Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3501/05.0TBOER.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
OBRAS
CONTRAFACÇÃO
USURPAÇÃO
DIREITO PATRIMONIAL
PROPRIEDADE INTELECTUAL
TÍTULO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário : I - Para que um facto (ilícito) possa ser considerado contrafacção (cf. art. 196.º do CDADC) devem concorrer, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) alguém proceder a uma utilização fraudulenta; b) arrogar-se como sendo sua obra alheia; c) que seja mera reprodução de obra alheia; d) que essa reprodução seja tão semelhante que não tenha individualidade própria.
II - Diversa da contrafacção é a figura da usurpação, a que alude o art. 195.º do CDADC: enquanto, nesta, o usurpador utiliza a obra de outro sem autorização (ou para além dos limites da autorização concedida), na contrafacção o visado utiliza como própria uma obra alheia.
III - Resulta do n.º 1 do art. 196.º do CDADC que, desde que cada uma das obras possua individualidade própria, a semelhança entre duas obras não constitui contrafacção. O critério da individualidade, no exacto sentido de criatividade, prevalece sobre a semelhança objectiva. Decisivo para determinar a contrafacção é nada se acrescentar à criação alheia a que se recorreu.
IV - O critério determinante para que se diga que não há contrafacção, é afirmar-se que a obra possui um conjunto de características intrínsecas que permite dizer que, não obstante as semelhanças, se trata de uma obra diferente e não uma reprodução ou cópia da outra, i.e., que é uma obra que tem uma individualidade própria, por comparação com a outra.
V - A obra é o objecto da protecção no direito de autor o que pressupõe a sua existência, não podendo falar-se sequer de direito de autor sem a realidade de uma obra, entendida como exteriorização duma criação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada, não beneficiando da sua tutela as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais.
VI - O direito de autor engloba direitos patrimoniais e direitos pessoais ou morais (cf. art. 9.º do CDADC): a) no que toca aos direitos de carácter patrimonial, o seu titular tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a sua obra, no todo ou em parte, tendo, nomeadamente, a faculdade de a divulgar, publicar e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei; b) no que concerne aos direitos morais, o autor goza do direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade, de se opor à sua destruição, a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra e reputação do autor, o direito de a retirar a todo o tempo de circulação e fazer cessar a respectiva utilização, direitos estes que são inalienáveis, e irrenunciáveis, perpetuando-se após a morte do autor, competindo esse exercício aos seus sucessores, enquanto a obra não cair no domínio público.
VII - No caso concreto, se a titularidade originária da propriedade intelectual de um guião pertencia a um terceiro (em exclusivo) e, só após a celebração de escritura pública, o conteúdo patrimonial do referido direito foi transmitido ao recorrente, este não adquiriu, por força da transmissão operada, a qualidade de autor ou de co-autor da obra, pois que não a criou, tornando-se, única e exclusivamente, o titular do conteúdo patrimonial de um direito sobre a obra. O autor ou criador intelectual do guião (terceiro) manteve (e mantém) os direitos morais sobre essa obra.
VIII - A protecção da obra é extensiva ao título, nos termos do art. 4.º, n.º 1, do CDADC, desde que este tenha originalidade, traga algo de novo, e não seja banal.
IX - O termo “público” a que se refere o art. 6.º do CDADC deve ser entendido com o “público em geral”, só existindo divulgação quando a obra sai fora da esfera de controlo do autor e passa a ser acessível a todos aqueles que procuram ter conhecimento dela. Assim, a gravação de ensaios de um programa em videocassete não traduz a comunicação pública de uma obra autónoma: tal comunicação implica, necessariamente, para além da existência de uma obra, a sua apresentação ao público, ou seja, dar a conhecer à generalidade das pessoas, permitindo, assim, o acesso à mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- AA, residente na Av. …, C.P. …-…, Porto, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB ... de Comunicação, SA, com sede na …, C.P. …-…, … e CC, Produções de Televisão S.A., com sede na …, nº …, Edifício …, .., piso .., C.P. ..-.., … pedindo que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 1.780.000,00 a título de indemnização pela prática do ilícito de contrafacção que indica, acrescida dos juros legais a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que é produtor de televisão, tendo contactos privilegiados com a estação de televisão DD, para a qual produziu o programa “A... “, cuja autoria e ideia original foram suas. O guião de tal programa foi elaborado, a pedido do A., por EE. Este EE, no dia 2 de Dezembro de 2003, entregou ao A., a 1ª versão do guião do programa “U.... s...”. O novo programa, ideia original do A., teria o título de “U.... s...” e como objectivo o de encontrar o sonho de mulher de todos os portugueses. O EE tratou de criar um guião onde as candidatas seriam sujeitas a várias provas, desfile em fato de banho e em vestido de gala, prova de canto e/ou dança e/ou expressão corporal e provas de cultura geral, onde se mostraria não a cultura, mas a incultura, das candidatas, criando uma figura bonita e bem arranjada, mas que raramente é culta. Efectuado o guião, o A. adquiriu total e definitivamente a EE, na sequência de um contrato particular com este celebrado em Fevereiro de 2004, por escritura pública lavrada em 8 de Outubro de 2004, os direitos de propriedade artística e intelectual do guião, conceitos e conteúdos, de um programa intitulado “U.... s...”. O cedente dos direitos em causa, EE, procedeu em 17 de Fevereiro de 2004 ao pedido de registo da obra na qual se incluem o guião, o titulo, conceito e conteúdos, no IGAC — Inspecção Geral das Actividades Culturais e na SPA - Sociedade Portuguesa de Autores, que foi devidamente deferido em 29 de Abril de 2004. Em 10 de Março de 2004 foi efectuado o registo no IGAC da cassete vídeo gravada no dia 13 de Janeiro de 2004 no Casino da Povoa do Varzim e que constituiu o programa ... de “U.... s...”, pedido de averbamento esse que foi deferido pelo IGAC em 30 de Abril de 2004. A venda de cada programa far-se-ia ao canal de televisão DD, já contactado e interessado na aquisição do mesmo, por valor dependente de negociação, mas nunca inferior a trinta e cinco mil euros por programa. Em Março de 2004, o A. foi alertado por amigos presentes na gravação do programa ..., para o facto de a 1ª R. ter começado a anunciar que, a mesma, iria estrear o programa “u.... s...”. O objectivo, nome e conteúdo do programa publicitado pela 1ª R. eram exactamente idênticos ao seu programa, previamente idealizado, gravado e registado, apesar de a 1ª R. acrescentar ao titulo “U.... s...” “o subtítulo“ Miss Portugal 2004 “, consistiam nas mesmas provas de desfile em fato de biquini, vestido de noite, bem como a tónica de humor existente no seu “U.... s...”. Ao verificar esta situação o A., por carta registada de 13 de Abril de 2004, informou as RR. do facto, solicitando-lhes que não emitissem o referido programa, sob pena de o A. ser forçado a agir judicialmente. Apesar de notificadas, as RR. emitiram o referido programa, incorrendo em contrafacção, nos termos do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDA), por apropriação ilícita do programa concebido e idealizado pelo A., impedindo este último de fechar contrato com a operadora de televisão interessada na aquisição do programa.
A 1ª R. contestou alegando, em síntese, que ao tempo da apresentação da providência cautelar apensa (Abril de 2004), por inobservância da forma legalmente prevista por lei - escritura pública -, o negócio, pelo qual EE terá alienado ao A. o conteúdo patrimonial do alegado direito de autor, era nulo. A escritura pública de alienação de tal conteúdo apenas foi lavrada em 8 de Outubro de 2004, referente a um programa intitulado “U.... s...”. Em 16 de Fevereiro de 2004, a 1ª R. procedeu ao pedido de registo, junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, da marca “U.... s... — Miss Portugal 2004” na classe 38ª. O programa “U.... s... — Miss Portugal 2004”, sobre o qual o A., alegadamente, invoca deter os respectivos direitos, já tinha sido emitido muito antes da data da escritura de 8 de Outubro de 2004, tendo as respectivas transmissões cessado em 28 de Maio de 2004.
Conclui pela ilegitimidade do A, enquanto excepção dilatória que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa.
Acrescenta que a causa de pedir aduzida pelo A. configura um crime de contrafacção, cuja apreciação e julgamento cabe aos tribunais criminais.
Ainda que assim se não entenda, é inepta a petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, que o A. não concretiza nem identifica e nem sequer alega qualquer dano moral. A indemnização a eventualmente ter lugar, em benefício do A. deveria ser relativa aos custos suportados com a produção do programa, mas o A. nada alega a este respeito, ferindo, também, de ineptidão a petição inicial, com fundamento na ininteligibilidade do pedido.
“U.... s...” é uma expressão totalmente genérica e sem qualquer carácter distintivo particular. O mesmo não se verifica relativamente à marca “U.... s... — MISS PORTUGAL 2004”, uma vez que esta conjuga e associa a expressão genérica “U.... s...” à já anterior marca “Miss Portugal”, conferindo-lhe, assim, a necessária capacidade distintiva. O A. entra em contradição com o referido nos artigos iniciais da sua peça processual, ao associar «U.... s...» ao programa «A...».
O conceito e estruturação dos programas - o referido pelo A e o exibido pela 1ª R., não coincidem. Diferentemente, a propósito do programa «U.... s... — Miss Portugal 2004» era eleger a Miss Portugal 2004. O A. não tem o direito de prioridade do uso de marca livre, pois, como consequência do que alega, esse direito teria de ser exercido até 13 de Junho de 2004, nos termos do art. 227º, nº 1 do C.P.I..
Pede, a final, a condenação do A. como litigante de má fé, por proferir afirmações que não correspondem à verdade dos factos, tentando obter um beneficio económico ilegítimo, em indemnização consistente no montante dos honorários e despesas que a A. venha a despender no decurso da presente acção e em resultado dela.
Pede ainda seja julgada totalmente improcedente por não provada a presente acção, com absolvição das RR. do pedido.
A R. «CC de Televisão, S.A.» contestou, em síntese, seguindo os argumentos da R. «BB».
O A. replicou, em resumo, sustentando não é parte ilegítima, porque, em Outubro de 2003, contratou verbalmente a compra do guião ao referido EE. A dedução de pedido cível é alternativa ao seguimento de processo criminal.
No caso de assim se não considerar, pede a intervenção principal espontânea do dito EE e remetidos os autos ao Ministério Público, para procedimento criminal.
A R. «CC» pronunciou-se sobre o requerimento de intervenção principal espontânea do dito EE , a propósito do que acusa o A. de misturar conceitos jurídicos e alterar a sua versão dos factos ao sabor da defesa apresentada pelas RR. e concluindo que a admissão de tal intervenção não produziria a sanação da ilegitimidade processual activa do A..
O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, onde se indeferiu a intervenção principal provocada requerida nos articulados e onde se julgaram improcedentes as excepções dilatórias de incompetência material do tribunal, a ineptidão da petição inicial e ilegitimidade processual.
Após fixaram-se os factos assentes, organizou-se a base instrutória, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se a esta base.
Proferiu-se, por fim, a sentença, onde se julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo-se as RR. do pedido.
Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o A. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 18-06-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- As RR., com a sua actuação violaram inequivocamente os direitos autorais do aqui recorrente;
2ª- Direitos esses que incidem sobre a obra radiodifundida que criou e o sobre o guião que desenvolveu a ideia original que esteve na génese daquela;
3ª- Os programas das RR. constituem evidente contrafacção dos direitos do recorrente;
4ª- Contrafacção essa que constituiu causa dos danos patrimoniais e morais supra invocados;
5ª- O que não pode deixar de impor às RR. o dever de indemnizar o A. no montante peticionado;
6ª- Indemnização essa que deve ter em conta os proventos obtidos pelas RR., os danos emergentes e os lucros cessantes sofridos pelo A., bem como todos os encargos suportados pelo A. com a protecção dos seus direitos;
7ª- Devendo, nomeadamente, ter-se em conta na fixação do quantum indemnizatório a gravidade do comportamento das RR.;
8ª- Ora, in casu, as RR. são entidades profissionais, com grande experiência e elevada dimensão financeira;
9ª- Donde resulta que o comportamento de ambas em muito excedeu a mera culpa ou a simples negligência, até porque devida e antecipadamente avisados;
EM SÍNTESE:
10ª- Por um lado, a primeira parte do programa das RR. é inequivocamente idêntica - em tudo - ao programa do A.;
11ª- Depois, o título do programa das RR constitui reprodução mutatis mutandis do título do programa do A.;
12ª- Nessa sequência, o logótipo utilizado na divulgação do programa das RR. é absolutamente decalcado do logótipo utilizado na identificação do programa do A.;
13ª- E, impressionantemente, tudo isto é reconhecido pela própria sentença recorrida;
14ª- Depois, como antes se evidenciou, ficou claro que o programa do A. foi divulgado antes do das RR;
15ª- A isto acresce, sem prescindir, que o comportamento das RR. se subsume inquestionavelmente na figura da “concorrência desleal”;
16ª- Mais, os proventos obtidos pelas RR., na sequência, do seu comportamento abusivo, constituem manifesto enriquecimento sem causa.
17ª- Perante isto, resulta claro que a sentença proferida violou, entre outros, os arts. 4º, 6º, 17º, 21º, 196º e 211°, todos do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, bem como os arts. 317° do Código da Propriedade Industrial e 473º e ss. do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, procedendo-se à integral revogação da sentença proferida e à respectiva substituição por outra que considere integralmente procedente a presente acção.
As recorridas contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
O recorrente veio apresentar o parecer elaborado pelo Prof. da Faculdade de Direito de Coimbra, Filipe Cassiano dos Santos, junto aos autos de fls. 1927 a 1966.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Se os programas das RR. constituem contrafacção dos direitos do A..
- Se as RR. violaram os direitos autorais do A..
- Se existem danos do A. que mereçam ser indemnizados.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:
1) No âmbito da sua actividade profissional, após o sucesso do programa “A...”, o A., em Setembro/Outubro de 2003, teve nova ideia original para novo programa de televisão;
2) E, de novo, contactou o EE, para que este efectuasse o guião na mesma linha do anterior, contendo também entrevistas mordazes, cáusticas e a roçar o ridículo;
3) O referido EE, no dia 2 de Dezembro de 2003, entregou ao A. a 1ª versão do guião desse programa;
4) Esse novo programa teria o título de “U.... s...” e como objectivo o de encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses;
5) O referido EE criou um guião onde as candidatas seriam sujeitas a várias provas, desfile em fato de banho e em vestido de gala, prova de canto e/ou expressão corporal;
6) Onde se mostraria não a cultura, mas a “incultura” das candidatas;
7) Criando uma figura bonita e bem arranjada, mas só por vezes culta;
8) A “U.... s...” foi dado um formato e conteúdos destinados apenas a televisão, com alinhamento original e a ser emitido em treze programas semanais com duração aproximada de cinquenta minutos cada;
9) A “venda” de cada programa far-se-ia ao canal de televisão “DD”, já contactado e interessado na aquisição do mesmo, por valor dependente de negociação, mas nunca inferior a trinta e cinco mil euros por programa;
10) Uma vez escrita a redacção do guião pelo indicado EE, seguiram-se os ensaios, com registos dos mesmos em videocassete;
11) O programa gravado em cassete de vídeo no Casino da Póvoa do Varzim a 13.1.04 tem mais de 10 horas de imagens;
12) E constitui o programa ... de “U.... s...”;
13) Que se destinava a ser apresentado à DD;
14) Correspondendo à obra averbada referida em 20);
15) O que se registou no IGAC foi uma compilação onde se pretendeu garantir o conteúdo, o nome do programa “U.... s...”, a ideia original do objectivo de encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses, e as provas fundamentais, por forma a apresentar o referido programa à “DD”;
16) E ajustar o programa, mantendo o seu conteúdo, aos interesses e disponibilidades da referida estação de televisão;
17) O guião original nem sempre coincide com a gravação do programa ... e com o programa definitivo, uma vez que são momentos distintos em que participam o guionista, depois o realizador e depois o produtor;
18) Sendo sempre comum e inalterável o conteúdo, o nome e os objectivos do programa;
19) Em Fevereiro de 2004, o A. combinara com o indicado EE adquirir a este o direito referido;
20) Por carta datada de 29.4.04, com o teor constante de fls. 18 dos autos, o IGAC-Inspecção Geral das Actividades Culturais comunicou a EE o “deferimento do pedido de registo de Direito de Autor da obra ... «U.... s...»”;
21) E por carta datada de 30.4.04, com o teor constante de fls. 19 dos autos, o IGAC-Inspecção Geral das Actividades Culturais comunicou a EE o “deferimento do pedido de averbamento da obra ... «U.... s...»”;
22) O programa emitido pela 1ª R. sob o título “U.... s... - Miss Portugal 2004” incluía provas de desfile em fato de biquini e vestido de noite;
23) Em finais de 2003, a 1ª R., “BB”, contactou a 2ª R., “CC”, para que esta desenvolvesse um formato inovador para a realização do tradicional concurso de eleição da “Miss Portugal”;
24) O qual deveria conjugar os elementos utilizados no referido concurso (entre outros, desfiles em fato de banho e em vestido de noite), com aspectos inovadores, associados aos denominados “reality shows”;
25) Este contacto teve origem em anteriores diligências desenvolvidas, em Novembro de 2003, com a “FF”, e que esta agência de modelos desenvolveu, também, com a “GG” e a “DD”;
26) No sentido de obter daquelas estações propostas inovadoras para a emissão televisiva do concurso “Miss Portugal 2004”, tendo para tal elaborado uma sinopse do programa pretendido;
27) A “FF” actuava por conta do “HH”, pertencente a “II-Imprensa Livre, S.A.”, que desde sempre organizou o evento “Miss Portugal”, sendo detentora dos direitos autorais e de transmissão televisiva sobre o mesmo;
28) Tal contacto da “FF” (e do “HH”) teve por base a noção de que o tradicional concurso “Miss Portugal” já não se encontrava adequado ao tipo de programa de televisão com interesse para o público, determinando a necessidade de criação de algo inovador que pudesse voltar a captar o interesse desse mesmo público;
29) Uma vez contactada pela R. “BB” para desenvolver e produzir o referido programa televisivo, a 2ª R., “CC”, criou um formato que conjugava o tradicional formato do concurso “Miss Portugal” com o formato dos reality shows, integrando aspectos do programa “Ídolos”;
30) Aproveitando, dessa forma, o “know-how” adquirido na produção do programa “Ídolos”, cujo formato havia já comprovado ter sucesso, quer ao nível internacional quer ao nível nacional;
31) Durante a segunda semana do mês de Fevereiro de 2004, a R. “BB” contactou a R. “CC” informando-a que o seu programa tinha sido o escolhido pelos detentores do formato do concurso “Miss Portugal” – “FF” e “HH” – como o programa “Miss Portugal 2004”;
32) O tipo de provas a que são sujeitas as candidatas no programa “Miss Portugal 2004”, como a prova em fato de banho e a prova em vestido de noite, existem em todos os concursos de beleza feminina e constituem “provas obrigatórias” na selecção da “Miss Portugal”;
33) Provas essas impostas pela organização internacional em que se integra, que é o evento internacional constituído pela eleição da “Miss Universo”, e no qual Portugal é representado pela “Miss Portugal” eleita no respectivo ano;
34) O título do programa, no que respeita à parte “U.... s...”, resultou de uma reunião de trabalho em que estiveram presentes representantes da “BB” e da “CC”, da “FF” e do “HH”;
35) Nessa reunião de que resultou o nome do programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” não esteve presente JJ, nem tão pouco havia o mesmo sido convidado para exercer o papel de membro do júri do concurso;
36) A escolha da expressão “U.... s...” para integrar o título do programa inspirou-se no filme “Uma Mulher de Sonho”, de 1979, realizado por Blake Edwards, e no título do filme “U.... s...”, de 1990, realizado por Garry Marshall;
37) Tendo a músicaa “Oh Pretty Woman” de Roy Orbison (banda sonora do filme “U.... s...” de 1990 realizado por Garry Marshall e interpretado pelos actores Julia Roberts e Richard Geere) sido a banda sonora utilizada como música de fundo durante o início do seu programa, bem como durante a gala final após a divulgação do nome da vencedora do concurso;
38) Em 16 de Fevereiro de 2004, a 1ª R., “BB”, procedeu ao pedido de registo junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial da marca “Miss Portugal”, na classe 38ª;
39) Na designação “U.... s...-Miss Portugal 2004” foi conjugada e associada a expressão “u.... s...” à já anterior marca “Miss Portugal”;
40) O aspecto gráfico utilizado para representação do referido título adveio da criação dos editores da “BB”, associando as cores utilizadas no formato do canal televisivo “BB Mulher”;
41) O programa emitido pelas RR. tinha como objectivo final a eleição da que, pelas suas características devesse representar o país no concurso de beleza, utilizando um formato que conjugava o tradicional formato do concurso “Miss Portugal”, com o formato do reality show, integrando aspectos do programa “Ídolos”;
42) A expressão “u.... s...” é referida no título do programa das RR. como uma forma de alusão à futura vencedora do concurso;
43) Constituía requisito para alguém se candidatar ao concurso “U.... s... - Miss Portugal 2004” a idade entre os 18 e os 23 anos que constitui elemento do regulamento do concurso “Miss Portugal”;
44) No programa “U.... s... - Miss Portugal 2004”, tal como no programa “Ídolos”, existe um júri “especialmente sincero” e por vezes cómico, composto por quatro personalidades com ligações ao mundo da moda, que avalia e selecciona as candidatas a “Miss Portugal”;
45) A escolha final da vencedora pelo público no programa “U.... s... – Miss Portugal 2004” foi inspirada no programa “Ídolos”;
46) A prova de canto consiste numa interpretação de uma canção por parte da apresentadora R... M..., em que as candidatas, alternadamente, cantarolam parte do tema musical;
47) O A. enviou a cada uma das RR. carta registada, datada de 13 de Abril de 2004, com o teor constante de fls. 23 e 26 dos autos, cujo teor aqui se reproduz integralmente, solicitando-lhes que não emitissem o referido programa, sob pena de o A. “agir judicialmente”;
48) As RR. emitiram o referido programa;
49) A apresentação de “U.... s... - Miss Portugal 2004” é feita por um humorista a cantar onde se destaca na letra o conteúdo e objectivo do programa;
50) No programa “U.... s...” e no programa “U.... s... - Miss Portugal 2004” interroga-se e responde-se ao que tem que ter “u.... s...”;
51) Em ambos os programas foi convidado o jurado JJ;
52) O programa “U.... s...” incluía provas de desfile em fato de banho/biquini e vestido de noite;
53) No programa “U.... s...” as candidatas tiveram uma prova de canto;
54) E no programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” as candidatas tiveram uma prova de dança;
55) No programa “U.... s... - Miss Portugal 2004” as concorrentes tiveram uma prova de “casting”;
56) No programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” eram necessárias 8 semanas para escolher a vencedora;
57) No programa “U.... s...” e com o objectivo de aligeirar a tensão, descomprimir, e cativar audiências recorreu-se à colocação, no decorrer do concurso, de um “sketch” de humor;
58) A 1ª R. auferiu com a emissão do programa “U.... s... -Miss Portugal 2004”, em publicidade e patrocínios, o montante de € 1.380.000,00;
59) E a 2ª R. a quantia de € 400.000,00;
60) No programa «U.... s... – Miss Portugal 2004» a escolha final da vencedora pertence sempre ao público»;
61) O A. é produtor de televisão, tendo produzido para a estação de televisão “DD” o programa “A...”, cuja autoria e ideia original foram suas;
62) O guião desse programa foi elaborado, a pedido do A., por EE;
63) Assentando o sucesso e formato do programa numa entrevista de carácter mordaz, satírico e a raiar o ridículo que era efectuada a personalidades do mundo musical e artístico português;
64) Em Março de 2004, o A. foi alertado por amigos presentes na gravação do programa ..., para o facto de a 1ª R. ter começado a anunciar através de promos e pela imprensa escrita, que a mesma iria estrear o programa “U.... s...”;
65) O A., de imediato, e na altura, considerou que o objectivo, nome e conteúdo do programa publicitado pela 1ª R. eram idênticos ao programa por si antes idealizado, gravado e registado;
66) Mediante escritura pública celebrada, em 8 de Outubro de 2004, no 4º Cartório Notarial do Porto, EE declarou que “é titular do direito de propriedade artística e intelectual registado no IGAC-Inspecção Geral das Actividades Culturais sob o número de entrada … e na Sociedade Portuguesa de Autores sob o número …, ambos de 17.2.04, relativos ao guião que constitui o conteúdo e formato destinados à divulgação pelos meios audiovisuais e designado por «U.... s...»” e que “pela presente escritura pública transmite total e definitivamente ao segundo, AA, o referido direito de propriedade artística e intelectual, podendo este explorá-lo, ceder a sua exploração, comercializá-lo, em ordem à sua divulgação pelo recurso a meios audiovisuais reconhecidos pela lei, nos termos e condições seguintes: a) ... b) ... c) O segundo outorgante (ora A.) fica autorizado e por essa forma investido do direito a realizar as adaptações que considere convenientes em termos de conteúdo e formato com vista à boa divulgação e comercialização do direito transmitido e ainda de reclamar de terceiros as indemnizações a que tiver direito pelo plágio ou contrafacção do guião e divulgação através de canais televisivos ou outros meios que sejam reproduções sem sinais distintivos que o caracterizem do título identificador dos referidos direitos.”;
67) Foi, ainda, dito naquele documento que: “O preço estipulado para esta transmissão, é de sete mil e quinhentos Euros, que o primeiro outorgante mais declara ter recebido”, declarando ali o ora A. que “aceita esta transmissão nos termos exarados”;
68) O programa “U.... s...” é um concurso para concorrentes femininas cujo objectivo, essência e conteúdo é encontrar “a mulher de sonho” de todos os portugueses;
69) Para isso, as concorrentes são sujeitas a várias provas;
70) Desfilando em biquini e em vestido de noite;
71) E são sujeitas a uma entrevista individual quando se pretendia, mais que a cultura, mostrar a “incultura” das mesmas;
72) Daí o facto de o apresentador ser um humorista e cantor para dar uma componente cómica a todo o programa;
73) A vencedora desse concurso teria o estatuto de “sonho de mulher” de todos os portugueses e poderia vir a ser incluída como apresentadora de um programa de televisão;
74) O conteúdo do programa “U.... s... - Miss Portugal 2004” incluía o objectivo de encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses;
75) A vencedora seria considerada o sonho de mulher de todos os portugueses e seria transformada em “Miss Portugal 2004”;
76) O logótipo do programa “U.... s...” baseia-se nas curvas e formas de uma mulher e nas cores amarelo-torrado e bordeaux;
77) E o logótipo do programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” baseia-se nas curvas e formas de uma mulher fazendo-as coincidir com o “S” do nome e nas cores amarelo-torrado, bordeaux e rosa;
78) No programa “U.... s...” um dos momentos caracterizados pelo seu humor é o facto de se verem mulheres jovens, bonitas e bem apresentadas com falta de cultura através de uma prova de cultura geral;
79) O que também sucede, com referência à 1ª fase do programa “U.... s... - Miss Portugal 2004”;
80) Em ambos os programas, foi convidado o jurado JJ, o qual é caracterizado pela sua imagem mordaz e satírica, visível noutros programas;
81) No programa «U.... s...», estava apenas em causa encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses e não um concurso de beleza, sendo aquele apenas um dos objectivos do programa “U.... s... – Miss Portugal 2004”;
82) No programa “U.... s...” para o conteúdo e objectivo de encontrar a “mulher de sonho” de todos os portugueses, as concorrentes tiveram uma prova de “casting”;
83) No programa “U.... s...” a escolha das candidatas à final e da vencedora seria feita pelo público através de telefonema ou SMS;
84) O que também se verificou no programa “U.... s... - Miss Portugal 2004”;
85) No programa “U.... s...”, seriam 13 semanas para escolher a vencedora;
86) No programa “U.... s...-Miss Portugal 2004” e também com o objectivo de aligeirar a tensão, descomprimir e cativar audiências, recorreu-se à colocação, no decorrer do concurso, de vários “sketchs” de humor;
87) A emissão do programa das RR. impediu o A. de fazer acordo com a operadora de televisão interessada na aquisição do programa “U.... s...”;
88) E, nessa medida, de comercializar o programa por ele produzido e idealizado;
89) E de recuperar todo o dinheiro relativo aos custos suportados com a produção do referido programa;
90) Apenas uma variante do programa conhecido por «Candid Camera», que foi adaptado em quase todas as estações de televisão do mundo, no caso português, foi primeiro utilizada por Joaquim Letria, tendo passado e ser utilizada em todas as estações generalistas;
91) Que tiveram e continuam a ter programas deste género de comédia, que assentam sempre na criação de situações inesperadas em que pessoas desprevenidas são apanhadas, como nos casos dos programas “A...” da “GG”, “M… e A…”, “B… a B…”, “F... D...” e “K... P...” da “BB”, e “A…”, “A...” e “I... s... V...” da “DD”;
92) Todos eles baseados na mesma ideia, na preparação de uma situação em que certa pessoa é apanhada, sendo as imagens registadas através de câmaras escondidas, e depois divulgadas num programa de televisão produzido para o efeito, após autorização escrita dos visados;
93) O programa “A...” foi, no período horário respectivo, entre as 0 e 1 hora, o primeiro em audiências em apenas duas das suas nove edições emitidas em 2003;
94) Tendo descido, a partir do quinto programa, de 33,1% para 18,4% de “share” de audiências, contra “share’s” da BB que variaram entre 44,7% e 33,1%;
95) O “share” desse programa foi sempre inferior ao “share” médio da “DD” no mesmo período horário;
96) Não tendo sido encomendadas novas séries e tendo ficado o programa limitado à emissão de apenas nove séries, das quais foram repetidas uma em Setembro de 2004 e quatro em Janeiro de 2005, todas cerca das três horas da madrugada;
97) No programa das RR. os três primeiros episódios dizem respeito apenas aos “castings” das candidatas, os três subsequentes episódios dizem respeito a pequenas galas e apenas o último concerne à gala final do concurso, em que é eleita a Miss Portugal;
98) Bem como a 1ª e 2ª Damas de Honor, a “Miss Fotogenia” e a “Miss Simpatia”, inexistentes no programa “U.... s...”;
99) No programa das RR. os votos do público apenas tinham lugar via chamada telefónica;
100) Tal modo de votação foi usado no formato do programa “Ídolos”;
101) No programa “O… T…” emitido pela “GG 1”, tal como nos programas “B… B…” e “Q… das C…”, em que a selecção dos candidatos a expulsar tem lugar através da votação do público, o público também podia votar através de chamada telefónica ou SMS;
102) O processo de selecção é diferente nos programas “U.... s...” e nas duas fases finais do programa “U.... s...-Miss Portugal 2004”;
103) No programa “U.... s...”, na primeira sessão, uma das candidatas é seleccionada pelo júri e outra pelo público, sendo as restantes excluídas automaticamente;
104) E no programa das RR. o método de selecção varia consoante a fase do concurso, funcionando em sentido inverso;
105) Sendo as candidatas seleccionadas pelas outras concorrentes e pelo júri para abandonar o concurso e o público vota para as manter em competição;
106) E só na gala final do programa é que o público vota nas nove finalistas para a eleição da “Miss Portugal”, da 1ª e 2ª Damas de Honor e das “Miss Fotogenia” e “Miss Simpatia”;
107) Não existirem provas de canto;
108) No programa das RR. todos os membros do júri foram escolhidos pelas suas ligações ao mundo da moda;
109) No programa “U.... s... – Miss Portugal 2004” o júri avalia cada uma das candidatas, não só na fase de “castings” como durante as próprias galas;
110) Nas segunda e terceira fases do programa das RR., não existe qualquer tentativa de degradação das candidatas, mas antes um cariz formador associado ao tradicional concurso de beleza de eleição da “Miss Portugal”;
111) Na segunda e terceira fases do programa das RR., as candidatas nunca são sujeitas a provas «surpresa», sendo preparadas e ensinadas por formadores (especialistas no mundo da moda, nas suas várias vertentes: maquilhagem, vestuário, expressão corporal e facial, desfilar em passerelle, etc.);
112) Na segunda e terceira fases do programa das RR., as candidatas são depois avaliadas, no âmbito das provas a que são sujeitas nas referidas áreas, em resultado da formação que lhes foi ministrada;
113) No programa das RR. existem diversos tipos de provas e de actividades desenvolvidas por parte das candidatas, como a prova de expressão artística (em que as candidatas tiveram a oportunidade de fazer um curso intensivo de pintura), deslocações ao ginásio, actividade no circuito de manutenção de Monsanto, prova individual de talento, peditório para angariação de fundos com o objectivo de compra de brinquedos para entrega numa instituição de solidariedade social;
114) Provas que não existem no formato do programa “U.... s...”;
115) O programa das RR. possui uma prova de cultura geral incluindo várias questões de resposta múltipla e algumas questões de resposta aberta, com o intuito de avaliação do perfil de cada uma das candidatas;
116) No programa “U.... s...”, as perguntas de cultura geral a que as candidatas são submetidas são efectuadas pelo apresentador durante a própria gala em voz alta e enquanto todas as candidatas se encontram no palco, numa tentativa de criar um momento de humor baseado na ridicularização das candidatas;
117) Os comentários dos apresentadores do programa “U.... s...” são diferentes das avaliações e comentários do programa das RR.;
118) A 2ª R. é detentora dos direitos de exploração, ao nível nacional, do programa “Ídolos”;
119) No programa “U.... s... – Miss Portugal 2004”, existem apenas 4 membros do júri, ao contrário do que sucede no programa “U.... s...”, onde existem 5. ------------------------------------------

2-3- Compulsando a petição inicial, verifica-se que o A. fundamenta a presente acção dizendo que o programa televisivo das RR. constitui contrafacção dos seus direitos autorais da obra que indica. Com efeito, segundo refere, as RR. apropriaram-se ilícita e ilegitimamente do programa concebido e idealizado por si, tendo-lhe provocado danos de que se quer ver ressarcido.
Para a decisão das questões que nos são colocadas para apreciação, teremos que nos mover no campo dos direitos de autor, mais concretamente nos princípios e regras estabelecidas pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo DL nº 63/85 de 14-03, alterado, sucessivamente, pelas Leis nºs. 45/85, de 17-09, e 114 /91, de 03-09, pelos DL nºs 332/97 e 334/97, ambos de 27-11 (e pelas Leis nºs 50/2004, de 24-08, 24/2006, de 30-06, e 16/2008, de 01-04, aqui inaplicáveis atendendo à data da factualidade analisada) (1)

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Como resulta do disposto dos arts. 1º e 2º do CDADC, o objecto do direito de autor é constituído por obras literárias ou artísticas, ou seja, por criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo. Como diz Alexandre Libório Dias Pereira (2) a interpretação conjugada dos preceitos contidos nos arts. 1º e 2º do CDADC fornece uma noção geral de obra literária ou artística, que funciona como uma "porta de entrada" nos direitos de autor”.
O art. 2º do CDADC (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) elenca exemplificativamente as diversas criações intelectuais susceptíveis de protecção no âmbito do direito de autor.
Este art. 2º, para o que interessa para os presentes autos, engloba como criações intelectuais as “obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas” (nº 1 al. f)).
Quer dizer estas criações, beneficiarão da protecção autoral, caso cumprirem os requisitos necessários para que essa protecção possa ter lugar.
Quanto à contrafacção estabelece o art. 196º que:
1 - Comete o crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria.
2 - Se a reprodução referida no número anterior representar apenas parte ou fracção da obra ou prestação, só essa parte ou fracção se considera como contrafacção.
3 - Para que haja contrafacção não é essencial que a reprodução seja feita pelo mesmo processo que o original, com as mesmas dimensões ou com o mesmo formato.
4 - Não importam contrafacção:
a) A semelhança entre traduções, devidamente autorizadas, da mesma obra ou entre fotografias, desenhos, gravuras ou outra forma de representação do mesmo objecto, se, apesar das semelhanças decorrentes da identidade do objecto, cada uma das obras tiver individualidade própria;
b) A reprodução pela fotografia ou pela gravura efectuada só para o efeito de documentação da crítica artística”.
Nesta conformidade, para que um facto (ilícito) possa ser considerado contrafacção devem, concorrer, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) alguém proceder a uma utilização fraudulenta; b) arrogar-se como sendo sua, obra alheia; c) que seja mera reprodução de obra alheia; d) que essa reprodução seja tão semelhante que não tenha individualidade própria.
A este propósito refere Luís Francisco Rebelo (3) que “a contrafacção consiste, fundamentalmente, na apropriação abusiva do conteúdo de obra alheia, sendo irrelevante que a sua reprodução obedeça a um processo diferente ou não respeite as características exteriores (dimensões, formato, material utilizado, etc.) dessa obra. É, por exemplo, contrafacção o desenho que reproduz uma tela pintada a óleo, se esse desenho for assinado por outrem que não o autor desta, ou a adaptação à cena de um romance de outrem, omitindo-se essa circunstância”.
Diversa da contrafacção é a figura da usurpação (4) . a que alude o art. 195º. Enquanto nesta o usurpador utiliza a obra de outro sem autorização (ou para além dos limites da autorização concedida), na contrafacção o visado utiliza como própria uma obra alheia (5) .
Como resulta do nº 1 daquele art. 196º, desde que cada uma das obras possua individualidade própria, a semelhança entre duas obras não constitui contrafacção.
Neste mesmo sentido refere-se no Acórdão deste STJ de 10-7-2008 que “a contrafacção, prevista e punida pelo art. 196º, nº 1, do CDADC é uma imitação ou alteração total ou parcial fraudulenta de uma obra alheia, exigindo a verificação daquela figura jurídica que o autor da reprodução apresente essa obra como sendo sua e que ambas apresentem tal semelhança que a nova obra não tenha individualidade própria. Se a semelhança não excluir a individualidade própria de cada obra, não há contrafacção(6).
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Também no mesmo sentido, o nº 4 al. a) do art. 196º indica-nos que não há contrafacção nas obras que referencia se, apesar das semelhanças decorrentes da identidade do objecto, tiverem individualidade própria. O critério da individualidade prevalece sobre a semelhança objectiva. Mas individualidade tem aqui o exacto sentido de criatividade. Decisivo para determinar a contrafacção é nada se acrescentar à criação alheia a que se recorreu.
Significa isto que o critério determinante para que se diga que não há contrafacção, é afirmar-se que obra possui um conjunto de características intrínsecas que permite dizer que, não obstante as semelhanças, se trata de uma obra diferente e não uma reprodução ou cópia da outra, isto é, que é uma obra que tem uma individualidade própria, por comparação com a outra.
Revertendo para o caso dos autos estes princípios, diremos que para haver reprodução e/ou apropriação de obra alheia, no sentido da existência de uma contrafacção, o recorrente (A.) teria de ter demonstrado, desde logo, que a obra relativamente à qual é titular de um direito de autor (do guião, como iremos ver mais à frente), havia antecedido a obra das recorridas, isto é, que a sua obra havia sido anterior ao guião criado pela recorrida “CC”.
Por outro lado, teria de ter demonstrado que as recorridas conheciam a sua obra (o guião criado pelo EE), quando criaram e divulgaram as suas próprias obras e quando procederam ao registo da marca do programa “S…de M… – Miss Portugal 2004”, junto do INPI.
Ora, nada disso se apurou no processo. Somente se sabe que ambos os guiões foram criados/desenvolvidos em 2 de Dezembro de 2003 e em finais de 2003, não tendo o recorrente provado, em concreto, que o guião de EE é anterior ao da criação da R. “CC” e não se tendo apurado, tão pouco, que as recorridas conhecessem aquele guião aquando da criação do seu programa.
Acresce que emerge da matéria provada que o programa da recorrida BB assentava numa estrutura que conjugava o tradicional formato do concurso “Miss Portugal”, com o formato dos reality shows, integrando aspectos do programa “Ídolos” (respostas aos quesitos 63º e 64º). O mesmo se diga quanto aos logótipos, em que a par das dissemelhanças de grafismo, tipo e tamanho de letras e cores, ficou provado que o aspecto gráfico do logótipo do programa das recorridas adveio de criação dos editores da BB associando as cores utilizadas no formato do canal televisivo “BB Mulher” (resposta ao quesito 75º). São correctas as asserções da douta decisão recorrida onde se diz que “… o programa emitido pelas RR, não obstante o seu conteúdo incluir o objectivo de encontrar o sonho de mulher de todos os portugueses (ponto 74 da decisão de facto) tinha como objectivo final a eleição da que pelas suas características devesse representar o país no concurso de beleza, utilizando um formato que conjugava o tradicional formato do concurso “Miss Portugal com o formato dos reality shows integrando aspectos do programa Ídolos, programa esse de cujos direitos de exploração ao nível nacional a 2ª Ré é detentora (pontos 41 e 119 da decisão de facto), sendo que a vencedora seria considerada o Sonho de Mulher de todos portugueses e transformada em “Miss Portugal 2004”; a expressão “Sonho de Mulher” é referida no título do programa das RR como uma forma de alusão à futura vencedora do concurso e constituía requisitos para alguém se candidatar ao concurso “Miss Portugal 2004” (pontos 42 e 43 da decisão de facto). O programa televisivo “Sonho de Mulher” tinha como objectivo encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses, tendo o EE apresentado um guião onde as candidatas seriam sujeitas a várias provas, desfile em fato de banho e em vestido de gala, prova de canto e/ou expressão corporal, onde se mostraria não a cultura, mas a incultura das candidatas criando uma figura bonita e bem arranjada, mas só por vezes culta (pontos 3 a 7 da decisão de facto). Este programa é um concurso para concorrentes femininas cujo objectivo, essência e conteúdo é encontrar a mulher de sonho de todos os portugueses, sendo elas sujeitas a várias provas, entre as quais uma entrevista individual em que se pretendia mais do que a cultura mostra a incultura das mesmas, e vencedora teria o estatuto de “Sonho de Mulher” de todos os portugueses e poderia vir a ser incluída como apresentadora de um programa de televisão (pontos 68 a 73 da decisão de facto). Os objectivos dos dois programas de televisão, do mesmo género que são, têm objectivos diferentes: o das RR o de eleger Miss Portugal 2004 que viria a representar o país num concurso de beleza; o programa “Sonho de Mulher” por seu turno eleger uma das candidatas que vencendo o concurso “poderia” vir a ser incluída como apresentadora de um programa de televisão. O programa televisivo “Sonho de Mulher” tem por base um guião cuja ideia nuclear é a de ridicularizar as candidatas, de evidenciar a “incultura” das candidatas ao concurso de beleza; e essa intenção sai reforçada com o “prémio” que é atribuído à vencedora: não a certeza de representar o país num concurso internacional de beleza mas a “possibilidade” de vir a ser incluída como apresentadora de um programa de televisão, cujos contornos se desconhecem. No programa televisivo das Rés não existe qualquer tentativa de degradação das candidatas, mas antes um cariz formador associado ao tradicional concurso de beleza de eleição da “Miss Portugal” – ponto 110 da decisão de facto”. Concluiu-se, dizendo que “não há, assim, no programa das Rés qualquer tentativa de apropriação da criatividade do programa cáustico, mordaz “Sonho de Mulher”, o que tanto basta para se concluir pela individualidade da obra das Rés e pela impossibilidade da ocorrência da contrafacção ou plágio. Torna-se assim desnecessária a apreciação das semelhanças e diferenças (que as há), nas estruturas dos dois programas televisivos”.
Esta posição, repete-se, é absolutamente certa, sublinhando-se aqui que as obras, pelas razões aduzidas, pese embora tenham algumas semelhanças entre si, têm individualidade e características próprias, o que só por si é suficiente para se concluir que não ocorre o ilícito (criminal) de contrafacção de que vimos falando (vide o que acima se referiu, maxime o disposto no art. 196º nº 4).
Quer isto dizer que o fundamento usado na acção pelo A. (contrafacção da sua obra) para deduzir o pedido de indemnização, não procede.
2-4- O A. na acção e no recurso sustenta também que os seus direitos autorais sobre a obra em causa, foram violados.
É sobre esta problemática que nos iremos de seguida debruçar.
Remete-se para o que acima se referiu no que toca às considerações feitas com respeito aos dos arts. 1º e 2º do referido CDADC.
Já vimos que o art. 2º (al. f)), considera criações intelectuais as obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas, beneficiando, assim, da protecção autoral, desde que (evidentemente) cumpram os requisitos necessários para que essa protecção possa ter lugar.
A obra é o objecto da protecção no direito de autor o que pressupõe a sua existência, não podendo falar-se sequer de direito de autor sem a realidade de uma obra, entendida esta “como a exteriorização duma criação do espírito, uma criação intelectual por qualquer modo exteriorizada(7).
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Por isso é que as obras tuteladas pelos direitos de autor são as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer forma exteriorizadas (art. 1º) não beneficiando dessa tutela as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas, por si só e enquanto tais, podendo, no entanto beneficiar de protecção uma vez fixadas em concreto. Não se protegem as ideias mas sim as formas como elas se apresentam. A exteriorização implica que a criação intelectual deve ter uma expressão comunicativa reconhecível através de uma forma sensorialmente apreensível (ou "susceptível de percepção").
O direito de autor, consiste no direito sobre a obra, qualquer que seja o género ou a forma de expressão, englobando, por um lado, direitos pessoais ou morais (no sentido em que o autor tem direito a reivindicar durante toda a sua vida a paternidade da obra e de assegurar a genuinidade e a integridade da mesma) e pelo outro, direitos patrimoniais (no sentido em que o autor tem direito a retirar vantagens económicas derivadas da exploração da obra). Neste sentido estabelece o art. 9º nº 1 que “o direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal, denominados direitos morais”. Acrescenta o nº 2 da disposição que “no exercício de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de fruí-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiro, total e parcialmente”. “Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade” (nº 3 do artigo).
Quer isto dizer que no que toca aos direitos de carácter patrimonial, o titular dos direitos de autor tem o direito exclusivo de fruir e utilizar a sua obra, no todo ou em parte, tendo, nomeadamente, a faculdade de a divulgar, publicar, e explorar economicamente por qualquer forma, directa ou indirectamente, nos limites da lei (vide também arts. 67º e 68º).
No que concerne aos direitos morais, o autor goza do direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade, de se opor à sua destruição, a toda e qualquer mutilação, deformação ou outra modificação e, de um modo geral, a todo e qualquer acto que a desvirtue e possa afectar a honra e reputação de autor, o direito de a retirar a todo o tempo de circulação e fazer cessar a respectiva utilização, direitos estes que são inalienáveis, e irrenunciáveis, perpetuando-se após a morte do autor, competindo esse exercício aos seus sucessores, enquanto a obra não cair no domínio público (vide arts. 9º nº 3, 15º nº 2, 42º; 56º, 57º, 62º, 31º e segs.).
Só os direitos de autor de carácter patrimonial são susceptíveis de ser alienados ou onerados (art. 40º). Os direitos morais do autor sobre a sua obra perduram mesmo após a transmissão ou extinção dos direitos patrimoniais.
A dicotomia entre utilização pelo próprio autor ou por outrem é reconhecida no art. 68º nº 2, onde se assegura ao autor o direito exclusivo de fazer ou autorizar vários actos que traduzem modos de utilização e exploração da obra.
Temos, pois, que a utilização de uma qualquer obra por terceiro depende sempre da autorização (por escrito) do seu criador ou dos sucessores deste, presumindo-se a sua onerosidade e o carácter não exclusivo (arts. 40º e 41º nº 2), princípio que é revelado, no que toca à radiodifusão sonora ou visual da obra, no art. 149º.
A utilização da obra, à margem do seu regime legal de autorização, implica uma violação do direito do seu autor, susceptível de fazer incorrer o terceiro utilizador, em responsabilidade civil extracontratual (art. 203º).
Também o art. 196º, cuja análise já acima se realizou, prevê que incorre em crime de contrafacção quem utilizar, como sendo criação ou prestação sua, obra ou prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão de radiodifusão que seja mera reprodução total ou parcial de obra ou prestação alheia, divulgada ou não divulgada, ou por tal modo semelhante que não tenha individualidade própria. Ou seja, existirá contrafacção quando houver uma utilização abusiva do conteúdo de obra ou prestação alheia, que se apresenta como própria, ofendendo-se assim o direito moral consistente na reivindicação da paternidade da obra.
Feitas estas observações preliminares, vejamos a questão que nos é colocada, que consistirá em saber se as RR. violaram os invocados direitos autorais do A. que, nas suas próprias palavras “incidem sobre a obra radiodifundida que criou e sobre o guião que desenvolveu a ideia original que esteve na génese daquela”.
Em primeiro lugar, haverá que esclarecer se o recorrente é titular de algum direito autoral e, em caso afirmativo, como se constituiu esse direito.
De modo a determinar que obras e que direitos de propriedade intelectual sobre essas obras estão em questão nestes autos, impõe-se recordar a factualidade dada por provada sobre o assunto.
Está provado, no que respeita ao recorrente, que “no âmbito da sua actividade profissional, após o sucesso do programa “A...”, o A., em Setembro/Outubro de 2003, teve uma ideia original para novo programa de televisão”, “…contactou o EE, para que este efectuasse o guião na mesma linha do anterior, contendo também entrevistas mordazes, cáusticas e a roçar o ridículo” e que “o referido EE, no dia 2 de Dezembro de 2003, entregou ao A. a 1ª versão do guião desse programa” (respostas aos quesitos 4º, 5º e 6º). Esse novo programa teria o título de “U.... s...” e como objectivo o de encontrar o “sonho de mulher” de todos os portugueses e uma vez escrita a redacção do guião pelo indicado EE, seguiram-se os ensaios, com registos dos mesmos em videocassete, tendo sido gravado em cassete de vídeo no Casino da Póvoa do Varzim, a 13 de Janeiro de 2004, um programa com mais de 10 horas de imagens, que constitui o programa ... de “U.... s...”, que se destinava a ser apresentado à DD (respostas aos quesitos 7º, 13º, 14º, 15º e 16º). Mediante escritura pública, outorgada em 8 de Outubro de 2004, o EE transmitiu o direito de propriedade artística e intelectual registado no IGAC – Inspecção Geral das Actividades Culturais sob o número de entrada 956 e na Sociedade Portuguesa de Autores sob o número 8816, ambos de 17 de Fevereiro de 2004, relativos ao guião que constitui o conteúdo e formato destinados à divulgação pelos meios audiovisuais e designado por “U.... s...”, nos termos do documento constante de fls. 12 a 15 dos autos.
Por seu turno, do lado das recorridas, está provado que “em finais de 2003, a 1ª R., “BB”, contactou a 2ª R., “CC”, para que esta desenvolvesse um formato para a realização do tradicional concurso de eleição da “Miss Portugal”, o qual deveria conjugar os elementos utilizados no referido concurso (entre outros, desfiles em fato de banho e em vestidos de noite), com aspectos inovadores, associados aos denominados reality shows”. “Este contacto teve origem em anteriores diligências desenvolvidas, em Novembro de 2003, com a “FF”, e que esta agência de modelos desenvolveu, também, com a “GG” e a “DD”, no sentido de obter daquelas estações propostas inovadoras para a emissão de televisiva do concurso “Miss Portugal 2004”, tendo para tal elaborado uma sinopse do programa pretendido” (respostas aos quesitos 57º, 58º, 59º e 60º).
Está ainda provado que “uma vez contactada pela R. “BB” para desenvolver e produzir o programa televisivo, a 2ª R. “CC” criou um formato que conjugava o tradicional formato do concurso “Miss Portugal”, com o formato dos reality shows, integrando aspectos do programa “Ídolos”, aproveitando, dessa forma, o “know-how” adquirido na produção desse programa, cujo formato havia já comprovado ter sucesso, quer ao nível internacional quer ao nível nacional”. Assim, “durante a segunda semana do mês de Fevereiro, a R. “BB” contactou a R. “CC” informando-a que o seu programa tinha sido o escolhido pelos detentores do concurso “Miss Portugal” – “FF” e “HH” - como o programa “Miss Portugal 2004” (respostas aos quesitos 63º, 64º e 65º).
Está também demonstrado que “em 16 de Fevereiro de 2004, a 1ª R. “BB”, procedeu ao pedido de «registo» junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial da «marca» “U.... s... – Miss Portugal 2004” na classe 38ª” (resposta ao quesito 72º).
Por último, em Março de 2004, o A. foi alertado por amigos presentes na gravação do programa ..., para o facto da 1ª R. ter começado a anunciar através de promos e pela imprensa escrita, que a mesma iria estrear o seu programa, tendo iniciado a sua emissão televisiva em 16 de Abril de 2004 (resposta ao quesito 22º e alíneas G) e H) dos factos assentes).
Conforme se referiu acima e resulta do art. 1º nº 2 “as ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só, protegidos nos termos deste Código”.
No que tange ao âmbito das obras protegidas, como já se disse, o art. 2º nº 1 al. f), engloba como criações intelectuais, entre outras, as “obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas” (al. f) do art. 2º).
Porque os factos provados indiciam que a obra a que o A. se refere foi realizada em colaboração com o mencionado EE, importa verificar o estatuído no art. 17º que, expressamente, estatui sobre obra feita em colaboração.
Assim, estabelece esta disposição que:
1 - O direito de autor de obra feita em colaboração, na sua unidade, pertence a todos os que nela tiverem colaborado, aplicando-se ao exercício comum desse direito as regras da compropriedade.
2 - Salvo estipulação em contrário, que deve ser sempre reduzida a escrito, consideram-se de valor igual as partes indivisas dos autores na obra feita em colaboração.
3 - Se a obra feita em colaboração for divulgada ou publicada apenas em nome de algum ou alguns dos colaboradores, presume-se, na falta de designação explícita dos demais em qualquer parte da obra, que os não designados cederam os seus direitos àquele ou àqueles em nome de quem a divulgação ou publicação é feita.
4 - Não se consideram colaboradores e não participam, portanto, dos direitos de autor sobre a obra aqueles que tiverem simplesmente auxiliado o autor na produção e divulgação ou publicação desta, seja qual for o modo por que o tiverem feito.”
A obra em colaboração "na sua unidade" é um todo (ideal) não fraccionável em substância. Admitimos, por outro lado, que forçar a divisão do direito relativo ao que é por natureza e definição indiviso não atinge necessariamente a obra na sua essência unitária e pode provocar apenas a "dissolução da co-titularidade" ou a "divisão económica" do direito. Tal permite que se considere que, constituídos originariamente em titularidade plural conjunta, os direitos na obra em colaboração assim devem permanecer – salvo acto que opere a sua extinção apenas na esfera jurídica de um dos co-titulares, acrescendo então na esfera jurídica dos restantes colaboradores (8).
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A obra que for criação de uma pluralidade de pessoas denomina-se em colaboração, quando divulgada ou publicada em nome dos colaboradores ou de algum deles, quer possam discriminar-se quer não os contributos individuais e denomina-se colectiva quando for organizada por iniciativa de entidade singular ou colectiva e divulgada ou publicada em seu nome (art. 16º, nº 1, alíneas a) e b) do). Considera ainda a lei obra em colaboração, a obra aleatória em que a colaboração de um ou dos seus intérpretes se ache originariamente prevista (nº 2 do mesma disposição).
O direito de autor de obra feita em colaboração na sua unidade pertence a todos os que nela tiverem colaborado, aplicando-se-lhe as regras da compropriedade, presumindo-se, salvo estipulação em contrário, que é igual a colaboração de todos, assim como a cessão tácita dos colaboradores que não constem da publicação ou divulgação, não sendo colaboradores os que tiverem simplesmente auxiliado o autor na produção e divulgação desta (art.17º nºs 1 a 4). Por outro lado, consideram-se co-autores de obra radiodifundida, enquanto obra feita em colaboração, os autores do texto, da músicaa e da respectiva realização, bem como da adaptação se não se tratar de obra inicialmente produzida para a comunicação audiovisual (art. 21º nº 2).
Voltando aos caso dos autos, é inequívoco, desde logo, que, como bem é salientado nas contra-alegações das recorridas (e decidiram as instâncias), a ideia original para novo programa de televisão que o recorrente invoca ter tido em Setembro/Outubro de 2003, por si só e enquanto tal, não consubstancia uma obra ou criação intelectual merecedora de protecção nos termos do CDADC (art. 1º nº 2).
Como a acção intelectual do A. se limitou à ideia original para o programa de televisão, somos em crer que a obra em causa não se poderá reputar como feita em colaboração com o mencionado EE.
A ideia apenas se pode considerar ter sido exteriorizada/concretizada com o guião criado e entregue ao recorrente por EE, em 2 de Dezembro de 2003, sendo essa a data a que se deve reportar a obra em causa, tal como concluíram as instâncias.
Por outro lado, o guião da 2ª recorrida foi criado em finais de 2003, tendo o programa de televisão “U.... s... – Miss Portugal 2004” sido emitido a partir do dia 16 de Abril de 2004.
Os guiões em causa consubstanciam duas obras escritas, as quais se enquadram na alínea a) do art. 2º, n.º 1.
Ao guião de EE seguiram-se os ensaios, com registo em videocassete, constituindo essa gravação (do “programa …”) uma obra audiovisual, mais especificamente uma obra videográfica, prevista na alínea f) do art. 2º nº 1).
Tal obra videográfica distingue-se da obra televisiva ou radiodifundida pela 1ª recorrida, emitida na televisão, a qual se integra na previsão dos arts. 2º, nº 1 alínea f) e 21º. O que se passou, no caso da obra do recorrente, foi uma gravação (fixação na expressão legal) de imagens e sons, baseados num guião (obra literária pré-existente) de modo a criar uma obra audiovisual que podia ser radiodifundida ou não.
Por isso, nos parece que o “programa …” mais não é do que a fixação em videograma do “guião”.
Mas mesmo que se deva considerar a obra em causa como radiodifundida, o A. não é co-autor dela, tendo esta característica (somente) o autor do texto e da realização, como decorre do disposto no nº 2 do referido art. 21º.
Com efeito, no que concerne à autoria do guião do programa “U.... s...”, o mesmo foi criado pelo EE e não pelo recorrente (embora a pedido deste). Ou seja, o criador intelectual do guião foi EE que, enquanto tal, é o seu autor (art. 11º). De resto, se assim não fosse, não faria qualquer sentido, o recorrente e o dito EE, terem outorgado a escritura pública de 8 de Outubro de 2004, em que este procedeu à transmissão total e definitiva ao recorrente do direito de propriedade artística e intelectual relativo ao guião. Claro que não é compreensível transmitir-se aquilo que já nos pertence, razão pela qual, se o recorrente fosse titular de algum direito de propriedade intelectual sobre o guião, não contrataria com EE a transmissão do direito, cessão efectuada pela dita a escritura pública (arts. 40º e 41º).
Serve isto para dizer que não podem restar dúvidas de que a titularidade originária da propriedade intelectual sobre o guião pertencia a EE (em exclusivo) e de que, só após a celebração daquela escritura pública, o conteúdo patrimonial do direito referido foi transmitido para o recorrente (arts. 9º, 11º e 44º). O A., como adquirente derivado não adquire, por força da transmissão operada, a qualidade de autor ou de co-autor da obra, pois que não a criou tornando-se, única e exclusivamente, o titular do conteúdo patrimonial do direito sobre a obra. O autor ou criador intelectual do guião, EE, manteve (e mantém) os direitos morais sobre essa obra.
De resto, como se vê pelo teor da escritura celebrada, a dita transmissão não incluiu (nem podia incluir) (9) o direito de propriedade moral sobre a obra audiovisual em si, obra que se veio a traduzir na cassete de vídeo gravada no Casino da Póvoa de Varzim a 13 de Janeiro de 2004.
Também segundo o art. 24º “consideram-se autores da obra fonográfica ou videográfica os autores do texto ou da música fixada e ainda, no segundo caso, o realizador”.
Para além do facto do guião ser de EE, nada foi alegado, e muito menos provado, quanto a saber quem foi o realizador do “programa ...” (este, sim, igualmente autor da obra). Poderia o A. ser considerado produtor, mas este numa obra audiovisual não é considerado autor ou co-autor dessa obra, como decorre dos arts. 24º, 124º, 125º, 126º e 140º.
Em síntese, no caso vertente, não ficou provado que o recorrente tenha realizado (ou sequer produzido) a obra videográfica, em que se traduziu o “programa ...”, motivo pelo qual não se vê que lhe assista qualquer tipo de direito autoral sobre a mesma (fora os direitos patrimoniais sobre ela).
Não tem, pois, qualquer razão, o recorrente quando sustenta que é o originário titular dos direitos do guião ou originário co-autor de obra em colaboração, ou seja, da obra radiodifundida.
Apenas se pode concluir que o recorrente é titular do conteúdo patrimonial do direito de propriedade artística relativo ao guião que constitui o conteúdo e formato destinados à divulgação pelos meios audiovisuais e designado por “U.... s...”, que adquiriu em 8 de Outubro de 2004 a EE.
Esclarecido este aspecto, importará indagar se o título da obra “U.... s...” escapa, ou não, à protecção legal do art. 4º, ou seja, iremos equacionar se, como vem alegado pelo recorrente, o título do programa das recorridas constitui reprodução do título do seu programa, o que redundaria na violação do art. 4º.
Estabelece esta disposição que:
1 - A protecção da obra é extensiva ao título, independentemente de registo, desde que seja original e não possa confundir-se com o título de qualquer outra obra do mesmo género de outro autor anteriormente divulgada ou publicada.
2 - Considera-se que não satisfazem estes requisitos:
a) Os títulos consistentes em designação genérica, necessária ou usual do tema ou objecto de obras de certo género;
b) Os títulos exclusivamente constituídos por nomes de personagens históricas, histórico-dramáticas ou literárias e mitológicas ou por nomes de personalidades vivas.
3 - O título de obra não divulgada ou não publicada é protegido se, satisfazendo os requisitos deste artigo, tiver sido registado juntamente com a obra”.
No nº 1 deste preceito legal visa-se proteger a originalidade, isto é, a não banalidade. O título será protegido desde que traga algo de novo.
Logo por aqui se alcança que a utilização do título “U.... s...”, para mais num concurso destinado a encontrar “o sonho de mulher de todos os portugueses”, é claramente banal e destituído de qualquer tipo de originalidade.
Acresce que mesmo que esse título não se pudesse etiquetar de banal, trata-se, em todo o caso, de uma expressão vulgar, comummente usada em contextos que versem sobre questões de beleza e estética feminina, com um significado bem vincado, de uso corrente e insusceptível de constituir objecto de direito exclusivo. Por outro lado, a expressão “U.... s...” já tinha sido utilizada no título de obras cinematográficas anteriores, como demonstra a factualidade assente acima referida sob o nºs 36 e 37.
Não se vislumbra, pois, qualquer resquício de originalidade no uso da expressão em causa, de modo a erigi-lo a um título merecedor da protecção autoral resultante do mencionado art. 4º.
Acrescente-se ainda que o título “U.... s... – Miss Portugal 2004” não apresenta uma similitude bastante para poder ser considerado como uma mera reprodução do título da obra que o recorrente aqui invoca, surgindo no título dos programas das recorridas como um subtítulo o que, pela associação à expressão “Miss Portugal 2004”, o distingue, evitando qualquer confundibilidade.
Por fim e contrariamente ao sustentado pelo recorrente (e no douto parecer que acompanha as suas alegações) a obra em relação à qual o recorrente tem um direito (patrimonial) de autor (repete-se, tão só e apenas, o guião) não chegou, como já se disse, a ser divulgada. Na verdade, a gravação em videocassete não consubstanciou a divulgação da obra, nos termos e para os efeitos do art. 6º, tal como bem decidiu a decisão recorrida. O próprio parecer junto pelo recorrente parece acabar por aceitar esta circunstância na sua 15ª conclusão (10) .
Estabelece esta disposição que:
1 - A obra publicada é a obra reproduzida com o consentimento do seu autor, qualquer que seja o modo de fabrico dos respectivos exemplares, desde que efectivamente postos à disposição do público em termos que satisfaçam razoavelmente as necessidades deste, tendo em consideração a natureza da obra.
2 - Não constitui publicação a utilização ou divulgação de uma obra que não importe a sua reprodução nos termos do número anterior.
3 - Obra divulgada é a que foi licitamente trazida ao conhecimento do público por quaisquer meios, como sejam a representação de obra dramática ou dramático-musical, a exibição cinematográfica, a execução de obra musical, a recitação de obra literária, a transmissão ou a radiodifusão, a construção de obra de arquitectura ou de obra plástica nela incorporada e a exposição de qualquer obra artística”.
O termo “público” a que se refere a disposição deve ser entendido como o “público em geral”. Só existe divulgação quando a obra sai fora da esfera de controlo do autor e passa a ser acessível a todos aqueles que procuram ter conhecimento dela.
Ora, no caso, o que foi filmado foram ensaios que podiam ou não ser aproveitados para criar um programa em condições de ser publicamente exibido. Além disso, não se prova que a obra audiovisual e o próprio guião tenham sido publicados ou radiodifundidos, distribuídos, reproduzidos, comercializados ou, por qualquer outra forma, trazidos ao conhecimento do público, pois somente se demonstrou o que consta nos nºs 10 a 13 dos factos assentes acima referenciados, designadamente que uma vez escrita a redacção do guião pelo indicado EE, seguiram-se os ensaios, com registos dos mesmos em videocassete, tendo sido o programa gravado em cassete de vídeo no Casino da Póvoa de Varzim a 13.1.04, tendo mais de 10 horas de imagens, o que constituiu o programa ... de “U.... s...”, que se destinava a ser apresentado à DD.
As partes gravadas (do “programa ...”), com uma duração de mais de 10 horas, teriam notoriamente de ser editadas, montadas, trabalhadas, para criar uma obra coesa que seguisse o guião, em condições de se traduzirem num programa.
A gravação em videocassete não traduz, por outro lado, a comunicação pública de uma obra autónoma. Tal comunicação implica, necessariamente, para além da existência de uma obra, a sua apresentação ao público, ou seja, dar a conhecer a obra à generalidade das pessoas, permitindo, assim, o acesso à mesma.
Por conseguinte, não restam dúvidas de que a obra de que o recorrente é titular patrimonial, o guião, não chegou a ser divulgada, não se podendo considerar a mera gravação de ensaios como fazendo parte do conceito de divulgação (vide novamente o disposto no art. 6º nº 1).
Por este motivo, tal como bem decidiu o acórdão recorrido, o título da obra não divulgada ou não publicada só seria protegido se, satisfazendo os requisitos do art. 4º, tivesse sido registado juntamente com a obra, como resulta do nº 3 deste preceito.
Como o título não satisfaz, como se viu, as condições estabelecidas na disposição, não pode ser protegido. Mas mesmo que assim não fosse, considerando que o registo da obra (e do respectivo título) foi posterior à data em que a 1ª recorrida procedeu ao registo da sua marca (respectivamente, 29 de Abril e 16 de Fevereiro de 2004 – cf. alínea D) dos factos assentes e resposta ao quesito 72º), o titulo da obra de que o recorrente é titular (o guião), porque registado posteriormente à da dita recorrida, nunca poderia gozar de respectiva protecção legal derivada do registo, pelo que tal título não seria oponível às recorridas.
A posição da recorrente é, pois, insubsistente.
Como se referiu, o recorrente adquiriu direitos patrimoniais sobre o guião do dito programa televisivo.
O recorrente sustenta que as RR. ao conceberem e emitirem o programa televisivo em causa, que tinha um conteúdo em tudo idêntico ao seu programa, violaram os seus direitos autorais, para além daquele constituir uma evidente contrafacção do seu.
Quanto à contrafacção, remete-se para o que acima se referiu sobre o assunto, reafirmando que os factos provados não demonstram ter existido a dita contrafacção.
No que toca à violação dos direitos de autor, para além do que já se disse antes, acrescentaremos, de forma muito sintética, que para uma violação nesse âmbito pudesse ocorrer seria sempre preciso que se demonstrasse que as RR. conheciam a obra (guião) do A., o que não sucedeu. Note-se a este propósito que o programa do A. não chegou a ser divulgado, pelo que o conhecimento dele pelas RR., fora da divulgação pública, teria que ser alegado e provado (11).
. Além disso, nem se quer se demonstrou que o guião de que o A. adquiriu os direitos patrimoniais, é anterior ao guião do programa das RR.. Em razão destas circunstâncias não se poderá dizer, coerentemente, que existiu uma apropriação pelas recorridas da obra do recorrente.
Por outro lado, haveria também o A. que demonstrar que as obras são em tudo idênticas, o que não fez. Pelo contrário, somos em crer, que os programas em questão, como já se disse acima, pese embora possuíssem alguns aspectos e características coincidentes (ambos eram “reality shows” e, como é notório, estes tipo de programas repetem conceitos e formatos), o certo é também que, como se sublinhou no douto acórdão recorrido (para onde se remete), eram programas com particularidades diferentes e que tinham objectivos diversos.
Por isso se conclui que não se prova que tenha existido, por parte das RR., qualquer tentativa de apropriação do conteúdo do programa do A.
A posição do recorrente é, também, quanto a este aspecto improcedente.
Uma só nota para nos referirmos à invocada, à cautela, concorrência desleal, prevista no art. 317º do Código da Propriedade Industrial.
É manifesto a insubsistência da invocação deste instituto. Com efeito, é pacífico que, não obstante não se ter provado, no concreto, qualquer “acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”, tal acto teria de ser praticado entre concorrentes, o que pressupunha, evidentemente, que as actividades das recorridas e do recorrente o fossem entre si, o que, patentemente, não sucede, como se verifica compulsando a factualidade dada como assente.
A recorrente sustenta ainda que os proventos obtidos pelas RR., na sequência, do seu comportamento abusivo, constituem manifesto enriquecimento sem causa.
Porque não se aceita qualquer comportamento ilícito ou abusivo em relação à recorrente por banda das recorridas, é claro que não ocorre o aludido seu enriquecimento sem causa.
2-5- No que toca à indemnização pedida pelo recorrente, evidentemente que, não se provando a prática de qualquer ilícito por banda das recorridas, não ocorre o essencial elemento para determinar e definir qualquer indemnização, não estando, assim, reunidos os pressupostos do instituto da responsabilidade civil a que se refere o art. 483º do Código Civil.
Mas mesmo que os outros requisitos de responsabilidade civil por factos ilícitos ocorressem, parece-nos duvidoso que os factos provados possam demonstrar que existiu qualquer prejuízo por banda do A., em razão das condutas da R.. E sem dano não existe a obrigação de indemnizar.
Com efeito, a nosso ver, não é possível retirar dos factos assentes que o A. iria concretizar a venda do seu programa à DD, sendo que só com a materialização do negócio é que se poderia sustentar a ocorrência de danos. Apenas se demonstrou que a “venda” de cada programa far-se-ia ao canal de televisão “DD”, já contactado e interessado na aquisição do mesmo, por valor dependente de negociação, mas nunca inferior a trinta e cinco mil euros por programa (facto referido acima sob o nº 9), o que é diferente de uma transacção já efectivada e, como tal, com perspectivas patrimoniais já concretizadas.
O recurso improcede in totum.

III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Março de 2010
Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas
___________________________
(1) O direito de autor é uma das vertentes da propriedade intelectual, abrangendo obras literárias e artísticas (romance, ensaio, poema, teatro, filme, desenho, escultura, arquitectura, etc...). Direitos conexos, como resulta do art. 176º do CDADC, são os direitos de que são titulares os artistas intérpretes ou executantes, sobre as suas prestações, os produtores de fonogramas e videogramas sobre os seus produtos e os organismos de radiodifusão sobre os seus programas de rádio e televisão.
A outra vertente da propriedade intelectual, é a da propriedade industrial que compreende as invenções, as marcas, os desenhos e os modelos industriais e as indicações geográficas.
(2) In Direitos de Autor e Liberdade de Informação, pág. 379.
(3) In Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pág. 252
(4) Nos artigos 195º e 196º, que dizem respeito aos delitos de usurpação e contrafacção, bem como no art. 199º (aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada), estabelecem-se crimes contra o direito patrimonial do autor (vide refere Luís Francisco Rebelo (in obra citada, pág. 249)
(5) Como, a este propósito, refere Luís Francisco Rebelo (in obra citada, pág. 249) “a distinção entre a usurpação e a contrafacção, hoje muito nítida, não o era tanto na legislação anterior a 1966… Face aos artigos 195º e 196º do Código actual, usurpação é toda a utilização não autorizada de uma obra … ou que exceda os limites da autorização concedida e contrafacção a utilização como própria de uma criação ou prestação alheias, no todo ou em parte…”
(6) In Revista n.º 1068/08 - 6ª Secção.
(7) In “Direito de Autor e Direitos Conexos” (1992), pág. 70, Oliveira Ascenção
(8) ” Professor Alberto de Sá e Mello, in “Contrato de Direito de Autor – A Autonomia Contratual na Formação do Direito de Autor”, pág. 180
(9) Vide a este propósito o disposto no art. 9º nº 3 do CDADC)
(10) Além da a factualidade provada, a nosso ver, não sugerir a divulgação da obra, uma mera sugestão não é suficiente para se poder dar como assente essa circunstância. O próprio parecer parece aceitar esta ideia ao aludir à necessidade de uma melhor averiguação sobre a divulgação, indagação aqui e agora impossível.
(11) O ónus da prova, caberia ao A., como decorre do disposto no art. 342º nº 1 do C.Civil.