Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
701/14.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE MANDATO
ADVOGADO
HONORÁRIOS
LAUDO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
NEGÓCIO ONEROSO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / MANDATO.
Doutrina:
- Freitas do Amaral, Direito Administrativo, II, p. 105 e ss.;
- Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, 1985, p. 23.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1157.º E 1158.º, N.ºS 1 E 2.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS (EOA): - ARTIGO 100.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 01-03-2007;
- DE 02-10-2008;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 2173/06.0TVPRT.P1.S1;
- DE 14-04-2011, PROCESSO N.º 3107-C/1993;
- DE 22-05-2014, PROCESSO N.º 2264/06, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - O contrato de mandato forense rege-se pelas disposições comuns do contrato de mandato civil contidas nos artigos 1157.º e ss. do Código Civil e ainda pelas normas correspondentes do Estatuto da Ordem dos Advogados;

II – O mandato conferido a advogados presume-se oneroso (art. 1158º, nº1, CC);

III - Em caso de onerosidade do mandato, a retribuição é estabelecida, em primeiro lugar, com base no acordo das partes. Se este faltar, aplicar-se-ão as tarifas profissionais e, na falta destas, a situação será regulada pelos usos e, apenas se mais nenhum critério for aplicável, haverá que recorrer aos juízos de equidade (art. 1158º, nº2, do CC);

IV – A lei não estabelece qualquer método decisório ou critério legal, antes consagra critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a ser observados pelos advogados na fixação dos honorários respectivos, como decorre do disposto no art. 100º, do do EOA;

V – O “laudo” da Ordem dos Advogados reveste a natureza de “parecer técnico”, destinado a esclarecer o julgador e, como tal, encontra-se sujeito à sua livre apreciação;

VI - Está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a atuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada.


Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1.AA - Sociedade de Advogados, RL” instaurou contra “BB, SA” a presente ação declarativa de condenação com processo comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de EUR 1.230.000,00, acrescida de IVA à taxa que, à data, estiver em vigor, bem como os juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa legal aplicável, desde a interpelação efetuada em 30.06.2012, ascendendo os juros já vencidos, calculados sobre o capital em dívida, sem IVA, a EUR 90.447,10, ou subsidiariamente, a pagar-lhe os juros de mora devidos a partir da data da citação.


Para tanto, alegou, em síntese, que:


Na sequência da reforma do Dr. CC - sócio da autora - o qual foi funcionário da ré até 08.09.1998, aquele causídico e a BB acordaram que os serviços que viesse a prestar à ré lhe seriam debitados, em obediência aos critérios de fixação de honorários previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados, procedimento que foi sempre respeitado por ambas as partes desde 1.10.1998 em diante.


Nos termos acordados, o Dr. CC, entre 01.10.1998 e 30.06.2012, prestou à ré, em regime de profissão liberal, os serviços profissionais objeto da nota de honorários, no âmbito de ações de impugnação de despedimento coletivo movidas contra a ré e a “DD” por ex-trabalhadores desta.


Não tendo sido estabelecido qualquer acordo prévio quanto a honorários, terminado o mandato, a autora enviou à ré a conta final, que esta, porém, recusou pagar.


2. A ação foi contestada. Em síntese, a ré alegou que:


As partes celebraram um acordo de honorários específico para as tarefas a desenvolver pela autora, prevendo o pagamento de valores «especialmente moderados».


Sucede que o montante peticionado pela autora não respeita o acordado.


Por outro lado, os pagamentos feitos pela ré, na pendência da ação (no total de EUR 520.000,00) destinaram-se a custear todo o trabalho realizado e/ou a realizar, sem haver lugar a contas finais e/ou pagamentos adicionais.


Concluiu, pedindo a improcedência da ação e a condenação da autora como litigante de má-fé.


3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que absolveu a ré do pedido e julgou improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé.


4. Inconformada com essa decisão, dela apelou a autora. A ré, por seu turno, interpôs recurso subordinado (apenas quanto ao segmento decisório que negou a existência de má-fé), a pugnar pela condenação da autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.


5. O Tribunal da Relação de … proferiu acórdão em que:


a) - Julgando parcialmente procedente o recurso da autora, condenou a ré a pagar à autora, a título de honorários, a quantia de EUR 127.500,00 (correspondente à diferença entre o valor global de EUR 647.500,00 e a importância entretanto paga, ou seja, EUR 520.000,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal;


b) - Julgando improcedente o recurso (subordinado) da ré, confirmou a decisão na parte em que absolveu a autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.


6. Irresignadas com o assim decidido, recorreram ambas as partes para o Supremo Tribunal de Justiça.


6.1. Nas suas alegações, a autora, em conclusão, disse:


1)      Como se sabe, o mandato forense presume-se oneroso. Sendo oneroso, nos termos do artigo 1158º, nº 2, do Código Civil, a medida da retribuição do mandatário, não havendo ajuste entre as partes – e neste caso está provado não existir acordo de honorários –, é determinada: (i) pelas tarifas profissionais; (ii) pelos usos (na falta das referidas tarifas); e, finalmente, (iii) por juízos de equidade (caso não existissem tarifas profissionais, nem usos);


2)       Deste modo, o montante devido à Autora-Recorrente a título de honorários deve ser computado à luz dos critérios previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), na redação da Lei nº 15/2005, de 26/01, aqui considerada aplicável por estar em vigor na data em que, terminado o patrocínio, a Autora apresentou à Ré a conta final de honorários;


3)       No caso vertente, os honorários totais computados em €1.750.000,00 (tendo a Autora recebido de adiantamentos por conta €520.000,00), correspondem à justa remuneração pelos serviços que a Autora prestou à Ré, tendo sido fixados em estrita observância dos mencionados critérios previstos no artigo 100º, nº 3 do EOA, como seguidamente vamos pôr em evidência;


4)      Na verdade, começando pela “importância dos serviços prestados” (bem esclarecida a págs. 44 e 45 desta alegação) em face dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo (vide, designadamente, Factos Provados nºs 25 a 33, 36 a 41, 55 a 61 e 64 a 66), sendo ainda reforçada pelo que se acrescentará infra a respeito do critério “resultado obtido”;


5)       Saliente-se que a própria Ré reconheceu, ao mais alto nível (Dr. EE, Administrador Financeiro Executivo da BB), ter sido este o processo mais gravoso com que a empresa se havia deparado, e que a vitória judicial era a mais importante que poderia ter tido (cf. Facto Provado nº 49), sendo desmesurados os danos que poderiam advir da perda da causa, o que, como resulta dos factos provados, não se tratou de um cenário académico, antes pelo contrário: foram inicialmente proferidas decisões contra a DD que apontavam para um desfecho desfavorável à Ré (que acabaria por ser a pagante), o que, após a concentração dos 2 patrocínios até aí autónomos, a Autora conseguiu inverter;


6)      Já no que respeita à “dificuldade do assunto” (realçada a págs. 45/50 desta alegação) em face dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo (designadamente os já referidos supra), afigura-se óbvio estarmos perante assunto de extrema e rara dificuldade, exigindo maior esforço, em trabalho essencialmente intelectual, sabendo intervir em termos adequados nos momentos próprios, para serem removidos os obstáculos levantados no pleito “ex adverso”, o que constitui factor relevante a concorrer especialmente para a fixação dos honorários justos;


7)      No que concerne ao critério “urgência do assunto” (salientada a págs. 50/52 desta alegação) é bom de ver que a ação especial de impugnação de despedimento coletivo movida pelos ex-trabalhadores da DD tem natureza urgente, nos termos do artigo 26º, nº 1, alínea d) do Código de Processo do Trabalho (cf. Facto Provado nº 50), o que importou maior desconforto na prestação da atividade profissional, obrigando, com frequência, o Dr. CC, sócio maioritário da Autora, a encurtar o período de férias para, a tempo e horas, ser dado andamento aos assuntos, de modo a serem cumpridos os prazos perentórios previstos na lei (cf. Facto provado nº 51);


8)      Relativamente ao “grau de criatividade intelectual dos serviços prestados” (sublinhado a págs. 52/54 desta alegação), é neste caso o fator que requer especial ponderação, pela preparação técnico-jurídica, pelo saber fazer, pela larga experiência, pelo profundo know-how do funcionamento interno da BB e pela forma meritória como o Dr. CC cuidou sempre de exercer pessoalmente o patrocínio contra 29 Advogados adversários, planeando as estratégias que lhe permitiram desmontar e arrasar as linhas argumentativas duma plêiade de antagonistas e conduziram decisivamente o litígio ao total ganho de causa;


9)      Nos honorários fixados foi também ponderado o “resultado obtido” (demonstrado a págs. 54/59 desta alegação) com o desfecho do litígio (cf. Facto Provado nº 83), enquanto factor englobado no conjunto dos critérios de fixação do valor dos honorários adequados e justos ao trabalho que foi realizado, sendo que a importância nuclear e essencial deste critério resulta aliás reforçado pelo facto de a BB ter sempre explicitamente dito que o resultado, o sucesso era o que lhe interessava, como aliás resultou provado (cf. Facto Provado nº 47);


10)     Na verdade, a maneira eficiente como, neste contencioso, a Autora prestou à Ré, a pedido e a expensas desta (V. Facto Provado nº 31) os serviços globais de representação judicial das Rés BB e DD, teve importância decisiva para a viragem do rumo que o processo tivera no passado anterior a 01/10/2006 e, sobretudo, para a obtenção do resultado final traduzido no total ganho de causa de que resultaram avultadas poupanças;


11)     Como resulta da matéria de facto dada como provada (Facto Provado nº 43), a decisão que impendia sobre a Ré (BB) era pesada, quer em termos empresariais, quer em termos financeiros, e a sua total absolvição produziu-lhe um alívio muito apreciável, livrando-a de ter de suportar muitos outros encargos associados à reintegração de 174 trabalhadores da DD (Facto Provado nº 44), tendo a vitória total permitido à BB colher benefícios globais da ordem dos 100 milhões de euros;


12)    Relativamente ao “tempo despendido” (amplamente explicado a págs. 59/78 desta alegação), cumpre registar aqui a seguinte particularidade: o tempo que precisava de ser gasto com o litígio foi sempre abertamente secundarizado pela Ré, com anuência da Autora, porque a preocupação da Ré não era o tempo que iria ser despendido, mas antes o resultado que se pretendia atingir.


13)     A menor valia para a Ré do tempo despendido, originou a prática, seguida tranquila e continuadamente desde 01.10.1998, de a faturação dos serviços prestados pela Autora ser apresentada sem suporte documental, contendo apenas uma sucinta discriminação das tarefas realizadas (Facto Provado nº 47 conjugado com os Factos Provados nºs 22 e 23).


14)     Nesta ordem de ideias, na apresentação da nota de honorários (Facto Provado nº 2 e docs de fls. 91/93 e fls. 135/286), não foram indicadas pela Autora à Ré quaisquer horas de trabalho porque, durante o longo período em que os serviços foram prestados, o trabalho realizado não era registado/contabilizado hora a hora. Daí que, para efeitos da presente ação, e unicamente para o Tribunal dispor de uma ordem de grandeza do tempo gasto, foram pela Autora estimadas, «grosso modo» e «a posteriori», 11.800 horas de trabalho, consideradas aplicadas pela equipa da Autora nos serviços profissionais globalmente prestados no litígio BB/AIA, até o mandato estar concluído;


15)     Apesar do avultado “tempo despendido”, no processo em apreço – tendo em conta o absorvente trabalho qualificado efetivamente investido por Advogados séniores da Autora, altamente especializados em Direito do Trabalho e as especiais responsabilidades contraídas com a cliente – mormente devido à concentração, no interesse e a expensas da BB, de 2 patrocínios até aí autónomos e separados – para a concreta prestação do serviço de que a Autora foi pela Ré incumbida e considerando ainda os elevados custos fixos de manutenção e funcionamento do escritório de advocacia em … (com ordenados, encargos sociais, seguros, água, luz, comunicações, assistência aos equipamentos, consumíveis…, a verdade é que o “tempo despendido” não foi valorado isoladamente no cômputo dos honorários, tendo sido apenas um dos índices englobados no conjunto dos critérios legais de fixação do valor dos honorários justos e adequados ao trabalho realizado, sendo certo que é de todo errónea a ideia que a Ré já fez passar de que o “tempo despendido” é o mais importante dos critérios previstos no artigo 100º, nº 3 do EOA, pois que se trata de critério, no caso sempre subvalorizado pela Ré, mas em abstrato com o mesmo peso de todos os demais critérios legais;


16)     Aliás, considerando a importância, dificuldade e elevadíssima contingência da ação em causa no processo BB/AIA, é evidente que o aspeto central que tem de orientar a ponderada fixação dos honorários, não é no presente caso o “tempo despendido”, sobretudo porque a preocupação da Ré foi procurar o Dr. CC, causídico de renome que dava garantias de executar um proficiente e altamente qualificado patrocínio judicial, não atendendo aqui ao tempo que iria ser despendido, mas antes ao “resultado” (cf. Facto Provado nº 47 conjugado com os Factos Provados nºs 52, 53 e 54);


17)     E quanto ao critério “responsabilidades assumidas” (explicitadas a págs. 78/81 desta alegação), convém relembrar que, no período de 01/10/1998 a 30/09/2006, as responsabilidades de patrocínio das Rés BB e DD haviam sido assumidas por dois diferentes Advogados, cada qual com o seu escritório, cabendo ao Dr. CC unicamente a representação judicial da Ré BB e a outro Advogado exclusivamente a representação judicial da Ré DD;


18)     Tratava-se de patrocínios autónomos e separados: as pretensões deduzidas pelos ex-trabalhadores da DD contra a Ré BB e contra a Ré DD fundavam-se em distintas causas de pedir, o pedido contra a BB emergia de uma alegada transmissão da exploração do estabelecimento da DD para a BB e o pedido contra a DD emergia da alegada ilicitude de despedimento coletivo decidido pela DD (cf. Facto Provado nº 33);


19)     Porém, este cenário modificou-se completamente em 01/10/2006, quando a Ré BB propôs ao Dr. CC que, em acumulação com o mandato judicial dela própria, que ele já vinha exercendo, em regime liberal, desde 01/10/1998, assumisse também, a expensas da BB, o patrocínio da Ré DD, substituindo o mandatário judicial que, até então, tinha exercido, em exclusividade, o patrocínio da Ré DD (cf. Factos Provados nºs 31 e 58);


20)     Face a esta factualidade dada como provada, a boa-fé postula a colocação da seguinte questão: então, continuar a exercer o inicial patrocínio só da BB ou passar mais tarde a exercer o patrocínio conjunto e acumulado da BB e da DD, em termos de honorários devidos à Autora continuava a valer o mesmo depois de a BB ter introduzido, a expensas suas, uma relevante modificação no objeto inicial do contrato de mandato?;


21)     A nova realidade, que foi do interesse da BB, não teria inevitavelmente de envolver uma modificação do contrato, segundo juízos de equidade, por alteração das circunstâncias, a pedir a modificação da obrigação de pagar o preço de dois diferentes e autónomos serviços globalmente confiados à Autora, ainda que só com reserva mental a BB a tivesse assumido (artº 437º do Código Civil)?;


22)    Porque é óbvio que a resposta a estas perguntas é “sim”, a Autora deixa aqui esta questão (modificação do contrato, segundo juízos de equidade, por alteração das circunstâncias) subsidiariamente invocada para os devidos efeitos legais;


23)     Por último, no que respeita aos “demais usos profissionais” (referenciados a págs. 81/82 desta alegação), cumpre realçar que os honorários peticionados se adequam perfeitamente à praxe do foro e ao estilo da comarca de … e, bem assim, às posses da Cliente BB;


Do laudo de honorários:


24)     Quanto ao laudo de fls. 2326 e segs dos autos, a Autora reitera o que já havia sido exposto no seu requerimento junto na 1ª instância a fls. 2587/2650 e, principalmente, o que agora foi expressamente alegado a págs. 24/42 da presente alegação de revista, não se deixando de enfatizar o seguinte: um laudo é uma forma de prova pericial e, nos termos do art 571º, nº 1 do CPC, aplica-se ao perito o regime de impedimentos dos juízes. Nunca nenhum juiz aceitaria julgar alguém com quem estivesse há anos de relações cortadas, como justamente sucede entre o relator do laudo Dr. FF e o Dr. CC;


25)     E mesmo que estivéssemos perante um verdadeiro laudo – que o não é –, o seu valor probatório seria sempre limitado (o autor do laudo limita-se a ler o que escreve quem pede o laudo e quem está na posição oposta, não os interroga, não faz análise própria para averiguar a veracidade do que é dito por uma ou por outra parte, não faz pesquisa jurídica ou factual), e mesmo se um laudo fosse igual a uma perícia, é sabido que um laudo pericial nunca é mais do que um elemento entre outros a ponderar por quem tem o poder-dever de julgar;


26)    Embora, logo na 1ª instância, a Autora houvesse, tempestiva e expressamente, posto em causa a credibilidade do aludido laudo, alegando factos suficientemente fortes e graves que determinam o seu imediato afastamento, a verdade é que a Mmª Juiz nenhuma importância deu ao laudo, o que se compreende porque a sentença simplesmente absolveu a BB;


27)    O douto Acórdão recorrido – omitindo os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – limitou-se a invocar, apenas e só, o laudo de fls. 2326 e segs, como esteio da decisão ora em crise, o que coloca a Autora na necessidade de, no presente recurso de revista, dissecar o circunstancialismo que rodeou a emissão do referido laudo;


28)     O facto de o artº 21º do Regulamento dos Laudos de Honorários (RLH) atribuir carácter confidencial ao processo de laudo, fez com que, só após a notificação do parecer e da respetiva homologação, a Autora tivesse conhecimento de que o Dr. FF havia sido designado relator e que, por despacho deste, a Drª GG fora designada como relatora-adjunta (artº 11º do RLH);


29)    O carácter de confidencialidade do processo de laudo, não permitiu à Autora pedir, por suspeição fundamentada, a substituição do relator, nem a homologação do parecer podia ser impugnada, por irrecorrível (artº 19º, nº 2 do RLH), uma vez que não se trata de decisão, mas de mero parecer sujeito à livre apreciação do julgador;


30)     Sucede que há décadas o Dr. CC e o Dr. FF estão de relações cortadas, pelo facto de o Dr. FF, ter infundadamente apresentado, contra o Dr. CC, queixa-crime e participação à Ordem dos Advogados para efeitos disciplinares, tendo tanto a participação à Ordem dos Advogados como a queixa-crime ao MºPº sido liminarmente arquivados;


31)     Esta estranha e injustificada perseguição do Dr. FF ao Dr. CC, seu colega adversário no pleno exercício da profissão, gerou uma natural situação de inimizade grave, com corte definitivo de relações que até hoje perdura;


32)     O Dr. FF não ignora que os serviços prestados por advogado e não cobrados antes da sua entrada para uma sociedade de advogados devem ser considerados receitas desta, o que equivale a dizer que toda a atividade profissional de advogado tem que ser considerada integrada como atividade da sociedade de advogados e, portanto, a respetiva remuneração como receita da sociedade;


33)     Não obstante, o Dr. FF, sabendo que o Dr. CC é sócio maioritário da sociedade requerente do laudo, não se coibiu de, consciente e repetidamente, o confundir com a sociedade requerente, ao usar, só para subvalorizar o pedido de laudo, além do mais, as expressões “a requerente (ou o Dr. CC)” ou “o Dr. CC (ou a requerente)”, refrão que retirou da resposta da BB ao pedido de laudo;


34)     Além do que foi dito, o laudo está cheio de invulgares anormalidades que lhe retiram todo o crédito: o parecer do Dr. FF assenta indevidamente no pressuposto de que os serviços prestados pela Autora não correspondem efetivamente ao por ela alegado no pedido do laudo e aceita pacatamente matéria invocada pela requerida BB para desvalorizar esses serviços, o que, na verdade, configura matéria controvertida cuja veracidade só aos Tribunais cumpre apreciar;


35)    A relatora-adjunta Drª GG (Advogada não membro do Conselho Superior da Ordem), nomeada por despacho do Dr. FF, partilha com este o mesmo escritório, sito na Rua …, … - 3º Dto, 1250 Lisboa (Doc de fls. 2642 e 2643), tendo os dois adquirido em comum a fração autónoma correspondente ao terceiro andar direito do aludido prédio, conforme fotocópia do Registo Predial, que constitui o Doc de fls. 2644 a 2650. Parece assemelhar-se isto à promiscuidade!...;


36)    O laudo é um juízo pericial, com natureza meramente orientadora, sujeito ao princípio geral da livre apreciação do Tribunal, constituindo parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos Advogados, assumindo o respetivo relator um papel semelhante ao de um perito, ao qual são exigidas garantias de isenção, independência e imparcialidade e é aplicável o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes (cf. artigo 470º, nº 1 do CPC);


37)     In casu não estão reunidas as necessárias garantias de isenção, independência e imparcialidade, não merecendo consequentemente qualquer credibilidade o laudo de fls. 2326 e segs.;


38)     A circunstância de o Dr. FF e o Dr. CC estarem de relações cortadas, deveria ter levado aquele a pedir escusa da sua intervenção, como relator, no processo do laudo (cit artº 470º);


39)     O laudo contraria os mais elementares princípios ao pressupor que os serviços prestados não correspondem efetivamente ao alegado pela Autora e “dar de barato” matéria invocada pela cliente, cuja veracidade só ao Tribunal cumpre apreciar;


40)     Entre os princípios elementares proclamados pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados em matéria de laudos de honorários figura, de modo destacado, o de que se tem de partir sempre do pressuposto de que os serviços profissionais referidos pelo Advogado como tendo sido por si prestados, foram efectivamente prestados, pois a não é da competência da Ordem dos Advogados apreciar a veracidade dessas afirmações, mas sim, e em exclusivo, dos Tribunais;


41)    Mas há mais e muito grave. O laudo contém afirmações erradas, algumas das quais se deixam seguidamente respigadas, a título de amostragem:


(i)     é gratuita a afirmação, feita no laudo, de que os serviços prestados não correspondem ao alegado pela Autora, quando o Facto Provado nº 2 e, bem assim, o Doc. 135/286 dos autos, não impugnado pela Ré, confirmam o que pela Autora foi alegado;


(ii)        Escreveu-se no laudo que a Autora considerou um valor/hora de €150,00, o que não é exato, não tendo o Tribunal dado como provado o TP 92, onde tal matéria, por controvertida, havia sido submetida à produção de prova;


(iii)     escreveu-se no laudo que “entre 1/10/1998 e 30/06/2012, o Senhor Dr. CC despendeu 11.800 horas (arredondamento para baixo) a prestar os serviços de advocacia, em regime liberal, no âmbito do litígio em questão”, o que também não é verdade, porque esse número de horas, além de ter sido apresentado apenas como estimativa, não respeita exclusivamente ao trabalho prestado só pelo Dr. CC;


(iv)     escreveu-se no laudo que “A requerente não discrimina para cada serviço prestado o tempo despendido” (sic), afirmação de todo descabida, não só porque o nº 3 do artº 100º do EOA não exige que o tempo despendido pelo mandatário seja contabilizado, hora a hora, por cada tarefa realizada, mas também porque tal afirmação surge repelida pela Jurisprudência do STJ;

(v)    acrescenta o laudo que, por a Requerida BB admitir as 1650 horas, embora ao relator pareçam exageradas, o laudo diz aceitar a estimativa da BB; isto denota que, para o laudo, este processo não passou duma vulgar questão;

(vi)     apesar do Tribunal ter dado como não provado e o TP 89 e o TP 90, o laudo baseia-se nas falsas alegações da Requerida BB para acolher as 1.650 horas apontadas pela BB, insólito vício que, como no corpo das alegações se assinalou, acabou por lamentavelmente contaminar o segmento decisório do douto Acórdão da Relação ora sob censura;

(vii)    acrescenta o laudo que o Sr. Advogado teve a colaboração de técnicos da BB, quando a verdade é que 2 quadros da BB se limitaram a fornecer, na fase das contestações, elementos relativos à matéria de facto e, na fase da preparação do julgamento, a indicar os quesitos sobre os quais iriam depor as testemunhas arroladas pela Ré;

(viii)   o Sr. Advogado teve ainda a colaboração de Colegas, nomeadamente, do Dr. HH, informação que o relator foi buscar à resposta da Requerida BB, quando a versão da BB não integra o objeto do laudo (o relator ignorava que o Dr. HH foi contratado para integrar a equipa da Autora e foi pela Autora remunerado);

(ix)    afirma outrossim o laudo que o Sr. Advogado teve a ajuda de Pareceres de Professores de Direito, quando os Pareceres dos Jurisconsultos só foram concluídos e disponibilizados depois de a Autora entregar no Tribunal a alegação das Apelantes BB e DD;

(x)     acrescenta o laudo que o aporte dos supra referidos Pareceres teve uma influência na obtenção de ganho da causa. Afirmação desmentida pelo TP 95, que o Tribunal deu como não provado. E ficamos por aqui porque chega e sobra para demonstrar que o (mau) laudo do Dr. FF não pode valer como… laudo, devendo, por isso, ser afastado deste litígio.


A decisão equitativa:


42)    A Autora-Recorrente, pelas razões que referiu, entende que a remuneração justa e adequada pelos serviços que prestou à Ré-Recorrida, é, à luz do EOA, de €1.750.000,00, deduzidos de €520.000,00 já pagos, sendo o saldo em débito acrescido de IVA, bem como de juros compensatórios a que se refere o artº 1167º, al c) do Código Civil, devidos desde a data em que a mandante recebeu a nota de honorários (30.06.2012) até integral pagamento;


43)    A aferição da adequação dos honorários apresentados pelo advogado, em face dos serviços por ele efetivamente prestados, é uma questão de direito;


44)     Nesta conformidade, e apenas para a hipótese – que se tem como improvável – de Vossas Excelências entenderem que os critérios supletivamente plasmados no artº 100º do EOA não permitem julgar procedente o pedido nos termos em que vem formulado pela Autora, restará sempre a esse Venerando Supremo Tribunal a possibilidade de utilizar para o efeito a EQUIDADE, de harmonia com o nº 2º do artº 1158º e nº 1º do artº 400º do Código Civil, na determinação do quantum do valor dos honorários devidos à Autora, acrescido do IVA e de juros compensatórios até integral pagamento, às respetivas taxas legais;


45)     É o que, em derradeira análise, a Autora pede, deixando para tanto formulado também um pedido subsidiário para o Supremo Tribunal de Justiça tomar em consideração somente no caso de não proceder o já aludido pedido principal no valor de €1.750.000,00, deduzidos de €520.000,00 já pagos por conta;


46)      Decidindo como decidiu, o douto Acórdão da Relação violou não só o disposto nos artºs 1157º e 1158º, nº 2 do C. Civil, mas também o artº 100º, nº 3 do EOA, na redação aprovada pela Lei nº 15/2005, de 26/01 – aqui considerada aplicável por estar em vigor na data em que, terminado o patrocínio, a Autora apresentou à Ré a conta final de honorários – além do mais, porque perfilhou, pura e simplesmente, o laudo emitido com anormalidades pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, sem tomar em conta, de forma autónoma e devidamente fundamentada, os critérios legalmente estabelecidos para a fixação dos honorários a advogado.


Nestes termos e nos demais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento à presente Revista, sendo por via disso revogado o douto Acórdão do Tribunal de …, em quanto foi desfavorável à Autora e, em consequência:

a)      Deverá a ação ser julgada totalmente procedente, pro provada, condenando-se a Ré-Recorrida na totalidade do pedido deduzido na Petição Inicial, ou seja, no montante de € 1.230.000,00 dos honorários em dívida, acrescido de IVA à taxa legal que à data do pagamento estiver em vigor e, bem assim, a pagar à Autora o montante de juros compensatórios, vencidos e vincendos desde a apresentação da nota de honorários em 30.06.2012 até integral pagamento, às taxas supletivas legais aplicáveis para créditos civis, juros esses calculados sobre o valor do débito antes do IVA;

b)       Caso assim não se entenda, o que se tem como improvável, subsidiariamente o Supremo Tribunal de Justiça deverá (i) nos termos do artigo 437º do Código Civil, proceder à modificação do contrato, segundo juízos de equidade, por alteração das circunstâncias e (ii) nos termos do artigo 1158º, nº 2, do Código Civil, recorrer a juízos de equidade e fixar a medida da retribuição e o montante total de honorários num valor que seja considerado justo e adequado pelos serviços jurídicos prestados pela Autora à Ré, acrescido do IVA e dos juros compensatórios nos termos acima referidos;

c)      Deverá a Recorrida ser condenada em custas e no que mais for de lei, pois só assim se cumprirá a Lei e se fará costumada JUSTIÇA!


6.2. Por sua vez, a ré, em conclusão, disse:


I. Quando, numa ação de honorários, é valorado um acórdão de laudos de honorários que foi antecipadamente requerido e que foi emitido com base nos pressupostos de facto indicados pelo respectivo requerente - autor na ação - nessa valoração deve ser feito o ajustamento entre o que se provou na ação e os pressupostos que serviram para aquela emissão.

II. Verificando-se no caso concreto que existe uma diferença para menos entre a quantidade de trabalho pressuposta no dito laudo e aquela que se provou em juízo, porquanto ali foram pressupostas horas de trabalho a dois advogados - Dra. II e Dr. JJ - que aqui não se provaram, se o julgador entender idóneos os restantes pressupostos e juízos do laudo, deve promover uma redução do valor a fixar que espelhe essa retração quantitativa.

III. Não tendo ocorrido a mesma, não foi feito correcto ajuizamento e correcto uso do poder de livre apreciação da prova, mormente pericial, que se encontram proclamados nos artigos 389º do CC e 607º/5 do CPC.

IV. Dada a fluidez associada à determinação dessa redução, parece-nos adequado, nesta senda, considerar que operaria uma redução do laudo exatamente para o valor já recebido pela Autora de €520.000,00, a qual, face ao montante fixado pelo laudo, corresponderá a uma redução que não chega a 20% (19,69%). Desse modo e por essa razão, deve a fixação ser feita na referida quantia de €520.000,00 e, porque a Autora já recebeu a mesma e não a reclama, deve ser alterada a decisão, absolvendo-se totalmente a Ré do pedido.

Por outro lado,

V. No caso concreto dessa retração aqui ocorrida, o trabalho alegado pela Autora junto do Conselho Superior relativo ao Sr. Dr. JJ, além de não provado em juízo, tem a particularidade de corresponder a uma invenção de horas advocatícias que se vieram a provar serem horas advocatícias ilícitas, porquanto, em vésperas de julgamento, chegou aos autos um ofício da Ordem dos Advogados esclarecendo que o malogrado causídico já não tinha licença ativa para advogar desde 1984 - portanto, bem antes da ocorrência do trabalho em causa nestes autos.

VI. Não obstante, em todos os articulados da ação e até ser "apanhada" por essa informação da Ordem dos Advogados, a Autora sempre alegou ("inventou", melhor dizendo) esse trabalho como trabalho advocatício, efetuado por um advogado com "A" grande. No processo de laudo, esta patenteou o referido como "Advogado", "sénior" e "altamente especializado". Apenas após a mesma, em declarações de parte em julgamento e requerimentos posteriores, a Autora urdiu, em desespero, a tese da "mera consulta jurídica".

VII. A Ordem dos Advogados, aliás, só dá laudos de honorários sobre trabalho de Advogados, jamais de consultores jurídicos!

VIII. Logo, o laudo foi emitido tendo pressuposto esse trabalho advocatício de alguém que, afinal, estava proibido de advogar naquela altura.

IX. Esta infração de regras básicas e elementares da profissão é grave e chocante, não só do ponto de vista do prestígio da profissão, como também relativamente ao "uso" que foi feito da pessoa do falecido Dr. JJ. Corresponde a um ato fortemente doloso por parte da Autora.

X. Num caso destes, por força do princípio fraus omnia corrumpit e da exceptio doli - emanações do princípio da boa-fé, radicadas no artigo 334 do CC, deve ficar o infractor - a Autora, neste caso - impedido de se prevalecer de uma prova pericial que assentou em tais pressupostos - não só falsos, como comprovadamente geradores de grave ilícito - até criminal - se fossem verdadeiros.

XI. Este impedimento tem uma concreta dimensão e aplicação no plano quantitativo. Com efeito, a operatividade desta exceção jamais se poderá traduzir numa desconsideração total do mesmo, que leve, por exemplo, o julgador a fixar livremente os honorários devidos com um potencial aumento, posto que uma tal posição seria um claro benefício do infractor e é ela própria proibida pelo princípio da boa-fé.

XII. A exceção em causa brota de um factor quantitativo específico - as ditas horas advocatícias ilícitas correspondem a uma determinada quantidade de trabalho que a Autora fez a Ordem dos Advogados pressupor naquela atribuição, beneficiando de a Ordem a pressupor.

XIII. Assim sendo, o impedimento que o princípio da boa-fé aqui gera na modalidade de fraus omnia corrumpit e a exceptio doli, significa, em concreto, que a Autora fique impedida de se prevalecer desse pressuposto do laudo, ou seja, que não se atinja a idoneidade do laudo em tudo o restante, mas que se reduza o mesmo em função desse impedimento.

XIV. Desse modo se ativará corretamente o referido impedimento, fazendo com que, nos termos do artigo 334º do CC a Autora nada ganhe com a prática do supra ilustrado acto gravemente ilícito e desonroso.

XV. Dizemos sobre a quantificação desta redução o mesmo que dissemos no capítulo anterior.

XVI. Trata-se de uma ponderação difícil e naturalmente especulativa, parecendo-nos adequado considerar que aí deverá advir uma redução do laudo exatamente para o valor já recebido pela Autora de €520.000,00, a qual corresponderá a uma redução que não chega a 20% (19,69%). Desse modo e por essa razão, deve a fixação ser feita na referida quantia de €520.000,00 e, porque a Autora já recebeu a mesma e não a reclama, deve ser alterada a decisão, absolvendo-se totalmente a Ré do pedido.

Sem jamais conceder, admitindo, para raciocínio, que a Recorrente decairá nos fundamentos anteriores,

XVII. O acórdão de laudo em causa nos autos ajuíza como correta a quantificação de 1.650 horas de trabalho advocatício e uma taxa horária de 6.150/h, sendo esta última aquela que foi pressuposta pela Autora, ali requerente. Desse modo, o montante a fixar não excederia o valor de €247.500,00.

XVIII. O Conselho Superior, porém, decidiu acrescentar €400.000,00 a esse valor. É isso que a matemática nos diz quando constatamos que já o dariam por um valor de €647.500,00.

XIX. O referido Acórdão não esclarece a que título foram "adicionados" os referidos €400.000,00. Especulando o melhor possível e assumindo um raciocínio por "exclusão de partes", pode-se admitir (sempre com uma ressalva emergente da falta de justificação expressa pela OA) que houve um raciocínio de forma segmentada, em que o referido valor de €247.500,00 resultou de uma análise em torno do factor "tempo despendido", enquanto os restantes €400.000,00 resultaram de uma (híper)valorização dos outros critérios.

XX. A Ré discorda e reclama, no caso concreto, que tal consubstanciou uma errada aplicação do artigo 100º do EOA (na versão anterior que ainda é aplicável ao caso - Lei 15/2005 de 26 de Janeiro).

XXI. Com efeito, o tempo despendido não é apenas "um critério". Sem jamais pôr em causa a necessidade de entrar em linha de conta com todos, trata-se, por razões óbvias e facilmente percetíveis, do critério principal para a fixação de honorários.

XXII. Essa essencialidade é percetível posto que, havendo trabalho a remunerar, a sua quantidade há de ser sempre o factor mais relevante. Ele é, aliás, o único critério que beneficia da possibilidade de ser efectivamente computado, pois assiste-lhe uma concreta unidade de medida - a "hora". A prática de remuneração da profissão, em qualquer parte do mundo, constrói-se por referência ao número de horas e à taxa horária aplicável.

XXIII.   A afirmação da supremacia deste critério está proclamada, sem pejo de dúvida, por jurisprudência clara da Ordem dos Advogados no Acórdão do Conselho Geral de 28 de Outubro de 1988.[1].

XXIV.   O valor fixado no laudo significa, em termos materiais, um incremento da taxa horária de 6.150/h - que o laudo julgou correta em primeira mão - para €398/h em função dos tais outros fatores, o que, no caso, significou uma violação do citado preceito por manifesta excessiva valorização de outros critérios.

Por outro lado,

XXV. Sem prejuízos dos méritos da Autora, há factos provados que moderam substancialmente o peso desses outros critérios, mormente a diluição dos fatores "responsabilidade assumida" em face de o trabalho da Autora ter sido integrado numa equipa de juristas e quadros internos da Ré - ver factos provados nas instâncias 57 e 89 e "grau de criatividade intelectual", em face do forte investimento da Ré na angariação de pareceres de jurisconsultos que preponderaram na fase final - decisiva e vitoriosa - dos autos geradores do trabalho advocatício em análise - ver facto provado 90.

XXVI. Tal como a Ré sempre sustentou, a taxa horária de €150,00 tida como aplicável a este caso, já contemplava toda a influência dos vários fatores existentes neste trabalho advocatício, mormente o resultado obtido e a dificuldade do assunto.

XXVII. O montante já pago à Autora - €520.000,00 (que é mais do dobro do valor que se apuraria com base nas horas de trabalho e taxa horária que a OA achou correcto no laudo - €247.5000,00 - resultante da multiplicação de 1.650 horas por €150/H) -acaba por confortavelmente cobrir, ainda mais, qualquer incremento por via de outros fatores, incluindo o do resultado obtido, que, sem conceder, fosse considerado de aplicar.

XXVUI. Face ao tempo despendido dado como provado, ele significou uma taxa horária que ultrapassa os €300,00/H. Ou seja, mais do que duplica a taxa horária alegada pela Autora em juízo e no laudo e julgada apropriada pela OA.

XXIX. Nenhum outro incremento é cabível.

XXX. Ao aplicar um incremento de €400.000,00 que fez a conta final "galgar" os €520.000,00 já pagos e se estabelecer em €647.500.00 (com €127.500,00 de saldo a pagar), a taxa horária real passou a situar-se na casa dos 392€/H, o que é um valor totalmente exagerado, totalmente disforme.

XXXI. Nestes termos, deverá, em qualquer caso, o valor de honorários a fixar ser revisto, sendo reduzido para o valor de €520.000,00 - já pagos - devendo improceder totalmente a ação.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e substituindo-se o seu dispositivo por outro que, embora por razões diversas, mantenha a sentença de absolvição total da ré do pedido que provinha da primeira instância, por essa ser a decisão conforme ao direito e aquela que no caso fará Justiça!

7. Houve contra-alegações.


8. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), importando, assim, decidir se o acórdão recorrido enferma de nulidade, se o STJ pode sindicar o erro na apreciação da prova, concretamente do laudo da Ordem dos Advogados e se na fixação dos honorários foram respeitados os critérios normativos aplicáveis.


***


II – Fundamentação de facto


9. As instâncias deram como provado que:


1. Em 30 de Junho de 2012, a Autora enviou à Ré BB, SA a nota de honorários no valor de € 1.230.000,00 anexa à petição inicial como documento nº 1 (fls. 91-92 dos autos) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, referente aos serviços profissionais prestados na ações movidas por ex-trabalhadores da DD, contra esta última e a Ré, nota essa que foi recebida na mesma data; (art. 1.° da PI)


2. A nota de honorários supra referida foi acompanhada do documento nº 2 anexo à Petição Inicial (fls. 135 e ss.), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (art. 2.° da PI)


3. Na sequência do envio da referida nota de honorários e do documento a ela anexo suprarreferido, a Autora solicitou por diversas vezes à Ré que pagasse o saldo em dívida, o que esta nunca fez; (arts. 4.° e 5.° da PI)


4. Na sequência, a Autora requereu à Ordem dos Advogados laudo à conta, o qual se encontra junto a fls. 2313 e ss. dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (art. 6.° da PI)


5. KK escreveu ao Dr. CC uma carta datada de 09.10.2012, anexa à Petição Inicial como documento nº 11 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;


6. Em Março de 2013, a Ré assumiu a posição de que nada tinha que pagar porque nada devia à Autora; (TP 2)


7. O fundador e sócio maioritário da Autora é o Dr. CC, o qual vinha mantendo uma relação de dezenas de anos com a Ré, iniciada em Maio de 1973 quando o respectivo Conselho de Administração convidou o Dr. CC para ser árbitro da Ré na comissão arbitral encarregada de dirimir o conflito coletivo de trabalho entre esta e os sindicatos representativos do universo de cerca de 10.000 trabalhadores ao serviço da empresa; (art. 16.° da PI)


8. Em Junho de 1978, o Dr. CC foi convidado pelo Conselho de Administração da Ré a prestar os seus serviços profissionais de advogado no âmbito de uma avença em condições a negociar, o que foi por aquele liminarmente recusado; (art. 17.° da PI)


9. Mas as insistências continuaram e, após várias alternativas que foram sendo sugeridas pela Ré, esta apresentou ao Dr. CC uma proposta para que a sua atividade de advogado nas questões do foro laboral fosse prestada em regime de contrato de trabalho, mas sem ficar fixado à empresa, ou seja, sempre e só a ser realizada a prestação no seu próprio escritório de advocacia, tendo nas Ré a categoria profissional de jurista, integrado no quadro de pessoal da empresa, com os direitos inerentes ao estatuto de trabalhador subordinado; (art. 18.° da PI)


10. Tal proposta acabou por ser aceite e a relação de trabalho subordinado entre a Ré e o Dr. CC teve início em 1 de Julho de 1978 e prolongou-se até 7 de Setembro de 1998; (art. 19.° da PI e art. 110. ° da Contestação)


11. Em Julho de 1987, o Dr. CC foi promovido ao nível do enquadramento 18, equivalente à categoria profissional de Diretor de Serviços; (art. 20º da PI)


12. Cinco anos volvidos, em Abril de 1992, e novamente devido à avaliação do seu desempenho como advogado da empresa, o Dr. CC voltou a ser promovido, desta feita ao nível máximo de enquadramento, que era o nível 19, equivalente a Diretor-geral, alcançando assim o topo da carreira profissional dos quadros superiores da BB, mantendo-se sempre a trabalhar no seu próprio escritório; (art. 21º da PI)


13. Após 20 anos consecutivos de execução do contrato de trabalho, o Dr. CC comunicou à Administração da BB que era seu propósito requerer a passagem à reforma, o que foi tratado internamente através dos próprios serviços que, na altura, a empresa disponibilizava para o efeito; (art. 22º da PI)


14. Após ter sido deferida a reforma, em 08.09.1998, a Ré e o Dr. CC falaram sobre a disponibilidade do segundo para patrocinar, no futuro, a BB, designadamente em ações pendentes; (TP 5)


15. A Ré fez uma tentativa no sentido de, após a reforma, o Dr. CC lhe prestar atividade em regime liberal contra uma retribuição a estipular por ajuste prévio, proposta que o Dr. CC recusou liminarmente, afirmando que, no dia da passagem à reforma, dava por terminado e em definitivo, o ciclo da colaboração permanente; (art. 24º da PI e 129º da Contestação)


16. Autora e Ré acordaram a prestação da atividade profissional da Autora à Ré a qual seria paga;[2]


17. Durante cerca de 16 anos, no processo que deu origem à nota de honorários em causa nos autos, a Autora foi apresentando as suas notas de honorários e recebeu o pagamento das mesmas;[3]


18. A expressão "adiantamentos por conta de honorários" constava das faturas que eram emitidas pela Autora, e cuja correção nunca foi solicitada pela Ré (TP 3)


19. A Ré pagou à Autora o valor global de € 520.000,00;


20. Os valores de € 150.000,00 e de € 300.000,00 foram pagos pela Ré, respectivamente, após a sentença proferida na 1ª instância e aquando dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça; (art. 69.° da PI)


21. A Autora apresentou à Ré notas de honorários no montante global de EUR 520.000,00;[4] (TP 84)


22. Até 02.03.2010, a Ré nunca solicitou contas detalhadas com discriminação minuciosa de todas e cada uma das tarefas levadas acabo no âmbito dos serviços prestados e tempo despendido com cada uma delas, e a prática ao longo dos anos até à data supra referida foi a faturação dos serviços, sem suporte documental com a discriminação de tarefas supra referida; (TP 15)


23. A prática supra referida foi alterada com o correio eletrónico de 02.03.2010 do Dr. KK, comunicando que de futuro seria indispensável a comunicação de uma estimativa do volume de horas de trabalho envolvidas; (TP 15-A)


24. A Autora enviou aos auditores externos da BB (LL & Associados) a informação que consta do documento nº 13 anexo à Petição Inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, enviando cópia ao Dr. KK que acusou a receção;[5]

25. O litígio teve origem na ação especial de impugnação de despedimento coletivo instaurada em 15.09.1993 por 48 ex-trabalhadores da DD (assistentes de bordo e comissários de bordo) e que correu termos no 2.° juízo, 1ª secção do Tribunal do Trabalho de … sob o nº 246/1993; (art. 94.° da PI)


26. À ação supra referida vieram a ser apensadas três outras ações instauradas por outros ex-trabalhadores da DD abrangidos pelo mesmo despedimento coletivo, a saber: processo n." 194/94, em que eram autores 4 ex-trabalhadores, 3 pilotos e 1 assistente de bordo; processo nº 196/94, em que eram autores 5 ex-trabalhadores da DD (pilotos); processo nº 1263/94, em que eram autores 28 ex-trabalhadores da DD (pilotos);


27. Numa fase ulterior do processo, já em 2002, foi ordenado o chamamento para intervenção de todos os demais ex-trabalhadores da DD abrangidos pelo despedimento coletivo, passando a figurar como intervenientes principais outros 89 ex-trabalhadores da DD, passando o litígio a envolver um total de 174 ex-trabalhadores desta empresa; (art. 96º da PI)


28. A DD era uma sociedade anónima com capital social maioritariamente (99,76%) detido pela BB, sociedade para a qual a DD teria alegadamente transmitido o estabelecimento a que estavam afectos aqueles ex-trabalhadores, na data em que o despedimento coletivo produziu efeitos (30.04.1993); (art. 93º da PI)


29. As ações movidas contra a Ré e a DD por ex-trabalhadores desta última foram-no porque, na versão dos demandantes, os seus contratos de trabalho foram ilicitamente cessados pela sua entidade empregadora, DD, nomeadamente porque não procediam os motivos invocados para o despedimento coletivo;


30. O patrocínio dos 174 ex-trabalhadores foi assegurado por um total de 29 advogados, alguns deles profissionais de grande reputação, sendo que cada um deles adotou ao longo do processo teses e estratégias nem sempre coincidentes, suscitando as mais diversas questões e lançando mão de variados expedientes processuais (reclamações, requerimentos, arguições de nulidades, recursos, etc.); (art. 98º da PI)


31. No período de 01.10.1998 a 30.09.2006, o Dr. CC assumiu, em regime de advocacia liberal, unicamente o patrocínio da Ré e, em 1.10.2006, já na fase da repetição do julgamento, a Ré pediu ao Dr. CC que, a expensas dela, assumisse, a partir daquele momento, em acumulação com o patrocínio dela própria, também o patrocínio da DD que, desde 17.05.1994 e até 30.09.2006 tinha estado a cargo de um outro advogado, e cujas intervenções ocorreram separada e autonomamente; (art. 108º da PI)


32. Na parte final do pleito, os autos eram constituídos por um total de 29 volumes e cinco apensos, perfazendo mais de 8 mil folhas; (TP 17)


33. As pretensões deduzidas contra a Ré BB e contra a Ré DD fundavam-se em distintas causas de pedir, o pedido contra a BB emergia de uma alegada transmissão da exploração do estabelecimento da DD para a BB e o pedido contra a DD emergia da alegada ilicitude de despedimento coletivo decidido pela DD; (TP 62)


34. Desde o início do processo que a DD e a BB tiveram uma estratégia comum; (TP 77 e 78)


35. Durante os 15 anos de duração cronológica do processo, houve «picos de trabalho», houve a prática de atos de menor importância" (TP 87) [6]


36. Em 06.02.2007 foi proferida sentença na 1ª instância, junta à Petição Inicial como documento nº14 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (art. 119.° da PI)


37. A sentença referida supra foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação de … o qual proferiu, em 16.11.2008, o acórdão que se encontra anexo à Petição Inicial como documento nº 15 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;


38. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão que decidiu não assistir razão aos demandantes, tendo as Rés BB e DD sido totalmente absolvidas do conjunto de pedidos, conforme documento nº 15 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (art. 127.° da PI)


39. Entre o trânsito em julgado acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e o envio da conta final mediaram sensivelmente 3 anos; (art. 71.° da PI e art. 178.° da Contestação)


40. O processo em causa arrastou-se cerca de 15 anos e encerrava relevante grau de dificuldade, implicando criatividade intelectual (art. 11.° da PI e arts. 290.° e 408ºda Contestação)


41. A questão da existência, ou não, de uma transmissão de estabelecimento da DD para a BB e do seu impacto nas pretensões dos Autores apresentava-se como um tema denso e trabalhoso, a requerer estudo aturado e manuseamento competente e sábio; (art. 410.° da Contestação)


42. O tema da transmissão de estabelecimento comercial estava já identificado e glosado pelas doutrinas e jurisprudências nacionais e estrangeiras; (TP 93)


43. A decisão que impendia sobre a Ré (BB) era pesada, quer em termos empresariais, quer em termos financeiros, e a sua absolvição produziu-lhe um alívio muito apreciável; (art. 499.° da Contestação)


44. O ganho total da causa livrou a BB de: a) suportar a parte patronal da obrigação contributiva para a Segurança Social sobre a totalidade das retribuições intercalares dos trabalhadores que eventualmente não tivessem auferido rendimentos provenientes do trabalho; b) reintegrar os 174 ex-trabalhadores da DD nos seus quadros, com efeitos retroativos a 01.05.1993, e de suportar todas as obrigações inerentes, designadamente, a obrigação contributiva para a Segurança Social sobre os salários vincendos, as promoções e os posicionamentos que os mesmos teriam direito a ocupar, prémios de seguro relativos ao pessoal integrado, inscrição do pessoal reintegrado no Fundo de Pensões da BB; c) alterar a lista de antiguidades dos seus próprios trabalhadores por força da reintegração do pessoa da DD; (TP 49)


45. A Ré teria de continuar a pagar os salários e as contribuições para a Segurança Social para o futuro enquanto os contratos de trabalho se mantivessem vigentes; (TP 49-A)


46. No incidente de prestação de caução requerido pela BB a propósito da liquidação da sentença condenatória da lª instância, os Requeridos do referido incidente de prestação de caução calcularam em € 51.712.281,00 o valor das remunerações vencidas após o despedimento dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo; (TP 46)


47. A preocupação da Ré não era o tempo que iria ser despendido mas antes o resultado que se pretendia atingir; (TP 61)


48. Foi pago a título de compensações pelo despedimento o montante de € 1.229.936,53; (TP 48)


49. Na sequência da prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a Ré reconheceu, ao mais alto nível, que aquele havia sido o processo mais gravoso com que a empresa se havia deparado e que a vitória judicial era a mais importante que poderia ter tido; (TP 36)


50. A ação especial de impugnação de despedimento coletivo tem natureza urgente;


51. Em virtude da natureza urgente da ação, o Dr. CC foi obrigado a trabalhar em períodos de férias para dar andamento aos assuntos; (TP 44)


52. O Dr. CC era um advogado bem-sucedido, com uma carteira de clientes de renome no meio empresarial público e provado; (TP 10)


53. O Dr. CC é um causídico de renome e que dava garantias de executar um proficiente e altamente qualificado patrocínio judicial, sendo normalmente procurado para o patrocínio de ações de especial complexidade; (TP 60)


54. O Dr. CC, para além da sua prática profissional quotidiana, tem um profundo conhecimento das regras de regulamentação do trabalho que ao longo dos anos foram estando em vigor na BB e do funcionamento da empresa aérea tanto no campo dos recursos humanos como no plano operacional; (TP 53)


55. Os serviços profissionais que são objeto da nota de honorários foram prestados entre 01.10.1998 e 30.06.2012; (TP 9)


56. No período compreendido entre 1.10.1998 e 30.06.2012, o trabalho descrito na súmula que acompanhou a nota de honorários foi concebido e desenvolvido sempre pessoalmente pelo Dr. CC e, na fase dos recursos para o Tribunal da Relação de … e para o Supremo Tribunal de Justiça, também pelo Dr. HH; (TP 18)


57. Para além dos trabalhos descritos na súmula que acompanhou a nota de honorários, e no período compreendido entre 1.10.1998 e 30.06.2012, houve múltiplas reuniões com os responsáveis da Ré designadamente para efeitos de estudo, discussão e debate das melhores estratégias a seguir em cada momento na defesa da causa e para localização e recolha de prova documental; (TP 19)


58. Para o volume de trabalho desenvolvido ao longo do período supra referido contribuiu a concentração, decidida pela Ré, dos patrocínios das duas demandadas (BB e DD) no Dr. CC, a partir de 01.10.2006, patrocínio que, até àquela data, estivera repartida por dois diferentes mandatários judiciais, cada qual com o seu próprio escritório; (TP 21)


59. A Autora, na pessoa do Dr. CC, teve de estudar e responder a cada peça processual que foi sendo produzida pelos diversos causídicos durante a tramitação do processo, teve de preparar intervenções em Tribunal, prolongadas, inquirindo e contra inquirindo dezenas de testemunhas arroladas pelas Partes, em cada uma das 17 sessões do julgamento realizado ao longo de meses nas instalações do Tribunal de …, teve de analisar os depoimentos e de repetir todo o julgamento, interpor e responder a recursos individualmente interpostos por uma pluralidade de trabalhadores com diferentes mandatários judiciais, preparar alegações escritas e orais; (TP 40)


60. O Dr. CC exerceu sempre pessoalmente o patrocínio contra os 29 advogados adversários; (TP 45)


61. O Dr. CC teve reuniões com os professores que subscreveram os pareceres solicitados pela BB; (TP 41)


62. O Dr. CC trabalhava a partir das 9 horas e até depois das 18 horas e 30m e, por vezes, também trabalhava aos fins-de semana; (TP 55)


63. Até à data de 7 de Setembro de 1998, foram realizados, ao abrigo do contrato de trabalho outorgado entre a BB e o Dr. CC, os seguintes atos processuais: Contestação (04.11.1994), requerimento a nomear assessor e técnico (19.05.1995), requerimento de resposta a despacho (20.06.1995), requerimento de resposta a requerimento (02.10.1995), requerimento de pronúncia sobre relatório de perito (23.04.1996), requerimento de resposta a parecer (01.07.1996), requerimento de junção de parecer, requerimento de resposta a articulado superveniente, requerimento de resposta a despacho, requerimento de resposta a articulado superveniente, reclamação da Base Instrutória, requerimento de cópia dactilografada de despacho saneador, requerimento de prova, (2) requerimentos de resposta à reclamação deduzida por alguns Autores, requerimento de renovação de reclamação e requerimento de prova, requerimento de resposta a despacho/prorrogação de prazo, requerimento de prorrogação de prazo; (TP 81)


64. Na sequência da sentença proferida na 1ª Instância, foram condensados num núcleo de 42 factos um elenco de 96 factos que o juiz de 1ª Instância deu como provados e na alegação de direito foi dada atenção à problemática da transmissão da exploração do estabelecimento da DD para a Ré e à questão do despedimento coletivo, que Autora defendeu ser lícito (TP 26, 27 e 28)[7]


65. O Tribunal da Relação de … acolheu unanimemente a argumentação constante das alegações oferecidas em nome e em representação das Rés-Apelantes; (TP 30)


66. Após a decisão do Tribunal da Relação de …, que inverteu um ciclo de pronúncias favoráveis aos demandantes, estes, autonomamente, interpuseram recursos de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sustentado as suas posições com pareceres subscritos pelos Profs. Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Júlio Gomes e Rebelo de Sousa, tendo sido necessário estudar, conceber e elaborar a contra-alegação das Recorridas; (TP 31, 32 e 33)


67. A BB e a DD outorgaram procurações exclusivamente ao Dr. CC, em nome individual; (TP 68)


68. O Dr. HH, por substabelecimento pessoal do Dr. CC, de 15 de Fevereiro de 2007, passa a subscrever, a partir daquela data, juntamente com o Dr. CC, os requerimentos de recurso/alegações da TAP; (TP 73)


69. A intervenção do Dr. HH surge a partir de 2007, na fase de recursos, e foi ditada pela necessidade sentida e manifestada à Ré, pelo Dr. CC, de infletir o rumo que o processo estava a levar até essa altura e que havia culminado na condenação da Ré, em 1ª Instância; (TP 72)


70. A estratégia de recurso foi concebida pelo Dr. HH, prestigiado advogado na área laboral; (TP 76)


71. A Autora remunerou o Dr. HH pela sua colaboração; (TP 39)


72. A Autora sempre foi composta unicamente pelo Dr. CC e pela Dra. II; (TP 66)


73. Nunca o Dr. JJ ou a Dra. II assinaram qualquer peça processual ou realizaram qualquer diligência judicial no âmbito do processo; (TP 69)


74. O Dr. JJ era um ex-trabalhador da BB; (TP 70)


75. Nos anos de 2006 e 2007, o Dr. JJ enfrentava já graves problemas de saúde; (TP 70)


76. À data dos factos, o Dr. JJ já tinha a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa; (TP 71)


77. Durante o período de tramitação do processo, a Ré apenas dialogou com o Dr. CC e com o Dr. HH; (TP 74)


78. Nas múltiplas reuniões que ao longo dos anos os colaboradores da Ré tiveram com o Dr. CC, nunca este se fez acompanhar nem do Dr. JJ, nem da Dra. II e nunca se referiu a estes como colaboradores do processo, os quais não assinaram qualquer peça processual ou realizaram qualquer diligência judicial no âmbito do processo; (TP 75)


79. A fatura nº 20…9, de 0l.07.2008, no montante de € 300.000,00, apresentada pela Autora à Ré contém uma menção expressa ao trabalho realizado pelo Dr. HH e é omissa quanto aos Drs. JJ e II; (art. 170.° da Contestação da Ré)


80. O documento anexo à nota de honorários foi elaborado com base na consulta do processo e na agenda do Dr. CC; (TP 16)


81. A Autora obteve a confiança do processo após a devolução do mesmo ao Tribunal do Trabalho de … pelo Tribunal Administrativo do Círculo de …, o que ocorreu em Abril de 2012; (TP 12)


82. Após ter obtido a confiança do processo, a Autora elaborou o requerimento contendo a nota discriminativa e justificativa das importâncias a que a Ré tinha direito a título de «custas de parte» e requereu o desentranhamento e a devolução das garantias bancárias que haviam sido prestadas pela Ré (TP 13 e 14)


83. Na nota de honorários que apresentou, a Autora ponderou o resultado obtido com o desfecho do litígio; (TP 11)


84. Na fixação dos honorários que constam da nota de honorários enviada à Ré, a Autora considerou os encargos gerais da manutenção e funcionamento da estrutura fixa do seu escritório; (TP 52)


85. Em Lisboa os advogados enfrentam encargos de escritório que excedem a média das restantes comarcas do país; (TP 62-A)


86. A Autora tem ao seu serviço apenas uma secretária e um empregado de serviços externos; (TP 67)


87. A praxe do foro e o estilo da comarca são os mais elevados do país; (TP 63)


88. A BB é considerada uma das maiores empresas de Portugal; (TP 64)


89. No processo BB/DD, o Dr. CC teve a colaboração dos juristas da BB, principalmente nas fases de elaboração das Contestações e preparação dos julgamentos, concretamente, dos Drs. KK, MM e NN e, ainda, do liquidatário no processo AIA; (TP 96)


90. Pelos várias pareceres a Ré pagou, pelo menos, o montante de € 249.000,00; (TP 94)


91. O Dr. CC também patrocinou a Ré noutros processos ao abrigo da colaboração após a sua reforma e durante o mesmo período em que ocorreu o trabalho gerador dos honorários em causa nos presentes autos, nomeadamente ações judiciais intentadas por tripulantes de cabine e por técnicos de manutenção de aeronaves; (TP 97)


92. Em 29 de Julho de 2013, a Ré recebeu uma conta final de € 1.276.000,00 relativa aos supra referidos processos; (TP 98)


93. A última contra-alegação submetida a juízo, foi-o a 16.06.2008 e, após a data de 16.06.2008 há essencialmente trabalho de junção e análise de pareceres já elaborados; (TP 86)


94. A tarefa referida no Tema de Prova nº 28 envolveu uma pesquisa e uma exaustiva análise de todas e de cada uma das decisões sobre a matéria em discussão proferidas pelo TJCE e bem assim da doutrina e jurisprudência emanada dos nossos tribunais superiores na aplicação das regras nacionais e comunitárias; (TP 29).


94-A. Foram pagos de honorários pela Ré à Autora em virtude da atividade que esta desenvolveu a favor daquela após 1998 a quantia de EUR 520.000,00 (TP1);[8]


94-B. Autora e Ré acordaram a prestação da atividade profissional da Autora à Ré a qual seria paga" (TP 7);[9]


94-C. O Dr. CC exerceu a sua atividade acompanhado de, pelo menos, um colega (TP22);[10]


94-D. No Processo BB/AIR, o Dr. HH colaborou com o Dr. CC na atividade desenvolvida pela Autora a favor da Ré (TP38);[11]


9.1. Factos não provados:


1.[12]

2) A expressão supra referida foi entendida pelas Partes apenas no sentido de que no final se formalizaria uma fatura final do mesmo valor dos montantes já pagos; (TP 4)

 

3) O Dr. CC respondeu que, como sempre, continuaria no mercado a exercer a advocacia liberal pelo que, se a BB ocasionalmente precisasse dos seus serviços profissionais e ele tivesse disponibilidade para aceitar o patrocínio, seria tratada como qualquer outro cliente sendo os seus serviços de advogado debitados em conformidade com os critérios de determinação de honorários previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados; (TP 6)


4)[13]


5) Entre as partes ficou sempre muito bem entendido que, após a cessação do contrato de trabalho do Dr. CC com a passagem à reforma em 08.09.1998, a BB deixou de ser cliente habitual da Autora e a eventual prestação de serviços do Dr. CC era para ser debitada à Ré em obediência aos critérios de fixação de honorários previstos no EOA e este procedimento foi sempre respeitado por ambas as partes desde 01.10.1998 em diante;

(TP 8)


6) Desde 01.10.2006 e até 30.06.2012, o Dr. CC contou com o apoio da sócia da Autora Dra. II; desde 1.10.2006 e até 31.01.2008, o Dr. CC contou com o apoio do Dr. JJ e que contou com o apoio do Dr. HH desde 1.10.2006; (TP 18)


7) No período compreendido entre 1 de Outubro de 1998 e 30 de Junho de 2012 foram aplicadas pela Autora, com arredondamento para baixo, 11.800 horas de trabalho, globalmente prestadas no âmbito do litígio em apreço; (TP 20)


8)[14]

 

9) A decisão da Ré de concentrar os patrocínios foi motivada pela esperança de que a experiência e o saber do Dr. CC permitisse inverter o rumo do processo que na altura, tinha diversas pronúncias, todas sistematicamente contra a Ré DD; (TP 23)


10) Tal concentração alargou, sob a exclusiva liderança do Dr. CC, a "frente de combate", cabendo-lhe conceber e implementar estratégias coordenadas do lado das duas Rés, compatibilizando de forma criativa uma renovada defesa da DD, sem descredibilizar a estratégia que vinha sendo seguida desde o início quando estava a cargo do Dr. CC apenas o patrocínio da ora Ré; (TP 24)


11) A acumulação supra referida obrigou o Dr. CC a proceder a urna gestão criteriosa do conjunto da prova testemunhal a produzir no julgamento, tanto do lado da BB como do lado da DD; (TP 25)


12) Na sequência da sentença proferida na 1ª instância, o Dr. CC iniciou de imediato, com o apoio dos advogados especializados supra referidos, os esforços para a reavaliação da prova gravada (cerca de 700 páginas A4 de transcrição dactilografada dos registos sonoros) e a idealização das hipotéticas estratégias que, na sua ótica, conviria desenvolver e aprofundar no recurso de Apelação a interpor; (TP 26)


14) O Dr. CC teve, então, de estudar, conceber e elaborar a contra-alegação das Recorridas nas quais deu exaustiva resposta a todas as questões suscitadas, designadamente no domínio da inconstitucionalidade e no âmbito das Diretivas e da jurisprudência comunitárias; (TP 33)


15) Transitado em julgado o acórdão final do STJ, o Dr. CC remeteu à Ré cópia integral do mesmo e, depois, procedeu à análise do respectivo teor a fim de, em reunião que lhe foi solicitada pelos representantes da BB poderem ser esclarecidos em toda a amplitude os diversos aspetos do litígio; (TP 34)


16) No período compreendido entre 1 de Outubro de 1998 e 30 de Junho de 2012, o Dr. CC viu-se obrigado a abdicar de clientes que o procuraram e que estava impossibilitado de patrocinar em virtude do contenciosos BB / DD não lhe deixar espaço para a assunção de novos compromissos; (TP 35)


17) Ao longo dos anos a Autora foi integrada por outros advogados para além do Dr. CC e da filha Dra. II, que intervieram nos assuntos que então estavam confiados à sociedade, designadamente, o Dr. JJ, desde 2002, e o Dr. HH, desde 2003; (TP 37)


18)[15]


19) O Dr. JJ e a Dra. II foram exclusivamente remunerados pela Autora pelo trabalho que desenvolveram; (TP 39)


20) A esmagadora maioria do trabalho ocorreu no período compreendido entre 01.10.1998, data em que os autos eram compostos por 3 volumes, e 30.06.2012; (TP 42)


21) Na vigência do contrato de trabalho entre o Dr. CC e a BB, apenas foi feita a contestação da Ré e alguns requerimentos; (TP 43)

 

22) Se a sentença condenatória tivesse sido confirmada em sede de recurso, os encargos que a BB teria de suportar até Fevereiro de 2009, só com a soma dos salários intercalares entretanto vencidos, rondaria a verba de 66 milhões de euros; (TP 47)


23) A absolvição total dos pedidos trouxe à BB uma efetiva poupança financeira, em termos globais, muito superior a € 100.000,000; (TP 50)


24) Para a determinação do tempo despendido com o contencioso BB/DD, foi considerado: durante o período compreendido entre 1.10.1998 e 30.09.2006, o tempo de trabalho pessoal e continuadamente gasto pelo Dr. CC e, durante o período de 01.10.2006 a 30.06.2012, o tempo de trabalho globalmente despendido tantos pelos sócios do Dr. CC e Dra. II, e o tempo pados pelos advogados do exterior contratados pela Autora pela integrarem a equipa de apoio técnico do escritório, sendo-lhes paga pela Autora a respectiva remuneração; (TP 51)


25) A taxa horária de €300,00 é a praticada no mercado para as maiores empresas portuguesas e multinacionais; (TP 54)


26) O Dr. CC despendeu, nos anos de 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2012, 42, 747, 64, 23, 84, 85, 38, 131, 1154, 1445, 1415, 124, 18 e 70, respectivamente; (TP 56)


27) O Dr. JJ despendeu, nos anos de 2006, 2007 e 2008, 720, 1390 e 60 horas, respectivamente; (TP 57)


28) O Dr. HH despendeu, nos anos de 2006, 2007 e 2008, 600, 13 70 e 980 horas, respectivamente; (TP 58)


29) A Dr.ª II despendeu, nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2012,230,554,408,31,5 e 12 horas, respectivamente; (TP 59)


30) A BB é considerada com uma situação financeira suficientemente desafogada para comportar os honorários em causa; (TP 64)


31) Ao longo dos anos de pendência, a BB nunca prestou, ao nível de trabalhos jurídicos, qualquer colaboração ao Dr. CC, limitando-se a identificar as testemunhas a arrolar e a executar simples atividade burocrática de busca e recolha de documentação no arquivo morto da DD, no arquivo BB ou no I…, sendo sugeridos pelo Dr. CC os locais onde as pesquisas deveriam ser levadas a cabo; (TP 65)


32) A BB e a DD tinham uma Direção Jurídica comum; (TP 79)


33) A existência de simetria de posições, o facto de serem sociedades do mesmo grupo e a existência de uma Direção jurídica comum, determinara a decisão de concentrar num único mandatário a representação de ambas as entidades; (TP 80)


34) A Ré aceitava que as notas de honorários que viessem a ser apresentadas fossem de valores um pouco mais elevados do que aqueles que resultariam, de um salário correspondente caso o Dr. CC se tivesse mantido como trabalhador desta; (TP 83)


35) A verdadeira duração do processo, em termos de esforço, foi de 249 dias completos de trabalho, equivalente a 1.245 horas; (TP 88)


36) Está estudado que um advogado fatura, num ano regular, não mais do que 1.040 horas de trabalho; (TP 89)


37) O número de horas despendido pela Autora foi de 1.506 horas e 50 min, podendo com um incremento de 10% ascender a 1.657 horas e 32 min; (TP 90)


38) Nos processos referidos no Tema de Prova nº 97 estão em causa 8600 horas de trabalho; (TP 97-A)


39) O aporte dos referidos pareceres teve influência na obtenção do ganho da causa; (TP 95)


***



III – Fundamentação de direito


10. Da nulidade


Na revista, a autora veio alegar que “o acórdão recorrido omitindo os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, limitou-se a invocar, apenas e só, o laudo de fls. 2326 e segs, como esteio da decisão ora em crise….”.


Está, assim, ao que parece, a imputar ao acórdão impugnado a nulidade prevista no art.615º, n° 1, al. b), do CPC.

Pois bem.

A causa de nulidade ali tipificada, aplicável aos acórdãos da Relação, por via das normas remissivas dos artigos 663.º, n.º 2, e 666.º do CPC, ocorre quando não se especificam os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.

Como é entendimento corrente, esta nulidade apenas se verifica quando se omite ou se mostra de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar a decisão, ou quando, não obstante a indicação dos factos, não se enuncia o quadro legal aplicável, mais ou menos desenvolvido, de forma a deixar transparecer os seus fundamentos.

Ora, in casu, o acórdão recorrido contém a discriminação dos factos considerados provados, com análise crítica da prova no âmbito do julgamento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, bem como a correspondente subsunção jurídica.

Não ocorre, por conseguinte, a invocada nulidade.



***


11. Da fixação de honorários


O contrato de mandato forense rege-se pelas disposições comuns do contrato de mandato civil contidas nos artigos 1157.º e ss. do Código Civil e ainda pelas disposições especiais constantes dos artigos 62.º e 92.º a 102.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro.[16]


No caso específico da advocacia, o mandato conferido a advogados presume-se naturalmente oneroso (art. 1158º, nº1, CC).


Em caso de onerosidade do mandato, a retribuição é estabelecida, em primeiro lugar, com base no acordo das partes. Se este faltar, aplicar-se-ão as tarifas profissionais e, na falta destas, a situação será regulada pelos usos e, apenas se mais nenhum critério for aplicável, haverá que recorrer aos juízos de equidade (art. 1158º, nº2, do CC).


Em relação aos advogados, como sucede no caso em apreciação, há ainda que ter presente, como já dissemos, as normas constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei 15/2005, de 26 de Janeiro (por ser a lei vigente à data da apresentação da conta), muito concretamente o seu art. 100º em que se estabelece que “os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa” (nº1), cabendo ao advogado, na falta de convenção prévia reduzida a escrito, fixar ele mesmo os honorários, em conta enviada ao cliente com discriminação dos serviços prestados (nº2). Nessa fixação, “deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais” (nº3).


Deste quadro normativo resulta que a fixação de honorários implica a emissão de um juízo discricionário, “não no sentido que se dá à palavra no contencioso administrativo (cf. Freitas do Amaral, in "Direito Administrativo", II, 105 e segs.), antes no sentido civilístico que muito tem a ver com a boa-fé que impregna toda a relação contratual e com os inevitáveis poderes do juiz no procedimento das normas contendo conceitos indeterminados pois, para além da ponderação dos fatores aludidos no Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe que se atente no laudo da Ordem, se o houver, e se considerem juízos de equidade” (cf. Acórdão do STJ de 02-10-2008, disponível em www.dgsi.pt).


Na verdade, a lei não estabelece qualquer método decisório ou critério legal, antes consagra critérios ou parâmetros referenciais de carácter deontológico/estatutário a ser observados pelos advogados na fixação dos honorários respectivos (cf. Acórdão do STJ de 1/3/2007, disponivel em www.dgsi.pt).


Deve, assim, em cada caso, considerar-se a especificidade do trabalho desenvolvido, o tempo despendido, o grau de exigência e a dificuldade técnica. Para além disso, e não obstante a obrigação a que se encontra adstrito o advogado ser, essencialmente, uma obrigação de meios e não de resultado (cf. Moitinho de Almeida, Responsabilidade Civil dos Advogados, 1985, pág. 23), deve ainda dar-se a devida relevância ao «resultado obtido».


Ora, na ação de honorários, é usual solicitar-se um “laudo” à Ordem dos Advogados, o qual reveste a natureza de “parecer técnico”[17], destinado a esclarecer o julgador e que, como tal, se encontra sujeito à sua livre apreciação (v., neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 20/1/2010, proc. 2173/06.0TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).


Em todo o caso, sendo elaborados por profissionais do foro, é evidente que não se lhes pode negar a autoridade de quem tem um conhecimento específico sobre a matéria, suscetível de aferir, com elevado grau, da razoabilidade e adequação do valor constante da nota de honorários.


No caso concreto:


O acórdão recorrido, atendendo aos critérios referidos no mencionado art. 100º, nº1, do Estatuto da Ordem dos Advogados e ao teor do laudo aprovado pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, considerou que “a quantia atribuída no laudo (EUR 647.500,00) se afigura adequada, equilibrada e proporcional ao trabalho realizado, ponderando também o resultado obtido em beneficio da recorrida.”


Nessa conformidade, fixou os honorários em EUR 647.500,00 e condenou a ré a pagar à autora a quantia de EUR 127.500,00 (acrescida de juros à taxa legal), correspondente à diferença entre aquele montante e o valor dos adiantamentos já pagos e que, no caso, ascendem a EUR 520.000,00.


Insurgem-se, ambas as partes contra o assim decidido: pretende, a autora, que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante constante da nota de honorários que lhe foi apresentada, isto é EUR 1.230.000,00 (já deduzidos dos valores adiantados por conta); contrapõe a ré que o quantitativo já pago, ou seja EUR 520.000,00, se revela ajustado a remunerar todo o trabalho desenvolvido, pelo mandatário.


Para fundar a sua discordância, as recorrentes alegaram que, na sua perspectiva, o acórdão recorrido não ponderou adequadamente os fatores relevantes, mormente os enunciados no art. 100º, do EOA.


A autora veio ainda expor as razões que, a seu ver, descredibilizam o laudo da OA e a deliberação que o homologou, desde logo porque o Dr. CC e o relator, o Dr. FF, estão, desde 1998, de relações cortadas, o que, só por si, permite pôr em causa a sua isenção, independência e imparcialidade.


Também a ré veio questionar “o correto uso do poder de livre apreciação da prova, mormente pericial” pelo tribunal recorrido, adiantando que há um desfasamento entre os pressupostos em que assentou o laudo e a prova produzida.


Ora bem.


Como se sabe, salvo situações de exceção, o Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, sendo as decisões proferidas pela Relação no plano dos factos, em regra, irrecorríveis (art.º 46.º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/13, de 26 de Agosto – e arts. 662.º, n.º 4, 674º, nº 3, e 682º, do CPC).

Por conseguinte, está vedado ao STJ conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a atuação da Relação nos casos da designada prova vinculada ou tarifada, ou seja quando está em causa um erro de direito (artigos 674º nº 3 e 682º nº 2).

Os poderes do Supremo nesta matéria abarcam ainda o controlo da aplicação da lei adjetiva em qualquer das dimensões destinadas à fixação da matéria de facto provada e não provada – art.º 674º, n.º 1, al. b), do CPC –, com a restrição que emerge do disposto no art.º 662º, nº 4, do CPC que exclui a sindicabilidade do juízo de apreciação da prova efetuado pelo Tribunal da Relação e a aferição da formação da convicção desse Tribunal a partir de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação.

Como o Supremo Tribunal de Justiça já por mais de uma vez teve a ocasião de dizer o laudo da Ordem dos Advogados consubstancia um juízo pericial, como tal, sujeito às regras da valoração deste específico meio de prova (cf., por ex. o acórdão do STJ de 22.5.2014, processo 2264/06, disponível em www.dgsi.pt).

Ora, as questões que, neste âmbito, as recorrentes colocam à apreciação deste Supremo Tribunal prende-se com o poder de livre apreciação da prova exercido pelas instâncias, não cabendo, manifestamente, dentro dos casos excecionais a que aludem os citados artigos 674º, n.o3 e 682°, n.o2, do CPC.

Assim, não cabendo ao STJ sindicar o juízo fáctico formulado pelo Tribunal da Relação, também não lhe cabe pronunciar-se sobre eventuais irregularidades de que o laudo possa enfermar, como as alegadas na revista.


Acresce que:


O acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa matéria, o que, também por esta razão, obstaria a que dela se conhecesse, pois, como é sabido, os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal a quo.


De igual modo, no que toca ao denominado “pedido subsidiário” formulado pela autora nas conclusões das alegações, o Supremo Tribunal de Justiça, em caso algum, pode, na revista, substituir-se às instâncias e proferir decisão «nova», de harmonia com a equidade, ao contrário do que pretende a recorrente.


No que concerne ao invocado abuso de direito:


O art. 334º, do CC estabelece que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

O abuso do direito pressupõe manifesto excesso ou desrespeito clamoroso dos limites axiológico-materiais do direito invocado, sendo naturalmente exigível a alegação e prova dos competentes factos constitutivos.

Ora, in casu, a materialidade apurada nos autos não permite manifestamente comprovar os traços nucleares do instituto que a ré invoca.

Em conclusão:


Face à factualidade provada, não se vislumbra que o acórdão recorrido tenha incorrido em violação ou desconsideração dos critérios normativos constantes dos arts. 1158º do CC e 100º, nº1 do EOA, não podendo, da mesma forma, afirmar-se que o juízo formulado pela Relação tenha ultrapassado os pressupostos da «discricionariedade» que lhe é reconhecida nesta matéria (cf. o Acórdão do  Supremo Tribunal de Justiça de 14.4.2011, proc. 3107-C/1993, disponível em www.dgsi.pt).


Improcedem, portanto, os recursos.


***


IV – Decisão


12. Nestes termos, negando provimento aos recursos, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelas recorrentes.


Lisboa, 12 de Julho de 2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

_____________

[1] Publicado em "Revista da Ordem dos Advogados", 1989, Ano 49, página 279.
[2] Redação introduzida pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão de facto.
[3] Redação introduzida pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão de facto.
[4] Redação introduzida pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão de facto.
[5] Redação introduzida pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão de facto.
[6] Redação introduzida pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão de facto.
[7] Redação introduzida pela Relação, no âmbito da reapreciação da decisão de facto.
[8] Aditado pela Relação.
[9] Aditado pela Relação.
[10] Aditado pela Relação.
[11] Aditado pela Relação.
[12] Eliminado do elenco dos factos não provados e aditado aos factos provados (cf. ponto 94-A).
[13] Eliminado do elenco dos factos não provados e aditado aos factos provados (cf. ponto 94-B).
[14] Eliminado do elenco dos factos não provados e aditado aos factos provados (cf. ponto 94-C).
[15] Eliminado do elenco dos factos não provados e aditado aos factos provados (cf. ponto 94-D).
[16] Diploma entretanto revogado pela alínea a) do artigo 4.º da Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, que aprovou o novo Estatuto da Ordem dos Advogados.
[17] Cf. art. 2º, do Regulamento dos Laudos de Honorários, anexo ao Regulamento n.º 40/2005, de 29.4.2005, publicado no DR nº98, II série, de 20.5.2005.