentasse daquele local e do país, sem ser preso, por razões ligadas à estratégia de investigação delineada pela própria PJ relativamente a esta operação internacional de tráfico;
26º) A partir de então, a droga que era transportada nesse barco passou a estar sob o controlo exclusivo da PJ;
27º) No própria dia 10/6/00, a cocaína transportada no barco alugado pela PJ foi desembarcada sob o controle da PJ, foi transportada numa carrinha da PJ e por elementos da PJ para a casa sita na rua do ..., ali tendo sido depositada por elementos da PJ, sendo que a partir de então a PJ providenciou pela vigilância dessa casa, por forma a impedir a movimentação do estupefaciente aí depositado;
28º) Entretanto, foi decidido pelos destinatários da cocaína que na noite de 13 para 14 de Junho de 2000 seria efectuado o transporte de parte da cocaína de Portugal para Espanha, decisão de que o "S" tomou conhecimento;
29º) Quem viria efectuar esse transporte de parte dessa cocaína seriam os aqui arguidos, com quem o "S" combinou encontrar-se nas bombas de gasolina da área de serviço da ..., da. Mealhada, na AE 1;
30º) Neste encadeamento, no dia 13/6/00, o JGRR foi buscar o JAPV, e o FRPR encontrou-se com os outros dois arguidos numa agência de viagens em Vigo, sendo que, depois, todos os arguidos se encontram no aeroporto de Santiago de Compostela;
31º) Os arguidos dirigiram-se para Portugal em três viaturas, seguindo o FRPR em companhia do PGV, numa viatura Citrõen, o FMRR seguiu noutro Citrõen que tinha sido alugado, e o JGR seguiu num Seat, na companhia de JAPV;
32º) Em Portugal, no posto da ..., juntaram-se ao "S" que os acompanharia e orientaria no resto da operação;
33º) O estupefaciente que foi transportado no barco alugado pela PJ, desembarcado em Peniche e armazenado na casa da rua do ... consistia em cocaína acondicionada em trinta e seis fardos com um peso total de 1.105.100 gramas, nos quais se encontravam apostos os dizeres Moinho Pacífico - Ind. Com. Lda. - Industria Brasileira, Marca Registada, Praça Guilherme Aralhe, 20 - Santos, Est. São Paulo - farelo de trigo - indicação do produto - ingredientes para ração animal - níveis de garantia;
34º) Neste contexto e de acordo com a operação internacional de tráfico em curso, cabia aos arguidos a tarefa de vir à F. da Foz recolher parte da substância em causa, que deveriam transportar para destino previamente definido, presumivelmente situado na Galiza, em Espanha, sendo que para a execução dessa tarefa deveriam beneficiar da colaboração do "S", que com eles se encontraria no posto da ... da A1 da Mealhada e que os conduziria à F. da Foz, mais concretamente à casa onde a cocaína estava depositada, pois que a nenhum dos arguidos foi dada informação sobre o concreto local onde se encontrava depositado o estupefaciente, local esse de que nenhum dos arguidos tinha conhecimento;
35º) Assim, na execução da tarefa que lhes incumbia desempenhar, no dia 13/6/00, cerca das 20h 50m, dirigiram-se todos os arguidos ao aeroporto de Santiago de Compostela, onde, junto da empresa ... - , alugaram os veículos ligeiros de matrículas M- XS, M - XY e M - ZK, aluguer esse pago pelo arguido JGR através do cartão de crédito da rede Visa com o nº 4921 2162 4606 0008, do qual era titular e que se encontra apreendido a fls. 46;
36º) Uma vez na posse das mencionadas viaturas, de imediato, os arguidos iniciaram a sua viagem com destino ao posto da ... da A1 da Mealhada, para aí se encontrarem com o "S", a fim de que este os conduzisse à F. da Foz e ao local onde a droga estava depositada;
37º) Nesse posto, encontraram-se com o "S", que se fazia transportar em veiculo próprio, encontro esse que foi presenciado pelas testemunhas PR e RM;
38º) Instantes depois, seguiram todos para a F. da Foz, sendo seguidos pela testemunha RM;
39º) Chegados a esta cidade, o "S" definiu e comunicou aos arguidos o plano que deveria ser cumprido com vista ao carregamento parcial do estupefaciente, plano esse que os arguidos acataram e segundo o qual só um veículo de cada vez, transportando o "S" e só um dos arguidos de cada vez, deveria ser tripulado até à casa onde a droga estava depositada, ficando os demais arguidos nos outros veículos, estacionados em locais diferentes, mas próximos da casa, aguardando que o arguido que se deslocava à casa e o "S" acabassem de carregar a viatura que à casa se deslocava, com embalagens de cocaína, para, por sua vez, eles próprios realizarem idêntica operação, para lá de que também incumbia aos arguidos que não se encontravam na casa assegurar a vigilância das proximidades da habitação, de modo a puderem prevenir-se mutuamente na eventualidade de ocorrer uma intervenção policial e, assim, possibilitar a fuga de todos ou de alguns de entre eles;
40º) Também de acordo com esse plano delineado pelo "S", este e o FRPR seriam os primeiros a deslocarem-se à referida casa, sendo que os arguidos FMRR e PGV ficariam no interior do veículo de matrícula M- XY, o qual seria estacionado em local indicado pelo "S", sendo que os arguidos JGR e JAPV ficariam no interior do veículo de matrícula M - ZK, o qual ficaria estacionado em local indicado pelo "S";
41º) Sabia o "S" que os locais que indicaria aos arguidos JGR, JAGV, PGV e FMRR para, sucessivamente, estacionarem os veículos em que eles se faziam transportar, estavam vigiados por agentes da PJ que procederiam à detenção desses arguidos logo que surgisse a oportunidade para o efeito;
42º) O "S" também sabia que a casa da rua do ... estava vigiada por agentes da PJ que permitiriam a fuga dele e procederiam à detenção do arguido FRPR instantes depois de iniciarem o carregamento do veículo em que se faziam transportar com cocaína;
43º) Assim, na execução desse plano, por indicação do "S", os arguidos JGR e JAPV ficaram no interior do veiculo de matrícula M - ZK, o qual, por indicação do "S", estacionaram em local próximo da avenida marginal da F. da Foz, local esse onde se encontravam vários agentes da PJ, seguindo o arguido PGV na companhia do arguido FMRR, e seguindo o arguido FRPR na companhia do "S" ;
44º) Imediatamente depois de os demais arguidos e o "S" se ausentarem do local onde ficou estacionado o M - ZK, os arguidos JGR e JAPV foram detidos por agentes da PJ, numa ocasião em que se encontravam no interior daquele veículo,
45º) Também em execução daquele plano, por indicação do "S", os arguidos PGV e FMRR ficaram no interior do veículo de matrícula M - XY o qual, por indicação do "S", estacionaram numa praceta próxima da rua do ..., local esse onde se encontravam vários agentes da PJ, seguindo o arguido FRPR na companhia do "S" ;
46º) Imediatamente depois de o FRPR e o "S" se ausentarem do local onde ficou estacionado o M - XY, os arguidos PGV e FMRR foram detidos por agentes da PJ, numa ocasião em que se encontravam no interior daquele veículo,
47º) Ainda em execução do mesmo plano, cerca da 1 h 10 m do mesmo dia 14/4/00, o arguido FRPR, conduzindo o veículo de matrícula M - XS e acompanhado do "S", dirigiu-se à habitação sita na rua do ..., Buarcos, F. da Foz, em cuja garagem introduziu parcialmente a viatura que conduzia;
48º) De imediato aquele arguido começou a rasgar alguns dos supra mencionados fardos contendo cocaína, que aí se encontravam depositados, colocando no interior da bagageira do veículo de matrícula M - XS, acondicionados em três sacos de viagem, estes examinados a fls. 135, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, embalagens da referida substância, envoltas num revestimento de plástico e borracha e pesando cada uma cerca de um quilograma;
49º) Sucede que no momento em que já havia colocado na bagageira do referido veículo noventa e sete das supra mencionadas embalagens, foi o arguido FRPR detido e aquelas embalagens apreendidas por elementos da PJ que haviam presenciado os factos descritos;
50º) Instantes antes da detenção do arguido FRPR, o "S" ausentou-se da casa, conforme tinha já combinado com a PJ;
51º) Uma vez efectuadas as detenções, foi realizada busca à habitação sita na rua do ..., Buarcos, F. da Foz, no interior da qual foram apreendidos por elementos da PJ os restantes trinta e cinco fardos contendo cocaína;
52º) Submetida a substância contida nos supramencionados fardos e embalagens a exame laboratorial, veio-se a confirmar que a mesma era cocaína, com o peso total de 1.102.250 gramas, conforme se pode ler no relatório de fls. 321 e 322, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, sendo que tal quantidade de cocaína, atendendo ao valor que cada grama atingiria junto dos consumidores finais - dez mil escudos por grama -, valeria um total de cerca onze mil milhões de escudos;
53º) Aquando da sua detenção, ao arguido FRPR, para além das, supramencionadas embalagens de cocaína e do mais constante no auto de fls. 13, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foram apreendidos oitenta mil pesetas em notas do Banco de Espanha, dois telemóveis de marca Alcatel, modelo One Touch Easy, examinados a fls. 135, e um rádio portátil de marca Kenwood, modelo TK 250, com duas baterias e, internamente, um módulo para cifra de voz, examinado a fls. 178; aos arguidos PGV e JAPV foi apreendido um total de quarenta e cinco mil pesetas em notas do Banco de Espanha; ao arguido FMRR, para além do mais constante no auto de fls. 34, cujo teor se dá por reproduzido, foram apreendidos vinte e sete mil pesetas em notas do Banco de Espanha, seis sacos de viagem, examinados a fls. 135, três x-actos, um telemóvel de marca Alcatel, modelo One Toucht Easy, examinado a fls. 135, e um rádio portátil da marca Kenwood, modelo TK 25G, com duas baterias e, internamente, um módulo para cifra de voz, examinado a fls. 178; ao arguido JGRR, para além do mais constante no auto de fls. 43, cujo teor aqui se dá por, reproduzido, foram apreendidos quarenta e três mil pesetas do Banco de Espanha, dois x-actos, um telemóvel de marca Alcatel, modelo One Touch Easy, examinado a fls. 135, um telemóvel da marca Philips, modelo Movistar, examinado a fls. 135, e um rádio portátil da marca Kenwood, modelo TK 250, com duas baterias e, internamente, um módulo para cifra de voz, examinado a fls. 178;
54º) Das quantias e objectos supramencionados, destinavam-se as primeiras a fazer face a despesas necessárias ao transporte da cocaína, os sacos de viagem ao acondicionamento da referida substância, os X-actos ao corte dos fardos que continham a mesma, tendo os telemóveis e rádios portáteis sido utilizados pelos arguidos nos contactos que mantiveram entre si durante a viagem de Santiago de Compostela até ao momento em que todos foram detidos, contactos esses relacionados com o concreto modo de efectuar a operação de transporte da cocaína apreendida;
55º) Os arguidos agiram de forma livre e conscientemente, sempre em comunhão de esforços e de vontades, sempre na execução de um plano por eles delineado e com o propósito de, mediante a obtenção de compensação monetária, transportar para destino previamente definido a cocaína apreendida, conhecendo as características de tal substância e que a compra, cedência, simples detenção, venda, importação, exportação e transporte da mesma era proibida e punida por lei;
56º) Conheciam a proibição e punição legal das suas condutas;
57º) A PJ pagou ao "S", como compensação pela colaboração prestada, uma remuneração de montante exacto que não foi possível determinar;
58º) Os arguidos FRPR e JGRR recebiam por conta deste trabalho a quantia de 500.000 pesetas e prometeram aos demais arguidos a quantia de 120.000 pesetas;
59º) O arguido FRPR vive em Cambados, tem mulher e um filho, e está associado à pesca;
60º) O arguido JGRR é motorista e tem dois filhos menores a cargo;
61º) O arguido JAPV é marinheiro;
62º) O arguido PGV é soldador;
63º) O arguido FMRR é carpinteiro;
64º) Os arguidos PGV e FMRR levam vidas modestas associadas ao produto do seu trabalho;
65º) O processo de agente encoberto que consta de fls. 1203 a 1218 apresenta relatos incompletos da actuação encoberta da PJ por duas razões, a saber: a primeira relacionada com o facto de ser a primeira ou segunda actuação da PJ com agentes encobertos, revelando a PJ, a esse nível, alguma inexperiência processual relativamente à forma mais adequada de documentar o processo de actuação encoberta; a segunda relacionada com o facto de a PJ assumir uma estratégia de investigação de acordo com a qual deveria ser revelada no processo de actuação encoberta o mínimo de informação possível relativamente à actuação encoberta;
Factos não provados:
66º) Não foi possível apurar em que termos evoluiria a operação de tráfico referida no ponto 1º) dos factos provados, caso não tivesse ocorrido a intervenção e colaboração prestada pelo "S" e pela PJ, designadamente, se a cocaína apreendida seria desembarcada e/ou acondicionada em qualquer parte do território nacional, se os aqui arguidos teriam uma qualquer participação nas operações necessárias ao transporte desse estupefaciente desde o alto mar até ao seu destinatário, em particular se os mesmos se teriam ou não deslocado a Portugal para efectivar o transporte para Espanha desse estupefaciente.
Em especial, não se provou que:
- por ocasião do contacto referido no ponto 2º) dos factos provados, ao arguido FRPR tivesse sido dada a informação de que o estupefaciente seria desembarcado e, armazenado na F. da Foz;
- o contacto referido no ponto 2º) dos factos provados tivesse ocorrido por volta, do dia 10/6/00;
- a cocaína apreendida nos autos tivesse sido desembarcada na F. da Foz;
- a encomenda tivesse sido efectuada por uma organização criminosa;
- houvesse um acordo entre todos os arguidos e a organização criminosa responsável pelo embarque e desembarque da mercadoria estupefaciente;
- o JGR tivesse alugado qualquer viatura em Vigo, numa agência de viagens;
- o JAPV tivesse sido apanhado no caminho;
- a droga apreendida tivesse um valor exacto de onze mil milhões de escudos;
- a casa sita no nº ..., da rua do ..., em Buarcos, F. da Foz, tivesse sido arrendada em 10/6/00, por quatro elementos de uma organização criminosa integrada pelos arguidos, dois homens e duas mulheres;
- os arguidos obtivessem uma avultada compensação económica pelo transporte do produto estupefaciente;
- o sexto indivíduo se tenha posto em fuga, contra a vontade da Polícia;
- os arguidos PGV e FMRR foram contactados como chauffeurs de dois veículos para um transporte de tabaco;
- mesmo que não tivesse ocorrido a actuação do "S" e da PJ descrita nos factos provados no sentido de permitirem o desembarque, acondicionamento e transporte da cocaína, ainda assim os arguidos teriam providenciado, noutras circunstâncias de tempo, de modo e de lugar, pelo desembarque, acondicionamento e transporte dessa cocaína com utilização do território português.
IV
4.1.
Desta decisão recorreu o Ministério Público que concluiu na sua motivação:
a) - O tribunal recorrido deu como assente (factos provados) "Não foi possível apurar em que termos evoluiria a operação de tráfico referida no ponto 1º dos factos provados, caso não tivesse ocorrido a intervenção e colaboração prestada pelo "S" e pela Policia Judiciária designadamente, se a cocaína apreendida seria desembarcada e/ou acondicionada em qualquer parte do território nacional, se os aqui arguidos teriam uma qualquer participação nas operações necessárias ao transporte desse estupefaciente desde o alto mar até ao seu destinatário, em particular se os mesmos se teriam ou não deslocado a Portugal para efectivar o transporte para Espanha do estupefaciente’ (sic) ;
b) e como não provado que "mesmo que não tivesse ocorrido a actuação do "S" e da PJ descrita nos factos provados no sentido de permitirem o desembarque, acondicionamento e transporte da cocaína, ainda assim os arguidos teriam providenciado, noutras circunstâncias de tempo, de modo e de lugar, pelo desembarque, acondicionamento e transporte dessa cocaína com utilização do território português" (sic) ;
c) - Extraindo desses factos - provados e não provados - a conclusão de que a actuação do agente infiltrado fora decisiva para a execução do evento criminoso - crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo Art. 21º 1., do Decreto Lei 15/93, de 22º 1 - alimentando e prolongando a acção criminosa para além do necessário;
d) - Com fundamento nesta constatação caracterizou a actuação do agente infiltrado como provocatória do crime, na fase de sua execução, constituindo meio enganoso, nos termos e para os efeitos dos Arts. 32º 8., da Constituição da República Portuguesa e 126º 1. e 2. a., do Código de Processo Penal;
e) declarando em consequência nula toda a prova obtida, em relação ao crime imputado aos arguidos, nos termos dos invocados preceitos e decretando a sua absolvição e a restituição dos objectos que lhes foram apreendidos;
f) A correcta interpretação de toda a matéria de facto dada como assente impõe que se conclua que a conduta do agente infiltrado não foi decisiva para a execução do delito;
g) na medida em que o desempenho evidenciado pela acção de infiltração se mostrou ajustado ao quantum necessário de restrição do direito fundamental à integridade moral da pessoa humana (Art. 25º l. e 18º 2., da Constituição da República Portuguesa)
h) Revelando-se proporcionada entre o exercício daquele direito - cujo núcleo essencial do direito não foi violado - e os resultados que, por ela, se viraram a obter, a saber a realização da justiça penal.
i) Sendo este o único entendimento, legalmente adequado à interpretação das normas constantes dos Arts. 32º 8., da Constituição da República Portuguesa e 126º 1 e 2. a., do Código de Processo Penal, pelo qual o Tribunal Colectivo deveria ter enveredado,
j) e assim, validando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, julgar a acusação procedente e provada e os arguidos condenados como autores do crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo Art. 21º 1., Decreto Lei 15/93, de 22.1, nas penas enunciadas na motivação;
h) Bem como decretar o perdimento dos bens apreendidos nos termos do Art. 35º, do mesmo diploma.
1) - Normas jurídicas violadas (Art. 412º 2. a., do Código de Processo Penal), por erro de interpretação - Arts. 32º 8., da Constituição da República Portuguesa e 126º 1 e 2. a., do Código de Processo Penal.
Assim se fazendo Justiça
4.2.
Respondeu o recorrido JAPV, que concluiu:
1 - A actuação da PJ e seus infiltrados foi conduta provocatória.
2 - Aliás, em determinada altura dos factos, eram eles os únicos detentores do produto estupefaciente, funcionando, nessa mesma altura, o "S", em autêntica roda livre.
3 - A decisão recorrida não violou qualquer norma jurídica e muito menos as expressamente referidas na motivação.
4 - Assim, deve ser confirmada.
E acrescentou: «no caso de, por hipótese meramente académica, o recurso do Mº Pº poder vir a merecer provimento, mantém interesse no recurso interlocutório.»
V
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público teve vista dos autos.
Colhidos os vistos, teve lugar a audiência, no decurso da qual foram proferidas alegações orais.
Nelas, o Ministério Público acompanhou a motivação de recurso e lembrou que o reenvio anteriormente ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça se destinou a uma mais clara definição da actuação de cada interveniente, com vista a uma melhor qualificação a intervenção dos agentes encobertos.
Sublinhou que, por acção estranha a esses agentes já estava embarcada com destino às águas territoriais portuguesas, por espanhóis para ser introduzida no mercado europeu, a substância estupefaciente, sem intervenção de agentes encobertos. Só quando se aproximava das costas portuguesas é que foi contactado o "S" para a entrada no território europeu, via Portugal. Assim e diferentemente do que sucedera no 1.º acórdão da 1.ª instância, já se sabe como se estabeleceram as relações com os agentes encobertos, mostrando-se afastada a provocação ao crime.
No que se refere ao domínio do facto pelo agente encoberto, referiu que o crime de importação já fora cometido antes de qualquer intervenção e continuou a ser cometido pela detenção à ordem dos arguidos, a forma como se desenrolou a entrega, sempre traduziria uma entrega controlada, acompanhada pela polícia até conduzir a sectores mais importantes do que meros transportadores.
Quanto ao recurso interlocutório, entendeu o Ministério Público que a decisão impugnada não é susceptível de recurso, e de todo o modo não tem razão o recorrente quanto aos requisitos da identificação dos agentes encobertos. não s os recorridos sustentaram a decisão recorrida, pelo que cumpre conhecer e decidir.
A defensora do arguido FRPR, invocou jurisprudência já firmada do Supremo Tribunal de Justiça no sentido da decisão recorrida, concluindo que a ponderação de toda a factualidade indica que se tratou de agente provocador.
Sustentou que a provocação não se limita à instigação mas abrange o domínio do facto. O "S" instigou, permitiu e condicionou a prática do crime, pelo que se deve manter a decisão recorrida.
A defensora dos restantes arguidos retomou as motivações escritas e acompanhou as alegações orais da Defensora do arguido FRPR.
Cumpre, pois, conhecer e decidir.
VI
E conhecendo.
5.1.
No essencial, sustenta o Exmo. Representante do Ministério Público, recorrente, que a correcta interpretação de toda a matéria de facto dada como assente impõe que se conclua que a conduta do agente infiltrado não foi decisiva para a execução do delito (conclusão f), na medida em que o desempenho evidenciado pela acção de infiltração se mostrou ajustado ao quantum necessário de restrição do direito fundamental à integridade moral da pessoa humana (arts. 25º, n.º 1 e 18º, n.º 2, da CRP - conclusão g).
Revelando-se proporcionada entre o exercício daquele direito - cujo núcleo essencial do direito não foi violado - e os resultados que, por ela, se viraram a obter, a saber a realização da justiça penal (conclusão h), o único entendimento, legalmente adequado à interpretação das normas constantes dos arts. 32º, n.º 8, da CRP e 126º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPP (conclusão i), assim, validando a prova produzida em sede de audiência de julgamento, julgar a acusação procedente e provada e os arguidos condenados como autores do crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º, n.º 1 do DL n.º 15/93 (conclusão j) e decretar o perdimento dos bens apreendidos nos termos do art. 35º, do mesmo diploma (conclusão h).
5.2.1.
Importa retornar à decisão deste Supremo Tribunal de Justiça, que ordenou o reenvio para esclarecimento da intervenção dos agentes encobertos, para surpreender a sua compreensão desta questão, em ordem a analisar os resultados da mais profunda indagação agora efectuada pela decisão recorrida.
Nela, depois de se estabelecer a origem e evolução interna e externa da problemática em causa, atendeu-se, pelas razões então invocadas, à distinção entre agente provocador (1) e agente infiltrado (ou encoberto) (2).
Como aí se refere o agente provocador é definido como o membro da autoridade policial ou um terceiro por esta controlado que dolosamente determina outrem à comissão de um crime, o qual não seria cometido sem a sua intervenção, movido pelo desejo de obter provas da prática desse crime ou de submeter esse outrem a um processo penal e à condenação; como "aquele que induz outrem a delinquir com a finalidade de o fazer condenar" (3), sendo que também pode estar subjacente, no caso do tráfico de estupefacientes, o intuito de apreensão da droga.
Já o agente infiltrado - polícia ou terceiro por si comandado - é o que se insinua nos meios em que se praticam crimes, com ocultação da sua qualidade, de modo a ganhar a confiança dos criminosos, com vista a obter informações e provas contra eles mas sem os determinar à prática de infracções.
A distinção encontra-se entre o provocar uma intenção criminosa que ainda não existia, das situações em que o sujeito já está decidido a delinquir e a actuação do infiltrado apenas acompanha ou, no limite, põe em marcha uma decisão previamente tomada.
Enquanto o agente infiltrado trabalha num meio em que os crimes já foram praticados, estão em execução ou na iminência de ocorrerem, o agente provocador incita, instiga outrem à prática do crime, torna-se autor mediato do crime.
Devendo reconhecer-se que é por vezes difícil distinguir entre o modo de actuação de um agente provocador e o do agente infiltrado, importa reter que, enquanto o agente provocador fez nascer ou reforçar a resolução criminosa, a acção do agente infiltrado não suscitou a infracção, limitando-se a introduzir-se na organização com objectivo de descobrir e fazer punir o criminoso, não actuando, pois, para dar vida ao crime, mas com uma pretensão de descoberta, de revelação.
Lembra-se, a propósito, no douto acórdão que ordenou o reenvio, o modo como os anglo-saxónicos lidam com a questão do undercover agent e o entrapment. Salienta-se que o polícia (encoberto) não deve encorajar (causalmente), por isso não deve "armadilhar" inocentes, não deve incitar através de oferta de ganhos excepcionais, sendo importante conhecer os antecedentes do suspeito, da sua predisposição ou não para a prática do crime. Insiste-se particularmente no "due process", na legalidade dos meios e fins da actividade policial, apelando à lealdade na administração da Justiça (4), enfatizando a necessidade da intervenção de um magistrado independente no controlo do processo.
Pode surpreender-se consenso na doutrina sobre a distinção entre as duas figuras: o agente meramente infiltrado não determina outrem à prática de crimes, como o agente provocador, sendo as dificuldades práticas transportadas para o plano da determinação se um determinado crime já tinha sido cometido ou estava para ser cometido e se a intervenção do "infiltrado" foi ou não inócua para ao seu cometimento.
E deste entendimento não se afasta sequer, no essencial, o acórdão recorrido.
5.2.2.
É à sua luz que se ponderará o novo aporte trazido ao caso presente pela decisão do Tribunal Colectivo de Soure.
Na verdade, como referiu o Agente do Governo Português, perante o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no caso Teixeira de Castro (5), o princípio da garantia do processo equitativo releva muito do "fair balance" dos direitos de defesa em processo penal, do exercício do contraditório na apresentação, discussão e consequente valoração das provas e, por isso, também na regularidade quanto aos meios de aquisição e administração das provas.
Daí que todas as leis de processo penal contenham normas que prevêem sobre a admissibilidade e a regularidade da aquisição e obtenção das provas: as normas sobre proibições de prova, como acontece com o art. 126º do nosso CPP, segundo o qual são nulas as provas obtidas mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas (tortura, coacção), ou mediante perturbação da liberdade de vontade ou de decisão (através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose, utilização de meios cruéis ou enganosos) ou perturbação, por qualquer meio, de capacidade de memória ou de avaliação, em função de uma ideia fundamental de respeito pela dignidade de pessoas e pela sua liberdade e capacidade de determinação, de vontade, de memória e de avaliação que não podem ser afectadas por qualquer meio, quer de natureza física (ofensa, coacção), quer psíquica.
«Assim, para distinguir e caracterizar um meio proibido de prova é relevante o respeito ou não respeito pela liberdade de determinação, pela liberdade de vontade ou decisão, pela capacidade de memória ou de avaliação. Respeitados tais limites, isto é, sempre que o modo ou meio de obtenção ou revelação da prova não afecte a liberdade de vontade ou de decisão, a auto-avaliação das circunstâncias e o auto-domínio do pessoa - estando em causa provas pessoais -, não há afectação do equilíbrio, da equidade, do "fair balance" entre as exigências publicas de averiguação e investigação e os direitos das pessoas fonte ou detentoras da prova» (6).
Tem sido, em geral, admitidas medidas de investigação especiais, como último meio, mas como estritamente necessárias à eficácia da prevenção e combate à criminalidade objectivamente grave, de consequências de elevada danosidade social, que corroem os próprios fundamentos das sociedades democráticas e abertas, e às dificuldades de investigação que normalmente lhe estão associadas, como sucede com o terrorismo, a criminalidade organizada e o tráfico de droga.
A pressão das circunstâncias e das imposições de defesa das sociedades democráticas contra tão graves afrontamentos tem imposto em todas as legislações, meios como a admissibilidade de escutas telefónicas, a utilização de agentes infiltrados, as entregas controladas ou, noutra perspectivas, o aproveitamento dos elementos fornecidos por elementos das organizações criminosas mediante um sistema premial de atenuação extraordinária ou isenção de pena.
No âmbito em que se situa este recurso, tráfico de droga, já o recurso a agentes infiltrados nas redes de tráfico e o método de "entregas controladas", eram referidos na Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes, adoptada em Viena em 20 Dezembro de 1988.
E no plano interno, já o DL n.º 430/83 (art. 52º ) e agora o DL n.º 15/93 (arts. 59º a 61º) o admitiam.
Ao tempo dos factos regia o art. 59º do DL n.º 15/93 [revogado depois pelo art. 7º, al. a) da Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto], que dispunha que: "1. Não é punível a conduta de funcionário de investigação criminal ou de terceiro actuando sob controlo da Polícia Judiciária que, para fins de prevenção ou repressão criminal, com ocultação da sua qualidade e identidade, aceitar, detiver, guardar, transportar ou, em sequência e a solicitação de quem se dedique a essas actividades, entregar estupefacientes, substancias psicotrópicas, precursores e outros produtos químicos susceptíveis de desvio para o fabrico ilícito de droga ou precursor.
2. A actuação referida no n.º 1 depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, a proferir no prazo máximo de cinco dias e a conceder por período determinado.
3. Se, por razões de urgência, não for possível obter a autorização referida no número anterior, deve a intervenção ser validada no primeiro dia útil posterior, fundamentando-se as razões da urgência.
4. A Polícia Judiciária fará o relato da intervenção do funcionário ou do terceiro à autoridade judiciária competente no prazo máximo de quarenta e oito horas após o termo daquela." (sublinhado agora)
Sendo do seguinte teor o art. 59º-A - protecção de funcionário e de terceiro infiltrados: "(1) A autoridade judiciária só ordenará a junção ao processo do relato a que se refere o nº 4 do artigo anterior se a reputar absolutamente indispensável em termos probatórios. (2) A apreciação da indispensabilidade pode se remetida para o termo do inquérito ou da instrução, ficando entretanto o expediente, mediante prévio registo, na posse da Polícia Judiciária. (3) No caso de o juiz determinar, por indispensabilidade da prova, a comparência em audiência de julgamento do funcionário ou do terceiro infiltrados, observará sempre o disposto na segunda parte do nº 1 do artigo 87º do Código de Processo Penal".
Por sua vez, no plano das garantias do processo penal, como se adiantou, ("são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações" - art. 32º, n.º 8 da CRP), sendo que de acordo com o princípio da legalidade da prova ("são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei" - art. 125º do CPP) se devem reputar como métodos proibidos de prova os indicados na lei [(1) São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. (2) São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: (a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; (b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; (c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; (d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; (e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. (3) Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. (4) Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo" - art. 126º do CPP].
Neste quadro, e como se viu, a actuação do agente provocador é normalmente considerada como ilegítima, caindo nos limites das proibições de prova, sendo necessário distinguir e precisar devidamente os limites e o conteúdo da "provocação", com vista a caracterizar a definição e actuação do agente provocador.
E sobre essa matéria é patente o consenso da diversa doutrina de que importa distinguir os casos em que a actuação do agente policial (agente encoberto) cria uma intenção criminosa até então inexistente, dos casos em que o sujeito já está implícita ou potencialmente inclinado a delinquir e a actuação do agente policial apenas põe em marcha aquela decisão. Isto é, importa distinguir entre a criação de uma oportunidade com vista à realização de uma intenção criminosa, e a criação dessa mesma intenção.
O autor não tinha nenhuma intenção de cometer o crime e este resulta apenas da incitação, do acto, da ideia, do facto do "provocador", ou o autor tinha já a intenção de cometer crimes do tipo do proposto e mesmo, provavelmente, teria já anteriormente cometido outros crimes da mesma natureza, pelo que o facto do agente só reforça a ideia do crime, já concebida e existente.
5.2.3.
Como se acentuou no douto acórdão que ordenou o reenvio, a jurisprudência nacional, designadamente do Supremo Tribunal (7), tem admitido, face à legislação referida, a figura do agente infiltrado, procurando distinguir se, em cada caso concreto, foram ou não ultrapassados os seus limites de actuação, tal como decorrem da lei.
E tem entendido que a legislação portuguesa - constitucional e ordinária - não permite a configuração do modelo do agente provocador.
Foi referido no TEDH (8) que, até então, o Supremo Tribunal de Justiça já debruçara em diversas ocasiões sobre a problemática do «homem de confiança» e do «agente provocador». Fê-lo, não só a propósito das disposições próprias do combate ao tráfico de estupefacientes (arts. 52º do DL n.º 430/83, de 13 de Dezembro e 59º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro), mas também tendo em consideração as regras do processo penal sobre os meios proibidos de prova, designadamente as provas obtidas mediante perturbação da liberdade de vontade ou de decisão com utilização de meios enganosos, previstas na al. a) do n.º 2, tendo proferido 12 decisões.
Nove respeitam a casos de tráfico de estupefacientes (acs. de 90-06-16, BMJ 398 - 282, de 91-11-14, proc. n.º 42103, de 93-01-14, Acs STJ I, 1, 170, de 94-05-05, Acs STJ, II, 2, 215, de 95-11-02, proc. n.º 47738, de 95-06-22, Acs STJ, III, 2, 238, de 95-12-14, proc. n.º 48404, de 96-03-21, proc. n.º 27/96 e de 97-05-14, proc. n.º 46/97), uma ao crime de lenocínio (ac. de 96-10-17, proc. n.º 690/97) e duas aos crimes de corrupção passiva e abuso do poder (ac. de 97-03-05, proc. n.º 1125 e proc. n.º 1135).
Embora em duas dessas decisões tenha usado a expressão «agente provocador» por «homem de confiança», fê-lo numa acepção não normativa, tomando a parte pelo todo (acs. de 90-06-12, BMJ 398 - 282 e de 95-11-02, proc. n.º 47738), mas em todas as suas decisões, o STJ aplicou a lei com respeito pelos princípios comummente aceites sobre a temática.
O STJ entende, tal como resulta constante e unanimemente da doutrina em diversos domínios, que é necessário distinguir entre a criação de uma intenção criminal e a criação de uma oportunidade com vista à efectivação duma oportunidade com vista à realização duma intenção criminal existente.
Isto é, importa de distinguir os casos em que a acção do «agente infiltrado» cria, determina, uma intenção criminal até então inexistente dos casos em que o indivíduo já está implícita ou potencialmente disposto a cometer uma infracção, a praticar factos específicos de determinada natureza e características, e a acção do «agente infiltrado» se limita a por em marcha a intenção preexistente.
Com efeito, na distinção e caracterização da proibição dum meio de prova pessoal é pertinente o respeito ou desrespeito da liberdade de determinação da liberdade de vontade ou de decisão da capacidade de memorizar ou de avaliar. Desde que estes limites sejam respeitados, não será abalado o equilíbrio, a equidade, entre os direitos das pessoas enquanto fontes ou detentoras da prova e as exigências públicas do inquérito e da investigação.
A provocação, em matéria de proibição de prova, só intervém se essas actuações visam incitar outra pessoa a cometer uma infracção que, sem essa intervenção, não teria lugar, com vista a obter a prova duma infracção que sem essa conduta não existiria.
Por exemplo, decidiu o STJ que o agente provocador actua movido pelo ímpeto de obter provas no âmbito criminal, determinando assim outrem à prática de um crime, condicionando e motivando a sua vontade criminosa (acs. de 97-03-05, procs. n.ºs 1125 e 1135). E decidiu também (ac. de 96-03-21, proc. n.º 27/96) que o «agente infiltrado» usa o anonimato para recolher os indícios da execução da actividade criminosa que o seu autor já está anteriormente determinado a praticar, enquanto o «agente provocador» induz ou determina o agente material a cometer o crime e é, por isso, um elemento necessário e indispensável na formação da resolução da prática do acto ilícito pelo seu autor material. É lícita, como agentes infiltrados, a actuação de agentes da GNR que se apresentaram no local como se fossem tóxico-dependentes, na companhia de viciados como tais conhecidos do arguido. Neste domínio, aquando da actuação de agentes infiltrados, é de todo aconselhável que sejam tomadas as medidas previstas nos nºs 2 a 4 do falado art. 59º do DL n.º 15/93 (9).
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não se afastou no referido caso Teixeira de Castro (decisão de 9.6.98) (10), de tal desenho conceptual, embora tivesse, na solução do caso concreto, divergido de algum modo para um maior rigor. Rigor que entretanto já moderou no Caso Calabrò (Queixa n.º 59895/00).
Na decisão que neste caso proferiu (21.3.02), tomou como referência jurisprudencial aqueloutro acórdão, mas dele se acabou por afastar sendo patente a divergência quanto à delimitação da provocação policial, na percepção de que ele não constituiria a aproximação do TEDH a mais equilibrada na ponderação dos elementos de equidade e proporcionalidade, manifestando intenção de recentrar o problema e a solução no quadro de proporcionalidade e equilíbrio de interesses com que se constitui e integra a noção desse processo equitativo.
E, depois de qualificar como provocação policial o procurar-se comprar droga, no meio em que supõe razoavelmente existir (caso Teixeira de Castro), veio o TEDH a entender como intervenção própria do agente infiltrado, a conduta de "homem de confiança", que organiza uma operação de importação de grande quantidade de cocaína e procurar comprador com a única finalidade de determinar uma situação de flagrante (caso Calabrò)
Sendo que a figura da provocação continuará a caracterizar-se essencialmente pela instigação ao crime por parte do agente de polícia, na determinação ao crime com o único propósito de repressão penal, sempre que o crime não tivesse sido praticado sem tal intervenção policial.
Nesse sentido se posiciona também o Tribunal Constitucional (11), lembrando que, no processo penal, vigora o princípio da liberdade da prova, no sentido de que, em regra, todos os meios de prova são igualmente aptos e admissíveis para o apuramento da verdade material, pois nenhum facto tem a sua prova ligada à utilização de um certo meio de prova pré-estabelecido pela lei.
E recorda também que existe um dever ético e jurídico de procurar a verdade material (12). Mas existe também um outro dever ético e jurídico que leva a excluir a possibilidade de empregar certos meios na investigação criminal que encontra limites decorrentes do dever de respeito pela integridade moral e física das pessoas, e que existem também regras de lealdade que têm que ser observadas.
Depois de reconhecer que a própria utilização de agentes infiltrados na investigação criminal, representa sempre o emprego de alguma deslealdade, não deixou o Tribunal Constitucional de reconhecer também que essa deslealdade não é superior àquela que vai implicada, por exemplo, no emprego de escutas telefónicas como processo de investigação criminal.
Ponderando os perigos que a técnica do agente infiltrado comporta, teve-se por inquestionável a inadmissibilidade da prova obtida por agente provocador, pois seria imoral que, num Estado de Direito, se fosse punir aquele que um agente estadual induziu ou instigou a delinquir (13). Mas concluiu-se igualmente que, não obstante esses perigos, se considera hoje que, estando em causa certo tipo de criminalidade grave (terrorismo, tráfico de droga, criminalidade violenta ou organizada), é impossível renunciar ao serviço do undercover agent (14).
Acentuou-se nesse aresto que a utilização de métodos encobertos de investigação (maxime, o recurso ao agente infiltrado) há-de fazer-se sempre sem ultrapassar os limites do consentido pela ideia de Estado de Direito, não podendo, na ânsia de dar combate ao crime grave, que mina as bases da sociedade, legitimar-se comportamentos que atinjam intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão das pessoas.
E concluiu-se: «do ponto de vista da legitimidade constitucional da intervenção do agente infiltrado (...), o que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade, é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e a colher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E, bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária.»
5.3.
É o momento de retomar a matéria de facto fixada na 1.ª decisão da 1.ª Instância (Tribunal da Figueira da Foz), para se apurar, quais as diferenças que se estabelecem em relação à matéria de facto apurada na decisão recorrida (Tribunal de Soure):
5.3.1.
É aquela, por transcrição a seguinte:
«Por volta do dia 10/6/00 o arguido FRPR é contactado por um indivíduo de nacionalidade Espanhola em Vigo para assegurar o transporte de um produto estupefaciente que viria a ser desembarcado na costa Portuguesa, mais concretamente na Figueira da Foz. De imediato entrou em contacto com o co-arguido JGRR e em conjunto delinearam o projecto de transporte da mercadoria que lhes era solicitada, nomeadamente os elementos a contactar, viaturas a alugar e outros aprovisionamentos necessários.
O FRPR entrou em contacto com os arguidos PGV e FMRR, que de imediato se prontificaram a colaborar e o JGR contactou o JAPV.
Neste encadeamento o JGR foi buscar o JAPV e o FRPR encontrou-se com os outros dois arguidos numa agência de viagens em Vigo, onde previamente o JGR tinha alugado duas viaturas. Desta forma os arguido dirigiram-se para Portugal em três viaturas. O FRPR em companhia do PGV, numa viatura Citrõen, o FRPR no outro citrõen que tinha sido alugado e o JGR num Seat, na companhia de JAPV que apanhou no caminho.
Em Portugal, no posto da BP juntaram-se a um outro indivíduo que os acompanharia e orientaria no resto da operação.
Por conta de alguém sediado na Galiza, em Espanha, e que se dedica à compra e posterior venda de substâncias estupefacientes, em data e de forma não concretamente apuradas, mas aquela situada poucos dias antes do dia 14/06/00, foram desembarcados na comarca da Figueira da Foz, oriundos do Brasil, trinta e seis fardos contendo cocaína, com um peso total de 1.105.100 gramas, nos quais se encontravam apostas os dizeres "Moinho Pacifico - Ind. Com. Lda. -Indústria Brasileira - Marca Registada - Praça Guilherme Aralhe, 20 - Santos - Est. São Paulo - farelo de trigo - indicação do produto - ingredientes para ração animal - níveis de garantia ".
Tal substância, que se presume ter sido produzida na Colômbia, depois de desembarcada, foi imediatamente transportada para a habitação sita na Rua do..., Buarcos, Figueira da Foz, que, com o falso pretexto de se destinar ao gozo de férias, havia sido arrendada a AMT, id. a fls. 325, no dia 10/06/00, por quatro elementos não identificados, dois homens e duas mulheres cuja identidade não foi possível concretamente apurar, para depósito temporário dos trinta e seis fardos contendo cocaína.
Coube aos arguidos e ao sexto indivíduo, cuja identidade também não foi possível concretamente apurar, e que a estes se associou, a tarefa de vir à Figueira da Foz recolher a substância em causa, que deveriam transportar para destino previamente definido presumivelmente situado na Galiza, em Espanha.
Assim, na execução da tarefa que lhes cabia desempenhar, no dia 13/06/00, cerca das 20:50 horas, dirigiram-se todos aqueles ao Aeroporto de Santiago de Compostela, onde, junto da empresa..., alugaram os veículos ligeiros de passageiros de matrículas M-XS, MXY e M-K, aluguer esse pago pelo arguido JGR através do cartão de crédito da rede Visa com o número 4921 2162 4606 0008, do qual era titular e que se encontra apreendido a fls. 46.
Uma vez na posse das mencionadas viaturas, de imediato os arguidos iniciaram a sua viagem com destino à Figueira da Foz, uns imediatamente seguindo os outros, tendo utilizado para o efeito, nomeadamente, a A1 (auto-estrada do Norte), onde, na estação de serviço da Mealhada, abasteceram de combustível os veículos em que seguiam, vindo a abandonar tal via através da portagem de Coimbra-Norte cerca das 00:50 do dia 14/06/00.
Uma vez chegados à Figueira da Foz, cerca das 01:10 horas do mesmo dia 14/06/00, o arguido FRPR, conduzindo o veículo de matrícula M-XS e acompanhado do mencionado sexto elemento, dirigiu-se à habitação sita na Rua do ..., Buarcos, Figueira da Foz, em cuja garagem introduziu parcialmente a viatura que conduzia.
De imediato aquele arguido começou a rasgar alguns dos supramencionados fardos contendo cocaína, que aí se encontravam depositados, colocando no interior da bagageira do veiculo de matrícula M-XS, acondicionados em três sacos de viagem, estes examinados no auto de fls. 135, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, embalagens da referida substância, envoltas num revestimento de plástico e borracha e pesando cada uma cerca de um quilograma.
Sucede que, no momento em que já havia colocado na bagageira do referido veículo noventa e sete das supramencionadas embalagens, foi o arguido FRPR detido e aquelas embalagens apreendidas por elementos da Policia Judiciária, que haviam presenciado os factos descritos. O sexto indivíduo que o acompanhava retirou-se do local.
Simultaneamente, por outros elementos da mesma equipa da Policia Judiciária, foram os arguidos FMRR e PGV detidos numa praceta próxima da Rua do ..., no momento em que, no interior do veiculo de matrícula M-ZK, aguardavam que o arguido FRPR acabasse de carregar a sua viatura com embalagens de cocaína para, por sua vez, eles próprios realizarem idêntica operação.
Também no mesmo instante e por elementos da referida equipa da Policia Judiciária, foram os arguidos JGR e JAPV detidos em local próximo da avenida marginal da Figueira da Foz, no momento em que, no interior do veiculo de matrícula M-ZK e à semelhança dos arguidos FMRR e PGV, aguardavam que o arguido FRPR acabasse de carregar a sua viatura para, por sua vez, também eles se dirigirem à habitação sita na Rua do ... e carregarem a deles com embalagens de cocaína.
Aos arguidos JGR, JAPV, FMRR e PGV, no momento em que foram detidos, incumbia igualmente assegurar a vigilância das proximidades da habitação onde o FRPR já se encontrava, de modo a puderem prevenir-se mutuamente na eventualidade de ocorrer uma intervenção policial e, assim, possibilitar a fuga de todos ou de alguns de entre eles.
Uma vez efectuadas as detenções, foi realizada busca à habitação sita na Rua do ..., Buracos, Figueira da Foz, no interior da qual foram descobertos e apreendidos por elementos da Policia Judiciária os restantes trinta e cinco fardos contendo cocaína.
Submetida a substância contida nos supramencionados fardos e embalagens a exame laboratorial, veio-se a confirmar que a mesma era cocaína, com o peso total de 1.102.250 gramas, conforme se pode ler no relatório de fls. 321 e 322, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, sendo que tal quantidade de cocaína, atendendo ao valor que cada grama atingiria junto dos consumidores finais - dez mil escudos por grama -, valeria um total de onze mil milhões de escudos.
Aquando da sua detenção, ao arguido FRPR, para além das supramencionadas embalagens de cocaína e do mais constante no auto de fls. 13, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foram apreendidos oitenta mil pesetas em notas do Banco de Espana, dois telemóveis da marca Alcatel, modelo One Touch Easy, examinados a fls. 135, e um rádio portátil da marca Kenwood, modelo TK 250, com duas baterias e, internamente, um módulo para cifra de voz, examinado a fls. 178; aos arguidos PGV e JAPV foi apreendido um total de quarenta e cinco mil pesetas em notas do Banco de Espana; ao arguido FMRR, para além do mais constante no auto de fls. 34, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foram apreendidos vinte e sete mil pesetas em notas do Banco de Espana, seis sacos de viagem, examinados a fls. 135, três X-actos, um telemóvel da marca Alcatel modelo One Touch Easy, examinado a fls. 135, e um rádio portátil da marca Kenwood modelo TK 250, com duas baterias e, internamente, um módulo para cifra de voz, examinado a fls. 178; ao arguido JGR, para além do mais constante no auto de fls. 43, cujo teor se dá aqui por reproduzido, foram apreendidos quarenta e três mil pesetas em notas do Banco de Espana, dois X-actos, um telemóvel da marca Alcatel, modelo One Touch Easy, examinado a fls. 135, um telemóvel da marca Philips, modelo Movistar, examinado a fls. 135, e um rádio portátil da marca Kenwood, modelo TK 250, com duas baterias e, internamente, um módulo para cifra de voz, examinado a fls. 178.
Das quantias e objectos supramencionados, destinavam-se as primeiras a fazer face a despesas necessárias ao transporte da cocaína, os sacos de viagem ao acondicionamento da referida substância, os X-actos ao corte dos fardos que continham a mesma, tendo os telemóveis e rádios portáteis sido utilizados pelos arguidos nos contactos que mantiveram entre si durante a viagem de Santiago de Compostela até ao momento em que todos foram detidos, contactos esses relacionados com o concreto modo de efectuar a operação de transporte da cocaína apreendida.
Os arguidos agiram livre e conscientemente, em comunhão de esforços e de vontades, na execução de um plano delineado e com o propósito de, mediante a obtenção de compensação monetária, transportar para destino previamente definido a cocaína apreendida, conhecendo as características de tal substância e que a compra, cedência, simples detenção ou venda da mesma era proibida e punida por lei. Conheciam a proibição e punição legal das suas condutas.
O produto estupefaciente foi colhido no Oceânico Atlântico através de colaboradores da Policia que posteriormente a conduziram para território Português e acompanharam o desenrolar da operação.
Os arguidos FRPR e JGR recebiam por conta deste trabalho a quantia de 500.000 pesetas e prometeram aos demais arguidos a quantia de 120 mil pesetas.
O arguido FRPR vive em Cambados, tem mulher e um filho e está associado à pesca.
O arguido JGR é motorista e tem dois filhos menores a cargo.
O arguido JAPV é marinheiro, o PGV é soldador e o FRPR carpinteiro.
Os arguidos PGV FRPR levam vidas modestas associadas ao produto do seu trabalho.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Que a encomenda tivesse sido efectuada por uma organização criminosa;
- Que houvesse um acordo entre todos os arguidos e a organização criminosa responsável pelo embarque e desembarque da mercadoria estupefaciente;
- Que os arguidos obtivessem uma avultada compensação económica pelo transporte do produto estupefaciente;
- Que o sexto indivíduo se tenha posto em fuga, contra a vontade da Policia;
- Que os arguidos PGV e FRPR foram contactados como chauffeurs de dois veículos para um transporte de tabaco».
5.3.2.
Da ponderação da factualidade apurada no último julgamento e do seu confronto com a matéria de facto inicialmente fixada, verifica-se que foi cumprido o encargo em que se traduziu o reenvio decidido anteriormente por este Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, esclareceram-se cabalmente os pontos de facto que haviam motivado a declaração da insuficiência da matéria de facto para a decisão, designadamente quanto à actuação dos agentes infiltrados, nos termos então descritos e aqui transcritos.
Na verdade, ficou agora bem retratada e perceptível a actuação daqueles agentes.
Foi possível traçar e datar com muito mais detalhe o encontro dos proprietários da cocaína e dos arguidos com aquele que veio a colaborar com as entidades policiais e estas mesmas.
É possível determinar agora, em síntese, que um cidadão português, designado nos autos por "S", que veio a colaborar com a Policia Judiciária, foi contactado telefonicamente, antes de 24.5.00, por parte dos proprietários de uma partida de cocaína e dos arguidos com vista á realização de um encontro para ser combinada um trabalho ilícito relacionado com droga.
Este "S" contacta a Polícia Judiciária a quem dá conta desse contacto e disponibilizando-se para colaborar na actividade de controle policial, após o que, e de acordo com a Polícia Judiciária, aceita a proposta.
Depois daquele contacto telefónico, antes de 24.5.00, por volta de 21 ou 22 de Maio de 2000, o encontro veio a ter lugar, com a intervenção de um dos arguidos, tendo sido solicitada ao "S" colaboração para «disponibilizar uma embarcação que rumasse a um certo ponto do Oceano Atlântico, onde se encontraria com uma outra embarcação que nessa altura já navegava (...), trazendo a bordo uma quantidade significativa de cocaína, (...) que devia ser transbordado para a embarcação a disponibilizar pelo "S", deveria ser trazida para a costa portuguesa e depositado em território português, em local que o "S" teria de disponibilizar, tudo de acordo com instruções que iriam sendo fornecidas(...)». A cocaína já navegava então por conta dos respectivos adquirentes sediados na Galiza, não identificados.
Foi accionado e concluído o mecanismo processual com vista à legitimação da acção de infiltração, tendo a Polícia Judiciária contratado uma embarcação e 3 tripulantes (a quem deu indicação da natureza da operação) com a finalidade de efectuar o transporte da droga.
Em 25 ou 26 de Maio do mesmo ano, teve lugar novo encontro entre o "S" e os arguidos em que foram acertados os pormenores da operação, com a intervenção de um representante dos adquirentes, não identificado.
E a 26.5.00, conforme o combinado tal embarcação zarpou rumo ao encontro da embarcação que então já navegava com a cocaína, levando a bordo mais 7 elementos infiltrados e 1 representante dos adquirentes que deveria controlar e dirigir toda a operação, uma vez que era ele quem detinha as coordenadas do ponto de encontro e o número do telefone satélite da outra embarcação.
Estabelecido contacto a 2.6.00, foi efectuado o transbordo da droga, não tendo sido detido o tripulante da outra embarcação, por razões de estratégia da investigação, e o barco seguiu em direcção a Peniche onde foi desembarcada a 10.6.00, tendo sido deixado desembarcar ainda no mar, por razões de estratégia da investigação, o cidadão representante dos adquirentes.
No entretanto, os adquirentes da droga informaram, a 7 ou 8 de Maio, o "S" que tal substância devia ser depositada na Figueira da Foz e enviaram ao local um casal espanhol que acompanhou o "S" no arrendamento de uma casa para depósito da cocaína.
A 10.6.00 a cocaína foi desembarcada, transportada e depositada na casa arrendada na Figueira da Foz, pela Polícia Judiciária, ficando sob a vigilância desta.
Em 13.6.00 os adquirentes da droga decidiram que na noite de 13 para 14 de Junho seria efectuado o transporte de parte da droga para Espanha, pelos arguidos, decisão comunicada ao "S", tendo este combinado encontrar-se com os arguidos, dirigindo-se em conjunto à Figueira da Foz.
Chegados à Figueira da Foz a 14.6.00 vieram a ser detidos os arguidos pela Polícia Judiciária e apreendido todo o produto estupefaciente. Aos arguidos não fora dado conhecimento pelos agentes infiltrados da localização daquela casa, sendo certo que a mesma fora arrendada quando estava presente o casal espanhol enviado pelos destinatários da droga.
5.3.3.
O acórdão recorrido entendeu que a actuação do "S" consubstanciou uma acção de provocação, ilegalmente conjecturada e executada pela Polícia Judiciária, ao nível da execução do projecto criminoso, por acção do agente infiltrado que, através do seu desempenho, o robustece e não ao nível da formação do desígnio criminoso, através da manipulação da vontade.
Concluiu que se verificara violação do princípio constitucional da proporcionalidade, considerando, como se refere na motivação do recurso do Ministério Público, que a conduta do "S" fora decisiva para a execução do propósito delitivo, uma vez que não fora possível determinar se, no caso concreto, mantendo-se estável o mesmo quadro em que se inscreveu a acção do agente infiltrado, a sua evolução permaneceria idêntica, sem o contributo deste.
Para a decisão recorrida, «a PJ actuou, pelo menos a partir do momento em que a droga entra para o barco por si controlado, como co-autora (ainda que fictícia) da operação de tráfico em curso. Por si ou através dos agentes da sua confiança, a PJ não se limitou a insinuar no meio criminoso, com o propósito exclusivo de obter a confiança dos participantes na operação de tráfico, para desta forma ter acesso a informações, planos, processos, confidências que, de acordo com o seu plano, constituiriam as provas necessárias à condenação; a PJ participou, alimentou e prolongou para lá do legalmente admissível a própria actuação criminosa. Para lá disso, a PJ procurou tirar partido do prolongamento do facto criminoso que ela proporcionou, pelo menos a partir do momento em que passou a deter o domínio exclusivo da droga, para obter provas necessárias à condenação dos intervenientes nesse prolongamento do facto criminoso que só a PJ estava em condições de permitir».
E ainda que «a decisão tomada pelos arguidos no sentido de deslocarem a Portugal para transportarem parte da cocaína que aqui já se encontrava acondicionada só foi tomada porque desconheciam o artifício preparado pela PJ e pelo seu colaborador para serem detidos em flagrante delito; ou seja, os arguidos foram induzidos a deslocarem-se a Portugal, nas concretas circunstâncias em que o fizeram, no pressuposto errado, criado pela PJ e pelo seu colaborador, de que o respectivo desígnio criminoso se poderia concretizar sem riscos de serem detidos nas circunstâncias concretas em que o foram».
Mas estas decisão e considerações não se revêem na matéria de facto fixada, mesmo através da sua síntese, e nas considerações doutrinárias que se explanaram, comuns à doutrina e ao comum da jurisprudência.
Como se viu, quando já navegava no Atlântico, um barco com 1.105.100 gramas de cocaína, foi contactado pelos seus proprietários, que autonomamente e sem qualquer intervenção policial o identificaram e localizaram, um cidadão português ("S"), com vista á realização de um encontro para ser combinada um trabalho ilícito relacionado com droga. Foi esse cidadão, que, após esse contacto, tomou a iniciativa de contactar a Polícia Judiciária.
Quando intervém a Polícia Judiciária e é desencadeada uma acção de infiltração, já a operação de importação e distribuição daquela droga na Europa estava em marcha e haviam sido os seus proprietários a procurar aquele que viria a ser o principal agente infiltrado.
Os mesmos proprietários já com a intervenção de um dos arguidos traçaram pormenorizadamente essa colaboração: disponibilização de embarcação para rumar a certo ponto do Oceano Atlântico, ao encontro de outra a navegar com aquela droga a bordo, para transbordo e condução à costa portuguesa e aí depositado de acordo com instruções que iriam sendo fornecidas.
Teve lugar novo encontro entre o agente infiltrado e os arguidos em que foram acertados os pormenores da operação, com a intervenção de um representante dos adquirentes, não identificado.
A embarcação que zarpou para o falado encontro levava também a bordo 1 representante dos adquirentes que deveria controlar e dirigir toda a operação, era ele quem detinha as coordenadas do ponto de encontro e o número do telefone satélite da outra embarcação.
Antes de desembarcado a droga, já os adquirentes da droga haviam informado qual o local onde deveria ser depositada a droga: Figueira da Foz e enviaram ao local um casal espanhol que acompanhou no arrendamento de uma casa para depósito da cocaína. Aos arguidos não fora dado conhecimento pelos agentes infiltrados da localização dessa casa, mas o casal espanhol enviado pelos destinatários da droga estivera presente no seu arrendamento.
Foram os adquirentes da droga que decidiram o momento do transporte de parte da droga para Espanha, pelos arguidos, e o meio desse transporte.
No momento em que com contactavam com a cocaína foram detidos e apreendido todo o produto estupefaciente.
Como se vê desta nova síntese da factualidade apurada, não só o(s) agente(s) infiltrado(s) não induziram ninguém a praticar um crime de importação de cocaína por Portugal com envio para Espanha e distribuição pela Europa, pois que esse projecto já estava em marcha quando aquele que viria a ser agente infiltrado foi contactado, como nunca deixaram de ter os seus autores do domínio do facto: obtiveram a cocaína e iniciaram o seu transporte, escolheram o meio de introdução em Portugal e o momento em que tal correria, eram os únicos a conhecer a posição da embarcação que o transportava, e o respectivo número e telefone, decidiram a localidade onde devia a droga ser depositada, a provaram, através de um casal enviado propositadamente a casa onde o deveria ser, escolheram o momento e o meio de transporte da cocaína para a Espanha.
Não se pode, assim, dizer, como o faz a decisão recorrida, que a PJ não se limitou a insinuar no meio criminoso, com o propósito exclusivo de obter as provas necessárias à condenação; mas que participou, alimentou e prolongou para lá do legalmente admissível a própria actuação criminosa.
Afirma-se na decisão recorrida, como se referiu, que «a decisão tomada pelos arguidos no sentido de deslocarem a Portugal para transportarem parte da cocaína que aqui já se encontrava acondicionada só foi tomada porque desconheciam o artifício preparado pela PJ e pelo seu colaborador para serem detidos em flagrante delito» e concluiu-se depois: «ou seja, os arguidos foram induzidos a deslocarem-se a Portugal, nas concretas circunstâncias em que o fizeram, no pressuposto errado, criado pela PJ e pelo seu colaborador, de que o respectivo desígnio criminoso se poderia concretizar sem riscos de serem detidos nas circunstâncias concretas em que o foram».
Mas, como se viu, a matéria de facto não permite que, a partir da 1.ª afirmação se extraia aquela conclusão. É que dela não resulta que os arguidos tenham sido induzidos a deslocar-se a Portugal nas concretas circunstâncias em que o fizeram. Antes decidiram eles, autonomamente e prosseguindo um processo que sempre delinearam por sua conta, deslocar-se à cidade escolhida para depósito e à casa, que fora aprovada por ouros intervenientes no crime, no momento em que decidiram e utilizando os meios de transporte de pessoas e droga por si escolhidos.
É certo que graças à acção de infiltração a Polícia Judiciária vigiava a droga esperando poder detê-los quando a fossem levantar. Mas esse é o objectivo lícita da actuação do agente infiltrado, como se viu profusamente.
É certo que entre os factos não provados se referiu o seguinte: «66º) Não foi possível apurar em que termos evoluiria a operação de tráfico referida no ponto 1º) dos factos provados, caso não tivesse ocorrido a intervenção e colaboração prestada pelo "S" e pela PJ, designadamente, se a cocaína apreendida seria desembarcada e/ou acondicionada em qualquer parte do território nacional, se os aqui arguidos teriam uma qualquer participação nas operações necessárias ao transporte desse estupefaciente desde o alto mar até ao seu destinatário, em particular se os mesmos se teriam ou não deslocado a Portugal para efectivar o transporte para Espanha desse estupefaciente.»
Mas essa circunstância não permite as considerações que extrai o acórdão recorrido.
Desde logo, se deve lembrar, como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, que a resposta negativa a determinados quesitos não significa que se prove o contrário, apenas que a prova não resultou; e, não obstante, um facto não provado pode ser verdadeiro (Ac. de 16.3.00, proc. n.º 8/00)
Facto essencial é o existente, o positivo, o provado; o não provado, em princípio, não existe como fundamento da decisão, aliás, é óbvia a razão de ser das respostas negativas: é a ausência de prova. Seria pleonástico e mesmo absurdo justificar tal ausência. Ela impõe-se por si (Ac. de 24.2.99, proc. n.º 11/99). Se um determinado facto não se provou, não é licito concluir que se provou o facto contrário (Ac. de 16.5.96, proc. 146/96).
Se não se conseguiu apurar em que termos evoluiria a operação de tráfico referida no ponto 1º) dos factos provados, caso não tivesse ocorrido a intervenção e colaboração prestada pelo "S" e pela PJ, nada se pode concluir de útil, exactamente porque se não sabe como evoluiria, ou sequer se evoluiria.
E a partir dessa ignorância sobre o futuro não se pode partir para concluir que então a actuação do agente infiltrado instigou outrem ou foi desproporcionada.
Como já se viu, e o entendeu o Tribunal Constitucional, «do ponto de vista da legitimidade constitucional da intervenção do agente infiltrado, é, assim, relativamente indiferente que, contra determinado sujeito, esteja ou não a correr termos um inquérito. O que verdadeiramente importa, para assegurar essa legitimidade, é que o funcionário de investigação criminal não induza ou instigue o sujeito à prática de um crime que de outro modo não praticaria ou que não estivesse já disposto a praticar, antes se limite a ganhar a sua confiança para melhor o observar, e a colher informações a respeito das actividades criminosas de que ele é suspeito. E, bem assim, que a intervenção do agente infiltrado seja autorizada previamente ou posteriormente ratificada pela competente autoridade judiciária.» (Ac. nº 578/98 já citado)
Que continua, «de facto, na ânsia de dar combate ao crime grave, que mina as bases da sociedade, não podem legitimar-se comportamentos que atinjam intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão das pessoas. E isso, mesmo que tal se faça no propósito de desmascarar o criminoso, de pôr a descoberto a sua actividade delituosa. Quando se afecta intoleravelmente a liberdade de vontade ou de decisão da pessoa, a deslealdade atinge um tal grau de insuportabilidade que é a integridade moral do sujeito que, então, é violada ? e, com ela, o artigo 25º, n.º 1, da Constituição. É que, não há-de ser a utilização de um qualquer engano que deve induzir uma proibição de prova: há uma dose de engano na indagação criminal, que é tolerável.»
Para além dos pontos já devidamente realçados, importa reter que a acção de infiltração teve lugar quando se desenrolava uma operação de tráfico de grande envergadura, pelo seu carácter transaccional - da América do Sul, por mar com destino à Europa, pela quantidade, natureza e valor do produto estupefaciente - 1.105 quilos de cocaína, com o valor de 11.000.000 contos, e ainda pela sofisticada organização em que se apoiava que só deu a conhecer os transportadores
O que tudo postula a necessidade, adequação e proporcionalidade do recurso aos meios empregues e à aceitação da colaboração espontânea do agente infiltrado.
Conclui-se, assim, não ter sido a prova produzida sobre o crime obtida através de meio enganoso e como tal absolutamente proibido, pelo que não pode manter a declaração da sua nulidade efectuada na decisão recorrida.
Procede, pois, nesta parte, o recurso.
5.4.
Mas, sendo assim, impõe considerar o recurso interlocutório tal como foi pedido pelo recorrido JAPV.
5.4.1.
Relembre-se que esse recorrido acrescentou às conclusões da sua motivação: «no caso de, por hipótese meramente académica, o recurso do Mº Pº poder vir a merecer provimento, mantém interesse no recurso interlocutório».
A fls 1229 foi inserto nos autos um requerimento apresentado por JAPV em que se pedia fosse ordenada a comparência em audiência de julgamento dos "infiltrados" por o seu depoimento se mostrar indispensável para a prova, visto o disposto no art. 59º -A do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
Por despacho de 13.5.02 (fls. 1249) foi ordenado se diligenciasse conforme promovido pelo Ministério Público: que estando verificados os requisitos a qua alude o art. 16º da Lei n.º 93/99, de 14.7, deveria ser cumprido o disposto no art. 18º da mesma Lei.
5.4.2.
Foi trazido por aquele arguido recurso dessa decisão que concluiu:
1 - A decisão recorrida foi tomada, com audição prévia do Mº Pº, e sem audição do recorrente.
2 - Tal não poderia ocorrer, face à vigência do princípio do contraditório, visto o disposto nos artigos 327º do CPP e 32º, n.º 5 da CRP.
3 - Para além disso, e este o argumento chave da questão, a reserva do conhecimento da identidade da testemunha só pode ocorrer se se verificarem, cumulativamente, as condições constantes das quatro alíneas do artigo 16º da Lei 93/99, de 14 de Julho.
4 - Porém, e desde logo não se verifica a condição ínsita na alínea a) do art. 16º do citado Diploma.
5 - É que, não se afadiga nestes autos o crime de associação criminosa ou e crimes praticados no âmbito da finalidade ou actividade desta.
6 - Assim, deve a decisão recorrida ser revogada, decidindo-se que os infiltrados, e todos, devem ser presentes a juízo para ajuramentados, deporem.
7 - Ao ser entendido de outra forma, violou a decisão recorrida os artigos 16º, al. a) e 18º ambos da Lei n.º 93/99.
5.4.3.
Respondeu o Ministério Público que concluiu:
Não deverão V. Ex.ªs conhecer do objecto do presente recurso, por incidir sobre despacho judicial de mero expediente, irrecorrível, e em relação ao qual o arguido apenas poderá ter invocado o disposto no art. 380º, n.º 3 do CPP;
À cautela,
Sempre diremos que, salvo melhor opinião, não foram violadas as normas legais invocadas pelo recorrente, pelo que, negando provimento ao recurso e mantendo, na integra, o douto despacho recorrido, farão V. Exªs a costumada Justiça.
5.4.4.
Como sustenta o Ministério Público, o despacho impugnado não é recorrível, por se limitar a dar seguimento a um expediente previsto na lei (processo complementar de não revelação de identidade) e que oportunamente seria objecto de pronúncia autónoma sobre os respectivos requisitos, a cuja determinação visava tal procedimento.
O mesmo é dizer que se trata de despacho de mero expediente [art. 400º, n.º 1, al. a) do CPP].
Antes de aí ser proferida decisão tem lugar um debate oral e contraditório sobre os fundamentos do pedido (n.º 4 do art. 18º da Lei 93/99).
E o próprio recorrente tem clara consciência de que é assim que a 20.6.02 apresentou um requerimento (fls. 1359), do seguinte teor: «face à decisão que admitiu que determinadas testemunhas prestassem depoimento com reserva do conhecimento da sua identidade, contra o por si requerido em 6 de Maio e contra o por si defendido, fundamentadamente, em 27 do mesmo mês, pretendendo interpor recurso da decisão que admitiu tal, vem, face ao disposto no art. 23º da Lei n.º 93/99 de 14/7, se digne ordenar que tal decisão lhe seja notificada, com urgência, tendo em vista tal desiderato.»
Rejeita-se, pois, tal recurso por ser a decisão recorrida irrecorrível.
5.5.
Como se viu, foi impugnada perante este Supremo Tribunal de Justiça a declaração da nulidade da prova obtida contra os arguidos que foram absolvidos do crime de tráfico de estupefacientes.
Ora a procedência do recurso e a declaração da validade dessa prova, impõe que seja a matéria de facto apurada subsumida ao direito, qualificada juridicamente e, sendo o caso, determinadas as penas aplicáveis.
Tarefa que, no caso, não deve o Supremo Tribunal de Justiça, apesar de ser um tribunal de revista e não de cassação pura, encetar. Ela cabe ao Tribunal Recorrido que, perante o estabelecimento da validade da prova produzida deve entrar no conhecimento, que assim se abre, das restantes questões.
VI
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso do Ministério Público e, em consequência revogar o acórdão recorrido, devendo o Tribunal a quo conhecer das questões que se enunciaram e rejeitam o recurso interlocutório, por inadmissível.
Custas pelos recorridos. Taxa de Justiça de 5 Ucs. Custas pelo recorrente no recurso interlocutório. Taxa de justiça de 3 Ucs.
Honorários legais ao Exma. Defensora nomeada.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2003
Simas Santos
Abranches Martins
Oliveira Guimarães
Dinis Alves
________________
(1) Não esquecendo que, se bem que o recurso a agentes provocadores seja uma técnica de actuação usada por todo o mundo, nem por isso deixa de ser campo aberto a numerosas críticas.
(2) Remontando as origens históricas do agente provocador às práticas absolutistas dos séculos XVII e XVIII, privilegiando, então, os crimes políticos, depois de incitar a pessoa a manifestar as suas opiniões (subversivas) o provocador denunciava-as a fim de obter uma recompensa do Rei ou das autoridades oficiais. A Polícia secreta de Luís XIV provocava os criminosos potenciais ao cometimento de crimes para os prender em flagrante delito.
(3) Cfr. Lourenço Martins, Nova Lei Anti-Droga - Um Equilíbrio Instável, in "Droga e Sociedade - o Novo Enquadramento Legal", GPCCD, Lisboa 1994, págs. 58-59.
(4) Acentuando-se, do lado objectivo, a importância de manter ou potenciar a "pureza das instituições", cfr. também Alves Meireis, O Regime das Provas Obtidas pelo Agente Provocador em Processo Penal, pp. 95 e sgs.
(5) Cuja decisão está publicada, com anotação crítica de António Henriques Gaspar, na RPCC, ano 10, pág. 145 e comentada por Maia Costa, Agente provocador - Validade das provas, na Revista do Ministério Público, Ano 21, Jan. Mar. 2000, n.º 81, p. 155
(6) António Henriques Gaspar, como na nota anterior.
(7) Cfr., os Acórdãos citados nesse aresto: ac. de 16.05.90, in CJ Ano XV, T III, p. 8; ac. de 12.06.90, no BMJ n.º 398, p. 282; ac. de 14.10.92, no BMJ n.º 420, p. 379 (resultados terríveis da infiltração); ac. de 14.11.91 - P.º 42103; ac. de 5.05.94, BMJ n.º 437, p. 362; ac. de 21.03.96 - P n.º 27/96; ac. de 4.07.96, BMJ n.º 459, p. 178; ac. de 12.03.77 - P.º 1015/96-3.ª; ac. de 15.01.97, CJ, Ano V, Tomo I, p. 185 e no BMJ n.º 463, p. 226 (em sentido negativo); ac. de 5.03.97 - P.º n.º 1135/ 96 - 3.ª; ac. de 13.01.99 - P n.º 999/98-3.ª ; ac. de 4.06.98 - P n.º 1174/97; ac. de 8.10.98 - P.º n.º 398/98; ac. de 13.12.00 - P.º n.º 2752/00-3.ª (VO), Ac. de 7.06.00 - P.º 108/2000; ac. de 7.06.01 - P.º n.º 1409/01-5.ª ( em sentido negativo, com um voto de vencido). Alguns destes arestos podem ser encontrados na BD/JSTJ, www.dgsi.pt (Internet).
(8) No caso Teixeira de Castro já referido, pelo ora Relator, então Procurador-Geral Adjunto no STJ, na qualidade de Perito do Governo Português.
(9) Decidiu também o STJ, como se fez ressaltar no douto acórdão que ordenou o reenvio, que não se verifica a actuação como agente provocador quando o crime já está consumado, antes actuação para obtenção das provas (Ac. de 5.03.97, proc. n.º 1135/96-3); que a deliberação criminosa já estava tomada quando a Polícia Judiciária tomou conhecimento do plano de transporte de cerca de 3.500 kgs. de haxixe (factos semelhantes aos do presente recurso) (Ac. de 12.03.77, proc. n.º 1015/96-3); não se verifica a figura do agente provocador quando o crime estava consumado, não tendo havido qualquer interferência na liberdade de escolha do agente (Ac. de 13.01.99, proc. n.º 999/98-3); considerou que o arguido formulara uma decisão prévia; fora ele que dera as instruções, detinha o domínio do facto, era o dono do negócio, não tendo havido qualquer motivação à prática dos factos criminosos pela PJ, não houve engano determinante do comportamento ilícito, a PJ acompanhou a recepção da droga no mar, através de um sub-inspector, ao largo da costa do Brasil, sendo ela destinada a encomenda do traficante, quando o arguido não esteve presente no carregamento e descarregamento da cocaína e os s terceiros infiltrados eram directamente controlados pela PJ (Ac. de 13.12.00, proc. n.º 2752/003). Já diversamente embora o contactado para ir buscar algumas toneladas de haxixe a Marrocos tenha dado conhecimento à PJ e o Procurador da República haja autorizado a operação com um barco do infiltrado e dois seus colaboradores, o Supremo Tribunal (maioritariamente) decidiu pela invalidade da prova na medida em que, sendo ainda o próprio infiltrado que praticou os primeiros actos de execução, não se demonstrou que o crime a final se praticaria mesmo sem a sua intervenção (Ac. de 7.06.01, proc. n.º 1409/01).
(10) Também criticada por DAVID ORMEROD e ANDREW ROBERTS, «The trouble with Teixeira: Developing a principled approach to entrapment», in The International Journal of evidence of proof, vol. 6, nº 1, pp. 38 e segs., des. 43: «The ambiguity of the reasoning suggests that Teixeira should be regarded as a relatively weak authority (paradoxically since so many challenges to entrapment operations have been founded an it). The fact that it eschews the usual Convention position of abdicating responsability for evidential admissibility in domestic proceedings further diminishes its status. It is submitted that Teixeira should be regarded as decided on its own facts».
(11) Ac. n.º 578/98, de 14.10.98, proc. n.º 835/98, DR II S, nº 48, de 26.2.99.
(12) «É que, o Estado, como titular que é do ius puniendi, está interessado em que os culpados de actos criminosos sejam punidos; só tem, porém, interesse em punir os verdadeiros culpados: satius esse nocentem absolvi innocentem damnari? sentenciavam os latinos».
(13) «Uma tal desonestidade seria de todo incompatível com o que, num Estado de Direito, se espera que seja o comportamento das autoridades e agentes da justiça penal, que deve pautar-se pelas regras gerais da ética.»
(14) «Está-se em domínios em que os interesses que se entrecruzam são de tal ordem, e os meios, de que os criminosos dispõem, tantos e tão sofisticados, que a sociedade quase se sente impotente para dar combate a tal criminalidade. E, por isso, aceita-se aqui alguma excepcionalidade no modo de obter as provas.»