Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19222/16.6T8PRT-A.P1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
DOCUMENTO AUTENTICADO
CONFISSÃO DE DÍVIDA
FÉ PÚBLICA
ACTO NOTARIAL
ATO NOTARIAL
FORMALIDADES
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO / ESPÉCIES DE TÍTULOS EXECUTIVOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVA DOCUMENTAL / MODALIDADES DOS DOCUMENTOS ESCRITOS.
Doutrina:
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.;
- J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 56;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 460-461.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 703.º, N.º 1, ALÍNEA B).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 363.º, N.º 3.
CÓDIGO DE NOTARIADO (CNOT): - ARTIGOS 150.º E 151.º.
PORTARIA N.º 657-/2006, DE 29-07.
Sumário :
I - Actualmente o documento particular só pode valer como título executivo se for autenticado.

II - o procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade.

III - O termo de autenticação deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado, devendo, nomeadamente, conter a declaração das partes de que leram o documento [autenticado] ou estão inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade.

IV - Exige-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL





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Relatório[1]




«Por apenso à execução em que é exequente AA, Unipessoal, L.da e executados BB, CC e DD - Sociedade de Construções Imobiliária, Lda, veio o primeiro executado deduzir embargos de executado alegando que do documento denominado “Confissão de Dívida e Acordo de pagamento”, apresentado pela exequente como título executivo, não consta o termo de autenticação da sociedade principal devedora, pelo que tal documento não constitui título executivo, e não existindo a obrigação da principal pagadora, a do embargante, enquanto acessória, também não existe.

Por decisão de 1.03.2018, onde se afirma não se vislumbrar qualquer vício que afecte o título executivo, foram os embargos liminarmente indeferidos, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil.

Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso para esta Relação de Coimbra, que apreciando a apelação confirmou integralmente a sentença recorrida.

Mais uma vez irresignado, veio o embargante interpor recurso de revista excepcional, que foi admitida, pela formação a que alude o art.º 672º nº 3 do CPC, que considerou «a alegação …particularmente imperfeita..» no tocante ao fundamento previsto na al. a) do nº 1 do art. 672º do CPC. O recorrente encerrou as suas alegações com as seguintes



Conclusões:



«1ª – No documento particular de confissão de dívida dado à execução, não consta a autenticação do mesmo relativamente à devedora principal “DD”.

2ª – Efectivamente, como eloquentemente refere o Acórdão fundamento para existir autenticação do documento é necessário no respectivo procedimento ocorrerem três momentos distintos: a outorga do documento, a declaração das partes de que leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade e o registo informático no momento da prática do acto.

3ª – No que concerne à declaração da devedora principal não se verificam nenhum dos referidos momentos, sendo que o que existe é o reconhecimento da assinatura do gerente da DD que é coisa, totalmente diversa da autenticação.

4ª – Assim, o documento particular de confissão de dívida que serve de base à execução, no respeitante ao devedor principal “DD”, não integra a previsão de título executivo, por falta de autenticação do mesmo.

5ª – As declarações dos fiadores, CC e BB, são distintas da declaração da “DD”, não são a mesma coisa, nem se podem confundir como decorre do Acórdão recorrido.

6ª – Os fiadores são meros garantes como resulta claramente do último parágrafo da declaração de dívida, pois, assumem a obrigação de pagarem a dívida solidariamente, somente, em caso de incumprimento da sociedade “DD”.

7ª – Pelo que atenta a posição de garantes e por força do carácter acessório da fiança, inexistindo título executivo contra o devedor principal, não se vê como possa existir título executivo contra os fiadores.

8º - O Acórdão recorrido violou entre outros o disposto nos artigos 151º do Código do Notariado, 703º 1-b) do C.P.C, 637º a 639º do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito Doutamente supríveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e revogar-se o Acórdão recorrido, considerando-se que o documento particular que serve de base à execução, não constitui título contra a Sociedade, devedora principal, assim se fazendo Justiça».



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Não houve resposta.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil).

Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão objecto do recurso consiste em saber se a autenticação do documento de confissão de dívida que serve de fundamento á execução padece de algum vício que afecte a sua validade, designadamente se não ocorre autenticação do referido documento quanto à devedora principal a DD, Lda.



Dos factos



Mostram-se assentes nas instâncias e demonstrados nos autos, por documentos – certidão de fls. 28 a 31 -, os seguintes factos:

1. AA, Unipessoal, L.da instaurou acção executiva contra BB, CC e DD - Sociedade de Construções Imobiliária, L.da para obter o pagamento da quantia de € 44.602,46, acrescida de juros vencidos no montante de € 9.195,44, alegando no requerimento executivo que “Por documento autenticado de reconhecimento e confissão de dívida e acordo de pagamento, a executada sociedade confessou-se devedora à exequente da quantia de euros: 44.602,46(quarenta e quatro mil, seiscentos e dois e quarenta e seis cêntimos) relativa a diversos serviços prestados pela exequente à executada no âmbito da sua actividade profissional.

Comprometeu-se a executada sociedade a liquidar tal montante em duas prestações, uma em 30 de Outubro de 2014, no montante de euros: 22.602,66 e outra em 30 de Março de 2015, no montante de euros: 22.000,00.

Mais se refere em tal documento que o não cumprimento pontual de qualquer uma das prestações ora estabelecidas, implica o imediato vencimento das restantes.

Por seu lado, os executados CC e BB assumiram, em tal declaração, a qualidade de avalistas/fiadores relativamente ao indicado valor e condições de pagamento [...].

[...] a executada sociedade não cumpriu o acordado, não tendo liquidado à exequente qualquer montante, nem nas datas acordadas nem posteriormente e até à presente data!

[...] A exequente interpelou os executados por carta registada com A.R., datada de 27.04.2016, dando conta do incumprimento do acordo e solicitando o pagamento da quantia em débito, o que não sucedeu até ao presente. [...].

2. Com o requerimento executivo a exequente juntou o documento de fls. 29 v.º/30, denominado “Confissão de Dívida e Acordo de pagamento”, datado de 27 de Março de 2014, cujo teor aqui se dá por reproduzido, assinado por BB, gerente da sociedade DD - Sociedade de Construções Imobiliária, Lda, sobre o carimbo da dita sociedade, sob a designação “Pela Declarante”, contendo o mesmo documento, sob a menção “Pelos Avalistas”, as assinaturas de CC e de BB.

3. O referido acordo foi autenticado pela Sr.ª Advogada Dr.ª EE, conforme consta de fls. 30 verso, aí se mencionando que a referida advogada procedeu ao registo online do acto de autenticação de documento particular na Ordem dos Advogados, identificando como interessados os executados BB e CC, contendo aquele instrumento a data da autenticação e do registo [27.03.2014] e o número de registo.

4. Do referido instrumento de autenticação, sob a epígrafe “Observações” consta o seguinte: No dia 27 de Março do ano dois mil e catorze, perante mim, EE, advogada, compareceram como outorgantes:

BB, contribuinte n.º 1…2, residente na Travessa …, n.º …, freguesia de …, concelho de …. E

CC, contribuinte n.º 1…9, residente na mesma morada.

Verifiquei a identidade dos outorgantes pela exibição dos mencionados cartões de cidadão, com a validade de 24.03.2015 e 23.03.2015, respectivamente.

E declararam que leram o documento de confissão de dívida e acordo de pagamento anexo e que ela exprime a sua vontade.

Este instrumento foi lido e explicado o seu conteúdo aos outorgantes.

5. E o mesmo contém as assinaturas dos identificados outorgantes.

6. A mesma advogada procedeu ainda ao registo online do acto “Reconhecimento com menções especiais por semelhança”, no qual é identificado como interessado BB, de onde consta que “Reconheço a assinatura do interessado supra identificado, aposta no documento anexo, na qualidade de sócio gerente da sociedade “DD - Sociedade de Construções Imobiliária, Lda e com poderes para o acto, o que certifico face ao referido documento de identificação e à certidão permanente com o código de acesso 6…4”.



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Do Direito




Como resulta das conclusões do recorrente este sustenta que a autenticação do documento de confissão de dívida dado à execução apenas se reporta aos avalistas BB e mulher CC, ou seja que no tocante à primeira parte do documento, em que o mesmo BB, na qualidade de gerente da sociedade DD – Sociedade de Construções Imobiliária Lda, confessa a dívida e se compromete a pagá-la nos termos ai referidos, não existe autenticação, por alegadamente no Termo lavrado não constar que o BB também intervinha na qualidade de representante da DD.

Como bem se afirma no acórdão recorrido, «os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares[4].

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do citado artigo 703.º do Código de Processo Civil, o documento particular só pode valer como título executivo se for autenticado.

De acordo com o n.º 3 do artigo 363.º do Código Civil, Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

O artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março – diploma que adopta medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais – estabelece:

1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.

2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

3 - Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

4 - Enquanto o sistema informático não estiver disponível, a obrigação de registo referida no número anterior não se aplica à prática dos actos previstos nos Decretos-Leis n.os 237/2001, de 30 de Agosto, e 28/2000, de 13 de Março.

5 - O montante a cobrar, pelas entidades mencionadas no n.º 3, pela prestação dos serviços referidos no n.º 1, não pode exceder o valor resultante da tabela de honorários e encargos aplicável à actividade notarial exercida ao abrigo do Estatuto do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro.

6 - As entidades referidas no n.º 1, bem como os notários, podem certificar a conformidade de documentos electrónicos com os documentos originais, em suporte de papel, em termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.

7 - As entidades mencionadas no número anterior podem proceder à digitalização dos originais que lhes sejam apresentados para certificação.

O termo de autenticação deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado, devendo, nomeadamente, conter a declaração das partes de que leram o documento [autenticado] ou estão inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade.

Exige-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria n.º 657-/2006, de 29 de Julho».

Como resulta do nº 1 al. a) do art.º 151 do CN, a entidade que lavra o termo de autenticação não tem de proceder à leitura do documento particular aos interessados, apenas lhe impondo que consigne as declarações das partes de que leram o documento (a autenticar) ou de que estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade.

A entidade autentificadora deverá no momento da autenticação apreciar os requisitos da validade do ato, devendo recusar a autenticação do documento se o acto nele “incompletamente titulado” for nulo (art. 173º, nº1, al. a), CN), ou se tiver sido violada norma imperativa que no momento da autenticação não possa ser observada (v.g., norma atinente ao princípio da legitimação). Assim como deverá advertir as partes se o acto for anulável ou ineficaz (art. 174º CN).

É aplicável ao Termo de autenticação, com as necessárias adaptações o disposto no art.º 46º nº 1 al.s a) a n) do CN, ex vi do nº 1 do art.º 151 do mesmo diploma. Daqui decorre que do termo deve constar a forma como foi verificada a identidade dos outorgantes [(al.d)]. Porque compete à entidade certificadora verificar a capacidade, legitimidade e poderes dos outorgantes deve fazer menção disso nos termos do disposto na al. e) do nº 1 do art.º 46º.

Da análise do termo de autenticação constam todas as referidas menções obrigatórias com excepção desta última - reconhecimento da assinatura do BB na qualidade de representante legal da DD e da existência de poderes para a obrigar nos termos em que o fez, bem como o documento donde isso resulta. Acontece que tal menção consta de instrumento de reconhecimento de assinatura com menções especiais feito nos termos do disposto no art.º 153º nº 3 do CN, onde se identifica o documento onde foi posta tal assinatura, que foi anexo a tal instrumento de reconhecimento e que igualmente, tal como o termo de autenticação, foi registado nos termos da Portaria n.º 657-/2006, de 29 de Julho. Este instrumento complementa o termo de autenticação e supre aquela irregularidade, que mesmo a manter-se não afectaria a validade do acto de autenticação, porquanto tal omissão não faz parte do elenco de situações que determinam a nulidade do acto (art.s 70º e 71º do CN).

A pretensão do recorrente raia o abuso de direito.

Na verdade e como bem se observa no acórdão recorrido, «no caso em apreço, à execução serviu de título o documento particular designado “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”.

Através do referido documento a sociedade DD - Sociedade de Construções Imobiliária, Lda, nele identificada, representada pelo seu gerente BB, declara que “reconhece e confessa-se devedora a AA, Unipessoal, L.da [...] do montante de euros: 44.602,46 (quarenta e quatro mil, seiscentos e dois e quarenta e seis cêntimos)”, prevendo a mesma declaração prazo e forma de pagamento, bem como as consequências do não cumprimento pontual de alguma das prestações a que se vincula, tal como alegado no requerimento executivo.

No mesmo documento CC e marido, o referido BB, “declaram que assumem a qualidade de AVALISTAS da devedora sociedade DD - Sociedade de Construções Imobiliária, Lda, perante a credora AA, Unipessoal, L.da relativamente aos valores e condições estabelecidas no presente documento, tendo pleno conhecimento e consciência que assumem tal obrigação de garantia, solidariamente, pelo que em caso de incumprimento por parte da sociedade devedora no pagamento dos montantes supra indicados, cabe a eles, BB e CC, a obrigação de pagar”, achando-se tal declaração assinada nos termos assinalados no ponto 2.º dos factos provados.

O termo de autenticação foi elaborado e registado conforme consta dos pontos 3.º a 5.º dos factos provados e na mesma data constante do documento particular autenticado, tendo ainda sido certificado e registado o reconhecimento da assinatura de BB na qualidade de sócio gerente da “DD - Sociedade de Construções Imobiliária, Lda”.

Actualmente ao documento particular apenas é conferida exequibilidade desde que dele resulte a constituição ou reconhecimento de uma determinada obrigação e desde que o mesmo se mostre autenticado por notário ou entidade com competência para o efeitos, nos termos que já se deixaram expostos.

O documento denominado “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento” contém claramente um reconhecimento de uma obrigação – pagamento da quantia de € 44.602,46 à exequente – por parte da sociedade “DD”, de que é gerente BB, o qual, no mesmo documento, juntamente com CC, assume, a título pessoal, a obrigação a que a sociedade se vincula em caso de incumprimento por parte desta.

Tal documento foi autenticado nos termos a que já se fez referência.

Conforme decorre dos artigos 35.º, n.º 3, 150.º e 151.º, todos do Código do Notariado, o procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade. Tal procedimento pretende assegurar às partes a compreensão do conteúdo do documento particular.

No caso aqui em debate, no instrumento de autenticação do documento particular de fls. 29 v.º/30 intervieram CC e BB, sem esclarecimento, quanto a este último, em que qualidade intervém.

A circunstância de o termo de autenticação não conter menção de que o referido BB nele interveio também na qualidade de gerente da sociedade que representa como principal obrigada não afecta a exequibilidade do título. Se o acto de autenticação se destina a garantir às partes a compreensão do conteúdo do documento que se autentica, esse fim foi, no caso, plenamente assegurado, tendo no acto estado presente BB, que, simultaneamente, reúne a qualidade de pessoa singular, subsidiariamente obrigada perante a exequente, e a qualidade de representante da sociedade, principal obrigada perante a mesma exequente, declarando ele, ainda que sem especificação da qualidade em que o faz, que leu o documento de confissão de dívida e acordo de pagamento e que ele exprime a sua vontade.

Não revestindo o acto de autenticação mais do que uma formalidade extrínseca em relação ao documento particular de constituição ou reconhecimento de uma obrigação, sendo o documento particular aqui em causa, claro e inequívoco quanto à natureza da obrigação nele reconhecida, modo de cumprimento e pessoas vinculadas, e expressando os termos de autenticação a concordância com o seu conteúdo, tal basta para que se mostrem reunidas as condições necessárias à exequibilidade do título não obstante não constar do instrumento de autenticação em que qualidade interveio o interessado BB».

Pelo exposto, não padecendo o acto de autenticação do documento particular dado à execução de qualquer vício que afecte a sua validade e constituindo o documento particular autenticado uma inequívoca confissão de dívida, subscrita por quem tinha poderes para tanto, é obvia a sua exequibilidade. Improcede assim a revista.


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Em síntese:

I - Actualmente o documento particular só pode valer como título executivo se for autenticado.

II - o procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade.

III - O termo de autenticação deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado, devendo, nomeadamente, conter a declaração das partes de que leram o documento [autenticado] ou estão inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade.

IV - Exige-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria n.º 657-/2006, de 29 de Julho.


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Concluindo



Pelo exposto acorda-se na improcedência da revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Notifique.


Lisboa, em 17 de outubro de 2019.


José Manuel Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

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[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Artigo 363.º do Código Civil.