Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1516/15.0T8BJA.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
ATIVIDADES PERIGOSAS
MENOR
DEVER DE VIGILÂNCIA
CONDUTOR
PROGENITOR
PRESUNÇÃO DE CULPA
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPA
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO
Sumário :
I. A “presunção de culpa” estabelecida no art. 491.º do CC operou com a prova da prática do ato danoso pela menor, incapaz natural – não tinha capacidade para configurar os riscos decorrentes da manipulação do comando da aeronave.

II. Ainda que se verificasse uma situação de vigilância assumida pelo Réu piloto a título de cortesia, constitutiva para si de deveres destinados a impedir não apenas que o incapaz natural sofresse danos, mas também que os causasse a terceiros, porquanto a prevenção do perigo lhe estaria confiada, nunca se lhe aplicaria o regime especial da culpa presumida, mas antes aquele dos arts. 483.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do CC.

III. Estando feita a prova da existência do dever de vigilância e do dano causado por ato da pessoa a vigiar, era aos pais, enquanto obrigados à vigilância, que cabia, nos termos do art. 344.º, n.º 1, do CC, ilidir a “presunção de culpa” consagrada no art. 491.º, demonstrando que cumpriram o seu dever ou que, mesmo que o tivessem cumprido, o dano se teria produzido.

IV. Demonstrada a perigosidade da atividade, verificados os danos e comprovado o nexo causal entre eles e o exercício da atividade, o único mecanismo de exoneração consiste precisamente na prova do cumprimento de todas as medidas concretas de cuidado requeridas pelas circunstâncias concretas (art. 493.º, n.º 2, in fine, do CC). O Réu piloto não conseguiu, todavia, demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias concretas com o fim de prevenir os danos, designadamente alertando a menor para os riscos concretos decorrentes do manuseamento de qualquer objeto ou peça da aeronave – in casu, o comando que tinha diante de si.

V. Os danos como que resultaram do concurso de duas condutas presumidamente culposas: do piloto e dos pais.

VI. O facto presumidamente culposo do piloto que funda a sua obrigação de indemnizar os danos sofridos pela menor/pais é o mesmo que justifica a redução da quantum indemnizatório que lhe é devido pelos pais da menor, assim como o facto presumidamente culposo que funda o dever dos pais de indemnizar os danos sofridos pelo piloto é o mesmo que justifica a diminuição do montante indemnizatório que lhes é devido e à menor pelo piloto.

VII. No que respeita ao primeiro fundamento de responsabilidade civil (art. 491.º) e, por isso, aos danos sofridos pelo piloto, há que ter em conta o preceito do art. 570.º, n.º 1 (a sua culpa presumida: art. 493.º, n.º 2), assim como o do art. 494.º, in fine (“demais circunstâncias do caso”).

VIII. Por seu turno, no que toca ao segundo fundamento de responsabilidade civil (art. 493.º, n.º 2) e, assim, aos danos sofridos pela menor/pais, impõe-se igualmente a ponderação da norma do art. 570.º, n.º 1 (a culpa presumida dos pais: art. 491.º), bem como daquela do art. 494.º, in fine (“demais circunstâncias do caso”).

IX. Não pode aplicar-se ao caso em apreço o preceito do art. 571.º do CC.

X. Estando feita a prova do dano, assim como dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, apenas não se tendo determinado o valor da aeronave ao tempo do acidente, não restam dúvidas de que, sufragando a interpretação mais ampla do preceito do art. 609.º, n.º 2, do CPC (que, de resto, corresponde à posição dominante no Supremo Tribunal de Justiça), mostram-se preenchidos os pressupostos de que depende a remessa para liquidação do cálculo da indemnização respeitante ao valor mencionado.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 1516-15.0T8BJA.S1
 
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

I – Relatório
1. AA e Mulher, BB, por si e na qualidade de representantes legais de sua filha menor CC, com eles residente, instauraram contra DD e Outros ação declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, tendo em vista a responsabilidade civil emergente de acidente de aviação de que a menor foi vítima, pedindo a final a condenação solidária dos Réus:
“a) a pagar aos AA. a quantia global de €7 946,51 a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
b) a pagar à menor CC, representada pelos AA, uma indemnização no valor global de €50 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
c) a pagar aos AA uma indemnização no valor global de €25 000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento;
d) a indemnizar os AA, por si e em representação de sua filha menor, dos danos futuros que venham a apurar-se, a liquidar em execução de sentença”.
2. Em articulado aperfeiçoado, alegaram ter ocorrido um acidente de aviação a 1 de janeiro de 2015, no aeródromo de …, que consistiu na queda da aeronave ultraleve com a matrícula …UJF e n.º de série ..., propriedade do Réu DD, que a tripulava, nela seguindo como passageira a menor CC . Como consequência dessa queda, os Autores sofreram os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que identificaram, por cujo ressarcimento esse Réu é responsável, uma vez que a queda da aeronave ficou a dever-se a conduta culposa a ele imputável. Acresce que o mesmo Réu sempre responderia pelos danos causados, independentemente de culpa, nos termos dos arts 40.º do DL n.º 238/2004, de 18 de dezembro, e 3.º do DL n.º 321/89, de 25 de setembro.
3. Tendo os autos prosseguido apenas contra si, o Réu DD apresentou contestação em que se defendeu por impugnação e, tendo imputado a queda da aeronave a inesperada conduta da menor CC, deduziu a final pedido reconvencional contra os Autores, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 54 398,26, correspondendo o valor de € 34 398,26 aos danos de natureza patrimonial sofridos e a quantia de € 20 000,00 ao valor da compensação dos danos de natureza não patrimonial.
4. Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
5. Foi proferido despacho saneador, com delimitação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
6. Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal constante da ata, no termo da qual foi proferida sentença que julgou improcedentes tanto a ação como a reconvenção, absolvendo o Réu DD e os Autores/Reconvindos - AA e BB, por si e na qualidade de representantes legais de sua filha menor CC - dos pedidos reciprocamente formulados.
7. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, requerendo a modificação da matéria de facto nos termos indicados, assim como a revogação da sentença recorrida, que deveria ser substituída por outra que condenasse o Réu DD nos pedidos formulados.
8. Também o Réu DD impugnou a sentença, impugnação esta mandada seguir como recurso subordinado, concluindo pela alteração da matéria de facto no sentido pretendido e consequente condenação dos Autores/Reconvindos no pedido reconvencional formulado.
9. Os Autores apresentaram contra-alegações, suscitando a questão do não conhecimento do recurso do Réu DD/Reconvinte no que respeita à impugnação do facto não provado M), por inobservância dos ónus previstos no art. 640.º do CPC, concluindo pela sua improcedência.
10. Conforme o acórdão do Tribunal da Relação de Évora:
“Acordam os juízes que constituem a 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedentes as apelações interpostas pelos AA e pelo R e, em consequência, na parcial procedência da acção e da reconvenção:
a) condenam o R. DD a pagar aos AA AA e BB a quantia de €1 227,03, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, contados à taxa supletiva legal, e ainda 50% do que os AA vierem a despender em consultas e tratamentos médicos cuja necessidade seja determinada por sequelas resultantes do acidente dos autos;
b) condenam o R. DD a pagar aos AA AA e BB €2 000,00 (dois mil euros), para compensação dos danos de natureza não patrimonial sofridos, acrescidos de juros de mora desde a data da presente decisão e até integral pagamento;
c) condenam o R. DD a pagar à autora CC a quantia de €10 000,00, acrescida dos juros que se vierem a vencer à taxa supletiva legal desde a data da presente decisão e até integral pagamento;
d) condenam os AA AA e BB a pagar ao reconvinte DD a quantia de €3 750,00 a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora contados da presente decisão até integral pagamento;
e) condenam os AA a pagar ao R o montante de €3 449,13, acrescido de juros desde a data da notificação para contestar o pedido reconvencional e vincendos até integral pagamento e 50% do montante que se vier a apurar em posterior liquidação corresponder ao valor venal da aeronave acidentada à data do acidente, até ao máximo de €27 500,00, mantendo-se quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas da acção nesta e na 1.ª instância a cargo de AA e R. na proporção dos seus decaimentos; custas da reconvenção, nesta e na 1.ª instância, a cargo do reconvinte e dos AA na proporção dos seus decaimentos no que respeita ao valor de €26 878,26, suportando-as em partes iguais no que respeita ao montante de €27 500,00, procedendo-se a rateio após a liquidação”.
11. Os Autores, inconformados, interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões:
1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que julgou parcialmente procedentes os recursos de apelação instaurados pelos ora Recorrentes e Recorrido, revogando a douta sentença proferida em Primeira Instância, i) na parte em que considerou serem responsáveis pelos danos causados pelo acidente de aviação objeto dos presentes autos os ora Recorrentes, pais da menor CC, nos termos do disposto no artigo 491.º do CC, tendo em consequência condenado os mesmos no pagamento ao Recorrido dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente; ii) na parte em que relegou para liquidação de sentença o apuramento do valor venal da aeronave à data do acidente; e, ainda, iii) na parte em que considerou que para os danos decorrentes do mencionado acidente de aviação concorreram as condutas culposas dos ora Recorrentes AA e BB e do Recorrido, tendo em consequência condenado o último no pagamento de apenas 50% dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente e reconhecido o respetivo direito de regresso relativamente à indemnização a pagar à menor CC;
2. A douta decisão recorrida não resulta da melhor aplicação do direito ou da melhor apreciação dos factos dados como provados e não provados nos autos;
3. O artigo 491.º do CC regula uma situação específica de responsabilidade subjetiva por omissão, tendo por base o entendimento de que não foram tomadas as necessárias precauções para evitar o dano, por omissão do dever de vigilância;
4. A doutrina e a jurisprudência têm entendido pacificamente que os pais do menor estão obrigados à sua vigilância, exceto nos casos em que tenham delegado num terceiro a incumbência da sua vigilância, enquanto sob a sua dependência;
5. Conforme explicam Pires de Lima e Antunes Varela, os pais estão obrigados à vigilância, “se a não confiarem a outrem” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, p.492);
6. De acordo com o entendimento expendido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de setembro de 2012, disponível em formato eletrónico em www.dgsi.pt, “o dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso e tendo em conta as conceções dominantes e os costumes, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito, tanto mais que as pessoas com dever de vigilância têm, em regra, outras ocupações; assim, não poderá considerar-se culpado a tal título quem, de acordo com tais conceções ou costumes, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe. Tidas em conta aquelas conceções e costumes e fazendo uso dum recomendável juízo de valor pouco severo, tem de considerar-se que os pais do 1.º réu, não só não incorreram em violação do questionado dever, como também assumiram uma conduta idónea à não verificação dos ocorridos danos, já que haviam como que delegado no clube 2.º réu a incumbência da vigilância do menor enquanto sob a sua dependência, para além de, simultaneamente e em segurança, investirem, correta e adequadamente, na futura valorização do menor, encontrando-se ilidida a presunção de culpa in vigilando sobre si, à partida, impendente e, como tal, excluída a respetiva responsabilização cível relativamente ao ato ilícito praticado pelo menor” (sublinhados nossos);
7. O entendimento do Supremo Tribunal de Justiça vertido no Acórdão citado é aplicável ao caso dos presentes autos, porquanto, ao terem aceite o convite que o Recorrido endereçou à sua filha menor, para que realizasse consigo um batismo de voo, conforme decorre da matéria vertida nos pontos 5 e 6 dos Factos Provados, os Recorrentes confiaram ao Recorrido o dever de vigilância que sobre eles impendia;
8. Ou seja, os Recorrentes delegaram no Recorrido a incumbência da vigilância da menor CC no decurso do seu voo de batismo, por confiarem que o mesmo era um piloto experiente, com competência técnica para pilotar aeronaves de recreio e lazer e, ainda, com conhecimento dos procedimentos de segurança inerentes à sua utilização por passageiros, conforme decorre da matéria vertida no ponto 61 dos Factos Provados;
9. No caso em apreciação nos autos, o dever de vigilância não poderia manter-se na esfera de atuação dos pais da menor CC, ora Recorrentes, não só porque não a iriam acompanhar durante o seu batismo de voo, tendo presente que a aeronave tinha apenas dois lugares, conforme resulta do ponto 3 dos Factos Provados, mas, sobretudo, porque os Recorrentes não possuíam quaisquer conhecimentos ou experiência relevantes no que respeita a aeronaves de recreio e lazer, tendo presente que nunca antes haviam viajado numa aeronave deste tipo, tendo o Recorrente AA, pai da menor CC, efetuado o seu próprio batismo de voo apenas momentos antes do voo realizado pela sua filha, conforme resultada matéria vertida no ponto 5 dos Factos Provados;
10. O Recorrente AA não apreendeu quaisquer características da aeronave ou quaisquer regras de segurança a cumprir no seu interior que pudesse transmitir à filha menor, num voo realizado apenas momentos antes e com uma curta duração, sem que lhe tivesse sido dado qualquer briefing explicativo pelo Recorrido;
11. Para fundamentar a decisão de condenação dos Recorrentes, por aplicação do regime estatuído no artigo 491.º do CC, o Tribunal da Relação de Évora sustentou que o Recorrente AA conhecia “as características da aeronave, designadamente a circunstância de se encontrar dotada de um duplo comando perfeitamente acessível ao passageiro” e que, apesar disso, “nenhum esclarecimento prestaram à menor, designadamente quanto à função do comando e sensações que iria enfrentar na descolagem (muito diferentes das percecionadas num avião comercial, nos quais a menor já viajara), nenhuma instrução lhe deram e, sobretudo, não a proibiram de forma expressa, como se impunha, de mexer no comando manche ou nos pedais que pelo menos o progenitor bem sabia que se encontravam ao seu alcance”;
12. A fundamentação que se transcreveu encerra diversas contradições, porquanto, se o Tribunal da Relação de Évora expressamente reconhece que as tarefas mais elementares, como a colocação dos auscultadores e dos cintos de segurança à menor, realizadas pelo Recorrente AA, “competiriam” ao Recorrido, por maioria de razão, deveria reconhecer que a prestação de esclarecimentos sobre a manche e as suas funções e sobre os procedimentos de segurança a adotar no interior da aeronave competiria ao piloto da aeronave, o único com os necessários conhecimentos e experiência para os poder prestar;
13. É incompreensível que o Tribunal da Relação de Évora tenha concluído linearmente que o Recorrente AA tinha conhecimentos sobre as características da aeronave acidentada, em concreto sobre os seus comandos de voo, quando nunca foi alegado ou dado como provado nos autos que o Recorrente sabia que a manche que estava colocada em frente ao lugar do passageiro era o comandado de voo, bem como que a mesma estava operacional ou, ainda, que trabalhava em simultâneo com a manche existente em frente ao lugar do piloto;
14. O Recorrente AA ignorava em absoluto que a manche existente em frente ao lugar do passageiro possuía as mesmas funções da manche que se encontrava em frente ao piloto, uma vez que não lhe foram prestadas quaisquer informações sobre a aeronave pelo Recorrido;
15. Fazendo-se apelo às regras da experiência comum, é razoável que o Recorrente AA tenha subentendido, perante a falta de qualquer informação ou advertência prestada pelo Recorrido, que o comando existente junto ao passageiro estava desativado, uma vez que a aeronave pertencente ao Recorrido não se destinava à instrução de pilotos, ou, não sendo o caso, que o comando do piloto prevaleceria sempre sobre qualquer ação efetuada sobre o comando que se encontrava em frente ao passageiro, à semelhança do que sucede, por exemplo, nos carros de instrução, a fim de garantir a segurança rodoviária;
16. A jurisprudência tem entendido que, “para a compreensão do “dever de vigilância” deve apelar-se ao “padrão de conduta exigível”, com suficiente plasticidade, impondo-se a indagação casuística e a convocação do “pensamento tópico”, pelo que importa valorar, designadamente, a idade do incapaz, a perigosidade da atividade, a disponibilidade dos métodos preventivos, a relação de confiança e proximidade, a previsibilidade do dano” (Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de setembro de 2013, disponível lem www.dgsi.pt);
17. Em Acórdão de 4 de dezembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt, o Tribunal da Relação do Porto explica que “a concessão progressiva de uma liberdade de movimentos, em função da maturidade e sentido de responsabilidade manifestado pelo menor em cada momento, é inevitável e é essencial à formação correta da sua personalidade e, como tal, o cumprimento do dever de vigilância por parte dos pais, relativamente a um filho de 15 anos (como era aqui o caso), não exige – nem poderia exigir –que os pais “controlem” e “fiscalizem” todos os movimentos do filho de forma a impedir, em todo e qualquer momento, que o mesmo pratique qualquer ato lesivo”;
18. No caso em apreço, atendendo à escassa informação que possuíam sobre aeronaves de recreio e lazer, os Recorrentes fizeram tudo o que estava ao seu alcance para salvaguardar a segurança da filha menor, porquanto, conforme resulta da matéria vertida ponto 7 dos Factos Provados, o Recorrente AA “acompanhou a menor até à aeronave, certificando-se que a mesma colocava os auscultadores e os cintos de segurança”, os únicos procedimentos que lhe foram transmitidos pelo Recorrido a quando do seu próprio batismo de voo;
19. Na data da ocorrência do acidente dos autos, a menor CC tinha 14 anos, sendo o seu caráter forte, a sua personalidade estruturada e a sua maturidade elevada, conforme decorre da matéria vertida no ponto 35 dos Factos Provados, pelo que não necessitava de constante vigilância e acompanhamento parental em todas as atividades que realizasse;
20. Tomando em consideração a idade da menor CC na data do acidente, as suas anteriores experiências em viagens de avião, e a sua personalidade e maturidade fortes, os Recorrentes não poderiam antever que fosse necessário dar-lhe quaisquer indicações quanto às concretas funções do comando da aeronave (que, como se demonstrou, desconheciam) ou quaisquer instruções concretas quanto ao comportamento a adotar dentro da aeronave ou sobre as sensações que iria enfrentar na descolagem;
21. Da discussão da causa não resultou provado que os Recorrentes “deviam saber que a menor não possuía a capacidade e maturidade para ter um batismo de voo”, tendo presente, designadamente, as características da sua personalidade e a sua experiência em anteriores viagens de avião (Cfr. alínea M) dos Factos Não provados);
22. Fazendo apelo às regras da experiência comum, da prudência e do bom senso, é razoável que os pais que confiem a um piloto experiente e avisado a realização de um batismo de voo com o seu filho, assumam que piloto lhe vai explicar todos os procedimentos de segurança que entenda necessários e convenientes adotar no interior da aeronave;
23. Pelo contrário, não é razoável defender-se que, nessas circunstâncias, sejam os pais a acompanhar o filho à entrada da aeronave e a realizar qualquer tipo de explicações técnicas e de segurança relativas ao voo, tendo presente as especificidades e a perigosidade daquela atividade, e, como sucedeu no caso dos autos, quando nenhuma experiência ou conhecimentos relevantes têm sobre a dita atividade;
24. Sem prejuízo, conforme decorre da matéria vertida no ponto 11 dos Factos Provados, o Recorrido colocou “de imediato” a aeronave em funcionamento, pelo que, em rigor, o Recorrente AA nem sequer teve tempo para dar quaisquer indicações ou prestar quaisquer informações à filha menor;
25. Tendo presente o exposto, é inequívoco que os Recorrentes ilidiram a presunção de culpa in vigilando ínsita no artigo 491.º do Código Civil, sendo que, de acordo com o entendimento expendido no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de julho de 2016, disponível em www.dgsi.pt, “não está vedado legalmente ao Supremo verificar se o uso de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados”;
26. Ainda que o Recorrente AA tivesse explicado à menor CC que a manche se tratava do comando de voo e de que não poderia mexer-lhe, conforme defende o Tribunal da Relação de Évora para sustentar a sua decisão, é razoável concluir que os danos ter-se-iam produzido de qualquer modo, porquanto, conforme expressamente reconhece o douto Acórdão recorrido, citando a motivação da sentença proferida em Primeira Instância, “desconhecendo-se o motivo que levou a menor a puxar a manche para si de forma abrupta e violenta, não é possível asseverar que, caso lhe tivesse sido detalhadamente explicada a sua função, não lhe teria mexido” (sublinhado nosso);
27. O entendimento do Tribunal da Relação de Évora referido no ponto anterior está em contradição com a matéria vertida na alínea F) dos Factos Não Provados, porquanto, se, por um lado, entende que não resultou provado que, “caso o R. tivesse informado a A. CC que a manche era o comando de voo e que em hipótese alguma lhe poderia mexer, esta teria cumprido a instrução que lhe tivesse sido dada”, por outro, considera que, se os pais tivessem cumprido o seu dever de vigilância, informando a menor CC que a manche se tratava do comando de voo e que não poderia mexer-lhe, ter-se-ia evitado o acidente;
28. É inaceitável o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual, para demonstrar que os danos se teriam produzido mesmo que tivessem cumprido o dever de vigilância, os Recorrentes teriam que ter alegado e demonstrado que deram indicações à menor CC para não mexer na manche da aeronave, porquanto, ao ter aditado ao ponto 10 dos Factos Provados que o Recorrido advertiu a menor CC “de que não devia mexer em nada”, a Relação de Évora expressamente reconheceu que a menor incumpriu a indicação que lhe foi dada pelo Recorrido, puxando para si a manche, conforme resulta do ponto 14 dos Factos Provados;
29. Atento o estatuído no n.º 2 do artigo 609.º do CPC, apenas é possível lançar mão do incidente da liquidação em execução de sentença quando, no decurso do processo, não for possível quantificar o valor dos danos, em virtude da inexistência de elementos para determinar o seu quantum, quer por não serem conhecidos, quer por estarem ainda em evolução, o que manifestamente não acontece no caso em apreço;
30. Conforme explica o Supremo Tribunal de Justiça, em douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de janeiro de 2000, “a remissão para execução de sentença (…) é legítima e deve ocorrer, quando não haja elementos para fixar o objeto ou a quantidade do pedido. Esta falta de elementos, porém, nunca poderá ser consequência da falta ou fracasso da prova na ação declarativa, mas antes e apenas, por inexistência de factos provados por não serem conhecidos, ou, estarem em evolução no momento em que é instaurada a ação, ou, no da decisão quanto à matéria de facto” (sublinhado nosso) (Cfr. Fernando Luso Soares, Duarte Romeira de Mesquita, Wanda Ferraz de Brito, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, p.537);
31. No mesmo sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 18 de setembro de 2018, nos termos do qual “o tribunal deve condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: (i) que o réu tenha efetivamente causado danos ao autor; e (ii) que o montante desses danos não esteja determinado na ação declarativa por não terem sido concretamente apurados (art. 609.º do CPC). O requisito essencial para que o tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor, i.e., ainda que não seja possível quantificar o seu montante” (sublinhado nosso) (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de setembro de 2018, disponível em formativo eletrónico em www.dgsi.pt);
32. No caso em apreço, não se encontram cumpridos os requisitos estipulados na lei para que o Tribunal da Relação de Évora pudesse ter condenado os Recorrentes no pagamento de 50% do valor venal da aeronave à data do acidente, que se vier a liquidar em execução de sentença, porquanto o referido valor poderia, e deveria, ter sido apurado ou determinado em sede de julgamento, uma vez que já era certo e conhecido nesse momento, podendo como tal ser quantificado;
33. No pedido reconvencional deduzido, o ora Recorrido alegou que “à data do acidente a aeronave tinha um valor compreendido entre os 25.000€ e os 30.000€”, tendo junto aos autos a prova documental que entendeu relevante a respeito da matéria do valor da aeronave, em concreto a declaração de fls. 110, e inquirido as testemunhas que entendeu serem conhecedoras do respetivo valor, em concreto as testemunhas EE e FF;
34.Quer a prova testemunhal, quer a prova documental produzidas pelo ora Recorrido, não tiveram força probatória suficiente para convencer o Tribunal de Primeira Instância do valor da aeronave à data do acidente, que deu por isso como não provado o valor alegado;
35. O Tribunal da Relação de Évora sufragou o mesmo entendimento relativamente à prova produzida pelo Recorrido, porquanto, na fundamentação constante do douto Acórdão recorrido, refere-se que “no que respeita ao documento, declaração de uma sociedade que se presume da área, impõe-se reconhecer que não se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que alude apenas ao historial da aeronave, da qual faz uma descrição muito sumária, não fornecendo todavia qualquer informação quanto ao estado em que se encontraria à data e horas de voo. Por outro lado, também não foram rigorosos os testemunhos indicados pelo impugnante, e sendo certo que adiantaram ambos valores da ordem dos €40-50000,00 a verdade é que também não fundamentaram de forma consistente o juízo emitido” (sublinhados nossos);
36. Existindo uma manifesta falta ou fracasso da prova sobre o valor alegado da aeronave acidentada nos autos, que apenas ao Recorrido é imputável, não pode ser relegado para liquidação de execução de sentença o apuramento do dito valor;
37. De forma a fundamentar a decisão de condenação do Recorrido no pagamento de 50% dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes para os Recorrentes do acidente de aviação objeto dos autos, Tribunal a quo sustentou que “para o evento danoso contribuíram as condutas culposas concorrentes dos AA. e do R. DD, termos em que, não se vendo razão para distinguir o peso relativo da culpa de cada um, se fixam em igual medida”;
38. Conforme se demonstrou nas conclusões precedentes, deve ser afastada a responsabilidade dos Recorrentes AA e BB por força do regime estatuído no artigo 491.º do CC;
39. A responsabilidade pelo ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente dos autos deve ficar exclusivamente a cargo do Recorrido, por ter sido o mesmo o único civilmente responsável pela sua ocorrência, nos termos do disposto no artigo 493.º, n.º 2 do CC, ao não ter adotado as medidas exigidas pelas circunstâncias, em ordem a prevenir o dano;
40. Atento o exposto, não são aplicáveis, in casu, as disposições constantes do artigo 497.º, n.º 1 e do artigo 497.º, n.º 2, ambos do CC, devendo os montantes indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal a quo a favor dos Recorrentes, ser suportados integralmente pelo Recorrido, e não apenas em 50%.
Nestes termos e nos melhores do direito aplicável, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista interposto pelos Recorrentes, revogando-se o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, e, em consequência,
Absolver-se os Recorrentes AA e BB do pagamento ao Recorrido i) da quantia de 3.750,00€, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora contados da decisão proferida até integral pagamento; ii) do montante de 3.449,13€, a título de danos de natureza patrimonial, acrescido de juros de mora desde a data da notificação para contestar o pedido reconvencional e vincendos até integral pagamento, e iii) de 50% do montante que se vier a apurar em posterior liquidação, correspondente ao valor venal da aeronave acidentada à data do acidente, até ao máximo de 27.500,00€;
Condenar-se o Recorrido no pagamento i) aos Recorrentes AA e BB do montante global de 2.454,05€, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; ii) aos Recorrentes AA, BB e CC Pais da totalidade que vierem a despender no futuro em consultas e tratamentos médicos, cuja necessidade seja determinada por sequelas resultantes do acidente dos autos; iii) aos Recorrentes AA e BB do montante global de 4.000,00€, a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial decorrentes do acidente objeto dos presentes autos, acrescido de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento; iv) à Recorrente CC Pais do montante de 10.000,00€, a título de danos de natureza não patrimonial, acrescido dos juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, sem que o Recorrido tenha direito de regresso contra os Recorrentes AA e BB, como é de JUSTIÇA!
12. O Réu apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

II – Questões a decidir
Importa, nesta sede, referir que apenas os Autores – e não o Réu - interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação da Évora.
Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:
a) Saber se o acidente em causa nos autos é imputável aos Autores com fundamento em omissão do dever de vigilância da sua filha menor nos termos do art. 491.º do CC e se, consequentemente, os mesmos são responsáveis pelo pagamento das quantias indemnizatórias fixadas pelo Tribunal na proporção da sua contribuição para o sinistro por a sua conduta omissiva e culposa ter concorrido, juntamente com a conduta omissiva e culposa do Réu, para a produção do acidente; ou antes se este é de imputar exclusivamente ao Réu e se, como tal, é apenas sobre este que recai a responsabilidade pelo pagamento das referidas quantias;
b) Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, saber se o pedido de indemnização relativo à perda (destruição) da aeronave, deduzido a título reconvencional pelo Réu, devia ter sido julgado improcedente em lugar de ter sido remetido para liquidação para apuramento do valor da aeronave.

III - Fundamentação
A)        De facto
Depois das alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação, a matéria de facto a ter em consideração é a seguinte:
1. Os dois primeiros AA. são pais de CC, menor.
2. O R. é piloto e proprietário da aeronave ultraleve- ..., com a matrícula ..., nº de série ....
3. A aeronave possui dois comandos de manobração, colocados ao meio dos dois bancos, cuja denominação é a de “manche”, e cuja utilização é simultânea.
4. No dia 01 de Janeiro de 2015, os AA. dirigiram-se ao aeródromo de ….
5. Uma vez chegados ao aeródromo, o R., após ter convidado e voado com o pai da menor, convidou a A. CC para dar um passeio na aeronave.
6. A menor aceitou o convite e os pais consentiram na realização desse passeio.
7. O 1.º A. acompanhou a menor até à aeronave, certificando-se que a mesma colocava os auscultadores e os cintos de segurança.
8. Os auscultadores não se encontravam a funcionar.
9. Na fase da descolagem, atento o barulho provocado pela aeronave, é inaudível qualquer comunicação entre o piloto e o passageiro, sendo no entanto possível fazendo uso dos auscultadores que se encontrem a funcionar sem deficiência os quais, todavia, assumem função essencialmente de protecção do ruído intenso, sendo de todo inconveniente a comunicação entre piloto e passageiro nesta fase.
10. O R. não realizou um briefing explicativo à menor, tendo-a apenas advertido de que não devia mexer em nada.
11. Tendo de imediato colocado a aeronave em funcionamento.
12. O R. sabia que era aquele o primeiro voo que a menor realizava naquele tipo de aeronave.
13. Após o que o A. se afastou, ficando com a A. mãe a observar a descolagem.
14. No acto de descolagem da aeronave a menor CC agarrou o comando “manche” posicionada à sua frente e puxou-o para si.
15. Após a descolagem a aeronave colocou nariz em cima até cerca de 135º.
15. a) Foi a intervenção da menor que provocou que a aeronave tomasse a atitude de elevação do nariz, ficando em segundos na posição invertida.
16. O R. manteve a aceleração máxima para que o sopro que vinha do hélice não permitisse que os lemes de controlo da aeronave entrassem em falência.
17. Em ordem a corrigir a posição da aeronave, puxou o seu comando manche para a esquerda (deflexão completa do manche à esquerda) e carregou no pedal esquerdo tendo em vista facilitar a manobra de rotação da aeronave sobre si própria.
18. A aeronave rodou pela esquerda no eixo longitudinal e também pela esquerda do eixo vertical ao mesmo tempo que iniciava a queda.
19. Continuou a rodar e descer até ficar aproximadamente na mesma direcção da descolagem e embater no solo.
19. a) A manobra realizada pelo R. permitiu que a aeronave viesse a embater no solo numa posição praticamente de nível, minorando a severidade do impacto.
20. Os AA., que assistiam a tudo, precipitaram-se de imediato na direcção da aeronave acidentada, a fim de dela retirarem a menor.
21. A A. CC, após ter-se libertado dos 2 cintos de segurança e após a abertura da porta por uma pessoa que ali se encontrava, saiu do avião.
22. A menor foi assistida por profissionais do INEM, que foram chamados ao local, e posteriormente transportada, de ambulância, para o Hospital …, tendo dado entrada nesses serviços cerca das 18h32.
23. No mesmo dia foi transferida para a Urgência Pediátrica do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, para observação nos serviços de Neurocirurgia e Unidade Vertebro Medular.
24. Em consequência do acidente, a menor sofreu traumatismo craniano e vertebro-medular, traumatismo abdominal e torácico, com fractura das vertebras L1, L2 e L3, fractura temporal direita e lesões de queimadura no membro inferior esquerdo.
25. A menor esteve internada no Hospital D. Estefânia durante 12 dias.
26. Foi submetida a uma intervenção cirúrgica em 08/01/2015, para “fixação de D12 e L3 com CD horizonte/longitude de Medtronic”.
27. Em virtude do acidente ocorrido e das lesões por ele provocadas a menor CC deixou de poder comparecer no estabelecimento de ensino que frequentava e apenas pôde regressar à escola em 19 de Fevereiro de 2015.
28. Regressou ainda com limitações, uma vez que ficou impedida de frequentar as aulas de Educação Física até ao final do ano lectivo 2014/2015.
29. Ficou também impossibilitada de transportar qualquer peso, nomeadamente e entre outros a mochila escolar, o que obrigou ao acompanhamento permanente dos pais e ao acompanhamento permanente por parte de uma auxiliar do colégio.
30. Em virtude do acidente, a CC teve e continuará a ter de fazer consultas médicas.
31. Teve e continuará a ter de realizar exames médicos, para avaliar o estado das lesões, a sua evolução e as possíveis sequelas.
32. Por indicação médica, teve que frequentar sessões de fisioterapia e hidroterapia, não só para tentar recuperar a mobilidade que tinha antes do acidente, bem como de forma a atenuar as dores que sentia e ainda sente, sendo recomendável que o faça em caso de eventual gravidez para fortalecimento muscular.
33. Desde a data do acidente até 11.12.2015 foi seguida por uma psicóloga.
34. Deixou de poder praticar natação, ténis e hip-hop, que praticava antes do acidente.
35. A CC sempre foi uma pessoa dinâmica, aluna de excelência e que sempre se dedicou a diversas actividades.
36. Manifestou sempre uma grande preocupação de que as faltas às aulas pudessem vir a prejudicar o seu percurso académico, o que lhe tem causado momentos de grande nervosismo e stress.
37. Em virtude do acidente sofrido, a CC passou a precisar de ajuda para se vestir e para a sua higiene diária.
38. No momento do acidente e nos dias que se lhe seguiram, a CC e os pais temeram pela sua vida.
39. As lesões causadas pelo acidente provocaram-lhe muitas dores.
40. Bem como profundo mal-estar, não tendo posição para se deitar e descansar.
41. A CC passou a estar triste, deprimida, revoltada, receosa e angustiada;
42. Tem até hoje pesadelos relacionados com o acidente.
43. A menor não participou na viagem de finalistas do 9.º ano com a sua turma a …, o que lhe causou um grande desgosto.
44. Em Agosto de 2016 a menor foi submetida a nova intervenção cirúrgica.
45. A A. BB esteve de baixa durante dois meses após o acidente, para dar apoio à filha CC.
46. Os AA. viveram preocupados com o estado da filha, com a sua evolução, com as sequelas que o acidente deixaria, com as intervenções cirúrgicas que realizou ou que tem que realizar, com as dores por que passou e passa.
47. Por essa razão tiveram dificuldades em concentrar-se no trabalho.
48. Sofreram e ainda sofrem por a verem deprimida e triste.
49. Bem como se sentem receosos das eventuais sequelas do acidente, e por desconhecerem as suas consequências futuras.
50. Após sair do Hospital a menor teve que passar a usar um colete de protecção, que usou durante 126 dias e que custou €210,00.
51. Os AA. viram-se ainda obrigados a comprar peças de vestuário para a menor que se adaptassem ao uso do colete de protecção, no valor global de €534,36.
52. Passou a dormir numa cama articulada, no que despenderam os AA. a quantia de €196,98;
53. Com a compra de uma secretária os AA. gastaram €16.90.
54. Em consultas médicas e de psicologia, medicação, exames médicos despenderam, até à data, os AA. a quantia global de €1.029,41.
55. Em sessões de fisioterapia, hidroterapia e natação despenderam os AA. a quantia de €466,40.
56. Cerca de um ano depois do acidente a A. CC efectuou duas novas viagens de avião com os colegas do estabelecimento de ensino que frequenta.
57. A A. CC ignorava que a “manche” era o comando da aeronave.
58. A aeronave interveniente no acidente não estava coberta por qualquer seguro de responsabilidade civil e o certificado de voo estava caducado.
59. O R. não era detentor de um certificado de navegabilidade válido.
60. A documentação do motor do avião não correspondia ao motor instalado.
61. O R. possui licença válida de piloto de ultraleve desde 20-11-1998, contando com mais de 406,45 horas de voo.
62. Nunca tinha tido qualquer acidente com a aeronave.
63. O GPIAA – Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves levou a cabo uma investigação técnica às causas do acidente.
64. A. A CC Pais recusou-se a prestar qualquer depoimento ao GPIAA.
65. O GPIAA – Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves apresentou como causa do acidente a interferência nos comandos de voo (manche) por parte da passageira e como factores contributivos o embarque apressado devido à aproximação de pôr-do-sol, a ausência de um briefing à passageira sobre o avião e a o piloto não ter contrariado em tempo útil a força exercida pela passageira nos comandos de voo.
66. O R. perdeu os sentidos e permaneceu no interior da aeronave inconsciente.
67. Como consequência do acidente o R. sofreu:
- Traumatismo torácico, com fratura da 4, 5, 6, 7, 8 e 9 costela direitas e hemo pneumotorax bilateral, que foi drenado, tendo removido os drenos a 8 e 9 de Janeiro em Lisboa;
- TCE, sem perda de conhecimento, GCS 15, sem sinais focais;
- Fractura estável do sacro e asa do ilíaco direito e fracturas dos ramos ísquio e ílio esquerdos;
- Queimaduras do 2.º grau;
- Derrame na base pulmonar direita.
68. No dia do acidente o R. foi transferido do Hospital … para o Hospital de S. José, em Lisboa, onde permaneceu internado até 09.01.2015.
69. Daquele hospital foi transferido novamente para o serviço de ortopedia da do Hospital ..., onde permaneceu até ao dia 24.01.2015, dali passando a ser seguido em consultas externas de ortopedia.
70. Sentiu dores durante mais de 30 dias, e ainda as sente.
71. O R. sentiu sofrimento, tristeza, medo e anseio pela sua condição física.
72. Sentiu preocupação com o estado de saúde da A. CC.
73. Nos momentos imediatamente anteriores à queda da aeronave receou pela sua vida e pela da CC e sentiu que iriam morrer.
74. O R. despendeu as seguintes importâncias:
a) Episódio de Urgência de 1 de Janeiro de 2015, no valor de € 85,91;
b) Pagamento das taxas moderadoras relativas ao episódio de urgência, no valor de 50€;
c) Pagamento relativo ao transporte pelos bombeiros – 257,34€;
d) Internamento na ULSBA de 09/01 a 24/01 e Exames - 6.433,46€;
e) Aquisição de Cinta Lombar, no valor de 71,55.
75. Aquando do embate no solo a aeronave incendiou-se e ficou totalmente destruída.
76. À data do acidente a aeronave tinha um valor não apurado.
Factos não provados
a) Que tenha sido efectuada à menor uma breve explicação sobre os procedimentos a adoptar dentro da aeronave;
b) Quando o R. estava a efectuar a manobra de descolagem da aeronave e a mesma já tinha abandonado o solo, encontrando-se numa posição inclinada de subida, o R. começou a apontar na direcção do “manche” em frente à A. CC, fazendo-lhe sinais e gesticulando para que segurasse a mesma, com um ar transtornado;
c) Subitamente, e quando iniciava a descolagem, o ora R. desmaiou, perdendo o controlo da aeronave;
d) A aeronave realizou um looping, posto o que caiu a pique na pista;
e) O R. já se encontrava inanimado no momento em que a aeronave embateu no solo;
f) Caso o R. tivesse informado a A. CC que a manche era o comando de voo e que em hipóteses alguma lhe poderia mexer, esta teria cumprido a instrução que lhe tivesse sido dada;
g) A A. CC diz que nunca mais voltará a entrar num avião;
h) Em deslocações aos hospitais durante o período de internamento da CC gastaram os AA. quantia nunca inferior a € 1.804,20;
i) Os AA. viram-se obrigados a solicitar os serviços de advogados, para os assistir e acompanhar nas diligências que se desenrolaram junto do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, no que despenderam a quantia de € 1 230,00, a título de honorários;
j) Com a compra de uma cadeira adaptada os AA. gastaram €37.99;
k) No total a A. deixou de auferir a quantia total de € 2.400,00;
l) À data do acidente a aeronave pertencente ao R., tivesse um valor entre €25 000 e €30 000,00.
m) Os réus deviam saber que a menor não possuía a capacidade e maturidade para ter um baptismo de voo”.


B) De Direito

Enquadramento da ação
1. Está em causa um acidente ocorrido em …, a 1 de janeiro de 2015, que se traduziu na queda de uma aeronave, que os Autores, por si e em representação da sua filha menor, alegam ter ficado a dever-se à conduta culposa do Réu, que, na altura, tripulava a aeronave de que era proprietário, na qual a menor seguia. Entendem ainda que o Réu sempre responderia, independentemente de culpa. Os Autores pretendem o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo acidente, que peticionam nos autos nos seguintes termos: a) € 7.946,51 a título de danos patrimoniais dos dois primeiros Autores; b) € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais da menor; c) € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais dos dois primeiros Autores; e d) quantia a liquidar a título de danos futuros da menor.
2. O Réu contestou e deduziu reconvenção, pretendendo o ressarcimento dos danos que lhe foram causados com o acidente, cuja responsabilidade imputa, por sua vez, à conduta inesperada da menor, peticionando, a título indemnizatório, a quantia global de € 54.398,26, correspondendo o montante de € 34.398,26 a danos patrimoniais e o valor de € 20.000,00 a danos não patrimoniais.
3. Os Autores replicaram, pugnando pela improcedência da reconvenção.
4. Foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
5. Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação e a reconvenção improcedentes, decisão essa da qual apelaram, de facto e de direito, Autores e Réu - este através de recurso subordinado.

Decisões das Instâncias
1. As Instâncias seguiram caminhos diametralmente opostos.
O Tribunal de 1.ª Instância julgou improcedente tanto ação como a reconvenção e, consequentemente, absolveu o Réu e os Autores dos pedidos deduzidos.
Considerou, no que concerne à dinâmica do acidente, que, tendo este resultado da interferência da menor nos comandos da aeronave em que viajava, não se pode concluir pela prática de um facto ilícito por parte do Réu. Por conseguinte, não se verificando este pressuposto da responsabilidade civil delitual, o Réu não pode responder a esse título.
Entendeu, para além disso, (i) que a responsabilidade objetiva dos proprietários dos ultraleves e dos pilotos de aeronaves de voo livre pelos danos causados a terceiros, consagrada no art. 40.º do DL n.º 238/2004, de 18 de dezembro (que regula a utilização de aeronaves civis de voo livre e ultraleves), é afastada quando o acidente se deva a culpa exclusiva do lesado (in casu, o acidente ficou a dever-se à intervenção da menor nos comandos da aeronave); (ii) que o facto de a aeronave não se encontrar coberta por qualquer seguro de responsabilidade civil e de o certificado de voo estar caducado, bem como a circunstância de o Réu não ser detentor de um certificado de navegabilidade válido não contribuíram, minime que fosse, para a verificação do acidente, não podendo, consequentemente, ser assacada qualquer responsabilidade ao Réu com base nesses factos; e (iii) que o aligeiramento, por parte do Réu, dos procedimentos de segurança prévios à descolagem, apesar de poder configurar uma atitude temerária, não contribuiu para a ocorrência do acidente, do mesmo modo que para ele não contribuiu nem o facto de o voo se ter iniciado a uma hora já tardia e nem a circunstância de os auscultadores não estarem a funcionar corretamente.
Por fim, o Tribunal de 1.ª Instância afastou a aplicação ao caso em apreço da presunção de culpa prevista no art. 493.º, n.º 2, do CC, por ter entendido que a aeronave, por si só, não é um meio de transporte que acarrete uma probabilidade maior de perigo do que a que deriva de um veículo automóvel, não se estando, assim, perante uma atividade perigosa.
Concluiu, por estas razões, que nenhuma responsabilidade pode ser imputada ao Réu na produção do acidente, julgando, consequentemente, a ação improcedente.
Por seu turno, no que respeita à reconvenção, entendeu, por um lado, que nenhuma responsabilidade pode ser imputada aos Autores pela omissão do dever de vigilância previsto no art. 491.º do CC, já que estes nada podiam ter feito para evitar o comportamento da menor e, por outro lado, que a responsabilidade por eventual indemnização devida ao Réu recairia sobre a menor, mas que, não tendo sido deduzido contra ela qualquer pedido (tal como o Tribunal de 1ª Instância o interpretou), a reconvenção tinha de ser julgada improcedente.
Por seu turno, o Tribunal da Relação de Évora alterou parcialmente a matéria de facto e, apesar de ter entendido, em sentido coincidente com o Tribunal de 1.ª Instância, que os factos relativos ao certificado de navegabilidade, à ausência de seguro e à falta dos procedimentos de segurança prévios à descolagem foram totalmente alheios ao processo causal que conduziu à queda da aeronave, divergiu daquele Tribunal quer no que respeita à interpretação do art. 40.º do DL n.º 238/2004, de 18 de dezembro (por julgar que a exclusão da responsabilidade objetiva aí prevista não se basta com a causalidade tal como sucede no art. 505.º do CC, antes pressupondo verdadeira culpa do lesado), quer no que se refere à qualificação da atividade de tripulação de uma aeronave com as características da que está em causa nos autos, que considerou ser perigosa.
Partindo destes pressupostos, o Tribunal da Relação de Évora concluiu que, não podendo o acidente ser imputado à menor, em exclusivo e a título culposo (por a sua conduta não ser passível de um juízo de censura), a responsabilidade objetiva do Réu, enquanto piloto da aeronave, consagrada no art. 40.º do DL n.º 238/2004, sempre subsistiria e que, ainda que assim não fosse, estando-se perante uma atividade perigosa, sem que o Réu haja ilidido a presunção de culpa prevista no art. 493.º, n.º 2, do CC, é o mesmo responsável, a título culposo, pelos danos causados.
No que respeita à menor, o Tribunal da Relação de Évora entendeu que, estando ela numa situação de incapacidade natural e não sendo possível dirigir-lhe um juízo de censura ético-jurídica, era de manter a sua absolvição (ainda que por diferente razão), o mesmo não sucedendo, porém, em relação aos seus pais. Recaindo sobre estes o dever de vigilância da menor, competia-lhes afastar, por qualquer das vias ao seu alcance, a presunção de culpa prevista no art. 491.º do CC. Como não o fizeram , respondem, juntamente com o Réu, pelos danos causados à menor.
Deste modo, havendo tanto os Autores como o Réu contribuído culposamente para o evento danoso, sem que tenha visto razão para distinguir o peso relativo da culpa de cada um deles, o Tribunal da Relação de Évora fixou em igual medida a contribuição para o acidente de uns e do outro e, consequentemente, condenou o Réu a pagar aos Autores e estes (com exceção da menor, que foi absolvida) a pagar àquele 50% das importâncias que fixou, a cada um, a título indemnizatório.
É desta decisão que os Autores interpõem recurso de revista, pretendendo a revogação do acórdão na parte respeitante ao pedido reconvencional, assim como a condenação do Réu no pagamento da totalidade dos montantes indemnizatórios arbitrados pelo Tribunal (e não apenas na proporção de 50%).

Questão de se saber se o acidente em causa nos autos é - ou não – imputável aos Autores com fundamento em omissão do dever de vigilância de sua filha menor, nos termos do art. 491.º do CC e se, consequentemente, são responsáveis pelo pagamento das quantias indemnizatórias fixadas pelo Tribunal na proporção da sua contribuição para o sinistro, por a sua conduta omissiva e culposa ter concorrido, juntamente com a conduta omissiva e culposa do Réu, para a produção do acidente; ou antes se este é de imputar exclusivamente ao Réu e se, assim, é apenas sobre este que recai a responsabilidade pelo pagamento das referidas quantias
1. O Tribunal da Relação de Évora respondeu afirmativamente àquela questão, considerando os Autores co-responsáveis pela verificação do acidente .

Levou, desde logo, em linha de conta, que, apesar de não se presumir inimputável para efeitos dos arts. 488.º e 489.º do CC – já que tinha 14 anos de idade à data do acidente –, não detendo, à luz da factualidade assente, nem o conhecimento, nem a experiência que lhe permitissem avaliar, com correção, o risco que representava o voo numa aeronave de duplo comando – como a que está em causa nos autos – de modo a evitar condutas perigosas, a menor se encontrava numa situação de incapacidade natural.
Depois, para se desencadear a presunção de culpa estabelecida no art. 491.º do CC – decorrente da omissão do dever de vigilância que recai sobre as pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, em virtude da incapacidade natural destas –, o lesado apenas tem de provar a prática do ato danoso pelo incapaz natural e a existência de um dever de vigilância. Uma vez feita esta prova, para que o vigilante afaste a referida presunção de culpa, terá de provar que cumpriu o mencionado dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o houvesse cumprido.
Em seguida, o dever de vigilância tem dois componentes: um, mais amplo e genérico, que corresponde à adequada formação da personalidade do menor, através da sua educação e outro, mais restrito, que respeita aos cuidados e cautelas que, em concreto, devem ser adotados em cada momento e em cada situação.
Por outro lado, ainda que o dever de vigilância não implique uma vigilância obsessiva e permanente (impondo-se que seja deixado ao menor o espaço necessário ao seu desenvolvimento), compete ao vigilante instruir e proibir condutas idóneas para a causação de danos, tal como faria o bonus pater familias naquelas circunstâncias concretas em função da idade, da personalidade, do sentido de responsabilidade e da educação recebida da pessoa a vigiar.
Acresce que, ainda segundo o Tribunal da Relação de Évora, revelando os autos que tendo acabado de realizar uma viagem na aeronave tripulada pelo Réu, que durou 45 minutos, o pai da menor conhecia as características da aeronave, designadamente o seu duplo comando, perfeitamente acessível ao passageiro, tal como sabia das deficiências de funcionamento dos auscultadores. Entendeu ainda que, devendo conhecer o grau de maturidade da sua filha, o pai podia avaliar que instruções concretas se revelavam necessárias naquelas circunstâncias concretas para minimizar uma situação de risco, assim como que a suscetibilidade de os perigos se traduzirem em danos para a menor e para terceiros;
Seguidamente, não tendo os Autores prestado qualquer esclarecimento à menor, designadamente quanto à função do comando e às sensações que iria enfrentar na descolagem, e não lhe havendo dado qualquer instrução, nem a tendo, sobretudo, proibido, de forma expressa, como se impunha, de mexer na manche ou nos pedais (que pelo menos o progenitor sabia que se encontravam ao seu alcance), omitiram os Autores o dever de vigilância que sobre eles recaía.

Por isso, não havendo demonstrado que o dano se teria verificado mesmo que tivessem cumprido o dever de vigilância, os Autores respondem culposamente, em concorrência com o Réu e em igual medida, pelos danos causados.
2. Por sua vez, os Autores/Recorrentes alegam que confiaram a terceiro – o Réu - a vigilância da menor durante o decurso do seu batismo de voo, por terem confiado na sua experiência e conhecimento dos procedimentos de segurança inerentes à utilização da aeronave por passageiros, tanto mais que não a iriam acompanhar durante o voo. Além disso, os Autores não têm quaisquer conhecimentos ou experiência relevante no que respeita a aeronaves. De resto, o Recorrente, que tinha acabado de realizar também o seu batismo de voo, compreendeu as características da aeronave ou quaisquer regras de segurança a cumprir no seu interior que pudesse ter transmitido à menor, competindo essa tarefa, muito diferentemente, ao Réu.
Entendem que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para salvaguardar a segurança da menor, tendo-se até o Recorrente assegurado de que a mesma colocava os auscultadores e os cintos de segurança, não podendo antever, face à idade da menor ao tempo do acidente (14 anos), ao seu carácter forte, personalidade estruturada e maturidade elevada, que fosse necessário dar-lhe quaisquer indicações quanto às concretas funções do comando da aeronave (que desconheciam) ou quaisquer instruções concretas quanto ao comportamento a adotar dentro da aeronave ou sobre as sensações que iria enfrentar na descolagem, ilidindo, assim, a presunção de culpa in vigilando ínsita no art. 491.º do CC.
Além disso, ainda que os Recorrentes tivessem dado à menor informações sobre a manche e a houvessem proibido de lhe mexer, afigura-se razoável concluir que os danos se teriam produzido de qualquer modo. Tanto mais que não se provou que, na hipótese de o Réu ter esclarecido a menor de que a manche era o comando de voo e que em hipótese alguma lhe poderia mexer, a mesma teria observado essas instruções. Portanto, este facto não provado está em contradição com a conclusão a que chegou o Tribunal da Relação de Évora de que se os pais tivessem cumprido o seu dever de vigilância, informando a menor nos moldes indicados e dizendo-lhe que não poderia mexer na manche, o acidente teria sido evitado.
Sendo o Réu o único responsável pelo acidente, nos termos do art. 493.º, n.º 2, do CC, por não ter adotado as medidas exigidas pelas circunstâncias para evitar o dano, deve suportar o pagamento da totalidade das quantias indemnizatórias fixadas para ressarcimento dos danos (e não apenas na proporção de 50%), não sendo aplicável ao caso em apreço o disposto no art. 497.º do CC.

Apreciando,
1. De acordo com o art. 486.º do CC ( “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”), a obrigação de indemnizar depende, no caso das omissões, da existência da obrigação de agir (id est, de praticar o ato omitido). Um dos casos em que essa obrigação resulta diretamente da lei é precisamente o da responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem.
2. Por seu turno, o art. 491.º do CC (“As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido”) consagra uma presunção de culpa das pessoas obrigadas a vigiar os sujeitos naturalmente incapazes pelos danos que estes causem a terceiros, abrangendo a respetiva fattispecies a causa natural de incapacidade por excelência que é a menoridade.
3. As pessoas sobre quem recai a referida presunção de culpa respondem por facto próprio, e não por facto de outrem, pois que a lei presume que houve falta (omissão) da vigilância adequada (culpa in vigilando).
4. A este preceito estão subjacentes as seguintes considerações:
a) Num dado da experiência (segundo o qual boa parte dos actos ilícitos praticados pelos incapazes procede de uma falta de vigilância adequada);
b) Na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra o risco da irresponsabilidade ou de insolvabilidade do autor directo da lesão;
c) Na própria conveniência de estimular o cumprimento dos deveres que recaem sobre aqueles a cuja guarda o incapaz esteja entregue[1].
5. Este regime não pode considerar-se nem violento e nem injusto, na medida em que o vigilante pode sempre afastar a presunção de culpa nos termos da última parte do art. 491.º do CC: mediante a prova do cumprimento do dever de vigilância (prova essa que se há-de adaptar às circunstâncias concretas do caso, já que esse dever varia consoante a natureza e o grau da incapacidade do vigilando) ou a demonstração de que o dano se teria produzido mesmo que esse dever tivesse sido cumprido[2].
6. No que respeita aos respetivos requisitos, o art. 491.º pressupõe a “obrigação de vigilância” (que tem um conteúdo concreto, dependente da personalidade e do estatuto etário do vigilando, das circunstâncias do caso, da ocasião, do lugar e do tipo de ato em causa[3])  de um lado e, de outro, a “incapacidade natural” do vigilando[4].
7. A incapacidade natural traduz-se na falta ou impossibilidade de exercício pessoal da aptidão natural, expressa na capacidade de entender e querer e na disposição de conhecimentos suficientes, para governo da sua pessoa e bens[5].
8. Pode dizer-se que “a incapacidade natural veicula a inaptidão de alguém se conduzir com autonomia na avaliação do cuidado devido para evitar ou gerir perigos, programando os seus comportamentos de modo a precaver lesões em si próprios e na pessoa de terceiros[6].
9. Trata-se, assim, de um conceito lato que, além de abranger todos os sujeitos inimputáveis, inclui também os imputáveis “na justa medida em que ainda (ou já) não possuem o necessário discernimento para avaliar a existência e a dimensão dos riscos que inerem a determinados empreendimentos ou situações, em cotejo com a sua capacidade de resposta[7].
10. Pode igualmente afirmar-se que a incapacidade natural compreende a inimputabilidade, mas é mais extensa, abrangendo situações em que, tendo liberdade e entendimento, o agente não possui ainda a necessária maturidade e domínio de si[8].
11. Assim, estando em causa a prática de atos materiais, o jurista não tem de ficar atido a uma categoria técnico-jurídica que tem o seu âmbito de aplicação bem delimitado. A resposta à questão passará por saber em que medida existe o dever de vigilância e qual o seu âmbito, tudo redundando numa indagação imputacional[9].
12. Diz-se, por outro lado, a este propósito, que “embora à incapacidade natural nem sempre corresponda a inimputabilidade, o art. 491.º do CC, dada a sua fórmula geral, aplica-se quer a menores imputáveis, quer a menores inimputáveis, bastando, portanto, para fazer funcionar o regime aí consagrado, a prática, por parte do incapaz, de um facto antijurídico ou objectivamente contrário ao direito, causador de danos a terceiro, sem que se exija a sua culpa. A ser de outro modo, seriam precisamente os que mais carecem de vigilância (os inimputáveis) e que mais perigosos são para os terceiros, aqueles em relação a cujos atos não funcionaria a presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de outrem. Quando se trata de um incapaz imputável, este e a pessoa obrigada a vigiá-lo respondem solidariamente, nos termos do artigo 497.º do CC[10].
13. Pode, assim, concluir-se, que a incapacidade natural não corresponde nem à inimputabilidade e nem à incapacidade de exercício. A incapacidade natural traduz-se antes na inaptidão de alguém se conduzir com autonomia na avaliação do cuidado devido para evitar ou gerir perigos, programando os seus comportamentos de modo a precaver lesões em si próprio e na pessoa ou bens de terceiros. Abrange, deste modo, todos os inimputáveis,  e também os sujeitos imputáveis na justa medida em que não possuam o necessário discernimento para avaliar a existência e a dimensão dos riscos que inerentes a determinados empreendimentos ou situações, em cotejo com a sua capacidade de resposta[11].
14. Pois bem, no caso sub judice, o quadro fáctico provado revela, tal como refere o Tribunal da Relação de Évora, que a menor se enquadra no referido conceito de incapaz natural. Com efeito, tinha 14 anos de idade ao tempo do acidente, era o seu primeiro voo numa aeronave como a que está em causa nos autos e ignorava que a “manche” era o comando daquela. Não estava, efetivamente, apta a conduzir-se com autonomia na avaliação do cuidado devido para evitar ou gerir o perigo decorrente desta sua viagem “batismal” e nem a programar o seu comportamento de modo a precaver lesões para si ou para terceiros, por lhe faltar o discernimento para avaliar a existência e a dimensão dos riscos inerentes ao ato de puxar para si o referido comando aquando da descolagem[12].
15. Por conseguinte, estando-se perante uma menor, é, em primeira linha, sobre os seus progenitores que impende o dever de vigilância. Este integra o próprio conteúdo das responsabilidades parentais, às quais se encontra umbilicalmente ligado[13].
16. Até à maioridade ou emancipação, os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais, que envolvem, além do mais, o dever dos pais de velar pela sua segurança e saúde, o dever de dirigirem a sua educação e o dever de obediência dos filhos em relação aos pais. Isto não obsta a que, atendendo à sua maturidade, lhes possa ser reconhecida autonomia na organização da própria vida (arts. 1877.º e 1878º do CC).
17. CC é uma menor que carecia de vigilância na justa medida em que ainda não possuía o necessário discernimento para avaliar a existência e a dimensão dos riscos inerentes a determinadas situações – como a dos autos -, nem tão pouco capacidade para lhes fazer face. As circunstâncias do caso concreto – a falta de capacidade para configurar os riscos decorrentes da manipulação do comando da aeronave – permitem fundar a incapacidade natural da autora material da lesão, justificando o dever de vigilância. A “presunção de culpa” estabelecida no art. 491.º do CC operou com a prova da prática do ato danoso pela menor, incapaz natural[14].
18. Refira-se, de resto, que, no presente recurso de revista, não se discute a incapacidade natural da menor, mas antes a omissão do dever de vigilância por parte dos seus progenitores, Autores/Recorrentes, AA e BB. Estes sustentam que tal dever se havia transferido para o Réu DD.
19. É verdade que qualquer pessoa pode, por contrato, ficar encarregada da vigilância de outrem. Todavia, para que tal suceda, mister se torna que, por força de contrato, essa pessoa assuma, efetivamente, a obrigação de vigilância, o que nem sempre acontece  - “essencial é que, por força do contrato, o dever de vigilância tenha sido efetivamente assumido por estes sujeitos[15].
20. In casu, a matéria de facto dada como provada não permite, de modo algum, a conclusão alcançada pelos Recorrentes no sentido de terem transferido para o Réu o dever de vigilância da menor. Na verdade, ficou tão-somente provado que o Réu, depois de ter convidado e voado com o pai da menor, a convidou igualmente a ela para um passeio na aeronave. A menor aceitou o convite e os pais, por sua vez, consentiram na realização dessa viagem.
21. Torna-se assim evidente que, não resultando da factualidade provada a existência de qualquer contrato, nem que o Réu tenha assumido a obrigação de vigilância da menor, o argumento invocado pelos Recorrentes não pode proceder. Na verdade, era sobre os Autores, enquanto progenitores da menor, que recaía, efetivamente, o dever de vigilância.
22. É, pois, neste sentido que tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça em casos similares, de que é exemplo o Acórdão de 7 de junho de 2005[16], no qual se afirmou que:
 “I - O dever de vigilância dos pais sobre os filhos menores mercê da sua incapacidade pode ser exercido por terceiro mediante contrato oneroso ou por mero favor, só no primeiro caso sendo o terceiro responsável por culpa in vigilando. Na hipótese de mero favor a responsabilidade baseada na culpa in vigilando recai directamente nos pais do menor, quando por não exercida causar danos. II - Não obstante o condutor do veículo seguro na Ré, que vendia fruta numa estrada sem saída, tivesse sido avisado da personalidade irrequieta e brincalhona do menor, não é possível considerar que teria de o vigiar, isto é, que tivesse assumido qualquer especial dever de cuidado relativamente ao menor”.
23. Já o caso subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11de setembro de 2012[17], invocado pelos Recorrentes em abono da sua pretensão, não encontra qualquer paralelismo no caso sub judice, não sendo, por isso, o raciocínio aí exposto transponível para o caso dos autos. Na verdade, estava-se aí perante um atleta federado, inscrito por um clube no qual treinava regularmente, participando, por conta dele, em jogos oficiais que eram superintendidos por esse clube, através de um treinador, o mesmo sucedendo nos treinos em que estavam presentes membros da sua direção.
24. Ainda que se verificasse uma situação de vigilância assumida pelo piloto a título de cortesia, constitutiva para si de deveres destinados a impedir não apenas que o incapaz natural sofresse danos, mas também que os causasse a terceiros, porquanto a prevenção do perigo lhe estaria confiada, nunca se lhe aplicaria o regime especial da culpa presumida. Ser-lhe-ia antes aplicável o regime dos arts. 483.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do CC.
25. Uma vez assente que era sobre os Recorrentes, enquanto progenitores da menor, que recaía o dever de vigilância, resta apreciar se os mesmos lograram ilidir a presunção de culpa que os onera nos termos do art. 491.º do CC.
26. Importa, assim, analisar qual o âmbito, extensão e conteúdo do dever de vigilância visado por esse preceito, seguindo-se, para tanto, a lição contida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2009[18] que, pela sua clareza e pela súmula que faz da posição que vem sendo seguida pela jurisprudência nesta matéria, vale a pena aqui transcrever parcialmente:
A jurisprudência vem entendendo que a determinação do âmbito, legalmente relevante, de tal dever de vigilância do incapaz por parte de quem sobre ele exerce o poder paternal implica um «ângulo de focagem» alargado, envolvendo, não apenas a existência, em concreto, de um dever de estrita vigilância e controlo do comportamento do menor, no preciso momento em que se produziu o evento danoso, mas também, em termos mais gerais, a ponderação de toda a actividade de educação e formação da personalidade do menor, visando fazer interiorizar por este, na vida relacional, as necessidades de respeito pelos outros e pelos bens jurídicos.
Como é evidente, o âmbito de tal dever de vigilância e controlo «stricto sensu» dos comportamentos do incapaz tem de ser avaliado casuisticamente, tendo em conta, desde logo, a idade do menor e, portanto, o seu grau de autonomia e a capacidade natural de entender e de agir, bem como as concepções e práticas sociais dominantes no meio em que se movimentam os interessados. Como se afirma no Ac. deste Supremo de 6/5/08: O dever de vigilância, cuja violação implica responsabilidade presumida, culpa in vigilando, não deve ser entendido como uma obrigação quase policial dos obrigados (sejam pais ou tutores), em relação aos vigilandos porque, doutro modo, o não deixar, sobretudo, no que ao poder paternal respeita, alguma margem de liberdade e crescimento do menor, seria contraproducente para a aquisição de regras de comportamento e vivências compatíveis com uma sã formação do carácter e contenderia com a desejável inserção social.
Daí que importe ajuizar, casuisticamente, se tal dever foi ou não cumprido”.
(…)
“O dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiadamente severo a tal respeito.
As pessoas, que têm o dever de vigilância, têm, em regra, outras ocupações; por outro lado, as concepções dominantes e os costumes influem na maneira de exercer a vigilância, de modo a não poder considerar-se culpado quem de acordo com elas ou com eles, deixe certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe” (Boletim n.º 85, p. 426).
E Rodière acentua: que “o pai não pode ser obrigado a exercer em todo o tempo sobre seu filho uma vigilância directa e à vista, que as suas obrigações profissionais não poderiam permitir sempre, nem a idade ou o ofício do filho autorizar sempre”, pelo que “não é… permitido nem afirmar a priori que o pai aceita de maneira irrecusável certos riscos […].
“O que os tribunais devem procurar em cada caso é o que teria feito, nas mesmas circunstâncias, um bom pai de família, consciente dos seus deveres, e comparar-lhe a conduta do interessado”.
Por outro lado, o dever de vigilância não se esgota na actividade de guarda e controlo do menor no momento em que se verificou o comportamento que causou o dano, começando muito antes e a montante do facto danoso, com a gradual formação da personalidade do menor e a direcção da respectiva educação; como se afirma, em termos paradigmáticos, no Ac. deste Supremo de 15/10/02 (p.02A2638):
(…)
Cumpre ter presente que uma das razões que justificam a presunção de incumprimento do dever de vigilância prende-se com uma mais eficaz protecção do lesado contra o risco da irresponsabilidade ou da insolvabilidade do incapaz, autor directo da lesão.
O dever de vigilância deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso. Por outro lado, de acordo com o entendimento largamente maioritário da jurisprudência nacional relativamente à avaliação do cumprimento do dever de vigilância sobre incapaz, faz-se frequente apelo aos deveres de educação. Como observa Henrique Antunes, "se não se deve dificultar excessivamente a ilisão da presunção de culpa, também não se pode olvidar a posição do lesado, em cujo interesse existe a disciplina da responsabilidade civil".
Com efeito, na vigilância, encontra-se compreendida a educação, bastando ao lesado provar a existência do dever de vigilância sem ter de provar a culpa dos pais no defeito de educação que tenha causado o dano.
O exercício da vigilância começa antes da produção do resultado danoso.
Ora, é justamente aí que desempenha papel fulcral, a par dos simples conselhos e recomendações – que cabem ainda no exercício da vigilância stricto sensu –, a educação do vigilando, como um processo de construção da personalidade e carácter do menor.
Resulta do exposto que não se afigura legítimo desligar a vigilância da educação, não apenas no sentido de o grau da referida vigilância em sentido estrito depender da educação dada, mas também no sentido de a má educação ser igualmente um cumprimento defeituoso do dever de vigilância, fundamento de responsabilidade”.
27. Nestes moldes, importa recordar que os Recorrentes sustentam, em ordem a demonstrar que cumpriram o seu dever de vigilância, que fizeram tudo o que estava ao seu alcance para salvaguardar a segurança da menor, tendo-se inclusivamente o Recorrente assegurado de que a mesma colocava os auscultadores e os cintos de segurança, sem que pudessem antever, face à idade da menor à data do acidente (14 anos), ao seu carácter forte, à personalidade estruturada e maturidade elevada, que fosse necessário dar-lhe quaisquer indicações quanto às concretas funções do comando da aeronave (que desconheciam) ou quaisquer instruções concretas quanto ao comportamento a adotar dentro da aeronave ou sobre as sensações que iria enfrentar na descolagem.
28. Os Recorrentes não aceitam que o Tribunal da Relação de Évora tenha entendido, no acórdão recorrido, que, havendo acabado de viajar na aeronave (viagem esta que durou 45 minutos), o pai da menor conhecia as suas características, designadamente a circunstância de a mesma se encontrar dotada de um duplo comando perfeitamente acessível ao passageiro e sabia das deficiências de funcionamento dos auscultadores. Contudo, na verdade, devendo conhecer o nível de maturidade de sua filha, impunha-se-lhes avaliar que instruções concretas se revelavam necessárias naquelas circunstâncias para minimizar uma situação de risco e obstar a que os perigos imanentes se concretizassem em danos para a menor e para terceiros.
29. Contestam, outrossim, a conclusão a que, com base nessas premissas, o Tribunal da Relação de Évora chegou de que os Recorrentes omitiram o dever de vigilância por não terem prestado qualquer esclarecimento à menor e por nenhuma instrução lhe terem dado, sobretudo, não a tendo proibido de forma expressa, como se impunha, de mexer no comando ou nos pedais que, pelo menos o progenitor, sabia que estavam ao seu alcance.
30. Em todo o caso, está indiscutivelmente em causa a vigilância de seres humanos (adolescentes) com alguma inclinação para a rebeldia contra instruções e, até, contra proibições. Assim, cabendo a função educativa no conceito amplo de vigilância adotado pelo art. 491.º do CC (culpa in educando) e estando, por isso, compreendida no âmbito da presunção de “culpa”, competia aos pais a demonstração - genérica - de uma correta formação da personalidade, que não pode impedir condutas intempestivas e, por isso, imprevisíveis, inclusivamente para o educador mais diligente e escrupuloso[19] . Os pais não lograram, todavia, provar essa correta formação da personalidade ou caráter insuscetível de impedir condutas imprevisíveis até para o educador mais diligente.
31. Ainda que se reconheça que as considerações tecidas no acórdão recorrido são de certo modo excessivas, por não encontrarem respaldo no acervo factual provado e extravasarem o alcance que, de acordo com as circunstâncias do caso, o dever de vigilância tem, o certo é que não assiste razão aos Recorrentes quando afirmam que cumpriram esse dever.
32. Repare-se que apenas se provou que o pai da menor a acompanhou até à aeronave e se certificou de que a mesma colocava os auscultadores e os cintos de segurança, facto este que – visando, quando muito, salvaguardar a segurança da menor e não a de terceiros –, é manifestamente insuficiente para se concluir que os Recorrentes cumpriram o dever de vigilância, sobretudo tendo em consideração que é precisamente a proteção de terceiros que está subjacente ao preceito do art. 491.º do CC.
33. Consequentemente, ainda que se admita que não era exigível aos Recorrentes prestarem à menor quaisquer esclarecimentos de carácter técnico, a propósito das características da aeronave e do modo de funcionamento do seu duplo comando (por não resultar da matéria de facto provada que tivessem conhecimentos nessa área específica), já lhes era exigível que, naquelas particulares circunstâncias, ao terem consentido que a menor, à data com 14 anos de idade, viajasse, desacompanhada deles, numa aeronave como a que está em causa nos autos, lhe tivessem pelo menos ordenado que obedecesse ao piloto, cumprindo as instruções que este lhe desse e que a proibissem de mexer fosse no que fosse no interior da aeronave. Independentemente de não terem conhecimentos técnicos nessa área, sempre seria intuitivo para qualquer progenitor que essa expressa proibição seria adequada a evitar os perigos que um voo, num meio de transporte como aquele, sempre acarreta.
34. Era, pois, essa a conduta que se crê que um bom pai de família, depois de ter consentido na realização da viagem pela menor, consciente dos seus deveres, adotaria nas circunstâncias referidas. A não se entender assim, o dever de vigilância ficaria esvaziado de conteúdo em todas as situações em que os progenitores não estivessem fisicamente junto dos filhos. A verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, os atos dos incapazes naturais, causadores de danos, são praticados precisamente quando os pais não estão presentes, sem que esse facto afaste automaticamente o dever de vigilância que continua a recair sobre eles.
35. Recorde-se que se trata de uma menor de quatorze anos de idade e, por isso, imputável. Todavia, apesar de imputável, sem capacidade natural, por não lhe ser possível aferir os riscos comuns da existência e programar as condutas mais adequadas para os enfrentar e, concretamente, para configurar os riscos inerentes à realização de uma viagem como aquela de que se cura e ao manuseamento da manche da aeronave. Poderá, de resto, ter demonstrado uma racionalidade temerária que afronta intencionalmente os perigos, pretendendo exteriorizar aptidão pessoal para enfrentar esses riscos.
36. Pode também dizer-se que, ao esvaziar consideravelmente o conteúdo da vigilância parental, o modus vivendi hodierno reforçou a importância da educação. Entende-se, entre nós, conforme mencionado supra, que a educação deve ser considerada incluída na vigilância (culpa in educando)[20].
37. Crê-se, por isso, que, nesses casos, o dever de vigilância se há-de traduzir quer na educação que os pais vão dando aos filhos com vista à formação da sua personalidade e a incutir-lhes o respeito devido pela integridade física e pelos bens de terceiros, quer ainda nas instruções, ordens e proibições que lhes vão impondo nas situações concretas com que se vão deparando, com vista, designadamente, a que os mesmos se abstenham de adotar comportamentos perigosos que sejam aptos a produzir danos – como sucedeu no caso dos autos.
38. Seja como for, certo é que, conforme supra aflorado, estando feita a prova da existência do dever de vigilância e do dano causado por ato da pessoa a vigiar, era aos Recorrentes, enquanto obrigados à vigilância, que cabia, nos termos do art. 344.º, n.º 1, do CC, ilidir a presunção de culpa consagrada no art. 491.º do mesmo corpo de normas, demonstrando que cumpriram o seu dever ou que, mesmo que o tivessem cumprido, o dano se teria produzido[21].
39. Sufragando, uma vez mais, o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2009, é aos progenitores que exercem as responsabilidades parentais sobre os filhos menores que incumbe o ónus de alegar e provar os factos idóneos para ilidir a presunção de culpa que funda a responsabilidade por violação do dever de vigilância[22].
40. E a verdade é que os Recorrentes não lograram provar o  cumprimento desse dever já que, conforme mencionado supra, com exceção do facto de ter ficado provado que o progenitor da menor se certificou de que a mesma tinha colocado os auscultadores e os cintos de segurança, nada mais se provou que seja demonstrativo de que os pais da menor tomaram todas as precauções para impedir que esta adotasse, no interior da aeronave, comportamentos suscetíveis de por em perigo quer a sua vida, quer a do piloto da aeronave (como aquele que, afinal, a mesma veio a assumir).
41. Não se demonstrou que a menor tivesse as aptidões para gerir o tipo de perigos com que se deparou na realização do voo em apreço. Está em causa a descoberta de um equilíbrio entre o crescimento protegido da menor, habilitando-a a agir com sentido de responsabilidade, e as exigências de controlo dos perigos que decorrem da imprevisibilidade típica dos comportamentos ou da necessidade de afirmação da autonomia juvenil, que a incita a correr e criar riscos temerários como forma de manifestar a sua personalidade. Assim, quanto mais ameaçador se revela o perigo, menor a capacidade do vigilando para o dominar e maior a sua propensão para certas práticas mais arriscadas e, por isso, mais intensa e minuciosa deverá ser a vigilância exigível. Concretamente, não dispondo a menor de aptidão (designadamente de maturidade e de perfil comportamental de obediência a advertências, instruções e proibições) para gerir os perigos decorrentes de uma deslocação numa aeronave como aquela dos autos, os pais – que a não acompanharam nesse voo  - talvez não devessem ter consentido na realização dessa viagem. De resto, nem lhe dirigiram instruções e advertências. Salvo nos casos em que a concretização de perigos se afigurar totalmente improvável, ou o incapaz não tenha condições para as compreender, as instruções assumem uma função essencial no esclarecimento dos perigos possíveis de certos comportamentos, em especial, quando se trate de manipular objetos particularmente perigosos, como sucede no caso em apreço. Prevalece, de resto, a ideia fulcral de que se deve, não apenas educar a criança ou o adolescente, como também vigiar o resultado dessa educação[23].
42. O mesmo se diga a propósito da prova de que o dano se teria produzido ainda que os Recorrentes houvessem cumprido o seu dever de vigilância, porquanto nenhum dos factos dados como provados permite concluir nesse sentido. Afigura-se totalmente irrelevante que não se tenha provado que a menor teria cumprido a instrução que lhe tivesse sido dada pelo Réu caso este a tivesse informado de que a manche era o comando de voo e que em hipótese alguma lhe poderia mexer.
43. Repare-se que o que a lei impõe aos obrigados à vigilância, para afastarem a responsabilidade civil fundada em culpa presumida, é que os mesmos provem que os danos se teriam produzido ainda que eles (e não um terceiro sobre o qual o dever de vigilância não recai) tivessem cumprido o seu dever. São, por isso, totalmente destituídas de sentido, à luz do disposto no art. 491.º, in fine, do CC, as contradições que os Recorrentes apontam, a este propósito, ao acórdão recorrido.
44. Insiste-se: provados os factos que estabelecem a base da presunção consagrada no art. 491.º, o presumível lesante dispõe de meios que lhe permitem a exoneração de responsabilidade. Desde logo, pode demonstrar que, apesar do evento lesivo, cumpriu os deveres legais pressupostamente violados, provando, portanto, o facto contrário ao presumido. Depois, pode ainda demonstrar que os danos se teriam produzido mesmo que não houvesse “culpa”. Competia, deste modo, aos progenitores i) provar que nem sequer se verificavam os pressupostos constitutivos do dever de vigilância, porque, verbi gratia, não lhes cabia controlar aquele perigo concreto que gerou a lesão; ii) provar que cumpriram esse dever e que, por isso, não há ilicitude; iii) ou que não o cumpriram por não lhes ter sido possível reconhecer as circunstâncias que impunham o seu cumprimento, caso em que, havendo ilicitude, inexiste culpa[24]. Os Autores não lograram provar a inexistência do dever de vigilância, ou o seu cumprimento, ou que não o cumpriram por não lhes ter sido possível identificar as circunstâncias que ditavam a sua observância. Não demonstraram igualmente que os danos se teriam produzido mesmo que não houvesse “culpa”, id est, a irrelevância da violação do dever na produção do resultado, provando que foi outra a sua causa, dado que esse evento lesivo também se teria verificado ainda que se tivessem pautado por uma conduta conforme ao ordenamento jurídico. Trata-se do acolhimento da figura do comportamento lícito alternativo, cuja eficácia exoneratória se admite desde que se prove que não teria impedido a produção do resultado típico[25].  
45. Os pais não preveniram, pois, o surgimento do perigo, omitindo o cumprimento dos deveres de prevenção da atividade danosa da menor vigilanda.
46. Deste modo, não tendo os pais/Recorrentes logrado fazer prova de factualidade suscetível de ilidir a presunção de culpa que sobre eles impende, afigura-se forçoso concluir que contribuíram, com a sua conduta omissiva e culposa, para a produção do evento danoso.
47. No que respeita ao piloto/Réu/Recorrido, o afastamento da presunção de culpa não exige a demonstração de que não houve culpa da sua parte na produção dos danos, sendo antes necessário que demonstre que “empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir” (art. 493.º, n.º 2, in fine, do CC), todas as medidas de segurança suscetíveis de assegurar a condução regular das atividades perigosas. Irreleva aqui o comportamento alternativo lícito enquanto meio de exoneração de responsabilidade do exercente de atividade perigosa. Demonstrada a perigosidade da atividade, verificados os danos e comprovado o nexo causal entre eles e o exercício da atividade, o único mecanismo de exoneração consiste precisamente na prova do cumprimento de todas as medidas concretas de cuidado requeridas pelas circunstâncias concretas. O critério de imputação baseia-se apenas no controlo da atividade, entendido como o poder de adotar as medidas idóneas para a prevenção do dano. É o elemento “perigo” que qualifica este regime de responsabilidade[26].
48. Contudo, o resultado lesivo não representou apenas, cum summo rigore, a concretização do perigo ou perigos que justificam o caráter de perigosidade que impende sobre a atividade em apreço. A inobservância do dever de vigilância, por parte dos pais, que terá facilitado a conduta da menor lesada – desrespeito pela advertência clara e expressamente formulada pelo piloto de não mexer em nada –, como que conduz a uma redução da responsabilidade do piloto, mas já não á sua exclusão, porquanto o piloto não alertou a menor para o perigo efetivo que corria no caso de manipular a manche da aeronave. Acresce que, convocando um princípio de maior proximidade, o piloto estaria em melhores condições do que os pais, após a entrada da menor na aeronave, para adotar as medidas adequadas à prevenção do dano, pois era ele que tinha o controlo da atividade.
49. Não se admite a exoneração de responsabilidade do exercente de atividade perigosa mediante a demonstração da inoperância do comportamento lícito alternativo de um lado e, de outro, requer-se a prova de que foram adotadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias em ordem a prevenir os danos. Na ausência de normas jurídicas ou regras técnicas, as medidas adequada para enfrentar o perigo retiram-se das regras de prudência comum. O bonus pater familias teria, certamente, advertido a menor para o risco decorrente do  manuseamento da manche, esclarecendo-a de que se tratava de um comando da aeronave com a mesma operatividade daquela que se encontrava em seu poder e, por isso, sobre a existência do perigo. A lesão não era inevitável em absoluto, nem imprevisível em absoluto. Ao piloto impunha-se eliminar “todos” os fatores de risco, nomeadamente mediante a prestação de informações sobre o comando da aeronave e os riscos inerentes à sua manipulação. Por força do art. 346.º, a dúvida é decidida contra a parte onerada com a prova.
50. Porém, uma vez que a inobservância do dever de vigilância, por parte dos pais, que terá de algum modo propiciado a conduta da menor – desrespeito pela advertência expressa de um profissional experiente de não mexer em nada no interior da aeronave -, que não quebrou a relação causal entre o exercício da atividade perigosa e a lesão danosa,  mas que contribuiu para a produção do dano, poderá adotar-se uma solução como aquela do concurso de culpas, previsto no art. 570.º, n.º 1. Deve, pois, admitir-se a ponderação da “culpa” presumida do piloto e da “culpa” presumida dos pais, uma vez que a conduta da menor vigilanda, facilitada pela inobservância do dever de vigilância dos pais, foi comprovadamente concausal dos danos[27].
51. Poder-se-ia também dizer que os danos sofridos pela menor – e também pelos seus pais - e pelo piloto resultam do concurso de duas condutas presumidamente culposas: do piloto e dos pais. A questão que aqui se coloca é a da conjugação desse processo de causalidade recíproca com o sentido natural, de favorecimento do lesado, da presunção de culpa. E essa referência encontra-se, justamente, na norma do art. 570.º, n.º 1, do CC[28].
52. O significado imediato que parece decorrer das presunções aquilianas em apreço é bastante claro: provado pelo lesado que o dano foi causado pela atuação de incapazes naturais (art. 491.º) ou pelo exercício de atividades perigosas (art. 493.º, n.º 2), presume-se que o evento lesivo se deu como consequência do incumprimento dos deveres legais que impendiam, respetivamente, sobre os vigilantes (pais) ou exercente (piloto), recaindo sobre o obrigado o ónus de infirmar essa inferência, demonstrando que o facto presumido não acompanhou o facto que serve de base à presunção: que cumpriu os deveres jurídicos a que estava adstrito[29].
53. Por outro lado, além da imputação aos pais-vigilantes da omissão de cumprimento dos deveres de prevenção da atividade danosa da menor vigilanda, não se admite a sua co-responsabilidade na hipótese de uma omissão com dano para a própria incapaz natural – como se verifica no caso em apreço. O preceito do art. 491.º do CC não abrange os vigilandos lesados, mas apenas terceiros lesados, e o pensamento que lhe subjaz não pode ser transposto para uma factualidade diversa[30].
54. A tese que sufraga a aplicação do art. 571.º do CC (valorar como culpa do vigilando lesado a culpa in vigilando dos seus representantes legais) a qualquer conduta dos representantes legais, que acaba por implicar uma maior consideração dos interesses do lesante - a “responsabilidade” dos representados pelos atos culposos dos seus representantes -, não parece facilmente conciliável com a tutela concedida pelo art. 491.º do CC aos incapazes lesantes e com o princípio da proteção dos mais vulneráveis. De resto, como que ficciona como facto culposo do lesado a negligência das pessoas incumbidas de velar pela sua proteção. Adota-se, então, a solução da responsabilidade solidária do lesante e dos vigilantes, que não priva o lesado da indemnização dos danos sofridos[31] . Porém, esta solução não se aplica ao caso sub  judice, uma vez que não foi formulado qualquer pedido indemnizatório dos danos sofridos pela menor contra os seus pais.
55. Refira-se, nesta sede, que o Tribunal da Relação de Évora condenou o Réu piloto no pagamento da totalidade da compensação (€ 10.000,00)[32] dos danos não patrimoniais sofridos pela menor, porque, na fundamentação, concluiu pela existência de solidariedade entre aquele e os pais da menor[33] e, por isso, do direito de regresso do piloto perante estes na medida de 50%.
56. Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça entende que não se pode falar, no caso em apreço, de responsabilidade solidária do piloto e dos pais, porquanto nenhum pedido indemnizatório dos danos sofridos pela menor foi formulado contra os pais. Assim, o Réu piloto deve responder na medida da concorrência do facto presumidamente culposo que lhe é imputado para a produção do evento danoso.
Em jeito de conclusão,
57. A menor não observou as instruções do piloto, que a advertiu clara e expressamente para não mexer fosse no que fosse no interior da aeronave. Os pais/Autores/Recorrentes não alegaram – só agora, em sede de recurso, referem o seu  carácter forte, personalidade estruturada e maturidade elevada da menor –, nem provaram que, atendendo à sua idade, a filha tinha discernimento, sensatez ou prudência e domínio de si própria, que era obediente e que não precisava de qualquer conselho adicional da sua parte para não manusear qualquer objeto ou peça da aeronave.
58. Assim, os pais/Autores/Recorrentes não ilidiram a presunção de culpa que sobre eles impendia, nos termos do art. 491.º do CC. Porém, o conteúdo do seu dever de vigilância era aqui menos intenso do que prima facie poderia parecer, porquanto confiaram justificadamente na experiência, perícia e conhecimentos do piloto para prevenir os danos suscetíveis de ocorrer no exercício da sua atividade perigosa, atendendo às características da aeronave em causa.
59. Por seu turno, o Réu piloto não conseguiu demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias concretas com o fim de prevenir os danos, conforme o art. 493.º, n.º 2, in fine, do CC, designadamente alertando a menor para os riscos concretos decorrentes do manuseamento de qualquer objeto ou peça da aeronave – in casu, o comando que tinha diante de si. Riscos, aliás, que certamente só o piloto conhecia e sobre os quais não informou nem a menor e nem os seus pais.
60. De resto, a ideia do voo batismal da menor partiu do piloto e não de si ou de seus pais.
61. Encontramo-nos, pois, perante dois fundamentos de responsabilidade: de um lado, a responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem (art. 491.º) – pais da menor - e, de outro, a responsabilidade dos exercentes de atividade perigosa (art. 493.º, n.º 2) - piloto. Daqui resulta como que o concurso de duas presunções de culpa[34].
62. Importa também notar que o facto presumidamente culposo do piloto que funda a sua obrigação de indemnizar os danos sofridos pela menor/pais é o mesmo que justifica a redução da quantum indemnizatório que lhe é devido pelos pais da menor, assim como o facto presumidamente culposo que funda o dever dos pais de indemnizar os danos sofridos pelo piloto é o mesmo que justifica a diminuição do montante indemnizatório que lhes é devido e à menor pelo piloto.  
63. Deste modo, no que respeita ao primeiro fundamento de responsabilidade civil (art. 491.º) e, por isso, aos danos sofridos pelo piloto, há que ter em conta o preceito do art. 570.º, n.º 1 (a sua culpa presumida: art. 493.º, n.º 2), assim como o do art. 494.º, in fine (“demais circunstâncias do caso”) – atendendo a que a culpa presumida é equiparada à mera culpa. Considerando que o facto presumidamente culposo dos pais contribuiu em menor medida para a produção dos danos sofridos por si e pela menor do que o facto presumidamente culposo do piloto ou a perigosidade da atividade por este exercida, afigura-se adequado condenar os pais a indemnizar 35% desses danos, permanecendo 65% dos danos na esfera onde caíram.
64. Por seu turno, no que toca ao segundo fundamento de responsabilidade civil (art. 493.º, n.º 2) e, assim, aos danos sofridos pela menor/pais, impõe-se igualmente a ponderação da norma do art. 570.º, n.º 1 (a culpa presumida dos pais: art. 491.º), bem como daquela do art. 494.º, in fine (“demais circunstâncias do caso”). Considerando que o facto presumidamente culposo do piloto ou a perigosidade da atividade por si exercida concorreu em maior medida para a produção daqueles danos do que o facto presumidamente culposo dos pais, afigura-se adequado condenar o piloto a indemnizar 65% desses danos, permanecendo 35% dos danos na esfera onde caíram.
65. Recorde-se, por último, que, conforme referido supra, não pode aplicar-se ao caso em apreço o preceito do art. 571.º do CC.

Em caso de resposta afirmativa à questão precedente, saber se o pedido de indemnização relativo à perda (destruição) da aeronave, deduzido a título reconvencional pelo Réu, devia ter sido julgado improcedente em lugar de ter sido remetido para liquidação para apuramento do valor da aeronave.
1. O Tribunal da Relação de Évora respondeu afirmativamente.
2. Com efeito, no que respeita à perda da aeronave, considerando que a mesma teria certamente um valor à data do acidente, ainda que o mesmo não se tenha apurado, o Tribunal da Relação de Évora decidiu condenar os Autores a pagar ao Réu metade da quantia correspondente ao valor que se vier a apurar em liquidação, até ao limite máximo de € 27.500,00.
3. Por sua vez, de acordo com os Recorrentes, apenas se pode lançar mão do incidente de liquidação previsto no art. 609.º, n.º 2, do CPC, quando, no decurso do processo, não for possível quantificar o valor dos danos, em virtude da inexistência de elementos para determinar o seu quantum, de não serem conhecidos ou de se encontrarem ainda em evolução, o que, manifestamente, não sucede no caso dos autos. Com efeito, o valor da aeronave poderia - e deveria - ter sido apurado em sede de julgamento, uma vez que já era certo e conhecido nesse momento. Este resultado não foi alcançado em virtude de o Réu haver fracassado nessa prova.
4. De acordo com o art. 609.º, n.º 2, do CPC, “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja líquida”.
5. A determinação do alcance ou do sentido com que este preceito deve valer não tem sido pacífica.
Assim,
De acordo com a interpretação restritiva que dele tem sido feita – preconizada pelos Recorrentes –, a falta de elementos para fixar o objeto ou a quantidade da condenação é a mesma falta que justifica o pedido ilíquido, id est, a falta de elementos decorrente da circunstância de não serem conhecidos ou de estarem em desenvolvimento à data da ação ou do julgamento da matéria de facto, ficando, assim, fora do âmbito de aplicação da norma os casos em que a inexistência de elementos procede do insucesso da atividade probatória do interessado[35].
Segundo a interpretação mais ampla e também mais permissiva – adotada no acórdão recorrido e dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça –, a inexistência de elementos abrangida pela norma em apreço tanto é a que proceda da impossibilidade de os determinar até ao encerramento da discussão em primeira instância, como a que decorra do insucesso da atividade probatória[36].
6. Seja como for, independentemente do resultado da interpretação a que se chegue do art. 609.º, n.º 2, do CPC, do que não se pode prescindir é da prova da existência do dano. Este constitui um dos pressupostos da responsabilidade civil – além de se traduzir também na medida da indemnização - e, por isso, da obrigação de indemnizar. É, portanto, um facto constitutivo do direito. Se a sua prova malograr, a consequência será, necessariamente, a improcedência da ação (arts. 342.º, n.º 1, 483.º, 562.º e 563.º, do CC).
7. Esta problemática foi recentemente tratada, de forma desenvolvida, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de maio de 2020[37]. Embora se tenha reconhecido a complexidade da questão, decidiu-se adotar a interpretação lata, correspondente à orientação que se tem vindo a estabilizar na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
Na base daquele entendimento – segundo o qual, provada a realidade de um dano, a eventual insuficiência da prova de elementos relevantes para o quantificar, ainda que por fracasso da actividade probatória do lesado, não impede a utilização do mecanismo da condenação genérica – afigura-se estar a ideia, extraída do regime do art. 569º do CC (conjugado com o do art. 556º, nº 1, alínea b), segunda parte, do CPC), segundo a qual não impende sobre o lesado um ónus de avançar logo com todos os elementos necessários para especificar cabalmente o dano sofrido; sendo-lhe facultada a possibilidade de formular um pedido genérico, não deverá ser afectado negativamente pela opção de ter avançado com um pedido específico, cujos elementos factuais não logrou, porém, demonstrar inteiramente.
Na verdade, dispõe-se no referido art. 556º, nº 1, o seguinte:
“1 - É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:
(…)
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil;
(…).”
Conforme explicam, entre outros, Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 239 e seg. (em anotação ao art. 471º, correspondente ao actual art. 556º), a respeito deste regime legal:
“(…) a formulação de pedido genérico ocorre quando, no momento da propositura da acção de indemnização, não é ainda possível fixar de modo definitivo as consequências do facto ilícito (nº 1-b): o autor pede uma indemnização cujo quantitativo não precisa, quer por tal lhe ser ainda impossível (não é ainda conhecida toda a extensão do dano), quer por querer usar da faculdade que lhe concede a 1ª parte do art. 569 CC (a de não indicar a quantia exacta em que avalia o dano).
Na redacção anterior a 1995-1996, apenas a primeira situação era prevista: o autor podia deixar de deduzir um pedido líquido quando, à data da acção, ignorasse, sem lhe ser possível conhecer, o montante do dano sofrido. (…) Com o aditamento da 2.ª situação, ficou esclarecido que, em conformidade com o art. 569.º do CC, o autor pode também deduzir um pedido ilíquido, pelo menos em caso de dúvida quanto ao apuramento do quantitativo, já possível, do dano verificado. (…) Quanto aos danos imprevisíveis (…), hão-de ser objecto de alegação em articulado superveniente (…), a ter lugar quando se verifiquem, ampliando-se o pedido em consequência (…)”.
Dando conta das dúvidas interpretativas da conjugação entre o art. 471º, nº 1, alínea b), do CPC (na redacção anterior à reforma de 1995/1996) e o art. 559º do Código Civil, pronunciou-se também Abrantes Geraldes (Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, pág. 167):
Estava em causa saber se a norma do Código Civil“ era ou não era mais alargada do que a do anterior art. 471º, nº 1, al. b), designadamente, se consentia a dedução de pedido genérico ainda que o autor já estivesse na posse de elementos que permitissem, total ou parcialmente, a quantificação da sua pretensão, ou se, pelo contrário, limitava essa possibilidade aos casos em que ainda fosse objectivamente possível a determinação das consequências do facto gerador de responsabilidade civil”.
Sendo que a questão foi resolvida pela reforma do processo civil de 1995/1996, ao aditar a segunda parte da alínea b) do nº 1 do art. 471º do CPC. Afirma o mesmo autor que este regime:
“[C]onfere ao lesado a possibilidade de deduzir pedido genérico quando “pretenda usar da faculdade que lhe confere o art. 566º do CC”, o qual, por seu lado, dispõe que “quem exigir a indemnização, não carece de indicar a importância exacta em que avalia os danos…”, tarefa que pode ser relegada para o incidente de liquidação (…).”
Afigura-se de manter esta orientação na interpretação conjugada entre o actual art. 556º, nº 1, alínea b), do CPC, e o art. 569º do CC, com a consequência de que a condenação em quantia a liquidar nos termos do art. 609º, nº 2, do CPC, poderá ter lugar:
“[T]anto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado (…) como naqueles em que o pedido se apresenta determinado, mas os factos constitutivos da liquidação da obrigação não são provados (…)” (Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, 2017, págs. 715-715, em anotação ao art. 609º, nº 2).
Contra esta orientação, não podem naturalmente ser convocadas decisões anteriores tanto à data de aprovação como de entrada em vigor da reforma de 1995/1996 – como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/01/1995, referido no acórdão recorrido – reforma pela qual foi alterada alínea b) do nº 1 do art. 471º do CPC (actual art. 556º), aditando-se a segunda situação aí prevista actualmente. (…)”.
8. De facto, julga-se ser este o resultado ou modalidade da interpretação a que se deve chegar do disposto nos arts. 556.º, n.º 1, al. b), e 609.º, n.º 2, do CPC, em conjugação com o preceito do art. 569.º do CC.
9. In casu, foram considerados como provados os seguintes factos :
2. O réu é piloto e proprietário da aeronave ultraleve ..., com a matrícula ..., n.º de série ....
75. Aquando do embate no solo a aeronave incendiou-se e ficou totalmente destruída.
76. À data do acidente a aeronave tinha um valor não apurado”.
10. Estando feita a prova do dano, assim como dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, apenas não se tendo determinado o valor da aeronave ao tempo do acidente, não restam dúvidas de que, sufragando a interpretação mais ampla dos supra referidos preceitos (que, de resto, corresponde à posição dominante no Supremo Tribunal de Justiça), se mostram preenchidos os pressupostos de que depende a remessa para liquidação do cálculo da indemnização respeitante ao valor mencionado (arts. 483.º, 562.º e 563.ºdo CC, e art. 609.º, n.º 2, do CC).
11. Mantém-se a condenação dos Recorrentes no pagamento das quantias indemnizatórias fixadas, na proporção da sua contribuição para o sinistro (35%), nos termos expostos supra, não merecendo censura o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, ao ter remetido para liquidação o cálculo da indemnização respeitante à perda (destruição) da aeronave para apuramento do respetivo valor, mas agora com a condenação dos Recorrentes no pagamento de 35% - e não de 50% - da quantia a liquidar, correspondente a esse valor, até ao limite máximo de € 27.500,00.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se nessa parte o acórdão recorrido e condenando-se:
a) o Réu DD a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 1 595,13 (mil e quinhentos e noventa e cinco euros e treze cêntimos), a título de reparação dos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, contados à taxa supletiva legal, e ainda 65% do que os Autores vierem a despender em consultas e tratamentos médicos cuja necessidade seja determinada por sequelas resultantes do acidente dos autos;
b) o Réu DD a pagar aos Autores AA e BB o montante de € 2 600,00 (dois mil e seiscentos euros), para compensação dos danos de natureza não patrimonial por si sofridos, acrescidos de juros de mora desde a data da presente decisão e até integral pagamento;
c) o Réu DD a pagar à Autora CC a quantia de € 6 500,00 (seis mil e quinhentos euros), a título de compensação dos danos não patrimoniais, acrescida dos juros que se vierem a vencer à taxa supletiva legal desde a data da presente decisão e até integral pagamento;
d) os Autores AA e BB a pagar ao Réu/Reconvinte DD o valor de € 2 625,00 (dois mil e seiscentos e vinte e cinco euros) a título de compensação dos danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros de mora contados da presente decisão até integral pagamento;
e) os Autores AA e BB a pagar ao Réu DD o montante de €2 414,39 (dois mil e quatrocentos e quatorze euros e trinta e nove cêntimos), a título de reparação dos danos patrimoniais, acrescido de juros desde a data da notificação para contestar o pedido reconvencional e vincendos até integral pagamento, assim como 35% do montante que se vier a apurar em ulterior liquidação corresponder ao valor venal da aeronave à data do acidente, até ao máximo de € 27 500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), mantendo-se quanto ao mais o acórdão recorrido.
           
            Custas na proporção do decaimento.

            Lisboa, 3 de novembro de 2020.

Sumário:
I. A “presunção de culpa” estabelecida no art. 491.º do CC operou com a prova da prática do ato danoso pela menor, incapaz natural – não tinha capacidade para configurar os riscos decorrentes da manipulação do comando da aeronave.
II. Ainda que se verificasse uma situação de vigilância assumida pelo Réu piloto a título de cortesia, constitutiva para si de deveres destinados a impedir não apenas que o incapaz natural sofresse danos, mas também que os causasse a terceiros, porquanto a prevenção do perigo lhe estaria confiada, nunca se lhe aplicaria o regime especial da culpa presumida, mas antes aquele dos arts. 483.º, n.º 1, e 487.º, n.º 1, do CC.
III. Estando feita a prova da existência do dever de vigilância e do dano causado por ato da pessoa a vigiar, era aos pais, enquanto obrigados à vigilância, que cabia, nos termos do art. 344.º, n.º 1, do CC, ilidir a “presunção de culpa” consagrada no art. 491.º, demonstrando que cumpriram o seu dever ou que, mesmo que o tivessem cumprido, o dano se teria produzido.
IV. Demonstrada a perigosidade da atividade, verificados os danos e comprovado o nexo causal entre eles e o exercício da atividade, o único mecanismo de exoneração consiste precisamente na prova do cumprimento de todas as medidas concretas de cuidado requeridas pelas circunstâncias concretas (art. 493.º, n.º 2, in fine, do CC). O Réu piloto não conseguiu, todavia, demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias concretas com o fim de prevenir os danos, designadamente alertando a menor para os riscos concretos decorrentes do manuseamento de qualquer objeto ou peça da aeronave – in casu, o comando que tinha diante de si.
V. Os danos como que resultaram do concurso de duas condutas presumidamente culposas: do piloto e dos pais.
VI. O facto presumidamente culposo do piloto que funda a sua obrigação de indemnizar os danos sofridos pela menor/pais é o mesmo que justifica a redução da quantum indemnizatório que lhe é devido pelos pais da menor, assim como o facto presumidamente culposo que funda o dever dos pais de indemnizar os danos sofridos pelo piloto é o mesmo que justifica a diminuição do montante indemnizatório que lhes é devido e à menor pelo piloto.
VII. No que respeita ao primeiro fundamento de responsabilidade civil (art. 491.º) e, por isso, aos danos sofridos pelo piloto, há que ter em conta o preceito do art. 570.º, n.º 1 (a sua culpa presumida: art. 493.º, n.º 2), assim como o do art. 494.º, in fine (“demais circunstâncias do caso”).
VIII. Por seu turno, no que toca ao segundo fundamento de responsabilidade civil (art. 493.º, n.º 2) e, assim, aos danos sofridos pela menor/pais, impõe-se igualmente a ponderação da norma do art. 570.º, n.º 1 (a culpa presumida dos pais: art. 491.º), bem como daquela do art. 494.º, in fine (“demais circunstâncias do caso”).
IX. Não pode aplicar-se ao caso em apreço o preceito do art. 571.º do CC.
X. Estando feita a prova do dano, assim como dos restantes pressupostos da responsabilidade civil, apenas não se tendo determinado o valor da aeronave ao tempo do acidente, não restam dúvidas de que, sufragando a interpretação mais ampla do preceito do art. 609.º, n.º 2, do CPC (que, de resto, corresponde à posição dominante no Supremo Tribunal de Justiça), mostram-se preenchidos os pressupostos de que depende a remessa para liquidação do cálculo da indemnização respeitante ao valor mencionado.
           
Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

____________________
[1] Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1994, p. 601; Adriano Pais da Silva Vaz Serra, Responsabilidade de pessoas obrigadas à vigilância, n.º 2, in B.M.J., 85.º, 1959, p. 381.
[2] Cfr. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Coimbra, Almedina, 1994, pp. 601-602.
[3] Cfr. Adriano Pais da Silva Vaz Serra, Responsabilidade de pessoas obrigadas à vigilância, n.º 2, in B.M.J., 85.º, 1959, pp. 425-426.
[4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2020 (Rosa Tching), Proc. n.º 4161/02.6TVLSB.L2.S1 – cujo sumário se encontra disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/08/sum_acor_civel_mar_abr.pdf.
[5] Cfr. Henrique Sousa Antunes, Responsabilidade Civil dos Obrigados à Vigilância de Pessoa Naturalmente Incapaz, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2000, p. 93.
[6] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Coimbra, Almedina, 2015, p. 325.
[7] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Coimbra, Almedina, 2015, p. 326.
[8] Cfr. Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 1995, p. 334.
[9] Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, “Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016 (Processo n.º 108/09.7TBVRM.L1.S1, http://www.dgsi.pt) – Futebol e responsabilidade civil: consentimento do ofendido e assunção do risco”, in Ab Instantia, n.º 6, 2016, Revista do Instituto do Conhecimento AB, pp.359-394; Mafalda Miranda Barbosa, "Responsabilidade civil: um diálogo a propósito da ilicitude e da causalidade entre o sistema português e a tentativa de harmonização do direito delitual ao nível europeu", in Temas de Integração 33, 2015, pp. 219-264.
[10] Cf. Maria Clara Sottomayor, “A responsabilidade civil dos pais pelos factos ilícitos praticados pelos filhos menores”, in Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXI, 1995, pp. 408-409.
[11] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2020  (Rosa Tching), Proc. n.º 4161/02.6TVLSB.L2.S1 – cujo sumário se encontra disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/08/sum_acor_civel_mar_abr.pdf.
[12] Sendo irrelevante a questão da sua (in)imputabilidade à luz do art. 488.º do CC, uma vez que a menor foi absolvida, o Réu não recorreu da decisão e a responsabilidade de que aqui se cura é apenas a dos seus progenitores por facto próprio (culpa in vigilando) e não por facto de outrem.
[13] Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de novembro de 2004 (Ferreira de Almeida), proc. n.º 3338/04, cujo sumário se encontra disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2004.pdf.
[14] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, p.326.
[15] Cfr. Mafalda Miranda Barbosa, “Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 2016 (Processo n.º 108/09.7TBVRM.L1.S1, http://www.dgsi.pt) – Futebol e responsabilidade civil: consentimento do ofendido e assunção do risco”, in Ab Instantia, n.º 6, 2016, Revista do Instituto do Conhecimento AB.
[16] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2005 (Ribeiro de Almeida), proc. n.º 1498/05 - com sumário disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2005.pdf.
[17] Vide Acórdão so Supremo Tribunal de Justiça de 11 de setembro de 2012 (Fernandes do Vale), proc. n.º 8937/09.5T2SNT.L1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1c803d39578659b880257a77004f5656?OpenDocument.
[18] Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2009 (Lopes do Rego), proc. n.º 523/2002.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d70ca6ec002ccf76802576640040c964?OpenDocument.
[19] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, p.334.
[20] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego,dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, pp.317, 323-324.

Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2009 (Helder Roque), proc. n.º 08A3806:

“No contexto da presente evolução do instituto da responsabilidade civil, orientada para uma função, predominantemente, reparatória dos danos, e, apenas, secundariamente, sancionatória de uma determinada conduta, a presunção de culpa significa algo mais do que uma mera inversão do ónus da prova, porquanto tem como objectivo tornar mais segura a protecção jurídica de uma certa categoria de interessados, situando-se o artigo 491º, do CC, na esteira da orientação que concebe a responsabilidade dos pais como uma obrigação de garantia perante terceiros, com vista a cumprir a actual tendência do instituto da responsabilidade civil para assegurar a reparação universal de todos os danos.Nestes termos, a função do artigo 491º, do CC, consistiria, não em sancionar os pais pela violação culposa das suas obrigações ou em imputar, em termos de causalidade e de culpa, um dano a uma omissão daqueles, mas antes em responsabilizar alguém capaz de suprir a insolvabilidade do menor, para que a vítima não fique privada de indemnização, em suma, em servir de garantia para com terceiros.”
[21] Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2020 (Rosa Tching), Proc. n.º 4161/02.6TVLSB.L2.S1 – cujo sumário se encontra disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/08/sum_acor_civel_mar_abr.pdf.
[22] Vide, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de junho de 2004 (Oliveira Barros), proc. n.º 1782/04 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/53304a87943ff74e80256ebb004756b8?OpenDocument; de 5 de julho de 2007 (Gil Roque), proc. n.º 1837/07 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0cbd29db955e1d0880257316002b7f3a?OpenDocument; de 25 de junho de 2009 (Mota Miranda), proc. n.º 1987/06.5TVPRT.S1 – com sumário disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2009.pdf; de 16 de junho de 2015 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 218/11.0TCGMR.G1.S1 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/74a4b5e32fecd06280257e670036d67f?OpenDocument; de 3 de outubro de 2019 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 2968/16.6T8PNF.P1.S1 – disponível para consulta in
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5d07b7f291d265c08025848800542783?OpenDocument.
                Parte da doutrina considera que o art. 491.º, in fine, do CC, não estabelece a relevância negativa da causa virtual. Pode, deste modo, dizer-se que este preceito se limita a esclarecer que compete ao lesante provar a ausência de nexo de causalidade entre a inobservância do dever de vigilância e os danos. “Reconhecendo a adequação da vigilância à prevenção de práticas lesivas pelo incapaz, a presunção do incumprimento daquele dever implica a presunção de causalidade, beneficiando, nesses termos, o lesado. Assim, é o vigilante onerado com a prova da ausência de causalidade (…)” – cfr. Henrique Sousa Antunes, “Anotação ao artigo 491.º”, in Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações – Das Obriagções em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1018, p.314. 
[23] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, pp.336-337.
[24] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, pp.553-556.
[25] Com efeito, se o agente invocar a relevância negativa da causa virtual, reconhece que o seu facto ilícito foi a causa real do evento, mas que este se produziria sempre por força de outra série causal; se o agente exceciona o comportamento lícito alternativo, afirma que o seu facto ilícito não foi a causa real desse evento, dado que, ainda que houvesse facto lícito, ele se produziria de todo o modo. Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, pp.560-565.
[26] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, pp.277, 291.
[27] Cfr. José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério da imputação do dano extracontratual, Coimbra, Almedina, 1997, pp.491-492.
[28] Cfr. José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério da imputação do dano extracontratual, Coimbra, Almedina, 1997, pp.484-489.
[29] Cfr. Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade civil por violação de deveres no tráfego, dissertação de doutoramento, policopiada, Faculdade de Direito de Lisboa, 2012, p.525.
[30] Cfr. José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério da imputação do dano extracontratual, Coimbra, Almedina, 1997, p.714.
[31] Cfr. José Carlos Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério da imputação do dano extracontratual, Coimbra, Almedina, 1997, pp.728, 730.
[32] “c) condenam o R. Manuel Joaquim Farinho Carocinho a pagar à autora Beatriz Vilhena Pais a quantia de €10 000,00, acrescida dos juros que se vierem a vencer à taxa supletiva legal desde a data da presente decisão e até integral pagamento;”.
[33](…) pelo qual respondem os AA e o aquele R. em regime de solidariedade, podendo este vir a exercer direito de regresso pelo montante pago, acolhendo-se aqui a solução que resulta do disposto no art.º 497.º, com afastamento do regime dos art.ºs 570.º e 571.º (cf., neste sentido, Maria da Graça Trigo, “Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação”, 2015, Direito e Justiça, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, vol. II, pág. 493 e segs., citada no ac. do STJ de 1/6/2017, processo n.º 112/15.1T8VCT.G1.S1, em www.dgsi.pt)”.
[34] Não se desconhece que, tratando-se de culpas presumidas, ambas são dotadas da mesma gravidade, em virtude da respetiva indeterminação gradativa. Por isso se fundamenta a solução adotada essencialmente no art. 494.º, in fine, do CC.
[35] Neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de abril de 2009 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 782/08, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/47e07053ea70d990802575a8005422a8?OpenDocument.
[36] Vide, inter alia, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2009 (Azevedo Ramos), proc. n.º 2684/04.1TBTVD.S1, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b8f66c099d631b8b802575c200570d88?OpenDocument; de 22 de fevereiro de 2011 (Garcia Calejo), proc.  n.º 81/04.8TBVLF.C1.S1, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/5013b99ad8539b8a802578460042d441?OpenDocument; de 4 de julho de 2013 (Silva Gonçalves), proc. n.º 435234/09.8YIPRT.G1.S1, cujo sumário se encontra disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2013.pdf; de 10 de outubro de 2013 (Lopes do Rego), proc. n.º 4094/07.0TVLSB.L1.S1, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4985c6652f8f623380257c0b0047b903?OpenDocument; de 28 de março de 2019 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 5/12.9TBPTS.L1.S1, cujo sumário se encontra disponível disponível para consulta in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2020/04/civel_sumarios_2019.pdf; de 7 de novembro de 2019 (Catarina Serra), proc. n.º 94/14.1T8VRS.E1.S1, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/b528f587a5cd2561802584ab0061f37f?OpenDocument; e de 7 de maio de 2020 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 233/12.7TBMIR.C1.S1, disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:233.12.7TBMIR.C1.S1/.
[37] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de maio de 2020 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 233/12.7TBMIR.C1.S1, disponível para consulta in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:233.12.7TBMIR.C1.S1/.