Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1043/16.8T8CLD.C2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
SANÇÃO DISCIPLINAR
DEVERES LABORAIS
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
DEVER DE LEALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 11/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / EMPREGADOR E EMPRESA / DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS DAS PARTES / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 18.ª Edição – edição especial comemorativa dos 40 anos, Almedina, 2017, p. 273;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, p. 277 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 98.º, 126.º, 127.º, 128.º E 330.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-01-2010, PROCESSO N.º 4583/06.3TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I) O trabalhador que dirige e chefia uma oficina de reparação de automóveis, ao concordar com a proposta de um seu subordinado, de reparar o pilar da porta da frente de um veículo acidentado em vez de o substituir, conforme estava orçamentado, porque o disponibilizado era mais pequeno, e ao não dar conhecimento ao superior hierárquico e/ou à empresa de leasing proprietária, para obter a sua autorização, e ao transmitir, de imediato, instruções ao trabalhador para que prosseguisse com a reparação do pilar, pratica uma infração disciplinar por violar os deveres de zelo, de diligência e de agir com lealdade para com o seu empregador.

II) Não se tendo provado que o empregador tenha tido qualquer prejuízo e que a sua imagem tenha ficado negativamente afetada junto da clientela e, em especial, junto da empresa de leasing, tendo o trabalhador 15 anos de antiguidade, sempre no exercício de funções em cargos de chefia, e sem antecedentes disciplinares e na consideração de que o empregador aplicou sanções conservatórias a dois trabalhadores, a quem instaurou procedimento disciplinar por factos por eles praticados também atinentes à reparação em causa e, ainda, por terem manipulado fotografias para que o representante da proprietária acreditasse que o pilar tinha sido substituído e não reparado, é a sanção que lhe foi aplicada, de despedimento com justa causa, desproporcionada e desadequada à gravidade da infração e ao comportamento do infrator, pelo que o despedimento é ilícito.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1043/16.8T8CLD.C2.S1 - (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



I

            - Relatório[2]:



              1). AA instaurou a presente ação, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do seu despedimento contra “BB, S. A.”, com a apresentação do formulário a que alude o artigo 387º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho[3],e os antigos 98º-C e 98º-D, estes do Código do Processo do Trabalho[4], em 03 de junho de 2016, no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo do Trabalho das Caldas da Rainha, pedindo que seja declarada a sua ilicitude ou a sua irregularidade com as consequências legais.

               Juntou a decisão da sua Empregadora em que o despede, alegando, para o efeito, justa causa.

               2). Realizou-se a audiência de partes, não tendo havido conciliação.

               3). Notificada, a Empregadora apresentou o respetivo procedimento disciplinar e contestando, em síntese, alegou:

               - O despedimento é válido e não enferma de qualquer irregularidade ou ilicitude;

               - O AA era seu trabalhador, desde 21/5/2001, com a categoria profissional de chefe de departamento, inicialmente, no estabelecimento que possuía em ... e, desde 3/12/2010, passou a exercer as funções de responsável após venda também nas instalações que possui em ....

               - No dia 7/3/2016, deu entrada na sua oficina de ..., proveniente da sua oficina, da ..., em Lisboa, um veículo automóvel, propriedade da "...", para ser reparado. Entre outros trabalhos, estava orçamentado e aceite pela "..." a substituição do pilar A da porta da frente direita, contudo a peça enviada por Lisboa era mais curta que o dano apresentado. Por isso, CC, que se encontrava a reparar o veículo, informou o Trabalhador AA de tal facto e sugeriu-lhe a reparação do pilar em vez da sua substituição.

               - O Trabalhador concordou com a sugestão e deu instruções a CC para prosseguir com a reparação.

                - Esta situação não foi comunicada à oficina de Lisboa, nem à "...", que apenas tomou conhecimento da alteração no dia 16/3/2016, quando um seu auditor se dirigiu à oficina da ... e pediu para ver fotografias das peças substituídas.

               - O Trabalhador concordou com a sugestão de CC, dando-lhe instruções para proceder à reparação de um veículo, do pilar da porta, ao invés da substituição do pilar danificado, conforme a ordem de reparação.

               - O Trabalhador tinha a obrigação de ter recusado tal sugestão e de repreender o referido CC, o que não fez, ao arrepio das suas obrigações enquanto trabalhador e superior hierárquico daquele e não deu conhecimento de tal facto aos colegas de Lisboa para que o cliente fosse contactado.

                - O comportamento doloso do trabalhador violou o dever de realizar o trabalho com zelo e diligência, o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, o dever de guardar lealdade ao empregador e o dever de promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, abalando irremediavelmente a confiança que nele depositava, agravada pelas funções de chefia que exercia e comprometeu a subsistência da relação de trabalho e sendo a sua conduta grave em si mesmo e nas suas consequências, ocorreu justa causa para o seu despedimento, mesmo sem terem existido por ora prejuízos materiais decorrentes da mesma.

               

                Termina, dizendo que o despedimento do Trabalhador AA deve ser considerado válido e lícito, sem qualquer indemnização ou compensação e, em consequência, deve ser absolvida do pedido contra ela formulado.

               4). Notificado do articulado da Empregadora, o Trabalhador apresentou o seu articulado, impugnou o articulado da sua Empregadora, deduziu exceção, argui nulidades e deduziu reconvenção.

                Alegou e peticionou o seguinte:

               - O seu despedimento funda-se em motivos justificativos falseados que devem ser declarados improcedentes.

                - Sendo o seu despedimento nulo e ilícito; a sanção que lhe foi aplicada é desadequada e desproporcional.

               - A Empregadora prosseguiu uma estratégia delineada pelo gerente DD de se ver livre do A. como se viu livre de outros profissionais competentes e honestos;

                - O seu despedimento é ilícito, por não terem sido cumpridas formalidades legais e impugna os factos alegados pela Empregadora.

               - Sofreu os prejuízos que alega e pelos quais pretende ser indemnizado.

               - Mudou o seu lugar de trabalho de ... para ..., que realizou trabalho suplementar sem que a Empregadora lhe tenha pago qualquer quantia e que aquela, também, não lhe pagou as verbas relativas a créditos de formação profissional.

                - Finalmente, alega que a sua retribuição mensal é integrada pelo uso de automóvel e telemóvel que a Empregadora lhe atribuiu e por um seguro de saúde mensal.

                - Consequentemente deve:

               «IV – Declarar-se ilícito o seu despedimento, e declarado, igualmente, improcedente o motivo justificativo e toda a factualidade fundamentadora, condenando-se a Empregadora. a:

               1. a). Reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, reservando--se este no direito de, até à data da sentença, exercer a faculdade prevista no artigo 391º, do Código do Trabalho;

                2. E a pagar-lhe:

a. Uma compensação equivalente às retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença, com base na retribuição a fixar;

b. Uma indemnização por danos patrimoniais, se esta vier a ser a sua opção, com valor a ser definido em função da antiguidade e da gravidade da atuação da sua Empregadora.

               V – Independentemente da ilicitude, condenar a Empregadora a pagar-lhe todos os danos patrimoniais vencidos e já liquidados ou a liquidar.

                VI – Ainda se deve condenar a Empregadora a pagar-lhe a título de danos não patrimoniais:

a. A quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), nos termos do art.º 389º, n.º 1, al. a), do CT, pelas vicissitudes que provocaram na sua carreira profissional e na sua imagem;

b.  A quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), nos termos do art.º 28º do mesmo CT, por aplicação direta do estabelecido no seu art.º 29º, pela prática continuada, voluntária e dolosa que apreendeu como assédio moral, pelas consequências nefastas que essas ações provocaram na sua vida e na sua saúde;

c. A indemnização compulsória de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), por cada dia que passe até que se retratem e o reintegrem ao serviço.

               VII – Fixar a retribuição mensal do A. em € 2.916,04 (dois mil novecentos e dezasseis euros e quatro cêntimos);

               VIII – Deve, ainda, finalmente a Empregadora ser condenada a pagar juros moratórios e compulsórios, sobre todas as verbas peticionadas, os primeiros à taxa legal, contados desde os respetivos vencimentos e os segundos após o incumprimento, se ele vier a observar-se, bem como todas as custas, taxas e outras imposições legais inerentes à presente ação.»

               

              5). A Empregadora respondeu à contestação/reconvenção, concluindo que a ação deve ser julgada improcedente, julgar-se lícito o despedimento do Trabalhador e julgar, também, improcedente o pedido reconvencional, com exceção da importância de € 680,16, respeitante a créditos de formação.

                6). Foi proferido despacho saneador, foram apreciadas as questões prévias suscitadas pelo trabalhador na sua contestação, e não foi fixada base instrutória.                      

                7). Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.
                8). Nesta, o Trabalhador AA optou pela indemnização em substituição da reintegração.

9). Finda, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente por não provada, e, em consequência, declarou lícito e regular o despedimento do Trabalhador AA, efetuado pela sua Empregadora.

Mais julgou parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção e, em consequência:


- Condenou a Empregadora a pagar ao Trabalhador, a título de créditos de formação contínua a quantia € 1.373,40 (mil, trezentos e setenta e três Euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data do vencimento e até efetivo e integral pagamento;
- A absolveu do demais peticionado.

               10). Inconformado com o seu teor, o Trabalhador interpôs recurso de apelação, que foi objeto de acórdão que anulou a sentença a fim de o tribunal da 1ª instância proceder à enunciação da matéria de facto nos termos nele determinados e, de seguida, proferir decisão em conformidade.

                11). Dando cumprimento ao ordenado, foi proferida, em 05 de janeiro de 2018, nova sentença com o mesmo teor da anterior, que havia sido anulada.


II


                Continuando inconformado com a decisão, o Trabalhador AA interpôs novo recurso de apelação, impugnando a decisão proferida quanto à matéria de facto, arguindo nulidades e pugnando pela ilicitude do seu despedimento porque efetuado sem justa causa.

               a). Por acórdão proferido, em 03 de julho de 2018, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi julgada parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando-se a seguinte factualidade:
- “70) - A Ré instaurou um processo disciplinar aos trabalhadores CC e EE com base nos mesmos factos em apreciação nos presentes autos, tendo-lhes aplicado uma sanção conservatória.”

               

               b). Após, julgou-se o recurso parcialmente procedente, revogou-se em conformidade a sentença recorrida e, em consequência:

               1. Declarou-se ilícito o despedimento de que foi alvo o trabalhador AA;

               2, Condenou-se a empregadora “BB, S. A.” a pagar ao trabalhador uma indemnização em substituição da reintegração no montante de € 38.556,00, contabilizada até 25/05/2018, e a pagar-lhe as retribuições (com todos os componentes supra descritos) que o mesmo deixou de auferir desde a data do despedimento (27/05/2016) até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo os subsídios de férias e de Natal que se venceram, no que vier a ser liquidado no respetivo incidente, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, as retribuições a contar desde a data do trânsito em julgado da decisão que proceda à respetiva liquidação e a indemnização a contar do trânsito em julgado da presente decisão, até integral e efetivo pagamento.
                3 – No mais, foi mantida a sentença recorrida.      


III


               Inconformada ficou, agora, a Empregadora “BB, S. A.” que interpôs recurso de revista nos termos do disposto nos artigos 671º, n.º 5, 675º e 676º, todos do CPC, aplicáveis por força do artigo 81º, n.º 5, do CPT.

                Apresentando a sua alegação, concluiu da seguinte forma:


1. O Acórdão proferido errou ao considerar ilícito o despedimento do ora recorrido, por pretensa inexistência de justa causa.
2. São elementos/requisitos de justa causa de despedimento:
(i) A existência de uma conduta do trabalhador que evidencie uma violação culposa dos seus deveres contratuais;
(ii). Que essa conduta seja objetivamente grave em si mesma e nas suas consequências;
(iii) Que por força dessa gravidade seja imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral - cf. artigo 35º do Código do Trabalho.
3. Os factos provados em 6), 7), 8), 9), 10), 11) [nos exatos termos do que consta do orçamento de fls. 76-78], 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 24), 25), 31), 38) e 39), são suficientemente graves para concluir que o comportamento do recorrente fundamenta a justa causa do seu despedimento, nos termos do disposto no artigo 351°, alíneas a) e d) do Código do Trabalho, como bem se entendeu na sentença proferida em 1ª Instância.
4. O facto de a ora recorrente ter optado pela aplicação de uma sanção disciplinar conservatória aos dois trabalhadores envolvidos na situação que motivou o despedimento, e o aditamento de tal facto à matéria de facto dada como provada, não pode servir de fundamento para a inexistência de justa causa para o despedimento do ora recorrido, pois a punição de tais trabalhadores afigurou-se justamente ponderada face à intervenção que os mesmos tiveram em todo o procedimento, e tal punição teria até sido evitada caso o recorrido, no âmbito do cargo de chefia que exercia e na sua qualidade de superior hierárquico dos ditos trabalhadores, tivesse feito o que lhe competia e não tivesse dado o seu aval ao "esquema" que lhe foi proposto pelos mesmos.
5. Face à matéria de facto dada como provada, o Acórdão recorrido violou assim o disposto nos artigos 98.°, 126.°, n.º 1, 128.°, n.º 1, alíneas c), e), f) e h) e n.º 2, 330.° e 351.°, n.º 2, alíneas a) e d), todos do Código do Trabalho.

              Termina, pedindo que se conceda a revista, que se revogue o acórdão recorrido e que se repristine a sentença da 1ª instância, na qual foi declarado lícito e regular o despedimento do Trabalhador AA.


///

               

               O trabalhador AA contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:


A) O A. não teve qualquer intervenção na montagem das fotografias, comportamento face ao qual o auditor se considerou enganado.
B) A opção de reparação do pilar ao invés da substituição foi apelidada pelo auditor de "correta face aos danos".
C) O A. tem uma antiguidade reportada a 21 de Maio de 2001 e não tem antecedentes disciplinares.
D) O A. foi mantido ao serviço durante o processo disciplinar.
E) Foi aplicada sanção conservatória aos trabalhadores CC e EE.
F) O comportamento objeto do processo disciplinar em causa não pode ser considerado integrante do conceito de justa causa de despedimento presente no art.º 351°, do CT, porquanto o mesmo não revela gravidade nem trouxe consequências para a R. nem tão pouco tornou a relação de trabalho imediata e praticamente impossível.

             Termina, dizendo que deve ser mantido o acórdão nos segmentos recorridos, no qual foi o seu despedimento julgado ilícito por ter ocorrido sem justa causa.


IV


            Parecer do Ministério Público:

           Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

               Segundo ela, “a valoração do conjunto da matéria de facto provada não permite concluir pela impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, mas antes que, à luz do princípio da proporcionalidade, seria suficiente no caso a aplicação de uma medida disciplinar de índole conservatória, não se configurando, pois, comportamento integrador de justa causa”.

            Notificado às partes, não foi apresentada qualquer pronúncia.

V

            Da revista:

            Enquadramento jurídico adjetivo:

               Tendo a instância se iniciado a 03 de junho de 2016 e o acórdão recorrido sido proferido a 26 de abril de 2018, são aqui aplicáveis o Código de Processo Civil [CPC], na sua versão atual, e o Código de Processo de Trabalho [CPT], também na sua versão atual.

                Questão colocada:

- Saber se existiu justa causa para o despedimento do Trabalhador AA.

VI

            - Fundamentação:

            Da matéria de facto:

         As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:

1) A R., além do mais, dedica-se ao comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis e é distribuidora e reparadora autorizada, em determinadas zonas do país, designadamente, em Coimbra, Lisboa e ... da "FF, Lda.";

2) Por contrato de trabalho a termo certo, datado de 21 de maio de 2001, o A. foi admitido ao serviço da R. para, sob a autoridade, direção e fiscalização dela exercer as funções de responsável pelo estabelecimento comercial que a R. tinha, e manteve até março de 2015, na Av.ª …, em ..., com a categoria profissional de chefe de departamento, mediante um horário normal de trabalho de 40 horas semanais, com período normal diário de 8 horas;

3) Em 21 de maio de 2003, o referido contrato converteu-se em contrato de trabalho sem termo;

4) Nos termos do n.º 4 da cláusula 1.ª do dito contrato, o A. e a R. acordaram "O local de trabalho é em ..., baseado nas instalações da entidade patronal localizadas na Av.ª ..., sem prejuízo de o TRABALHADOR, sempre e quando necessário, se deslocar a e/ou para quaisquer outras instalações da ENTIDADE PATRONAL e/ou de empresas pertencentes ao grupo de empresas em que a ENTIDADE PATRONAL se integra, e aí prestar serviço";

5) Em 3 de dezembro de 2010, o A. passou a exercer as funções de responsável após venda também nas instalações que a R. possuiu no ..., em ..., tendo mantido até à data do despedimento a categoria profissional de chefe de departamento/divisão;

6) No dia 18 de fevereiro de 2016, deu entrada nas oficinas que a R. possui na ... em Lisboa, o veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula -PI-, para aí ser reparado em consequência de acidente de viação em que tinha sido interveniente;

7) O referido veículo é propriedade da gestora de frotas "... GG, Unipessoal, Lda.";

8) A “...” é, há muito, cliente da R.;

9) A “...” é um importante cliente da R.;

10) Com vista à reparação do mencionado veículo foi elaborado o orçamento que consta de fls. 76-78, que aqui se tem por reproduzido, onde foi discriminado o material e mão-de-obra necessários à referida reparação e o custo total da mesma;

11)  A “...” autorizou a R. a dar início à reparação do veículo;

12) Porque as oficinas da R. na ..., em Lisboa, não tinham disponibilidade para de imediato dar início à referida reparação, foi decidido, com conhecimento e consentimento da “...”, deslocar o veículo supra identificado para as oficinas que a R. possui em ..., sitas no ..., E.N. n.º 1, para aí ser efetuada a reparação;

13) No dia 7/3/2016, o referido veículo foi transportado, de reboque, das instalações da R. na ... para as instalações em ...;

14) Nesse dia 7 de março foi aberta a ordem de reparação n.º ..., cuja cópia consta de fls. 79;

15) No dia 8 de março, o empregado da R. CC deu início à reparação do dito veículo;

16) No decurso da reparação, concretamente quando deu início à reparação do pilar A. (porta da frente do lado direito), CC verificou que o pilar orçamentado, encomendado e enviado pela oficina da ..., tinha uma dimensão inferior ao dano apresentado (era mais curto);

17) CC verificou que para substituir o pilar danificado era necessário proceder à encomenda de um novo pilar;

18) Em vez de contactar os serviços da R. na ... dando nota do desfasamento entre a peça enviada por aquela oficina e o dano, CC dirigiu-se ao A., seu superior hierárquico, a quem relatou o sucedido e a quem propôs a reparação do pilar acidentado em vez da sua substituição por um pilar novo;

19) O A. concordou com o que CC lhe sugeriu e deu-lhe instruções para que prosseguisse com a reparação;

20) No dia 14 de março de 2016, pelas 10,54 horas, CC deu por concluída a reparação do veículo da “...”;

21) No dia 15 de março de 2016, o veículo voltou a dar entrada nas instalações da R. na ...;

22) No dia 16 de março de 2016, a “...” fez deslocar às instalações da R. na ... um dos seus auditores, HH, com o propósito de verificar se a reparação do veículo acima identificado estava de conformidade com o orçamentado e se tinha sido convenientemente efetuada;

23) Este procedimento é habitual por parte das gestoras de frota e das companhias de seguros;

24) O referido auditor foi acompanhado com o empregado da R. e responsável pelo departamento de colisão das oficinas da ..., II;

25) Uma vez que a reparação do referido veículo não tinha sido efetuada nas oficinas da ..., o auditor solicitou a II que lhe fossem exibidas fotografias das peças que tinham sido substituídas no veículo no âmbito da reparação efetuada pela oficina da R. em ...;

26) Este procedimento é habitual por parte das gestoras de frota e das companhias de seguros, designadamente, quando, como sucedeu, os veículos são reparados em oficinas que não aquela onde o veículo deu entrada;

27) Atento o solicitado pelo auditor, a empregada JJ contactou telefonicamente a oficina da R. de ..., na pessoa da colega KK e pediu-lhe que enviasse as fotografias referentes ao material substituído no veículo supra identificado para que as mesmas fossem exibidas ao auditor da "...", ali presente;

28) Porque o A. não estava na oficina, a KK contactou o colega EE, a quem pediu ajuda;

29) EE disponibilizou-se para ajudar KK a tirar as fotografias;

30)  Às 10,11 horas, desse dia 16, foram enviadas por correio eletrónico para a oficina da R. na ... as fotografias cujas cópias constam de fls. 140-144;

31) O auditor examinou as fotografias e verificou estar em falta as fotografias referentes à substituição do pilar frente direito (o pilar A);

32) Em sequência, II contactou telefonicamente KK e pediu-lhe que enviasse as fotografias referentes ao pilar A;

33) KK voltou a pedir ajuda a EE;

34) EE contactou o colega CC dando-lhe nota do pedido das fotografias referentes à substituição do pilar A;

35) CC disse a EE que como ele sabia o pilar não foi substituído, a solução seria cortar o aro da porta para parecer o pilar, o que o EE fez, tendo a KK tirado as fotografias cujas cópias constam de fls. 145-147;

36) Pelas 11,50 horas, desse dia, KK enviou as fotografias por correio eletrónico para a oficina da ...;

37) Ao ver as ditas fotografias, o auditor, de pronto e de forma indignada, afirmou que as mesmas não correspondiam ao pilar alegadamente substituído, mas sim à porta substituída, cortada para fazer crer tratar-se do pilar substituído;

38) De seguida, sem concluir o relatório da auditoria, o auditor abandonou as instalações da oficina;

39) O A. tinha a seu cargo a direção da equipa que integrava as oficinas da R. em ...;

40) O A. não tem antecedentes disciplinares;

41) Em março de 2016, LL, orçamentista, não estava a exercer funções;

42) No dia 7 de março de 2016, JJ enviou, por correio eletrónico, para a oficina da R. em ... apenas a 2.ª folha do orçamento referente à reparação do veículo supra identificado (a que consta de fls. 200 e fls. 13 do processo disciplinar);

43) Ao longo da reparação do veículo, foi necessário informar a engenheira MM (instalações da R. em Lisboa) que tinha sido envida para ... uma borracha da porta da frente direita que não servia para a porta e faltava, ainda, uma guia do vidro dessa porta;

44) Ao longo das várias reparações efetuadas, tanto para a oficina da R. de Lisboa, quer para a "G...", os colegas entram em contacto uns com os outros, quando algo não está correto, nomeadamente peças em falta, peças erradas, necessidade de aditamentos;

45) Não foi aberto qualquer processo disciplinar a DD;

46) O A., ultimamente, auferia a retribuição base mensal de € 2.268,00;

47) Em 3 de dezembro de 2010, o A. passou a exercer, em acumulação, as funções de responsável após venda no … em ... e em ...;

48) A R. manteve o estabelecimento de ... até março de 2015;

49) A R. nunca pagou ao A. o tempo de trajeto para as instalações no ..., em ...;

50) Em 2013, não foi ministrada formação ao A.;

51) A R. concedeu ao A. uma viatura ligeira, para utilização própria incluindo em fins de semana, feriados, pontes, férias e períodos de baixa médica;

52) Era a R. quem suportava as despesas de seguro, manutenção e pneus, combustível e imposto de circulação;

53) A R. concedeu ao A. um telemóvel, para utilização própria, em serviço e fora dele, incluindo em fins de semana, feriados, pontos e férias e períodos de baixa médica, com possibilidade de utilização para o estrangeiro;

54) No dia 8 de outubro de 2014, DD escreveu uma mensagem de correio eletrónico ao A., cuja cópia consta de fls. 512-513 e aqui se tem por reproduzida, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Como é do seu conhecimento, a receção é uma das áreas mais importantes do negócio Após Vendas, é onde todo o processo começa e acaba, por esta razão, o método de receção tem que ser minucioso de forma a que o resultado final seja a satisfação do cliente, nunca esquecendo a rentabilidade que dai advenha. É da sua responsabilidade o controlo e gestão dos procedimentos instituídos. Há pelo menos dois meses que temos vindo a conversar consigo relativamente ao método de receção, cujo processo é do conhecimento geral. (…)»;

55) No dia 2 de abril de 2015, DD escreveu numa mensagem de correio eletrónico de resposta a NN, com conhecimento ao A., cujas cópias constam de fls. 210 e aqui se têm por reproduzidas, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Pena haver pessoas que não acreditam ou não querem fazer, porque o mais fácil é receber o ordenado ao final do mês, só não sei até quando.»;

56) No dia 13 de abril de 2105, DD escreveu uma mensagem de correio eletrónico ao A., cuja cópia consta de fls. 515 e aqui se tem por reproduzida, na qual disse, para além do mais que ali consta, «KK era a pessoa que efetuava as notas de crédito relacionadas com a oficina, a partir de 14-04-2015, inclusive, passará a ser da sua responsabilidade a elaboração de notas de crédito, assim como o envio semanal do mapa de justificações para a OO que são necessárias para a nossa Administração.»;

57) No dia 22 de maio de 2015, DD, escreveu numa mensagem de correio eletrónico ao A., na sequência de mensagem que recebeu de NN, cujas cópias constam de fls. 516-518 e aqui se têm por reproduzidas, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Tem-se verificado com a troca de emails que existem várias viaturas que entram nas nossas instalações que tem correções/campanhas para efetuar. Ora, para além do incumprimento de procedimentos, que lhe recordo das várias conversas e emails trocados sobre este tema, verifico também que o método de receção não está a ser cumprido, situação que já se arrasta ao tempo demais, mesmo depois de o ter alertado várias vezes, pelo que não me deixa alternativa de dizer que a sua intervenção nesta área classifico como “zero”, isto é, a sua intervenção, mesmo que tenha existido, o resultado é medíocre. Este e outros incumprimentos, como por exemplo as vendas adicionais, a verificação de revisão e quando a viatura está a necessitar de fazer a sua manutenção e que posterior o NN vai contactar o cliente para marcar a revisão e obtém respostas de que a viatura esteve há dois ou três dias nas instalações, são à mostra péssima da organização transmitimos aos nossos clientes»;

58) No dia 26 de maio de 2015, DD, escreveu numa mensagem de correio eletrónico ao A., cuja cópia consta de fls. 519 e aqui se tem por reproduzida, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Por diversas vezes pedi e dei-lhe instruções diretas para que as peritagens não sejam realizadas na receção, parque de estacionamento ou em zonas do exterior. Hoje, mais uma vez assisti a uma peritagem em frente a zona de entrada do Serviços Rápidos onde a viatura estava ocupar uma facha da estrada, não só pelo local mas também pela forma como foi realizada, o perito a tirar fotografias no meio da estrada, os clientes a falarem com o perito, outros clientes assistir e o Responsável da colisão a fumar, o senário perfeito do que demais incorreto se pode fazer, para além da falta de profissionalismo, mais uma vez, dá-se o incumprimento das regras instituídas, o que tem vindo a ser habito… Com tudo o que lhe tenho vindo a chamar a atenção, a postura do "Nacional-Porreirismo" está cada vez mais implementada, o que não me parece que seja esse o processo ou os procedimentos a implementar, este mal, esta maneira de ser, este modo de vida, este "modus operandi" não pode ser o exigível! E quando se confronta as pessoas com esta inoperância, tenho respostas do tipo: " -Estava na minha hora do pequeno-almoço" ou que "não se podia passar na receção porque tinha muitas viaturas" ou ainda "que a viatura das peças estava a impedir a passagem", etc… etc… O "sacudir a água do capote", o "errar é humano" ou o "bode expiatório", são técnicas evasivas, são desculpas das nossas próprias falhas tentando descartar a responsabilidade. Ao continuar a pactuar com este tipo de cultura leva-o, como responsável, à incompetência melancólica.»;

59) No dia 25 de junho de 2015, DD, escreveu numa mensagem de correio eletrónico ao A., na sequência de uma mensagem escrita por PP na qual manifestava o seu profundo desagrado por um orçamento recebido de QQ, cujas cópias constam de fls. 520-521 e aqui se têm por reproduzidas, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Acha que a forma de enviar um email, como o do QQ, é a mais correta? Sem qualquer descrição ou texto, nem um bom dia ou boa tarde, sem tratar a pessoa pelo nome, sem uma mera explicação ou indicação? Que mau aspeto profissional…, para uma pessoa que já está em funções há mais de 15 anos…»;

60) No dia 28 de outubro de 2015, DD, escreveu numa mensagem de correio eletrónico ao A., na sequência de uma mensagem recebida de RR que informava que tinha uma viatura da ... na oficina para sair e ainda faltava o filtro de ar porque não havia disponível, cujas cópias constam de fls. 522-523 e aqui se têm por reproduzidas, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Verifique o que se passa e atue para que de futuro não existam viaturas com marcação para substituir material que ficou pedido e/pu manutenção não tenham que voltar para terminar o serviço… Que péssimo serviço!»;

61) No dia 2 de dezembro de 2015, DD, escreveu numa mensagem de correio eletrónico ao A., na sequência de troca de mensagem entre ambos acerca do alinhamento de direção de um .., cujas cópias constam de fls. 203-205 e aqui se têm por reproduzidas, na qual disse, para além do mais que ali consta, «No entanto, no seu entender é preferível deixarmos os técnicos parados e mandar as viaturas ao exterior do que imprimir os dados do TIS (dados do fabricante) e fazer o alinhamento, ora, esta visão, de uma pessoa com formação superior na área da gestão e onde a sua responsabilidade atuação de gestor de Após Venda classifico-a no mínimo como medíocre, não tendo outra alternativa de lhe dizer que pratica gestão danosa»;

62) No dia 28 de dezembro de 2015, DD, escreveu numa mensagem de correio eletrónico ao A., cuja cópia consta de fls. 208-209 e aqui se tem por reproduzida, na qual disse, para além do mais que ali consta, «Não tive de esperar muito tempo para perceber que de comunicação "não percebe nada", como não percebe o que é uma hierarquia, definição das suas funções, procedimentos, regras instituídas na empresa há anos e gestão oficinal… mas continua a utilizar os argumentos de que está a ser perseguido ou de que andam à procura de um "bode expiatório", como já referiu algumas vezes, para não implementar, criar, idealizar, construir, melhorar… enfim, tudo aquilo que um Gestor (com formação superior) tem como missão numa área de responsabilidade como é o caso do Após Venda.”

63) O A. esteve de baixa médica de 26 de junho a 22 de julho de 2015;

64) Em 7/7/2015, foi prescrito ao A. que tomasse ½ comprimido (1 se necessário) de Triazolam [Halcion] e ½ comprimido (1 se necessário) de Estazolam [Kainever] ao deitar;

65) No dia 17 de março de 2016, a R. através do seu empregado SS, que é responsável pelo interface entre as empresas do Grupo II e as seguradoras e gestoras de frota, falou com o A., a rececionista da colisão KK e com os bate-chapas TT e EE, para obter de cada um deles esclarecimentos sobre o sucedido no dia anterior;

66) Tais esclarecimentos tinham em vista elucidar SS sobre o sucedido, habilitando-o a prestar esclarecimentos ao auditor da “...” que solicitou as fotografias;

67) SS não tinha, nem teve, poder disciplinar sobre os trabalhadores da R. nas instalações de ..., nem foi incumbido pela administração da R. para a realização de inquérito prévio;

68) O A. tinha um horário de trabalho repartido de segunda a sexta-feira, com início às 9 horas e saída às 18 horas, com pausa para almoço das 13 às 14 horas;

69) No período em que esteve de baixa médica, o A. foi contactado para o efeito e foram buscar a sua casa o veículo que lhe estava atribuído pela R.;

70) A Ré instaurou um processo disciplinar aos trabalhadores CC e EE com base nos mesmos factos em apreciação nos presentes autos, tendo-lhe aplicado uma sanção conservatória – “matéria aditada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

VII


          Do Direito:

         Segundo a recorrente “sendo a conduta do recorrido grave em si mesma e nas suas consequências, por ter abalado de forma irremediável a relação de confiança, por ter criado justificadas dúvidas no espirito do empregador sobre a idoneidade da sua futura conduta, é manifesto que ocorreu justa causa para o seu despedimento, mesmo sem se terem existido por ora prejuízos materiais decorrentes da mesma.
             Não é possível - nem exigível - que se mantenha uma relação laboral com um trabalhador que exerce um cargo de chefia quando o mesmo viola frontalmente as mais elementares regras numa empresa prestadora de serviços, independentemente do seu teor. A regra existente, e que deve pautar o comportamento de todos os trabalhadores é a de que os serviços são prestados da forma solicitada pelo cliente, desde que os mesmos se enquadrem na atividade desenvolvida pela empresa e naturalmente, desde que os mesmos não impliquem a violação de qualquer normativo legal.
              E a este respeito nem sequer se poderá vir invocar o facto de existirem outros dois trabalhadores envolvidos no "logro" que constituiu a reparação autorizada pelo ora recorrido, que por seu turno foram punidos disciplinarmente com perda de dias de férias.
             Na verdade, a punição de tais trabalhadores afigurou-se justamente ponderada face à intervenção que os mesmos tiveram em todo o procedimento, e tal punição teria até sido evitada caso o recorrido, no âmbito do cargo de chefia que exercia e na sua qualidade de superior hierárquico, tivesse feito o que lhe competia e não tivesse dado o seu aval ao "esquema" que lhe foi proposto pelos ditos trabalhadores.”

             Para o Trabalhador “num contexto em que os factos ocorreram no dia 08/03/2016 e a decisão de despedimento teve os seus efeitos no dia 27/05/2016 como melhor consta do processo.
             Ou seja, (…) manteve-se sempre ao serviço da Ré, não tendo em nenhum momento a  sua entidade empregadora entendido que existia necessidade de o suspender no decurso processo disciplinar (apesar de a lei lhe facultar tal possibilidade).
             Ora, se a R. durante o período que mediou o processo disciplinar e apesar de ter conhecimento dos factos que o integraram, não entendeu que a sua confiança no A. se encontrava abalada mantendo-o ao serviço, tal comportamento leva-nos a concluir que a confiança no A. se manteve.
              Sendo forçoso concluir que não se encontra preenchido o requisito da quebra de confiança, essencial ajusta causa.”

             Na 1ª instância entendeu-se que o comportamento do recorrido era merecedor da sanção expulsória, a mais grave das sanções disciplinares, ou seja, a do seu despedimento com justa causa.

             O Tribunal da Relação, não esquecendo que a relação de confiança assume uma especial relevância ao nível das chefias, concluiu, mesmo assim, que o comportamento do Trabalhador não era grave em si mesmo e nas suas consequências, de forma a originar uma absoluta quebra de confiança
Deste modo, a sanção que foi aplicada, de despedimento, não se mostra proporcional à gravidade do comportamento do Trabalhador, pois, apesar de o mesmo dever ser sancionado disciplinarmente, era mais adequada a aplicação de uma sanção conservatória que se mostrasse suficiente para repor o normal desenvolvimento da relação laboral.
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             Nos termos do artigo 98º, do CT, o empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço enquanto vigorar o contrato de trabalho.

             No contrato do trabalho existem deveres gerais para ambas as partes, tais como, proceder de boa-fé, no exercício dos seus direitos e no cumprimento das suas obrigações, colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador [artigo 126º, do CT] e existem deveres para o empregador e para o trabalhador [artigos 127º e 128º, ambos do CT].

             Ora, o dever principal do trabalhador, perante o empregador, é a prestação da atividade do trabalho, de acordo com o regime de subordinação.

             Contudo, conexos com a prestação do trabalho existem outros deveres acessórios.

             Ou seja, como diz António Monteiro Fernandes[5], “[p]ara além da obrigação principal que assume através do contrato – a de executar o trabalho de harmonia com as determinações da entidade patronal -, recaem sobre o trabalhador outras obrigações, conexas à sua integração no complexo de meios preordenados pelo empregador, sendo uma de base legal (como o chamado dever de lealdade) e outras de origem convencional (como, em certas atividades económicas, a obrigação de não fumar)].”

             Esta distinção resulta da fonte donde eles emanam – da lei, de convenção coletiva de trabalho, do próprio contrato de trabalho, etc.

             Maria do Rosário Palma Ramalho[6] também faz a distinção entre deveres acessórios integrantes da prestação principal e deveres acessórios independentes dessa prestação.

             Entre os primeiros estão, por exemplo, o dever de obediência, de assiduidade, de pontualidade e de zelo, e entre os segundos destacam-se o dever de lealdade, de respeito e de urbanidade.

             Estes deveres do trabalhador estão previstos, a título meramente exemplificativo, no artigo 128º, do CT[7].

              De acordo com o seu n.º 1, sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a. Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;
b. Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;
c. Realizar o trabalho com zelo e diligência;
d. Participar de modo diligente em ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;
e. Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;
f. Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;
g.  Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;
h. Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
i. Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;
j. Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
             
              O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos [n.º 2].
           
              Por outro lado, nos termos do artigo 328º, n.º 1, alínea f), do CT, o empregador, no exercício do poder disciplinar, pode aplicar ao trabalhador as diversas sanções, que enumera, entre as quais se encontra o despedimento sem indemnização ou compensação.

              O despedimento por facto imputável ao trabalhador, nos termos do artigo 340º, alínea c), do CT, faz cessar o contrato de trabalho.
             
              Por outro lado, segundo o artigo 338º, do CT, é proibido o despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

             Nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do CT constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

             Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento, segundo o n.º 2, do mesmo artigo, os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de falta;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;
h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
k) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;
l) Reduções anormais de produtividade.

              Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes – artigo 351º, n.º 3, do CT.
             
             Por fim, estabelece-se no artigo 330º, do CT, o critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar.

              Assim:
1. A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração.
2.  A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade.
3. O empregador deve entregar ao serviço responsável pela gestão financeira do orçamento da segurança social o montante de sanção pecuniária aplicada.
4. Constitui contraordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2 ou 3.

             Ora, nos termos do artigo 351º, do n.º 1, do CT, a justa causa de despedimento é definida como sendo “o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e culpabilidade, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação do trabalho”.

              Nesse sentido, a decisão disciplinar de despedimento obriga à análise de duas dimensões distintas:
1) O comportamento culposo do trabalhador (requisito subjetivo);
2)  Impossibilidade prática de manutenção da relação laboral entre o empregador e o seu trabalhador (elemento objetivo).

               Para haver justa causa deve verificar-se, ainda, um nexo causal entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral.

                Relativamente ao elemento subjetivo, vem-se entendendo que, quer a culpa quer a gravidade da infração disciplinar, hão de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um “bonus pater familias”, isto é, de um empregador normal, médio, colocado face ao caso concreto, utilizando critérios de objetividade e de razoabilidade, não podendo, pois, aferir-se em função do critério subjetivo do empregador.

                               

                Quanto ao elemento objetivo, considera-se que se verifica a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição de empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo laboral represente uma incomportável e injusta imposição ao empregador.

                Encontra-se, assim, a decisão disciplinar subordinada aos princípios da proporcionalidade, da adequação e, nomeadamente, à gravidade dos factos e à culpa do trabalhador – artigos 330º e 367º, n.º 4, ambos do CT -, devendo, para esse efeito, serem ponderadas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes, direta ou indiretamente relevantes [artigo 357º, n.º 4, do CT], tais como o quadro organizativo da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes, a antiguidade hierárquica, o grau de responsabilidade das funções desempenhadas, os antecedentes disciplinares, o grau de arrependimento demonstrado.

               A justa causa visa, pois, sancionar situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, graves em si mesmas e nas suas consequências, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.

               

                 Acresce que, na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador e compete ao empregador alegar e provar os factos por si invocados na decisão de despedimento, uma vez que a justa causa constitui um facto impeditivo do direito à reintegração e demais prestações indemnizatórias peticionadas pelo trabalhador.


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                Acabadas estas considerações jurídicas, cumpre verificar se a Empregadora provou, como lhe competia, os factos que imputou ao Trabalhador e que, segundo ela, constituem justa causa para o seu despedimento:

                 - Da justa causa para o despedimento:                



Da matéria de facto apurada, resulta que o comportamento do Trabalhador AA, em todo o processo de reparação do veículo em causa, apenas consistiu em ter concordado com a proposta do CC - de reparação do pilar acidentado em vez da sua substituição por um novo - e de lhe ter dado instruções para que prosseguisse com a reparação.
Foi  a única intervenção que teve ao longo de todo o processo de reparação da viatura, ou seja, desde o seu início até à sua entrega à sua proprietária.
 Não praticou, pois, qualquer facto na frustrada tentativa de, através de fotografias manipuladas, enganar o representante da proprietária, fazendo-lhe crer que o pilar tinha sido substituído e não reparado.
               

VEJAMOS [cf. conclusão iii), da recorrente]:

                                                                                                                                                                    

               Deu-se como provado que no dia 18 de fevereiro de 2016, deu entrada nas oficinas que a Empregadora possui, em Lisboa, o veículo automóvel da marca ..., para aí ser reparado em consequência de acidente de viação em que foi interveniente e que era propriedade de “...”, cliente importante e antiga da Empregadora – factos n.ºs 6 a 9.

               Estando aquelas oficinas sem disponibilidade para, de imediato, dar início à reparação, foi decidido, com conhecimento e consentimento da sua proprietária, deslocá-lo para as oficinas, também da Empregadora, em ..., o que aconteceu em 07.06.2016, por meio de reboque, para aí ser reparado, tendo previamente sido elaborado um orçamento, com discriminação do material e da mão-de-obra, necessários para a reparação – factos n.ºs 10 a 13 e 44.

               Nesse mesmo dia foi aberta a ordem de reparação e, no dia seguinte, o empregado CC deu início à reparação do dito veículo.
               Quando iniciou a reparação do pilar A. (porta da frente do lado direito), verificou que o pilar orçamentado, encomendado e enviado pela oficina de Lisboa tinha uma dimensão inferior ao dano apresentado (era mais curto).
               Verificando que para substituir o pilar danificado era necessário proceder à encomenda de um novo pilar, em vez de contactar os serviços da Empregadora em Lisboa, dando nota do desfasamento entre a peça enviada por aquela oficina e o dano, dirigiu-se ao Trabalhador AA, seu superior hierárquico, a quem relatou o sucedido e a quem propôs a reparação do pilar acidentado em vez da sua substituição por um pilar novo.

               O AA concordou com o que CC lhe sugeriu e deu-lhe instruções para que prosseguisse com a reparação – factos nºs 14 a 19.


               Com esse comportamento, o Trabalhador AA violou os deveres de exercer as suas funções com zelo e diligência e o dever de agir de forma leal para com a sua Empregadora.

               Ora, os deveres de zelo e de diligência são deveres genéricos de cuidado, que impõem ao trabalhador que execute a sua prestação do trabalho com a atenção, o cuidado, o esforço e a cautela que lhe são exigíveis, ou seja, o trabalhador deve exercer as suas tarefas no interesse do seu empregador, de acordo com os ditames da boa-fé e usando a diligência de um “bom pai de família”.
                Por sua vez, o dever de lealdade impõe que o trabalhador se deve abster de qualquer comportamento contrário aos interesses do empregador, devendo a sua atividade ajustar-se ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações.
               O dever de lealdade assenta numa relação de confiança que se estabelece entre as partes - trabalhador e empregador.
               
               Violou o Trabalhador, com esse seu comportamento, aqueles deveres porque, sendo quem dirigia a equipa que integrava as oficinas em ..., ao ter conhecimento do que se passava, quanto à dimensão do pilar orçamentado e enviado, e do teor da proposta que o CC lhe apresentou, competia-lhe dar conhecimento à cliente do sucedido e informar-se, junto dela, se aceitava a reparação ou se pretendia que se encomendasse um pilar novo.

               Por um lado, ao não o fazer e ao aceitar, de imediato, a sugestão feita pelo seu subordinado, não podia ignorar que estava a agir com desleixo no exercício das suas funções, e, ainda, que não estava a considerar os eventuais prejuízos que podiam advir, dessa sua decisão, para a sua Empregadora, bem como as consequências que podia ter na imagem desta perante a sua cliente.

                Acresce que devia, também, ter informado dessa sua decisão antes, ou até mesmo depois, da reparação, a sua Empregadora ou quem a representava nas oficinas de ..., em Lisboa, nomeadamente, a quem se costumava reportar nessas mesmas oficinas.


               Ora, o Trabalhador AA, por tal comportamento, merecia ser sancionado disciplinarmente até porque a relação de confiança, entre as partes, ficou abalada.

               Contudo, de acordo com a matéria de facto assente, verifica-se que o seu comportamento, apesar de grave, tendo em conta a sua posição de chefia não assumiu gravidade bastante para ser sancionado com o respetivo despedimento.

                Mais se provou:

               Concluída a reparação, o veículo voltou a dar entrada nas instalações em Lisboa e, no dia seguinte, a “...”, sua proprietária, fez deslocar às instalações, em Lisboa, um dos seus auditores, com o propósito de verificar se a reparação do veículo estava em conformidade com o orçamentado e se tinha sido convenientemente efetuada.

               Uma vez que a reparação não tinha sido efetuada naquelas oficinas o auditor solicitou que lhe fossem exibidas as fotografias das peças que tinham sido substituídas no âmbito da reparação efetuada, pelo que foram elas pedidas a ....

               Para o efeito foi contactada, telefonicamente, a oficina em ..., na pessoa da KK, sendo-lhe pedido que enviasse as fotografias referentes ao material substituído no veículo reparado.

                Como o Trabalhador AA não se encontrava na oficina, a KK contactou o colega EE, a quem pediu ajuda, o qual se disponibilizou para a ajudar a tirar as fotografias.

               De manhã, as fotografias solicitadas foram enviadas por correio eletrónico para a oficina de Lisboa – factos n.ºs 21 a 30.

                O auditor examinou as fotografias e verificou estarem em falta as referentes à substituição do pilar frente direito (o pilar A) e, sequentemente, foi contactada, de novo e via telefone, a KK, pedindo-lhe que enviasse as fotografias referentes ao pilar A.

                Esta pediu, outra vez, ajuda a EE que contactou o colega CC tendo-lhe dado nota do pedido, sendo que o CC lhe disse que, como ele sabia, o pilar não fora substituído, mas sim arranjado, e que a solução seria cortar o aro da porta substituída, para dar a ideia, de conter o pilar, o que o EE fez, tendo, após, a KK tirado as fotografias ao aro da porta cortado e, ainda, da parte da manhã, do mesmo dia, enviou-as por correio eletrónico para a oficina de Lisboa – factos n.ºs 31 a 36.

               Ao ver as fotografias, o auditor, de pronto e de forma indignada, afirmou que as mesmas não correspondiam ao pilar alegadamente mudado, mas sim à porta acidentada, que havia sido cortada, para o fazer crer tratar-se do pilar, e sem concluir o relatório da auditoria, abandonou as instalações da oficina da Empregadora – factos n.ºs 37 a 38.

               O Trabalhador não tinha antecedentes disciplinares, a sua antiguidade era a de 15 anos e a sua categoria de chefe de departamento/divisão, tendo a seu cargo, desde 03.12.2010, a direção da equipa que integrava as oficinas da Empregadora em ..., e que de 21.05.2001 a março de 2015, foi também chefe de departamento do estabelecimento comercial, que esta tinha em ... – factos n.ºs 2, 5, 39 e 40.


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           Ora, como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 13.01.2010, “existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, suscetível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objetivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes[8].



               Ora, fazendo-se a referida ponderação, e apreciação, no caso concreto, e face ao que ficou dito, conclui-se que o comportamento do Trabalhador AA não foi de tal maneira grave, em si mesmo e nas suas consequências, de forma a originar uma absoluta quebra de confiança entre ele e a sua Empregadora, não se tendo verificado uma impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho.

                Com efeito, o seu comportamento reprovável consistiu em autorizar o seu subordinado CC, sob proposta deste, e porque o pilar enviado era mais curto do que o acidentado, a repará-lo em vez de o substituir, como constava na ordem de reparação, dando-lhe ordens para prosseguir com tal reparação.


               Por sua vez, a Empregadora não provou, como lhe competia, que, devido ao comportamento do Trabalhador, tenha tido qualquer prejuízo, que a sua imagem tenha ficado afetada, negativamente, junto da clientela, nomeadamente junto da proprietária do veículo em causa.

               Acresce que ao tempo do despedimento, o Trabalhador não tinha antecedentes disciplinares, a sua antiguidade era a de 15 anos e a sua categoria a de chefe de departamento/divisão, tendo a seu cargo, desde 03.12.2010, a direção da equipa que integrava as oficinas da Empregadora em ..., e que de 21.05.2001 a março de 2015, foi também chefe de departamento do estabelecimento comercial, que esta dispunha em ....

               Daqui resulta que o Trabalhador esteve durante 15 anos, em cargos de chefia, em departamentos ou oficinas da Empregadora, sem qualquer sanção disciplinar, pelo que a relação de confiança existente entre os dois pode ter sido abalada mas não se rompeu.

               Também consta na matéria de facto provada, que quem propôs a reparação do pilar ao Trabalhador AA foi o seu subordinado CC, e que depois, quando o auditor da cliente pretendia as fotografias das peças removidas do veículo acidentado, e como o pilar não existia, para o fazer acreditar no contrário, mandou fotografar o aro da porta substituída, depois de cortar o aro, mas que não surtiu efeito pois o auditor logo percebeu o que estava a acontecer.

               Foi-lhe instaurado procedimento disciplinar e aplicada uma sanção conservatória.

Alega a recorrente que o facto de ter optado pela aplicação de uma sanção disciplinar conservatória aos outros dois trabalhadores envolvidos na situação que motivou o despedimento, e o aditamento de tal facto, não pode servir de fundamento para a inexistência de justa causa para o despedimento do recorrido.

Segundo ela, não é aplicável ao caso concreto o princípio da igualdade, também chamado por alguma jurisprudência de “coerência disciplinar na empresa”, segundo o qual, apesar de o exercício do poder disciplinar envolver, reconhecidamente, uma certa margem de discricionariedade, dever evitar-se que infrações idênticas sejam sancionadas disciplinarmente de forma diversa, se nenhuma razão houver para isso, ou seja, a coerência disciplinar da empresa prende-se com o princípio da igualdade e visa evitar que o procedimento disciplinar seja exercido de forma arbitrária e deve ser levada em conta na apreciação da justa causa de despedimento.

Por sua vez, o princípio da igualdade tem duas vertentes: por um lado, exige que se trate de forma igual aquilo que é igual e, por outro lado, que se trate de forma diferente o que é desigual.

No caso em apreço, a situação fáctica em que se basearam todos os procedimentos disciplinares é, em geral, a mesma – reparação do pilar acidentado em vez da sua substituição conforme estava orçamentado.

Contudo, conjugado esse facto com os demais, verifica-se que cada trabalhador contribuiu de maneira diferente para a produção do resultado final, dado que a participação, a responsabilidade e a culpabilidade de cada um na prática da infração foi diversa.
Sendo assim, não é de chamar à colação o princípio da igualdade, como não o foi no acórdão recorrido.

               As sanções disciplinares devem ser proporcionais e adequadas à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator, bem como aferidas por um empregador médio, colocado face ao caso concreto, utilizando critérios de objetividade e de razoabilidade, e ponderando os diversos factos objetivos apurados, termos em que a sanção aplicada ao Trabalhador AA [despedimento com justa causa] mostra-se desadequada e desproporcionada à gravidade do seu comportamento e à gravidade da infração por ´ele cometida.


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                Diga-se, ainda, que o comportamento do Trabalhador AA é censurável, violador de deveres laborais, pelo que devia ser sancionado, mas apenas com uma das sanções conservatórias, que se tivesse como proporcional, adequada e suficiente para o punir e para o afastar da prática de novas infrações.

 


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Em suma:

                - Inexistindo justa causa, o despedimento do Trabalhador AA, efetuado pela Empregadora “BB, S. A.”, é ilícito.


VIII

            - Decisão:

            - Pelo exposto delibera-se:
a. Negar a revista e, consequentemente manter o acórdão recorrido.
b. Custas pela Empregadora/Recorrente.
Notifique.

                Anexa-se o sumário do Acórdão.


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          Lisboa, 2018.11.21

Ferreira Pinto  (Relator)

Chambel Mourisco

Pinto Hespanhol


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[1] - Registo 025/2018 – (FP) CM PH
[2] - Relatório feito com base no das instâncias.
[3] . Doravante CT.
[4] - Doravante CPT.
[5] - Direito do Trabalho, 18ª edição – edição especial comemorativa dos 40 anos, Almedina, 2017, página 273.
[6] - Tratado do Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais -, 6ª edição, Almedina, 2016, Páginas 277 e ss.
[7] - Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
[8] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2010 – Processo n.º 4583/06.3TTLSB.L1.S1.
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d05c9540f5e5730a802576b30044246a?OpenDocument