Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
354/21.5T9CVL-A.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: FUNDAMENTOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário :

I- O artigo 729.º do CPC é aplicável tanto a execuções fundadas em sentenças, como em decisão de entidade administrativa com caráter definitivo que condenou no pagamento de uma coima porquanto a reapreciação do facto como contraordenação não pode ser reaberta no processo executivo.


II- Mas o referido preceito só é aplicável a decisões de entidades administrativas que tenham o referido caráter definitivo.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 354/21.5T9CVL-A.C1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Lar Residencial D... ....... ....... .. ..... veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido a 25.03.2022, o qual foi admitido pela Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3 do CPC junto desta Secção Social.


A agora Recorrente deduziu embargos de executado por apenso aos autos de execução comum com o n.º de processo 354/21.5T9CVL, em que é Executada e Exequente o Ministério Público.


Nos autos de Execução, o título executivo é a Decisão Administrativa da ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho, na qual se aplicou uma coima no valor total de € 35.088.


Por saneador-sentença de 18.11.2021, o Tribunal de 1.ª instância indeferiu os embargos de executado.


A Executada interpôs recurso de apelação.


O Tribunal da Relação proferiu Acórdão no qual, depois de afirmar que “uma vez que, como resulta da petição inicial dos embargos, os fundamentos invocados pelo ora recorrente não se ajustam a nenhum dos previstos no artigo 729.º do CPC, pretendendo o embargante discutir os factos que lhe foram imputados, ou seja, impugnar a decisão administrativa, o que não fez atempadamente, impunha-se o indeferimento dos presentes embargos por o fundamento não se ajustar ao disposto no artigo 729.º do CPC, por força do disposto no artigo 732.º, n.º 1, b), do CPC, tal como consta da sentença recorrida” (negrito no original), negou o recurso e manteve a sentença recorrida.


É deste Acórdão que a Executada interpôs recurso de revista.


Nas alegações diz-se, a dado passo, que a única questão objeto do presente recurso é a “questão de saber da possibilidade de ser deduzida oposição à execução, em que o título executivo é uma decisão de uma autoridade administrativa que condenou o recorrente no pagamento de uma coima, com outros fundamentos para além dos que são admissíveis quando se trata de uma execução baseada em sentença (previstos no artigo 729.º do CPC), ao abrigo do disposto nos artigos 703.º, n.º 1, al. d) e731.º, do CPC.”. Contudo, de corre das Conclusões, que, na realidade se suscita a montante desta uma outra questão, a saber, se estamos no caso concreto perante uma decisão da autoridade administrativa que deva reputar-se de definitiva.


Nas suas alegações a Recorrente afirma que a decisão de uma autoridade administrativa não pode confundir-se com uma sentença e que é apenas à execução baseada em uma sentença que se aplica o disposto no artigo 729.º do Código do Processo Civil.


Sustenta, a este respeito, que face ao conceito de sentença plasmado no artigo 152.º do CPC, não pode equiparar-se uma decisão de uma entidade administrativa – no caso a ACT – a uma sentença, sob pena, aliás, de violação do princípio da separação de poderes, porquanto “só o ato do juiz pode ter a qualidade de sentença, os administrativos poderão ser títulos executivos, mas não adquirem aquela qualificação” (Conclusão 22).


Importa, contudo, ter presente que o artigo 79.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de outubro dispõe que “o carácter definitivo da decisão de entidade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o facto como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade da reapreciação de tal facto como contra-ordenação”.


Atendendo ao artigo 9.º do Código Civil, e porque o legislador não pode ter querido “dar com uma mão e tirar com a outra”, este efeito preclusivo expressamente atribuído à decisão administrativa com caráter definitivo acarreta que a reapreciação do facto como contraordenação não pode ser reaberta no processo executivo, o que justifica que, apesar do elemento literal do artigo 729.º do Código do Processo Civil, também nas execuções baseadas em decisões definitivas de entidades administrativas como a ACT a oposição à execução só possa ter um dos fundamentos previstos no referido artigo 729.º do CPC.


Só que esse efeito de “caso decidido” só ocorre perante decisões definitivas da entidade administrativa.


Ora à data da prolação do Acórdão do Tribunal da Relação (25.03.2022) proferido nos presentes embargos de executado, já tinha transitado em julgado o Acórdão de Uniformização proferido no processo 249/19.2T8CVL.C1-A.S1 (Paula Sá Fernandes), (data do trânsito certificada em 24.03.2022), determinando a admissibilidade da impugnação (“acorda-se na revogação do acórdão recorrido e em considerar tempestiva a impugnação interposta pelos recorrentes” (que são os mesmos do presente recurso), o que implica que a decisão administrativa não pode ser considerada definitiva, ao contrário do que foi decidido pelas instâncias.


Não pode, pois, no caso vertente aplicar-se a esta execução a limitação aos fundamentos da oposição constante do artigo 729.º do CPC.


Decisão: Concedida a revista, negando-se que o artigo 729.º do CPC seja aplicável à presente execução.


Custas pelo Recorrido


Lisboa, 3 de novembro de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Ramalho Pinto


Domingos José de Morais