Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7475/17.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: ORDENAR A BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário :
Estando demonstrado que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada às Autoras sobre as características do produto que estava a apresentar-lhes, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que as Autoras tivessem conhecimentos e experiência para conhecerem (ou complementarem) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré, presumindo-se a culpa, mas não o nexo de causalidade, e sabendo que - i) Autoras alegaram, na petição inicial que “se as Autoras tivessem conhecimento que aquele produto (“Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”) não tinha capital garantido, nunca teriam dado ordem para a sua subscrição”; ii) A Ré, na sua contestação, impugnou este facto (artigo 116.º); iii) O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação não se pronunciaram sobre este facto - esse facto é essencial para a solução jurídica do pleito, impõe-se a ampliação da matéria de facto (n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:         


I. Relatório

1. AA e BB instauraram ação declarativa comum contra Banco BIC Português, S.A., pedindo:

«a) Serem os contratos de aquisição de 11 (onze) obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (atual GALILEI, SGPS, S.A.) subscritos por cada uma das Autoras junto do Réu, declarados nulos e, consequentemente, ser o Réu condenado a restituir a totalidade do capital mobilizado por cada uma das Autoras, a saber, € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal civil, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações, 27 de outubro de 2014, e até efetivo e integral pagamento, os quais, até 30 de março de 2017, ascendem ao montante global de €53.282,19 (cinquenta e três mil duzentos e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) a cada Autora (interesse contratual positivo);

 Bem como, e em consequência,

b) Ser o Réu condenado ao pagamento de €5.000,00 (cinco mil euros) a cada Autora, a título de danos não patrimoniais por estas sofridos, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a
citação até efetivo e integral pagamento;

Subsidiariamente,

c) Serem os contratos de aquisição de 11 (onze) obrigações da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. (atual GALILEI, SGPS, S.A.) subscritos por cada uma das Autoras junto do Réu, anulados e, consequentemente, ser o Réu condenado a restituir a totalidade do capital mobilizado por cada uma das Autoras, a saber, € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal civil, desde a data de vencimento de cada uma das obrigações, 27 de outubro de 2014, e até efetivo e integral pagamento, os quais, até 30 de março de 2017, ascendem ao montante global de € 53.282,19 (cinquenta e três mil duzentos e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) a cada Autora (interesse contratual positivo);

Bem como, e em consequência,

d) Ser o Réu condenado ao pagamento de € 5.000,00 (cinco mil euros) a cada Autora, a título de danos não patrimoniais por estas sofridos, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a
citação até efetivo e integral pagamento;

Caso assim não se entenda, subsidiariamente,

e) Ser o Réu condenado a indemnizar cada uma das Autoras a título de responsabilidade civil, no montante de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), acrescidos dos juros demora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal civil, desde a data de vencimento de cada uma das
obrigações, 20 de outubro de 2014, e até efetivo e integral pagamento, e que, até 30 de março de 2017, ascendem ao montante global de €53.282,19 (cinquenta e três mil duzentos e oitenta e dois
euros e dezanove cêntimos) a cada Autora, por violação do interesse contratual positivo;

Bem como, e em consequência,

f) Ser o Réu condenado ao pagamento de €5.000,00 (cinco mil euros) a cada Autora, a título de danos não patrimoniais por estas sofridos, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a
citação até efetivo e integral pagamento;

Em qualquer caso:

a) Deve o Réu ser condenado em custas processuais, incluindo custas de parte, de acordo com o disposto no n.°1 do art.°26° do RCP;

b) Deve o Réu, ser condenado no pagamento dos honorários do mandatário das Autoras, a título de custas de parte, devendo para tanto ser deduzido o respetivo crédito, nos termos conjugados do n.°2, in fine, do art.°26° do RCP com o art.°540° do CPC, e com os limites previstos na al. c) do n.°3 do referido art.°26° do RCP.».

Alegaram, em síntese, que:

- o Réu foi constituído em 2012 mediante a fusão por incorporação do anterior Banco BIC Português, S.A. no BPN – Banco Português de Negócios, S.A., e com alteração social deste último para a daquele primeiro;

- BPN - Banco Português de Negócios, S.A. colocou, como intermediário financeiro, no mercado as obrigações emitidas pela SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a qual, até 11/11/2008 foi a sociedade holding detentora de 100% do capital social do grupo BPN;

- o Réu comercializou esses produtos denominados Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, transmitindo aos seus clientes, e concretamente às Autoras, a informação de que eram um investimento seguro correspondendo a investimento num produto BPN, sem risco, com o capital investido integralmente garantido, com todas as características de um depósito a prazo;

- as Autoras transmitiram ao funcionário do Réu que lhes apresentou o produto que queriam aplicar as suas poupanças em produtos financeiros rentáveis, mas acima de tudo, seguros;

- as Autoras não foram informadas de que estavam a subscrever instrumentos financeiros cujo risco recaía apenas sobre a sociedade emitente;

- as Autoras investiram o montante de €550 000,00 naquelas obrigações convencida de que estavam a aplicar as suas poupanças em produtos integralmente garantidos e com remuneração atrativa;

- as obrigações venceram-se em 27/10/2014 mas não foram pagas;

- a sociedade emitente foi declarada insolvente em 29/06/2016;

- as Autoras não têm expectativa de recuperarem o capital investido;

- o Réu ocultou a verdadeira natureza daquele produto, agindo no sentido de induzir as Autoras em erro, dando instruções aos seus funcionários para o comercializar como se tivesse a mesma característica de um depósito a prazo, atuando com dolo ou pelo menos com culpa grave,

- contrariando de forma grosseira as suas obrigações como intermediário financeiro;

- as Autoras sofrem grande angústia com esta situação, devendo ser compensadas por danos não patrimoniais, com indemnização de €5 000 € para cada;

- o Réu, como intermediário financeiro, está obrigado a indemnizar as Autoras pois foi em consequência da sua conduta - ter assegurado a garantia do capital sem a qual as Autoras não teriam investido, sendo certo que se as Autoras tivessem conhecimento que aquele produto não tinha capital garantido, nunca teriam dado ordem para a sua subscrição - que as autoras ficaram privadas do capital investido naquele produto.

2. Citada, a Ré veio contestar, pugnando pela absolvição do pedido, tendo invocado, em resumo:

- cumpriu o dever de informação a que estava adstrito,

- mas se porventura o não fez, agiu certamente sem dolo ou culpa grave, pelo que o alegado direito das Autoras prescreveu pelo decurso do prazo de 2 anos, nos termos do art.324° do CVM;

- dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como o que foi subscrito pelas Autoras;

- nunca o Réu, através dos seus funcionários, transmitiu aos seus clientes que o Banco garantia a emissão;

- a subscrição do produto pelas Autoras é válida e eficaz.

3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar a cada Autora a quantia de €552 500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do mais que era pedido.

4. O Réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu a seguinte decisão:

“Pelo  exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, decide-se:

a) condenar o apelante a pagar a cada uma das apeladas a quantia de 550.000 € referente ao capital que aplicaram na subscrição das obrigações, deduzida da remuneração dos respectivos cupões que receberam semestralmente até Outubro de 2014 e da quantia que venham a receber no âmbito da insolvência da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento à taxa legal, que está fixada em 4%, a liquidar oportunamente conforme dispõe o art. 609° do CPC, absolvendo-o do mais que era pedido quanto a danos patrimoniais;

b) manter a condenação no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais.

Custas   provisoriamente   em   partes   iguais   por   apelante   e   apeladas, relegando-se o apuramento definitivo do decaimento para o incidente de liquidação.

6. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista (tendo sido admitido o recurso de revista excecional), formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2.ª A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3.ª Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4.ª Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5.ª O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6.ª Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7.ª A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8.ª Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9.ª A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10.ª O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11.ª E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12.ª A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13.ª O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14.ª A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15.ª A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16.ª A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação …

17.ª A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18.ª A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de ... – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19.ª Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20.ª O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21.ª A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22.ª A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23.ª O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério  de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24.ª O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25.ª No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26.ª Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27.ª Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28.ª Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento -que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29.ª Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30.ª E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31.ª Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32.ª Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33.ª A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34.ª O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35.ª São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36.ª A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37.ª Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38.ª O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39.ª Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40.ª A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41.ª Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42.ª E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43.ª Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44.ª O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45.ª Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46.ª A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47.ª No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48.ª Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49.ª E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50.ª Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51.ª Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52.ª Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53.ª A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54.ª Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55.ª Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56.ª Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57.ª O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58.ª É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59.ª O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60.ª A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda de chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61.ª No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62.ª O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63.ª Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64.ª Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65.ª Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66.ª E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67.ª E nada disto foi feito!

68.ª A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

E conclui “pela revogação da douta decisão recorrida e a sua substituição por outra que absolva o Banco -R do pedido”.

7. As Recorridas apresentaram contra-alegações, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A - O douto Acórdão da Relação de Lisboa, na linha da douta sentença da primeira instância, fez uma correta aplicação da lei que não merece qualquer censura no que toca à condenação da Recorrente.

B - A temática invocada pela Recorrente em sede de revista, do risco inerente às obrigações SLN 2004 e do significado técnico-financeiro da expressão “capital garantido”, como algo que não significa uma garantia absoluta de reembolso de capital é, salvo melhor opinião, inútil para os autos uma vez que a Recorrente não vem condenada com base nesses fundamentos.

C – O cerne da fundamentação do Acórdão é a ilicitude do comportamento da Recorrente adveniente do erro provocado nas Recorridas por omissão do dever legal de informação - em virtude dos arts. 73º a 76º do Regime Geral das Instituições de Crédito (DL298/92 de 31.12), e artigos 312º, 314º e 324º do Código dos Valor Mobiliários (DL486/999 de 13.11), vigentes em setembro e outubro de 2004 – no que toca às i) informações essenciais do produto que lhes apresentou, nomeadamente quanto ao estado de saúde financeira da emitente que não era garantia do reembolso integral do capital investido pois esta necessitava de obter empréstimos de particulares e, ainda, que ii), em caso de insolvência, aquela poderia ver-se confrontada com o facto de serem preteridas na satisfação dos seus créditos pelos credores não subordinados.

D – No que toca a violação do dever legal de informação da Recorrente quanto ao risco do instrumento financeiro em causa, a Recorrente pretende interpretar factos à luz de alterações legislativas de 2007, com base num enquadramento legal que não se encontrava em vigor à data dos factos de 2004, nomeadamente, o teor do art. 304º e do então artigo 312º que se reproduz: 1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar. (…)

E - O cerne do âmbito deste dever de informação, assenta, assim, na omissão da prestação de “informação essencial”, uma vez que a Recorrente transmitiu às Recorridas “que a segurança que resultava do reembolso do capital ser garantido pela SLN era equivalente à que resultava de tal reembolso ser garantido pelo BPN.” (p. 34 do Douto Acórdão), sendo certo que, “as obrigações SLN não eram uma aplicação isenta de risco, nem o risco das mesmas era o risco BPN, tendo em conta a insolvência do emitente. (p. 32 do Douto Acórdão).

F - As Recorridas não conheciam a SLN, nem com ela mantinham relações, não tendo conhecimento da sua atividade, das suas contas (nem as mesmas lhes tendo sido disponibilizadas), ou do que seja em relação à mesma (conforme alegado em sede de PI).

G - As Recorridas conheciam o BPN, o seu Banco, o qual tem/tinha a sua actividade regulada pelo Banco de Portugal (BdP) e pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), tem/tinha, enfim, a chancela de garantia “Banco” (num tempo em que isto ainda significava alguma coisa). E quando lhes transmitem que o risco do investimento é o risco do Banco (quando não era), essa informação (falsa) definitivamente influi na decisão de contratar.

H - Consta dos Factos Provados do douto Acórdão em 14- a 17- o seguinte:

“14 - Aquando da comercialização das obrigações referidas em 9-, o funcionário do R. declarou às AA. que as obrigações eram um investimento seguro e que o reembolso do respectivo capital se encontrava assegurado pela emitente, a qual era dona do banco;

15 - O funcionário do BPN declarou ainda às AA. que a segurança que resultava do reembolso do capital ser assegurado pela SLN era equivalente à que resultava de tal reembolso ser garantido pelo BPN.

16 - As AA. tinham como objectivo aquando da subscrição das obrigações assegurar uma maior rentabilidade para o seu dinheiro sem correrem o risco de virem a perder o mesmo;

17 - O funcionário identificado em 12- tinha conhecimento do referido em 16-;”

I - E foi por estes factos, e não outros, e à luz da ordem jurídica em vigor à data, que concluiu o douto Acórdão:

Impunha-se, por isso, que o Banco através do seu funcionário, prestasse informação detalhada sobre as características do produto que estava a apresentar-lhes, designadamente que por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (Cfr. 48º e 177º do CIRE). Mais se lhe impunha não fazer comparação sobre a garantia de reembolso, pois, de acordo com a tese do Apelante, o seu funcionário não tinha elementos para o fazer. Em suma, o funcionário do Apelante induziu em erro sobre as características essenciais das obrigações SLN. (p. 37 do douto Acórdão).

J - No que toca ao nexo de causalidade, a redacção do CdVM a aplicar à matéria dos autos é a 9ª versão que resulta do Decreto-Lei n.º 66/2004, de 24/03, porquanto, a versão vigente à data da subscrição do produto financeiro em causa (Outubro/2004) e não outra – como, aliás, e muito bem, foi aplicada no douto Acórdão, nomeadamente quanto ao teor do n1 e nº 2 do seu art. 314º que se reproduz: 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

K - E é também com base nesta norma em vigor à data dos factos que estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil:

a) O Facto: A subscrição de um produto financeiro com base em informações falsas e erróneas (foi informado que o capital era garantido e que o risco era o do Banco e não era (Facto Provado 14- e 15-); foi omitido que a entidade emitente- sociedade mãe do Banco -tinha especial interesse na colocação do produto (Facto Provado 6- e documento constante de fls. 20-22 dos autos) e omissões gravosas do cumprimento dos deveres de intermediário financeiro do Banco Réu (não foram alertadas para informações essenciais do produto que lhes apresentou, nomeadamente quanto ao i) estado de saúde financeira da emitente que não era garantia do reembolso integral do capital investido pois esta necessitava de obter empréstimos de particulares e, ainda, que ii), em caso de insolvência, aquela poderia ver-se confrontada com o facto de serem preteridas na satisfação dos seus créditos pelos credores não subordinado, sabendo que o produto não se enquadrava no perfil de investimento das Recorridas, mormente, porquanto, procuravam as mesmas sempre e em qualquer caso a preservação do seu capital (cfr. Factos Provados 16-e 17-). As Autoras confiavam no Banco, única entidade que conheciam e com a qual se relacionavam, e que tem a sua actividade regulada e supervisionada;

b) O Dano: O não recebimento do produto do seu investimento (e inerentes consequências a montante) (cfr. Facto Provado 18-);

c) O Nexo de Causalidade entre o Facto e Dano: Não fora a informação, falsa, errónea e enganadora, e o incumprimento dos deveres de intermediário financeiro pela Recorrente, e as recorridas não teriam subscrito o produto em causa.

E conclui pela improcedência do recurso.

8. A Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista (excecional).

9. A instância veio a ser suspensa até ao julgamento para uniformização de jurisprudência.

10. Foi proferido Acórdão pelo Pleno das Secções Cíveis no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, que transitou em julgado.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O Réu tem por objecto social o exercício da actividade bancária e todas as outras que por lei sejam permitidas aos Bancos.

1.2. Até Novembro de 2008, o "BPN - Banco Português de Negócios, SA" era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua actividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro em instrumentos financeiros.

1.3. Até Novembro de 2008, a totalidade do capital social do "BPN - Banco Português de Negócios, SA" era detida pela sociedade "BPN, SGPS, SA", a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade "SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A."

1.4. O actual Banco BIC Português, S.A., ora Réu, foi constituído em 2012 mediante a fusão por incorporação do anterior Banco BIC Português, S.A. no BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração social deste último para a daquele primeiro.

1.5. O Réu colocou, em 25 de Outubro de 2004, no mercado uma emissão de Obrigações Subordinadas ao Portador e Escriturais com o Valor Nominal Unitário de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e global de € 50.000.000,00 (cinquenta milhões de euros) da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. através da sua comercialização junto dos seus clientes como produtos bancários sob a denominação "Obrigações Rendimento Mais 2004".

1.6. Em 7 de Outubro de 2004, a Direcção de Comunicação Institucional e Marketing do R. emitiu e divulgou junto da rede comercial do mesmo o documento cuja cópia consta de fls 20 a 22, intitulada "Nota Interna" e da qual consta:

"(…)

Assunto: SLN Rendimento Mais 2004

(...)

Capital Garantido: 100% do capital investido

(...)

Argumentário

a)   O   SLN Rendimento  Mais  2004   é  uma  excelente   oportunidade   de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos;

(...)"

1.7. Desde há vários anos que as Autoras são titulares de uma conta de depósitos à ordem junto do Réu, balcão da Av. ..., em ..., conta essa que foi aberta quando o Réu ainda se denominava BPN - Banco Português de Negócios, S.A.

1.8. Enquanto clientes as Autoras, irmãs, desenvolveram uma relação de confiança com o Réu, estabelecida por intermédio dos funcionários com que sempre lidaram.

1.9. Cada um das AA. é detentora de 11 obrigações "Obrigações Rendimento Mais 2004", no valor de € 50.000,00 cada.

1.10.   No dia 27 de Outubro de 2014, data de vencimento das obrigações referidas em 9, o capital investido pelas não foi reembolsado às mesmas, o que também não aconteceu até à presente data.

1.11.   Por sentença proferida no dia 29-06-2016 na ... da Instância Central da Comarca de Lisboa - J... - foi declarada a insolvência da "Galilei, SGPS, SA", denominação actual da SLN -Sociedade Lusa de Negócios, SGPS.

1.12.   Antes da subscrição das obrigações, subscrição essa que teve lugar em Outubro de 20004, foi dito às AA. pelo funcionário do R. da dependência da Avenida ..., em ..., que a rentabilidade das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 era superior à rentabilidade de um Depósito a Prazo;

1.13.   Nessa altura foi igualmente explicado que as obrigações eram emitidas pela sociedade que detinha o Banco R. - a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA -, que o prazo de emissão das mesmas era de 10 anos e que findo tal prazo os subscritores receberiam o capital investido;

1.14.    Aquando da comercialização das obrigações referidas em 9-, o funcionário do R. declarou às AA. que as obrigações eram um investimento seguro e que o reembolso do respectivo capital se encontrava assegurado pela emitente, a qual era dona do banco;

1.15.   O funcionário do BPN declarou ainda às AA. que a segurança que resultava do reembolso do capital ser assegurado pela SLN era equivalente à que resultava de tal reembolso ser garantido pelo BPN.

1.16.    As AA. tinham como objectivo aquando da subscrição das obrigações assegurar uma maior rentabilidade para o seu dinheiro sem correrem o risco de virem a perder o mesmo;

1.17.    O funcionário identificado em 12- tinha conhecimento do referido em 16-;

1.18.    Em virtude de não lhes ter sido reembolsado o capital investido na data de vencimento das obrigações, as AA. têm sofrido angústia, ansiedade e perturbação;

1.19.    As AA. foram acompanhadas ao longo de todo o processo negocial com o BPN pelo seu pai, também ele cliente, quer pessoal, quer através de empresas de que é accionista, do Banco;

1.20.    Desde a subscrição das obrigações e até Outubro de 2014, as AA. receberam semestralmente a remuneração dos cupões das obrigações que subscreveram, com a indicação que os juros dizem respeito às referidas obrigações e nunca efectuaram qualquer reclamação.

2. E deram como não provados os seguintes factos:

2.a. que as AA. tenham sido contactadas por um funcionário do BPN do balcão da ..., sem que o tivessem solicitado, tendo em tendo em vista aconselhá-las a investir valores que tinham depositados, cerca de € 500.000,00 (quinhentos mil euros)/cada, num produto com capital garantido;

2.b.    que os funcionários do Banco tenham declarado às AA. que as obrigações dispunham das mesmas características de um depósito a prazo;

2.c. que as AA. sempre tenham aplicado as suas poupanças em produtos financeiros seguros e com o capital garantido;

2.d.    que as AA. tenham transmitido aos funcionários do R. que não prendiam aplicar a quantia referida em 9- dos Factos Provados em qualquer produto que não tivesse o capital garantido;

2.e. que o BPN não tenha entregue às AA. qualquer prospecto, ficha ou documento informativo acerca das obrigações SLN Rendimento Mais 2004;

2.f. que as obrigações tenham sido subscritas pelas AA. fora das instalações
do BPN;

2.g.   que o BPN tenha dado ordem aos seus funcionários para
comercializarem as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 como se se tratassem de um depósito a prazo;

2.h. que o BPN tenha dado ordem aos seus funcionários para ocultarem aos clientes   as   informações   acerca   da   natureza   e   características   das obrigações SLN Rendimento Mais 2004;

2.i. que o capital investido pelas AA. resultasse das suas poupanças;

2.j. que o pai da A.  tinha conhecimentos acerca do funcionamento do mercado de capitais;

2.k. que no mês seguinte à realização da subscrição, o R. tenha enviado às AA., por correio, o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada;

2.l. que as AA., após a subscrição das obrigações sempre tenham recebido um extracto mensal, onde se encontrava a expressa menção das obrigações como integrando a sua carteira de títulos;

2.m. que, aquando da subscrição tenha sido explicado às AA. que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SA e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;

2.n. que, aquando da subscrição as AA. tenham sido informadas que a única forma do investidor obter liquidez antes da data estabelecida para o respectivo reembolso seria transmitindo as obrigações a um terceiro interessado.

3. Da verificação da responsabilidade civil da Ré

No Acórdão recorrido entendeu-se que estavam demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Ré.

A Ré insurge-se contra o assim decidido, colocando em causa, essencialmente, a verificação da ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos seus deveres de informação) e do nexo de causalidade.

Vejamos.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da Ré, como intermediário financeiro: o BPN (tendo a Ré sido constituída em 2012 mediante a fusão por incorporação do anterior Banco BIC Português, S.A. no BPN – Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração social deste último para a daquele primeiro) colocou, a 25 de outubro de 2004, no mercado uma emissão de Obrigações Subordinadas ao Portador e Escriturais com o valor nominal unitário de €50 000,00 e global de €50 000 000,00 da SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS,S.A. através da sua comercialização junto dos seus clientes como produtos bancários sob a denominação “Obrigações Rendimento Mais 2004”.

 - cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –


Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da Ré, como intermediária financeira (artigos 312.º e 314.º, do CMV).


Ora, foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.  


No caso dos autos, atenta a data em que foram celebrados os contratos (outubro de 2004), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.


No caso presente, e perante a factualidade provada, temos de concluir, como o fez o Tribunal da Relação de Lisboa, que a Ré violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada às Autoras sobre as características do produto que estava a apresentar-lhes, designadamente que, por serem obrigações subordinadas, no caso de insolvência da sociedade emitente, o seu titular veria o seu crédito graduado depois dos créditos não subordinados sobre a insolvência (cf. artigos 48.º e 177.º do CIRE), sendo certo que não está demonstrado que as Autoras tivessem conhecimentos e experiência para conhecerem (ou complementarem) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.


Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil:

Quanto ao nexo de causalidade:

Como se afirmou no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que não se mostra provado o nexo de causalidade, porquanto só se mostra provado que:

“1.15. O funcionário do BPN declarou ainda às AA. que a segurança que resultava do reembolso do capital ser assegurado pela SLN era equivalente à que resultava de tal reembolso ser garantido pelo BPN.

1.16.   As AA. tinham como objectivo aquando da subscrição das obrigações assegurar uma maior rentabilidade para o seu dinheiro sem correrem o risco de virem a perder o mesmo;

1.17.    O funcionário identificado em 12- tinha conhecimento do referido em 16-;”


Estes factos são manifestamente insuficientes para se considerar demonstrado o nexo de causalidade, pelo que, nesta parte, a Ré tem razão quando se insurge contra a decisão recorrida.

Contudo, da análise dos autos resulta que:

As Autoras alegaram, na petição inicial que “se as Autoras tivessem conhecimento que aquele produto (“Obrigações SLN Rendimento Mais 2004”) não tinha capital garantido, nunca teriam dado ordem para a sua subscrição” (artigo 70.º).

A Ré, na sua contestação, impugnou este facto (artigo 116.º).

O Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação não se pronunciaram sobre este facto.


Ora, esse facto é essencial para a solução jurídica do pleito, pelo que se impõe a ampliação da matéria de facto (n.º3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil).

Assim, deve ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto, nos termos referidos.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto nos termos referidos. 

As custas ficarão a cargo do vencido a final.


Lisboa, 8 de novembro de 2022




Pedro de Lima Gonçalves (Relator)   

Maria João Vaz Tomé           

António Magalhães