Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
443/13.0TTVNF.G1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO - SEGURANÇA NA UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1, 563.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 59.º, N.º1, ALS. C) E F).
DECRETO-LEI N.º 50/2005, 25 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 1.º, N.º 1), 2.º, ALÍNEA A), 3.º, 33.º, N.ºS 4 E 5, 34.º, N.º2, 35.º, N.ºS 1 E 2.
DECRETO-LEI N.º 50/2005, DE 25 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 33.º, N.º 4, E 35.º, N.OS 1 E 2.
LEI N.º 98/2009, DE 4 DE SETEMBRO: - ARTIGOS 2.º, 18.º, N.º1, 79.º, N.º3, 188.º.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA N.º 89/655/CEE, DO CONSELHO, DE 30 DE NOVEMBRO, ALTERADA PELA DIRETIVA N.º 95/63/CE, DO CONSELHO, DE 5 DE DEZEMBRO, E PELA DIRETIVA N.º 2001/54/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 27 DE JUNHO, RELATIVA ÀS PRESCRIÇÕES MÍNIMAS DE SEGURANÇA E DE SAÚDE PARA A UTILIZAÇÃO PELOS TRABALHADORES DE EQUIPAMENTOS DE TRABALHO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 18 DE ABRIL DE 2007, PROCESSO N.º 4473/06 – 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1.  Embora resulte da matéria de facto provada que a empregadora violou as regras sobre segurança no trabalho contidas nos artigos 33.º, n.º 4, e 35.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, atendendo a que a viga não embateu diretamente no sinistrado, caiu no patamar inferior da escada de socorro, o que provocou a projeção daquela peça na direção do sinistrado e, doutra parte, porque não é possível afirmar que da falta de elaboração de um plano prevendo o uso de duas cintas na elevação daquela viga resultou o acidente, não se pode concluir que ocorre nexo de causalidade entre a inobservância daquelas regras sobre segurança no trabalho e a eclosão do acidente, sendo que competia à autora alegar e provar os factos conducentes a essa conclusão, ónus que não se mostra cumprido.

2.  Não se tendo provado que o acidente tenha emergido da inobservância, pela ré empregadora, de regras sobre segurança no trabalho, não se acham preenchidos os pressupostos da responsabilização do empregador, previstos no n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Decisão Texto Integral:

 

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 5 de junho de 2014, na Comarca de Braga, Vila Nova de Famalicão – Instância Central – 2.ª Secção do Trabalho – J1, a autora AA, por si e em representação dos filhos menores, BB, CC e DD instaurou a fase contenciosa da presente ação especial emergente de acidente de trabalho, o qual foi participado, em Tribunal, no dia 11 de junho de 2013, data em que se iniciou a instância (cf. artigo 26.º, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho), contra a empregadora EE, Lda., e a SEGUROS FF, S. A., pedindo a condenação das rés, conforme a respetiva responsabilidade, no pagamento das pensões, indemnizações e subsídios a que têm direito, com fundamento em acidente de trabalho, verificado em 5 de junho de 2013 e de que resultou a morte do seu cônjuge, GG, quando exercia a atividade de serralheiro de construção de estruturas metálicas ao serviço da primeira ré, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a referida seguradora.

Para tanto, alegou que a inobservância de regras sobre segurança no trabalho por parte da empregadora esteve na origem do acidente que vitimou o sinistrado.

A ré empregadora contestou, por exceção, invocando a sua ilegitimidade, e, por impugnação, sustentando que o procedimento técnico adotado na execução dos trabalhos de movimentação das cargas em causa se tem revelado eficaz e adequado à salvaguarda da segurança dos trabalhadores.

A ré seguradora também contestou, aduzindo, em síntese, que o acidente ocorreu por violação de regras de segurança previstas na lei para o desenvolvimento das tarefas de movimentação de cargas.

Realizado o julgamento, exarou-se sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, condenando a entidade empregadora a pagar os seguintes montantes: a) à 1.ª autora, na qualidade de viúva do sinistrado, da pensão por morte anual e vitalícia, e atualizável, no valor de € 3.049,44, com início no dia 06/06/2013, até perfazer 65 anos, e, a partir desta idade, à pensão anual e vitalícia, e atualizável, no montante de € 4.065,92, acrescida de subsídio de Natal e de férias; b) a cada um dos 2.º, 3.º e 4.º autores, na qualidade de filhos do sinistrado, uma pensão por morte anual e temporária, atualizável, no valor de € 1.694,13, com início no dia 06/06/2013, e até aqueles, individualmente, perfazerem 18 anos de idade ou 22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou um curso de nível superior ou equiparado, acrescido de subsídio de Natal e de férias; c) à 1.ª autora, a título de subsídio por morte, a quantia de € 2.766,90; d) a cada um dos 2.º, 3.º e 4.º autores, a título de subsídio por morte a quantia de € 922,30; e) à 1.ª autora, a título de pensão por morte agravada, a quantia de € 3.049,44; f) aos 2.º, 3.º e 4.º autores, a pensão por morte agravada no valor de € 5.082,40, em iguais proporções; h) à 1.ª autora, as despesas de deslocação, no valor de € 35; i) à 1.ª autora, a título de danos morais, a quantia de € 20.000; j) A cada um dos 2.º, 3.º e 4.º autores, a título de danos morais, a quantia de € 15.000; k) Aos autores, a título de perda do direito à vida, a quantia global de € 20.000; l) juros de mora vencidos e vincendos sobre todas as quantias acima mencionadas, à taxa legal de 4% ao ano, sendo, sobre os montantes de cada uma das pensões, desde a data do respetivo vencimento e quanto às demais prestações, desde a citação até integral pagamento.

A dita sentença condenou, ainda, a ré seguradora a pagar, subsidiariamente, as quantias aludidas nas alíneas a) a d) e h), absolvendo as rés do mais peticionado.

2. Inconformados, os autores e a ré empregadora apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, apreciando os recursos interpostos, deliberou julgar:

«A apelação interposta pela R. [entidade empregadora] procedente e, em consequência e na revogação parcial da sentença, absolvê-la do pedido.
A apelação interposta pelos AA. procedente e, em consequência, revogando parcialmente a sentença, condena-se a R. Seguradora a pagar:
a)     À 1.ª A, na qualidade de viúva do sinistrado, da pensão por morte anual e vitalícia, e atualizável, no valor de € 3.049,44, com início no dia 06/06/2013, até perfazer 65 anos, e, a partir desta idade, à pensão anual e vitalícia, e atualizável, no montante de € 4.065,92, acrescida de subsídio de Natal e de férias;
b)     A cada um dos 2.º, 3.º e 4.º AA., na qualidade de filhos do sinistrado, uma pensão por morte anual e temporária, atualizável, no valor de € 1.694,13, com início no dia 06/06/2013, e até aqueles, individualmente, perfazerem 18 anos de idade ou 22 e 25 anos, enquanto frequentarem, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou um curso de nível superior ou equiparado, acrescido de subsídio de Natal e de férias;
c)     À 1.ª A, a título de subsídio por morte, a quantia de € 2.766,90;
d)     A cada uma dos 2.º, 3.º e 4.º AA., a título de subsídio por morte a quantia de € 922,30;
e)     À 1.ª A. as despesas [de] deslocação, no valor de € 35.
No mais mantém-se a sentença.»

É contra esta deliberação que os autores agora se insurgem, mediante a interposição de recurso de revista, em que formularam as conclusões seguintes:

«1. Os recorrentes intentaram uma ação especial emergente de acidente de trabalho.
2. Desta ação resultou a condenação da 1.ª R., ora recorrida, de todas as quantias peticionadas contra as mesmas [será «contra as rés»], à exceção das despesas de funeral.
3. Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi a 1.ª R. absolvida do pedido na medida em que aquele Venerando Tribunal revogou, parcialmente, a douta Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, mais precisamente julgou inexistir nexo causal entre o acidente e a violação de normas legais, nomeadamente do n.º 5 do artigo 33.º e dos n.os 1 e 2 do artigo 35.°, ambos do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25-02, por parte da 1.ª R.
4. Os recorrentes discordam desta interpretação do Tribunal da Relação de Guimarães.
5. Não merece censura a Sentença proferida, contrariamente ao douto Acórdão recorrido.
6. Existe nexo causal entre o acidente e a violação das normas do Decreto-Lei n.º 50/2005, 25/02, bem como do artigo 59.º, n.º 1, al. c), da CRP, que impõem aos empregadores um dever geral de prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde para os seus trabalhadores.
7. “Planeamento” pode ser definido como a “ação ou efeito de planear; plano de trabalho pormenorizado; serviço de preparação de trabalho ou das tarefas” (in Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora).
8. Planear é o ato de planificação (ou o planeamento). Refere-se à ação e ao efeito de planificar (ou planear), isto é, organizar-se ou organizar algo de acordo com um plano.
9. Implica ter um ou vários objetivos a cumprir, juntamente com as ações requeridas para que esses objetivos possam ser alcançados.
10. A planificação comporta várias etapas com vista à tomada de decisões.
11. Em primeiro lugar, convém identificar o problema.
12. Depois de identificado o problema, deverá procurar-se desenvolver alternativas, de modo a selecionar aquela que for mais conveniente à resolução do prolema. E, a partir daí, já se poderá dar início à execução efetiva do plano.
13. Sob a epígrafe de “Organização do trabalho na elevação de cargas”, o artigo 35.º do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25-02, estatui o seguinte: “1 – As operações de elevação de cargas devem ser corretamente planificadas, vigiadas de forma adequada e efetuadas de modo a proteger a segurança dos trabalhadores. 2 – As operações de elevação de cargas suspensas devem ser vigiadas permanentemente, a não ser que seja impedido o acesso à zona de perigo e a carga esteja fixada e conservada em suspensão com total segurança. 3 – Se uma carga for levantada simultaneamente por dois ou mais equipamentos de trabalho de elevação de cargas não guiadas deve ser assegurada a coordenação dos operadores. 4 – Nas situações em que o operador de um equipamento de trabalho de elevação de cargas não guiadas não possa observar todo o trajeto da carga, diretamente ou através de dispositivos auxiliares, deve ser designado um sinaleiro que em comunicação com o operador o oriente, devendo ainda ser tomadas medidas que evitem a colisão de cargas que possa pôr em perigo os trabalhadores. 5 – As operações em que a carga for fixada ou libertada manualmente por um trabalhador devem ser realizadas com total segurança e o trabalhador deve manter o controlo direto ou indireto das operações. 6 – Na utilização de equipamentos de trabalho de elevação de cargas não guiadas que não possam reter as cargas em caso de corte total ou parcial da energia, deve evitar-se a exposição dos trabalhadores aos riscos correspondentes.”
14. Resulta provado que a 1.ª R. violou o dever de planificação imposto por Lei.
15. Com efeito, da Lei não decorre, textualmente, a necessidade de uso de duas cintas... nem de uma... nem de três ... de quatro ... uma dezena... vintena...
16. A Lei é, como se sabe, e deve ser, abstrata e geral.
17. As entidades empregadoras estão obrigadas ao cumprimento de normas para garante da segurança dos seus trabalhadores.
18. A invocada norma, que impõe a planificação para as operações de elevação de cargas, tem por escopo a segurança dos trabalhadores, pois são estes que estão sujeitos a sofrer as consequências (fatal in casu) da sua inobservância.
19. A letra da Lei não deixa dúvidas: “As operações de elevação de cargas devem ser corretamente planificadas, vigiadas de forma adequada e efetuadas de modo a proteger a segurança dos trabalhadores.”
20. Não é (nem poderia ser) essencial que no normativo legal fosse imposta, para amarração de vigas, um determinado e concreto número de cintas para que a operação de elevação de cargas fosse efetuada com segurança.
21. A necessidade de um concreto número de cintas para amarração das vigas a deslocar/elevar será, naturalmente, aferida casuisticamente. Daí a importância da necessidade de planificar!
22. Só planeando, planificando se poderá identificar problemas e procurar soluções para evitá-los.
23. Resultou da prova testemunhal que algumas das vigas foram amarradas com duas cintas e outras não — nomeadamente a viga em causa. Porém, essa avaliação era feita in loco, pelos trabalhadores que se encontravam a executar as tarefas de movimentação das vigas.
24. O que sucedeu foi que os trabalhadores executantes da tarefa de amarração das vigas não configuraram a necessidade de usar duas cintas (ou até mais!), como haviam feito para outras vigas anteriores.
25. Porém, daí não resulta que a solução encontrada no momento para amarrar a fatídica viga tivesse sido a melhor das soluções.
26. Não tendo existido planificação, a escolha da solução, in loco, e naquele preciso momento, era suscetível de falhas... até porque, prima facie, não foi identificado o problema (por falta de visão futurística).
27. Planear é precisamente organizar-se ou organizar algo de acordo com um plano. Implica ter um ou vários objetivos a cumprir, juntamente com as ações requeridas para que esses objetivos possam ser alcançados.
28. A planificação comporta várias etapas prévias à execução de um plano, com vista à tomada de decisões: desenvolver alternativas, de modo a selecionar aquela que for mais conveniente à resolução do prolema. E a partir daí, já se poderá dar início à execução efetiva do plano.
29. A viga em causa desprendeu-se, inesperadamente.
30. Ora a escolha do advérbio “inesperadamente” teve em linha de conta o facto de nem o sinistrado (nem os seus colegas ... estamos nós convictos) não se ter apercebido de que a viga ia cair...acaso tal acontecimento fosse “esperado” ter-se-ia, com toda a certeza, procurado desviar da mesma... Porém, o sinistrado não se apercebeu de que a mesma iria cair e por isso, o atingiu “inesperadamente”.
31. E foi inesperada porque, por sua vez, os trabalhadores executantes não anteciparam o eventual problema e não tomaram as devidas cautelas... por não estarem a executar e a seguir uma planificação prévia e detalhada elaborada de acordo com os conhecimentos técnicos que se impunha.
32. Quanto à questão: Se o facto da viga ter sido amarrada por duas, três ou mais cintas poderia ter evitado o acidente? Acreditamos que sim.
33. Tal como justificou a Meritíssima Juiz a quo, na Sentença recorrida que o Tribunal da Relação de Guimarães revogou parcialmente: “Provou-se que a viga que foi embater na cabeça do sinistrado apenas foi amarrada por uma única cinta para ser movimentada pela grua e transportada até ao solo/cavaletes, tendo escorregado pela cinta onde se encontrava amarrada. Ora, atendendo às características da viga em questão [peso e dimensão – L) dos factos provados] não podemos deixar de concluir, tal como referido pelo inspetor da ACT, que a mesma deveria ter sido amarrada a duas cintas, colocadas, cada uma, às pontas da viga. Ao não ter utilizado as duas cintas em simultâneo, nos moldes referidos, a entidade empregadora não cumpriu o disposto no art. 33.º, n.º 5, als. a) e b), do DL n.º 50/2005, não cuidando de escolher os equipamentos de trabalho em função da carga a manipular, dos pontos de preensão, e do dispositivo de fixação e das condições atmosféricas, e do modo e configuração da lingada. E, ao omitir este dever, omitiu também o dever de tomar medidas para evitar o basculamento, o capotamento, a deslocação e o deslizamento dos equipamentos e deve ser controlada a sua correta aplicação” […].
34. Resulta das leis da física que quanto maior o número de cintas, menor a probabilidade da viga se desprender...
35. Por manifesta inexistência de uma planificação orientada, naquela hora fatídica, os trabalhadores tomaram a decisão de prender a fatídica viga a uma única cinta. Tal aconteceu por opção e não por imposição de um plano!
36. Consabidamente, a Lei não distingue formatos nem dimensões de vigas para determinado uso de cintas... o que a Lei impõe é segurança! E, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não poderá existir segurança sem planificação, sem a identificação de possíveis problemas para antecipação de soluções.
37. Resulta evidente que a desamarração “inesperada” para aqueles trabalhadores, daquela viga, teria sido evitada, acaso os mesmos tivessem sido alertados e preparados para o problema.
38. Não é indiferente “o uso de mais uma cinta amarradora”.
39. O ser humano não é perfeito, e os erros e os infortúnios sucedem-se...é por esse mesmo motivo que é premente e indispensável o cumprimento escrupuloso das normas de segurança que o legislador entendeu serem essenciais à prossecução das finalidades preventivas em matéria de segurança, e a sua violação é censurável.
40. Do ponto de vista dos recorrentes existe nexo de causalidade entre o acidente e a violação das citadas normas.
41. Do plano a elaborar deviam fazer parte medidas com vista a otimizar a segurança dos trabalhadores, como sendo “medidas para evitar o basculamento, o capotamento, a deslocação e o deslizamento dos equipamentos” (in Sentença recorrida). A inexistência de plano/planificação faz a 1.ª R. recorrida incorrer na violação da norma do artigo 35.º do citado Decreto-lei n.º 50/2005, 25/02, assim como na do artigo 59.º, n.º 1, al. c), da CRP.
42. Nos termos do artigo 563.º do CC: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
43. Se não tivesse existido a violação destas normas, o acidente em causa não se teria verificado pois os trabalhadores executantes da tarefa de amarração das vigas estariam preparados para evitar o problema que acabou por surgir.
44. Pelo que o Tribunal da Relação de Guimarães, ao decidir como decidiu, violou o artigo 35.º do Decreto-lei n.º 50/2005, 25/02, o artigo 59.º, n.º 1, al. c), da CRP e o artigo 563.º do CC, fazendo uma incorreta interpretação dos mesmos.
45. Existe assim erro de julgamento ou error in judicando, por erro de interpretação das citadas normas impondo-se a correta interpretação das mesmas.
46. É fundamento de revista “a violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável” (artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC).
47. O suprimento destes erros de aplicação do direito conseguir-se-á pelo acolhimento do presente recurso, dando sem efeito a decisão recorrida, revogando-a e declarando-se a existência de nexo causal entre a violação pela 1.ª R. das invocadas normas legais e o acidente ocorrido que vitimou mortalmente o trabalhador atingido pela viga que se desamarrou, resultando na condenação da 1.ª R. nos termos peticionados.»
A ré entidade empregadora contra-alegou, tendo aduzido a questão prévia de que «o recurso interposto, com o objeto e conteúdo tal qual vem delineado pelos Recorrentes, é processualmente inadmissível, configurando, mesmo, um abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, na medida em que os Recorrentes exercem uma posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente assumido na fase conciliatória» e, assim não se entendendo, que fosse mantido o aresto recorrido, tendo o relator julgado improcedente a enunciada questão prévia, por despacho de 1 de julho de 2016, o qual não foi objeto de impugnação.

No respeitante ao objeto do recurso de revista, a ré empregadora, na atinente contra-alegação, explicitou a síntese conclusiva que se passa a transcrever:

«[…]
6. Os Recorrentes não lograram fazer prova, como lhes competia, de que na situação dos autos estão preenchidos os requisitos de não observância, por parte da entidade patronal, de uma determinada norma ou regra de segurança e da existência do nexo de causalidade adequada entre essa conduta omissiva e o acidente, pressupostos de que o legislador fez depender a responsabilidade da entidade patronal, a título principal e de forma agravada, nos termos previstos no artigo 18.º da NLAT;
7. Para além do normativo de caráter genérico inserto no artigo 59.º, n.º 1, alínea c), da CRP, os Recorrentes identificam como norma supostamente infringida pela Recorrida, a vertida no artigo 35.º do Dec. Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro (cfr. conclusão 44.ª das doutas alegações) que no seu n.º 1 prevê que “As operações de elevação de cargas devem ser corretamente planificadas (...) de modo a proteger a segurança dos trabalhadores”;
8. Ao contrário do entendimento perfilhado em Primeira Instância e que os Recorrentes insistem em reiterar, não decorre da citada disposição legal, qualquer exigência de elaboração de um plano escrito de trabalho e de prevenção para a tarefa de desmontagem da escada dos autos mas, tão-somente, que as operações de elevação de cargas devem ser planificadas, independentemente da forma (verbal ou escrita) que esse planeamento venha a assumir;
9. Não obstante não existir um plano de trabalho e de prevenção reduzido a escrito, os trabalhos desenrolaram-se segundo um procedimento previamente discutido e esclarecido entre todos os intervenientes, tendo-se estabelecido procedimentos tendentes a evitar acidentes provocados pela eventual queda de cargas em movimento ou suspensas;
10. Como foi reconhecido por todos os intervenientes — manobrador da grua e colaboradores da Recorrida — e como evidenciou nos itens 56.º, 62.º, 63.º, 64.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 74.º, 75.º, 80.º, 91.º, 92.º e 93.º das Alegações de Recurso apresentado perante o douto Tribunal da Relação, os trabalhos levados a cabo no local obedeciam a um planeamento prévio que havia sido comunicado e discutido verbalmente entre todos os intervenientes e que, para além de contemplar o modo de execução dos trabalhos, previa também os cuidados a ter em termos de segurança;
11. Em termos de segurança, todos os trabalhadores estavam advertidos para os cuidados a observar no decorrer dos trabalhos, designadamente, sabiam que não podiam circular por baixo das peças em deslocação ou suspensas, determinação que, como se apurou em sede de audiência de julgamento, encontrava-se a ser cumprida por todos os intervenientes;
12. Os intervenientes seguiram um plano de trabalhos que já havia sido testado num passado próximo para aquele mesmo tipo de trabalhos e que se havia revelado adequado a executar em segurança os trabalhos de montagem/desmontagem das escadas de socorro, pelo que se entende que não se mostra violado o estatuído na citada disposição legal;
13. O método de trabalho adotado, inclusivamente quanto ao método de amarração das vigas, não mereceu por parte de nenhum dos trabalhadores envolvidos — com larga experiência na realização deste tipo de trabalhos e que já haviam participado no processo de montagem — qualquer reparo ou sequer sugestão, antes lhes parecendo adequado aquele tipo de trabalho; Depois,
14. O pequeno trecho da decisão proferida em Primeira Instância, que os Recorrentes fazem questão de transcrever e sublinhar a negrito (mais do que uma vez) nas suas doutas alegações — “…a entidade empregadora não cumpriu o disposto no art. 33.º, n.º 5, als. a) e b), do DL n.º 50/2005, não cuidando de escolher os equipamentos de trabalho em função da carga a manipular, dos pontos de preensão, e do dispositivo de fixação e das condições atmosféricas, e do modo e configuração da lingada. E, ao omitir este dever, omitiu também o dever de tomar medidas para evitar o basculamento, o capotamento, a deslocação e o deslizamento dos equipamentos e deve ser controlada a sua correta aplicação” e em que sustentam a sua pretensão de ver revogado o douto Acórdão recorrido enferma de dois erros evidentes, porquanto;
15. A primeira parte da referida conclusão é frontalmente contrariada pela prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, da qual resultou, que a Recorrida afetou aos trabalhos em questão os meios mais adequados ao tipo de trabalho, seja recorrendo a uma grua móvel para o efeito, seja contratando um manobrador de grua devidamente habilitado e com larga experiência naquele tipo de trabalho, seja afetando ao serviço em questão trabalhadores com muitos anos de experiência naquele tipo de trabalhos, seja disponibilizando cintas de amarração em bom estado e em número suficiente para movimentar as várias tipologias de vigas em que se compunha a escada intervencionada; E
16. Quanto à segunda parte da aludida fundamentação, a mesma corresponde ao estipulado no n.º 2 do artigo 34.º do DL 50/2005, cuja simples leitura evidencia a completa desadequação desta parte da fundamentação, uma vez que tal regulamentação diz, exclusivamente, respeito aos equipamentos utilizados na movimentação de cargas e não aos materiais por eles transportados, única matéria em discussão nos presentes autos;
17. A factualidade apurada em sede de audiência de discussão e julgamento não é, pois, suscetível de ser subsumível a qualquer das disposições legais, expressa ou tacitamente, invocadas pelos Recorrentes;
18. No que à verificação do requisito do nexo de causalidade diz respeito, também aqui os Recorrentes reincidem no duplo erro de raciocínio de que padece a douta Sentença proferida em Primeira Instância e que insistem, por motivos óbvios, em subscrever na íntegra;
19. A semelhança do decidido em Primeira Instância, os Recorrentes entendem que, caso tivesse sido elaborado um plano de trabalho e prevenção escrito, este teria necessariamente e inevitavelmente previsto a utilização de duas cintas para a movimentação da viga em questão e caso tivessem sido usadas duas cintas, a viga não teria escorregado das cintas em questão e não teria atingido o sinistrado; Ora,
20. A ilação segundo a qual caso existisse um plano escrito de trabalho e de prevenção ele teria previsto a utilização de duas cintas, não se nos afigura tecnicamente correta para além de se ser desmentida, quer pela inexistência de disposição legal que obrigue à utilização de duas cintas, quer pelos conhecimentos e experiência dos profissionais afetos pela Recorrente à realização dos trabalhos em questão, que para movimentar uma viga com a configuração, dimensão e peso como a dos autos, consideraram suficiente o recurso a uma cinta aplicada em forma de “garrote” ou de “forca”;
21. Quanto à segunda das conclusões em que os Recorrentes assentam o pretenso nexo causal e segundo a qual, caso tivessem sido usadas duas cintas a viga não teria caído, para além de não se mostrar tecnicamente sustentada, também não tem qualquer correspondência com a realidade dos factos apurados no âmbito dos presentes autos; Alias, [por lapso, na sequência das conclusões alinhadas passa-se para o número 23.]
23. Assume especial relevância a reapreciação da matéria de facto operada pelo douto Tribunal Recorrido, que, considerando que a prova produzida não permitia formular um juízo de provado relativamente à matéria de facto inserta no artigo 8.º da Base Instrutória (e dada como assente pela Primeira Instância), considerou como não provado o facto aí consignado, segundo o qual o escorregamento da viga “... não teria ocorrido se tivesse sido amarrada com mais de uma cinta, de forma a mantê-la estável no seu transporte até ao seu destino”;
24. Assim se eliminando da matéria assente, a matéria de facto em que a douta Sentença proferida em Primeira Instância, tinha estribada toda a sua fundamentação quando refere que, “Tudo está em saber se essas duas cintas tivessem sido colocadas (como decorreria caso tivesse sido elaborado um plano de trabalho e de prevenção) o acidente não se teria verificado. Ou seja, se as mesmas tivessem sido colocadas na viga, a mesma não teria escorregado das cintas em questão e não teria atingido o sinistrado? Resultou provado que sim”, fundamentação que os Recorrentes parecem querer recuperar, desta feita, sem qualquer sustentação fáctica;
25. As testemunhas HH, II e JJ foram unânimes ao referir que a utilização de duas cintas, atenta a especial configuração da viga (em forma de “ziguezague”), não permitia que a mesma fosse movimentada na forma horizontal, facto que aumentaria o risco da sua queda, para além de que a utilização de uma cinta de amarração, quer nos trabalhos de montagem, quer nos trabalhos de desmontagem realizados no próprio dia, revelara-se eficaz e seguro na movimentação das vigas com esta especial configuração;
26. Na ausência de disposição legal expressa a exigir a utilização de duas cintas na movimentação deste tipo de cargas, caso a Recorrida tivesse reduzido a escrito um plano de trabalhos e de prevenção relativo aos trabalhos a realizar, teria previsto a amarração daquela viga em forma de “ziguezague” ou “s” através da utilização de uma única cinta em forma de “garrote” ou de “forca”, sendo por isso inexistente qualquer nexo de causalidade entre a não elaboração (por escrito) do plano de trabalhos e de prevenção e a ocorrência do acidente;
27. A factualidade apurada quanto à dinâmica do acidente e melhor explicitada no item 51.º supra, acentua ainda mais, a total falta de nexo causal entre a alegada inobservância da identificada norma de segurança e o acidente dos autos. Por fim,
28. A invocação do suposto nexo causal entre a não utilização de duas cintas que supostamente seria prevista num plano de trabalhos e de prevenção caso tivesse sido reduzido a escrito e a eclosão do acidente, para além da inflexão de posição que representa relativamente à posição sustentada na fase conciliatória, está em frontal contradição com o alegado pelos próprios Recorrentes no item 11.º da sua douta p.i. e com o consignado no ponto F. dos factos provados;
29. O facto dado como provado na alínea F., na sequência do alegado pelos próprios Recorrentes, onde se considerou que não obstante a utilização de apenas uma cinta de amarração, o despreendimento da viga constituiu um facto inesperado para todos os trabalhadores envolvidos nos trabalhos (incluindo o sinistrado), constitui demonstração cabal da total falta de nexo de causalidade entre a norma de segurança alegadamente inobservada e o deflagrar do acidente;
30. Caso fosse evidente a exigência de duas cintas, ou a sua utilização resultasse de alguma imposição legal, o despreendimento da viga em questão jamais poderia considerar-se inesperada, como se alegou no item 11.º da douta p.i. e se deu como provado no ponto F. da matéria de facto e, pelo contrário, ter-se-ia de considerar como expectável;
31. Tal factualidade, alegada pelos próprios Recorrentes e dada como assente ainda em sede de despacho saneador, constitui reconhecimento expresso de que, perante as circunstâncias concretas em que se desenrolaram os trabalhos e o método de amarração seguido, nenhum dos profissionais envolvidos (alguns dos quais com muitos anos de experiência) previu, sequer, a possibilidade de a peça [se] desprender da cinta que a amarrava;
32. E, pelo contrário, o método de amarração foi considerado por todos os presentes como adequado à peça com as dimensões, peso e configuração da que se encontrava a ser movimentada, até porque o mesmo método já se havia revelado seguro e eficaz, quer na movimentação deste tipo de peças no processo de desmontagem, quer na movimentação do mesmo tipo de peças no processo de montagem levado a cabo cerca de uma semana antes;
33. A factualidade em causa constitui, pois, o reconhecimento expresso da falta de nexo causal entre a norma de segurança invocada e a utilização de duas cintas que supostamente seria incluída no plano de trabalhos e de prevenção escrito e o eclodir do acidente, ficando assim também por provar o segundo dos pressupostos de que depende a condenação, a título principal e de forma agravada, da entidade patronal e ora Recorrente;
34. Não se retirando da matéria de facto estabelecida que o acidente tenha resultado, nos termos da sobredita causalidade adequada, da suposta falta de observação da disposição que impunha a elaboração de um plano de trabalho e de prevenção escrito, não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilização a título principal e de forma agravada da entidade patronal;
35. Ao optar por alterar a sua posição já na fase contenciosa, insistindo na existência de normas violadas e no nexo causal entre um suposto comportamento omissivo e a eclosão do acidente, os Recorrentes estão, como reconhecem nas suas doutas alegações, claramente a “navegar no campo das suposições”, num entendimento que nem mesmo a Co-Ré Seguradora parece ter querido embarcar, não obstante as manifestas vantagens para si daí decorrentes. Sempre sem prescindir,
36. Como bem refere o douto Acórdão recorrido, a procedência do recurso interposto pela Co-Ré empregadora prejudicou a análise das questões que elencou sob os números 4.º, 5.º e 6.º, “que apenas assumem relevância no contexto de condenação da empregadora”, pelo que, na eventualidade, que não se concebe nem concede, de procedência do recurso interposto pelos Beneficiários, ora Recorrentes, sempre se imporia a análise e decisão das questões suscitadas pela aqui Recorrida perante o Venerando Tribunal da Relação, em especial as elencadas sob os números 5.º e 6.º do douto Acórdão recorrido, o que a acontecer expressamente se requer, por ser evidente que as pensões arbitradas (normal e agravada) pela Sentença proferida em Primeira Instância e que os Recorrentes parecem apostados em ver repristinada, enfermam de erro no que toca ao número e ao valor fixado, o mesmo sucedendo quanto ao modo de cálculo dos juros de mora (na parte referente aos danos não patrimoniais).»

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer de que se devia negar a revista, o qual, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso, a única questão posta é a de saber se o acidente ocorreu por falta de observação das regras sobre segurança no trabalho por parte da empregadora.

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objeto do recurso interposto.

                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
A) GG nasceu no dia 0 de ... de 1975 e faleceu no dia 5 de junho de 2013, no estado de casado com AA, nascida a 00.00.1982, tendo como filhos BB, nascida em 00.00.2001, CC, nascido em 00.00.2002, e DD, nascido a 00.00.2006;
B) Em 08.01.2013, GG foi contratado pelo prazo de seis meses, pela primeira ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria de serralheiro de construção de estruturas metálicas 3.ª, mediante a retribuição mensal de € 650, acrescidos de € 4,40 por cada dia de trabalho efetivamente prestado, a título de subsídio de alimentação;
C) Em 5.06.2013, quando ocorreu o seu falecimento, encontrava-se a trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da primeira ré, desempenhando as tarefas para que foi contratado, dentro do seu horário de trabalho, no período da manhã, altura em que, juntamente com mais três trabalhadores, procedia, nas instalações da primeira ré, no exterior do pavilhão desta, à desmontagem de uma escada metálica de socorro, com cerca de 8 metros de altura, que ali havia sido fabricada e montada para testes e verificações;
D) Dois dos trabalhadores desaparafusavam e desligavam as várias peças que compunham a referida escada;
E) As peças mais pesadas e/de maiores dimensões, tais como as vigas e os pilares, eram amarrados por cintas na grua do camião e movimentadas através desta e pousadas, quer no solo, quer nuns cavaletes ali colocados para o efeito; estas tarefas eram executadas por dois trabalhadores da primeira ré, HH e II;
F) Enquanto todo este processo se desenrolava, no momento em que o camião com a grua procedia à movimentação de uma viga, em ferro, [esta] inesperadamente [desprendeu-se] da amarração que lhe tinham feito e veio a atingir o sinistrado na cabeça, do que resultou a sua morte, não obstante o uso do capacete;
G) Como consequência da queda, o sinistrado sofreu violento traumatismo de natureza contundente ou como tal atuando, que lhe causou lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e, consequentemente, a morte;
H) Entre a primeira e a segunda ré foi celebrado um acordo mediante o qual esta aceitou a responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidente de trabalho de trabalhadores ao serviço daquela, acordo esse titulado pela apólice n.º 000000026, em vigor na data do sinistro;
I) O camião com a grua era manobrado por um trabalhador da sociedade KK, Lda., com quem a primeira ré havia acordado [a] efetivação daquele serviço;
J) As peças da escada mais leves eram movimentadas manualmente pelos trabalhadores, que as pousavam no solo (artigo 1.º da base instrutória);
K) O sinistrado, juntamente com outro trabalhador, LL, tinham a função de separar as peças mais pequenas, recolher os diversos materiais e verificar se as vigas e demais peças, que eram retiradas, movimentadas e pousadas pela grua, se encontravam em perfeito estado, fazendo as retificações necessárias ao bom acabamento tendo em vista o carregamento e transporte para galvanização (artigo 2.º da base instrutória);
L) A viga que caiu tinha as dimensões de 368x22x8 e pesava, pelo menos, 100 Kg (artigo 3.º da base instrutória, com esclarecimento);
M) Algumas das vigas de ferro e demais peças que eram movimentadas pela grua eram amarradas através de mais do que uma cinta e movimentadas pela grua, sendo outras com uma só cinta (artigo 5.º da base instrutória, com esclarecimento);
N) A viga que atingiu o sinistrado apenas foi amarrada por uma única cinta para ser movimentada pela grua e transportada até ao solo/cavaletes (artigo 6.º da base instrutória);
O) Tendo escorregado pela cinta onde se encontrava amarrada (artigo 7.º da base instrutória);
P) A autora despendeu ainda a quantia de, pelo menos, € 35 com transporte por deslocações obrigatórias ao Tribunal (artigo 10.º da base instrutória);
Q) Desde a morte de seu marido, a primeira autora sofre grande angústia, sendo este único sustento do lar e quem garantia todas as necessidades de alimentação, vestuário, água, luz, telefone, gás e medicamentos (artigo 11.º da base instrutória);
R) Pois a primeira autora não exercia qualquer atividade remunerada, sendo doméstica (artigo 12.º da base instrutória);
S) Em virtude da falta do salário de seu marido, a autora tem-se abstido de efetuar despesas que normalmente fazia, como comprar fruta, peixe, carne e leite, tanto para si como para os filhos (artigo 13.º da base instrutória);
T) Tendo passado a viver dependente da ajuda de terceiros (artigo 14.º da base instrutória);
U) Os autores sentiram desgosto com a morte do marido/pai, por quem nutriam grande amor e carinho (artigo 15.º da base instrutória);
V) O que era recíproco, sendo o sinistrado um pai extremoso e dedicado (artigo 16.º da base instrutória);
W) Os autores nunca conseguiram superar o facto de terem perdido o pai (artigo 17.º da base instrutória);
X) Nos trabalhos de desmontagem da escada também participou o manobrador da grua destacado pela empresa proprietária do camião (artigo 18.º da base instrutória);
Y) O qual já procede a este tipo de trabalhos há, pelo menos, 8 anos (artigo 19.º da base instrutória, com esclarecimento);
Z) Todos os trabalhadores envolvidos na operação de desmontagem usavam, além de capacete, luvas e botas de biqueira de aço (artigo 20.º da base instrutória);
AA) Previamente à desmontagem, a primeira ré procedeu à montagem de uma estrutura paralela à escada de socorro (artigo 21.º da base instrutória);
BB) E que se servia da estrutura paralela para aceder à escada (artigo 22.º da base instrutória);
CC) No solo, na parte dianteira da referida escada de socorro, e em posição paralela com a mesma, foram colocados dois cavaletes (artigo 23.º da base instrutória);
DD) Distando o primeiro cerca de 4 metros da escada, e o segundo estava posicionado cerca de três metros mais à frente em relação ao primeiro (artigo 24.º da base instrutória);
EE) Sendo que tais cavaletes formavam uma estrutura de apoio ao trabalho de desmontagem, destinada a receber parte das peças resultantes daquela operação (artigo 25.º da base instrutória);
FF) Previamente ao desligamento da peça da escada, esta era presa por uma cinta que funcionava em sistema de «garrote» ou de «forca», sendo a peça amarrada pela cinta (artigo 26.º da base instrutória);
GG) Tal cinta era, de seguida, presa ao gancho da grua (artigo 27.º da base instrutória);
HH) Uma vez desaparafusada a peça a transportar pela grua, o operador da grua, através de um controlo remoto, fazia deslocar a peça previamente amarrada para o cavalete, para o camião ou para o solo (artigo 30.º da base instrutória);
II) E, quando a peça estava próxima do nível do solo, era abordada pelos trabalhadores da primeira ré, que procediam à sua arrumação no solo e à libertação da cinta que a amarrava (artigo 31.º da base instrutória);
JJ) A peça que caiu consistia numa viga com cerca de 3,68 metros de comprimento (artigo 33.º da base instrutória);
KK) Durante a deslocação, a peça em causa desprendeu-se quando já se encontrava na parte frontal da escada de socorro e caiu na vertical (artigo 34.º da base instrutória);
LL) Indo embater, na queda, no patamar inferior da própria escada de socorro (artigo 35.º da base instrutória);
MM) Embate este que provocou a projeção desta peça na direção do sinistrado (artigo 36.º da base instrutória);
NN) Tendo-lhe embatido na cabeça, o que lhe causou a morte (artigo 37.º da base instrutória);
OO) No momento do embate, a vítima encontrava-se, a menos de 1 metro, do primeiro cavalete e próximo do muro divisório da propriedade da primeira ré com a via pública (artigo 38.º da base instrutória, com esclarecimento);
PP) Enquanto o outro trabalhador destacado para o solo estava próximo do 1.º cavalete e o manobrador da grua, para lá do segundo cavalete (artigo 39.º da base instrutória, com esclarecimento);
QQ) A escada de socorro que estava a ser desmontada tinha cerca de 8 metros de altura (art.º 40.º da base instrutória);
RR) A cinta foi amarrada à viga que caiu a meio do seu comprimento (artigo 41.º da base instrutória);
SS) E, com a oscilação que sofreu, deixou de se encontrar na posição horizontal, escorregando na cinta e caindo de uma altura de cerca de 8 metros (artigo 42.º da base instrutória);
TT) Altura em que o sinistrado e outro seu colega estavam a desenvolver tarefas (parte do artigo 43.º da base instrutória);
UU) Sem que ninguém tivesse a específica e exclusiva tarefa de vigiar a movimentação das peças (artigo 44.º da base instrutória);
VV) A primeira ré não procedeu à vedação da zona onde decorriam os trabalhos de movimentação de cargas (artigo 45.º da base instrutória);
WW) – XX) Não elaborou qualquer plano de trabalho e de prevenção para o desenvolvimento desta tarefa de desmontagem (artigo 46.º da base instrutória) — mantiveram-se as letras duplas usadas, no acórdão recorrido, para enunciar o presente item fáctico.

Refira-se, para melhor elucidação, que o Tribunal da Relação alterou para «não provado» a resposta ao quesito 8.º da base instrutória em que se perguntava, com referência ao apurado escorregamento da viga que atingiu o sinistrado, «o que não teria ocorrido se tivesse sido amarrada com mais uma cinta, de forma a mantê-la estável no seu transporte até ao destino?», explicitando a fundamentação seguinte:

«Já no que respeita ao quesito 8.º, que se prende com a utilização de duas cintas, o depoimento de MM não passa de uma conjetura sem suporte técnico científico, o mesmo ocorrendo com o de NN. Vale tanto como a avaliação que os trabalhadores envolvidos no serviço fizeram na hora. A circunstância de se afigurar a estas testemunhas que seria importante assegurar que as cargas fossem amarradas com, pelo menos, duas cintas, firma-se numa suposição: a de que duas cintas seriam mais eficazes do que uma. Porém, a configuração da viga (em ziguezague) — de que nos pudemos aperceber nos registos fotográficos juntos ao processo — não é reveladora de tal necessidade. Igual conclusão decorre da circunstância de aquela não ter sido a única viga a que foi aposta uma única cinta. E as demais não se soltaram. Na verdade, o que ocorreu foi que a viga se desprendeu, e foi cair sobre o sinistrado, circunstância que bem poderia ter ocorrido também em presença da colocação de duas cintas. Não nos parece que a prova produzida permita formular um juízo de provado relativamente a essa matéria, pelo que a resposta se altera para não provado.»

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, donde será com base nesses factos que há de ser resolvida a questão suscitada no recurso.

2. Os recorrentes sustentam que «a 1.ª R. violou o dever de planificação imposto por Lei» e que, por «inexistência de uma planificação orientada, naquela hora fatídica, os trabalhadores tomaram a decisão de prender a fatídica viga a uma única cinta», pelo que «[e]xiste nexo causal entre o acidente e a violação das normas do Decreto-Lei n.º 50/2005, 25/02, bem como do artigo 59.º, n.º 1, al. c), da CRP, que impõem aos empregadores um dever geral de prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde para os seus trabalhadores».

Mais aduzem que «[d]o plano a elaborar deviam fazer parte medidas com vista a otimizar a segurança dos trabalhadores, como sendo “medidas para evitar o basculamento, o capotamento, a deslocação e o deslizamento dos equipamentos”», que «[a] inexistência de plano/planificação faz a 1.ª R. recorrida incorrer na violação da norma do artigo 35.º do citado Decreto-lei n.º 50/2005, 25/02, assim como na do artigo 59.º, n.º 1, al. c), da CRP», e que, «[s]e não tivesse existido a violação destas normas, o acidente em causa não se teria verificado pois os trabalhadores executantes da tarefa de amarração das vigas estariam preparados para evitar o problema que acabou por surgir», termos em que o Tribunal da Relação recorrido teria violado «o artigo 35.º do Decreto-lei n.º 50/2005, 25/02, o artigo 59.º, n.º 1, al. c), da CRP e o artigo 563.º do CC, fazendo uma incorreta interpretação dos mesmos».

As instâncias não coincidiram na resposta à questão suscitada no recurso.

O tribunal de 1.ª instância afastou o nexo causal entre o acidente ocorrido e a falta de vedação da zona de perigo e de pessoa com a tarefa específica de vigiar a movimentação das peças («[u]ma vez que a peça não embateu diretamente na cabeça do sinistrado») e afirmou existir nexo causal entre a falta de plano de trabalho e de prevenção para o desenvolvimento da tarefa de desmontagem, a par da não utilização de duas cintas para amarração da viga, e o acidente em apreciação, o qual devia «ser imputado à entidade empregadora, nos termos do art. 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009». 

Diversamente, o aresto recorrido considerou que apenas se mostrava violado o dever de planificação, mas que não se configurava «nexo causal entre a falta de planificação supra mencionada e o concreto evento ocorrido».

2.1. O direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde recebeu expresso reconhecimento constitucional na alínea c) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, prevendo a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito constitucional, o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou doenças profissionais.

O acidente dos autos verificou-se no dia 5 de junho de 2013, logo, no plano infraconstitucional, aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010 (artigo 188.º) e regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais.

O artigo 2.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem, estabelece que o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos naquela lei.

E o n.º 1 do artigo 18.º, intitulado «Atuação culposa do empregador», reza que, «[q]uando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais».

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 79.º dispõe que «[v]erificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso».

Assim, o sobredito agravamento da responsabilidade tem dois fundamentos autónomos: (i) um comportamento culposo do empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra; (ii) a não observação por aqueles das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

A única diferença entre aqueles fundamentos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo (neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18 de Abril de 2007, Processo n.º 4473/06 – 4.ª Secção).

Assim, para efeitos de aplicação dos artigos 18.º, n.º 1, e 79.º, n.º 3, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às entidades seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daqueles das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora para a responsabilizar, de forma agravada, pelas consequências do acidente ocorrido, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.

Na verdade, como é jurisprudência pacífica, o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete a quem dela tirar proveito, no caso, aos autores, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

2.2. Importa examinar as regras sobre segurança no trabalho invocadas.

O Decreto-Lei n.º 50/2005, 25 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Diretiva n.º 2001/54/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho (artigo 1.º, n.º 1), ali definidos como «qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho» [artigo 2.º, alínea a)].

Nos termos do previsto no artigo 3.º, «[p]ara assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) [a]ssegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b) [a]tender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) [t]omar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; d) [q]uando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; e) [a]ssegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.»

Após a enunciação das obrigações do empregador, segue-se a explicitação dos requisitos mínimos de segurança dos equipamentos de trabalho (artigos 10.º a 29.º) e das regras de utilização dos equipamentos de trabalho (artigo 30.º a 42.º), sendo que o artigo 33.º, «Equipamentos de trabalho de elevação de cargas», estatui que «[é] proibida a presença de trabalhadores sob cargas suspensas ou a deslocação de cargas suspensas por cima de locais de trabalho não protegidos e habitualmente ocupados por trabalhadores, exceto se a boa execução dos trabalhos não puder ser assegurada de outra forma e se forem adotadas as medidas de proteção adequadas» (n.º 4) e que «[o]s acessórios de elevação de cargas devem: a) [s]er escolhidos em função das cargas a manipular, dos pontos de preensão, do dispositivo de fixação e das condições atmosféricas; b) [t]er em conta o modo e a configuração da lingada; c) [s]er claramente identificáveis para que o utilizador possa conhecer as suas características, se não forem desmontados após a sua utilização; d) [s]er devidamente armazenados de forma a não se danificarem ou deteriorarem» (n.º 5).

Por seu turno, o artigo 34.º, «Elevação de cargas não guiadas», dispõe que, «[d]urante a utilização de equipamentos de trabalho móveis de elevação de cargas não guiadas devem ser tomadas medidas para evitar o basculamento, o capotamento, a deslocação e o deslizamento dos equipamentos e deve ser controlada a sua correta aplicação» (n.º 2).

Já o artigo 35.º, «Organização do trabalho na elevação de cargas», reza que «[a]s operações de elevação de cargas devem ser corretamente planificadas, vigiadas de forma adequada e efetuadas de modo a proteger a segurança dos trabalhadores» (n.º 1) e que «[a]s operações de elevação de cargas suspensas devem ser vigiadas permanentemente, a não ser que seja impedido o acesso à zona de perigo e a carga esteja fixada e conservada em suspensão com total segurança» (n.º 2).

2.3. No caso, resultou provado que o sinistrado, «juntamente com mais três trabalhadores, procedia, nas instalações da primeira ré, no exterior do pavilhão desta, à desmontagem de uma escada metálica de socorro, […] que ali havia sido fabricada e montada para testes e verificações», e que «as peças mais pesadas e/de maiores dimensões, tais como as vigas e os pilares, eram amarrados por cintas na grua do camião e movimentadas através desta e pousadas, quer no solo, quer nuns cavaletes ali colocados para o efeito», sendo que, «no momento em que o camião com a grua procedia à movimentação de uma viga, em ferro, esta inesperadamente desprendeu-‑se da amarração que lhe tinham feito e veio a atingir o sinistrado na cabeça, do que resultou a sua morte, não obstante o uso do capacete» [factos provados C), E) e F)].

Mais se apurou que «o sinistrado, juntamente com outro trabalhador, […] tinham a função de separar as peças mais pequenas, recolher os diversos materiais e verificar se as vigas e demais peças, que eram retiradas, movimentadas e pousadas pela grua, se encontravam em perfeito estado, fazendo as retificações necessárias ao bom acabamento tendo em vista o carregamento e transporte para galvanização», que «algumas das vigas de ferro e demais peças que eram movimentadas pela grua eram amarradas através de mais do que uma cinta e movimentadas pela grua, sendo outras com uma só cinta», e que a viga que caiu «foi amarrada por uma única cinta para ser movimentada pela grua e transportada até ao solo/cavaletes», tendo «escorregado pela cinta onde se encontrava amarrada» [factos provados K) e M) a O)].

Demonstrou-se, igualmente, que, «previamente ao desligamento da peça da escada, esta era presa por uma cinta que funcionava em sistema de “garrote” ou de “forca”, sendo a peça amarrada pela cinta», que «tal cinta era, de seguida, presa ao gancho da grua», que, «uma vez desaparafusada a peça a transportar pela grua, o operador da grua, através de um controlo remoto, fazia deslocar a peça previamente amarrada para o cavalete, para o camião ou para o solo», «e, quando a peça estava próxima do nível do solo, era abordada pelos trabalhadores da primeira ré, que procediam à sua arrumação no solo e à libertação da cinta que a amarrava», sendo que a viga que caiu, com cerca de 3,68 metros de comprimento, «desprendeu-se quando já se encontrava na parte frontal da escada de socorro e caiu na vertical, indo embater, na queda, no patamar inferior da própria escada de socorro, embate este que provocou a projeção desta peça na direção do sinistrado, tendo-lhe embatido na cabeça, o que lhe causou a morte» [factos provados FF) a NN)].

Refira-se, em derradeiro termo, que «a cinta foi amarrada à viga que caiu a meio do seu comprimento e, com a oscilação que sofreu, deixou de se encontrar na posição horizontal, escorregando na cinta e caindo de uma altura de cerca de 8 metros», «sem que ninguém tivesse a específica e exclusiva tarefa de vigiar a movimentação das peças», não tendo a entidade empregadora procedido «à vedação da zona onde decorriam os trabalhos de movimentação de cargas», nem elaborado «qualquer plano de trabalho e de prevenção para o desenvolvimento desta tarefa de desmontagem» [factos provados RR), SS) e UU) a WW)-XX)].

Ora, perante a matéria de facto dada como provada, e na medida em que o acórdão recorrido deu como não provado o quesito 8.º da base instrutória, acima enunciado, não se mostra violada a regra de segurança no trabalho prevista no n.º 5 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, o mesmo se devendo afirmar em relação ao disposto no n.º 2 do artigo 34.º do mesmo diploma legal, visto que esta disposição legal respeita aos próprios equipamentos utilizados na movimentação de cargas e não aos materiais por eles movimentados.

Tudo para concluir que a empregadora violou as regras sobre segurança no trabalho contidas no n.º 4 do artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, ao ter permitido a deslocação de cargas suspensas por cima de locais de trabalho não protegidos e ocupados por trabalhadores, sem ter adotado as medidas de proteção adequadas, e as regras sobre segurança no trabalho previstas nos n.os 1 e 2 do 35.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, ao não ter elaborado plano de trabalho ou de prevenção para a execução da tarefa de desmontagem, não ter procedido à vedação da zona onde se realizavam os trabalhos de elevação de cargas e não ter garantido, adequadamente, a vigilância permanente, no local, das operações de elevação e movimentação de cargas.

Assente que a ré empregadora violou regras sobre segurança no trabalho, o certo é que não resulta dos factos materiais considerados provados a necessária  vinculação causal entre a falta de observação das sobreditas normas e a produção do acidente que vitimou o sinistrado, como se passa, de imediato, a demonstrar.

O artigo 563.º do Código Civil, sob a epígrafe «Nexo de causalidade», ao estatuir que «[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», alicerçando a solução legislativa na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, evidencia que acolheu a teoria da causalidade adequada, na sua formulação mais generalizada.

Nesta parametrização, e partindo da situação real posterior ao facto, a falta de observação pela empregadora daquelas regras sobre segurança no trabalho poderia ser, em abstrato, condição da eclosão do acidente, mas não há entre os dois factos uma ligação que, segundo a regras comuns da vida, permita afirmar que, existindo o primeiro, provavelmente, se daria o segundo.
Isto é, no contexto de um juízo de probabilidade ex post, nada autoriza a concluir que o incumprimento das sobreditas regras sobre segurança no trabalho foi causa adequada daquele concreto acidente, pois este poderia eclodir mesmo que a ré tivesse cumprido os deveres de proteção e organização do trabalho em causa.

Efetivamente, tal como é sustentado pelo tribunal de 1.ª instância, «não é possível afirmar que o acidente se verificou pela falta de vedação da zona de perigo ou pela inexistência de pessoa com a tarefa específica de vigiar a movimentação das cargas», pois «a peça não embateu diretamente na cabeça do sinistrado», não sendo possível afirmar «que se a zona estivesse vedada a viga não teria atingido igualmente o sinistrado, que estava a cerca de 4 metros das escadas a ser desmontadas».

Por outro lado, conforme é salientado no acórdão recorrido:

«…concatenados os factos em presença, não é possível afirmar que da falta de elaboração de um plano prevendo o uso de duas cintas na elevação daquela viga resultou o acidente. E muito menos que da ausência de um plano resultou o sinistro. Não só porque a lei não exige o recurso a duas cintas para vigas com aquelas dimensões e formato — o que seria essencial —, como o acervo factual é revelador de que o deslizamento da viga se deu de forma inesperada — inesperadamente a viga desprendeu-se da amarração. Ela não se desprendeu por ser evidente que uma única cinta seria insuficiente. Ou por a atividade não ter sido objeto de planificação. Foi inesperadamente!
O mesmo acervo revela que, na execução dos trabalhos, era efetuada uma avaliação em presença da viga em causa, resultando que umas seriam amarradas com duas cintas e outras com uma. No caso, da avaliação que os trabalhadores executantes fizeram no ato resultou a necessidade de recorrer apenas a uma cinta, nada os fazendo prever a ocorrência do evento lesivo.»

Não se pode, por isso, sustentar que se verifica nexo de causalidade entre a inobservância daquelas regras sobre segurança no trabalho por parte da empregadora e o acidente, sendo que cabia aos autores alegar e provar os factos conducentes a essa conclusão, ónus que não se mostra cumprido (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Não se tendo provado que o acidente tenha resultado da inobservância, pela ré empregadora, de regras sobre segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização do empregador, previstos no n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, pelo que improcedem as conclusões da alegação do recurso.

                                              III

Pelos fundamentos expostos, delibera-se negar a revista e confirmar o aresto recorrido, embora com diferente fundamentação.

Custas da revista pelos autores, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Anexa-se o sumário do acórdão.



Lisboa, 13 de outubro de 2016

Pinto Hespanhol - Relator

Gonçalves Rocha

António Leones Dantas