Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
996/19.9T8STB-B.E1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
LEI ESPECIAL
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
REJEIÇÃO DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- O incidente de exoneração do passivo restante processa-se nos autos de insolvência, pelo que lhe é aplicável a regra especial recursiva do artigo 14, nº 1 do CIRE e não o regime geral do artº 671º e ss. do CPC.

II- O artigo 14°, nº 1, do CIRE estabelece uma regra de não admissibilidade de recurso para o STJ, em terceiro grau de jurisdição, em litígios respeitantes a decisões relativas ao processo de insolvência desde que tramitadas endogenamente, ou nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência.

III- A revista prevista no artº 14º, nº 1 do CIRE, relativamente ao processo de insolvência, é exclusiva para a oposição de julgados e, sendo restritiva, afasta o regime geral e excepcional recursivo, bem como as impugnações excepcionais previstas pelo artº 629, nº 2 do CPC.

IV- No caso dos autos, não existindo contradição de acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, não poderá ser admitido o recurso com fundamento no citado dispositivo legal.

Decisão Texto Integral:
    

                     

Processo nº 996/19.9T8STB-B.E1-A.S1- 6ª Secção  

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I-Relatório

No âmbito do processo principal de insolvência a que se apresentaram AA e BB, casados entre si no regime da comunhão geral de bens, estes últimos requereram a exoneração do passivo restante, por entenderem estarem verificados os requisitos previstos no artigo 237° do CIRE, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:

“III - Decisão

Em face do exposto, decido ao abrigo do disposto no artigo 239° do C.I.R.E.:

Durante os cinco anos iniciados no mês subsequente à notificação do encerramento do processo de insolvência, designado período de cessão, o rendimento disponível que o(s)devedor(es) venha(m) a auferir, se considera cedido a um fiduciário, designando-se para o efeito a Sr.a Dr. CC, que vem desempenhando as funções de administrador de insolvência e que consta da lista oficial.

O rendimento disponível integra os subsídios e os demais rendimentos que advenham ao(s) insolvente(s) e que excedam a cada mês o valor fixado como excluído da cessão.

Do rendimento disponível se excluem:

a) os créditos a que se refere o artigo 115° do CIRE cedidos a terceiro pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) o montante do rendimento do(s) insolvente(s), tido por minimamente digno ao

sustento do(s) insolvente(s), que se fixa no montante correspondente a três salários mínimos nacionais, ficando disponível a quantia que exceda tal montante, a entregar pelos devedores, a partir do mês seguinte à notificação do encerramento do processo, ao fiduciário (12 meses).

c) O montante fixado em b) deverá ser revisto caso os insolventes regressem a Portugal.

Durante o período da cessão, o(s) devedor(es) fica(m) ainda obrigado(s) a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira(m), por qualquer título e a informar o Tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregados, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que sejam aptos;

c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;

d) Informar o Tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.

Fixo a remuneração ao fiduciário no valor de 10% do valor de cessão mensal, com o limite de € 5000,00 anuais - art. 240°, n.° 1, do CIRE e art. 28° do Estatuto do

Administrador Judicial, aprovado pela Lei n.° 22/2013 de 26 de Fevereiro.

Anualmente deverá o fiduciário fazer juntar ao processo informação nos termos do disposto no art. 240°, n.° 2 e 61°, n.° 1, do CIRE, competindo-lhe fiscalizar o cumprimento dos deveres pelo insolvente e comunicar aos autos, de imediato, qualquer violação de que tenha conhecimento.

Atento o disposto no artigo 230°, n.° 1, al. e) do CIRE (redacção dada pelo DL n.° 79/2017 de 30-06), determino o encerramento dos autos.

Os efeitos, são os previstos no art. 233°, n.° 1, al. b), do CIRE.

Atento o disposto no art. 232°, n.° 6 do CIRE e o encerramento para início do período de cessão, fica prejudicada a apreciação do pedido de encerramento por insuficiência da massa, sendo certo que haverá que proceder ao rateio das quantias que excedam as despesas da massa insolvente.

Notifique.

Publicite e registe, art. 38°, n.°s 2 e 4, ex vi do art. 240°, n.°2, do CIRE e art. 230°, n.l, al. e), do CIRE.

Por força do despacho supra inicia-se o período de cinco anos de cessão prevista no art. 239°, n.° 2 do CIRE (Incidente de Exoneração do passivo restante)”.

Desta decisão vieram os insolventes interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

Por despacho do Relator foi negado provimento ao recurso.

Deste despacho vieram os insolventes reclamar para a conferência.

Por acórdão proferido, pela Relação de Évora, em conferência, foi mantida a decisão do Relator, negando provimento ao recurso e confirmando integralmente a decisão da 1ª instância.

Desse acórdão vieram os insolventes interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objeto o acórdão proferido pelo Tribunal da

Relação de Évora de 30/01/2020, que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes e, por consequência, confirmou a decisão recorrida do Tribunal de Primeira Instância que tinha julgado o montante correspondente 3 (três) salários mínimos nacionais (portugueses) como o montante necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes (que vivem atualmente no Reino Unido), por consubstanciar uma errada aplicação da Lei (art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE) e da Constituição (art° 1.° da Constituição).

-  DA ADMISSIBILIDADE LIMINAR DO PRESENTE RECURSO

2. O acórdão recorrido está em oposição com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22/03/2018, no âmbito do processo n.° 24815/15.6T8LSB-2 ("acórdão fundamento" - cfr. Doc. n.° 1), sem que exista jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça conforme ao primeiro (cfr. art.° 14.°, n.° 1 do CIRE e art.° 686.° e 687.° do CPC ex vi art.° 14.°, n.° 1 do CIRE).

3. Proferidos no domínio da mesma legislação, tais acórdãos decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito: a conexão entre o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores e agregado familiar (aferido em função do conceito de "salário mínimo nacional") e o local (país) de residência dos mesmos, à luz do disposto no art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE.

4. Contrariamente ao acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão fundamento, julgou que deveria aplicar-se o "salário mínimo nacional" do país onde os devedores e respetivo agregado familiar concretamente vivem (cfr. transcrição supra de excerto do acórdão fundamento).

- DA ERRADA APLICAÇÃO DA LEI E DA CONSTITUIÇÃO

5. O custo de vida no Reino Unido consubstancia um facto notório e, como tal, independente de prova ou de alegação (cfr. art.412.º, n.° 1 do CPC ex vi art. 17.°, n.° 1 do CIRE e transcrição supra de excerto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2019).

6. Enquanto o valor considerado minimamente necessário ao sustento minimamente digno em Portugal corresponde a um valor mensal de € 635,00 (salário mínimo nacional), já no Reino Unido corresponde a um valor mensal de € 1.717,76 ( € 9,76/hora * 8 horas de trabalho diárias * 22 dias úteis), mostrando-se este superior em mais de 63 % relativamente ao português.

7. O conceito de salário mínimo encontra-se intimamente ligado ao conceito de custo de vida e, por isso, ao ter o Tribunal de Primeira Instância decidido que o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar consistia em 3 vezes o salário mínimo nacional (enquanto valor equivalente ao mínimo necessário ao sustento minimamente digno de uma pessoa), então, no Reino Unido, o montante razoavelmente necessário teria de consistir num valor proporcionalmente superior, ou seja, em € 5.153,28 (os acima referidos € 1.717,53 X 3 = € 5.153,28) por mês.

8. Ora, demonstrado que o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar no Reino Unido consiste em € 5.153,28, resulta indubitável que o valor de 3 salários mínimos de Portugal (no valor total de € 1.905,00) não é de todo suficiente para o referido sustento minimamente digno no Reino Unido.

 9. O valor a excluir do rendimento disponível nos termos da subalínea i) da alínea b) do n.° 3 do art.° 239.° do C1RE deve aferir-se em função do valor minimamente necessário ao sustento minimamente digno assim considerado no país onde o devedor esteja a viver em cada momento (o salário mínimo deve ser o salário mínimo do respetivo país onde vivem os devedores), conforme explica o acórdão fundamento (cfr. transcrições supra de excertos do acórdão fundamento, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/02/2019 e do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/11/2017).

10. O facto do salário mínimo no Reino Unido se apurar em função de taxas horárias dependentes do nível etário e do tempo de experiência profissional não impede o preenchimento do conceito de "salário mínimo nacional" com dados transportados da realidade do Reino Unido, conforme explica o acórdão fundamento ainda que a propósito da Alemanha (cfr. transcrição supra de excerto do acórdão fundamento).

11. O valor das despesas apresentadas pelos Recorrentes (quase € 4.000,00 e superiores ao valor de € 1.905,00 que foi fixado a título de rendimento indisponível) vai, igualmente, ao encontro do referido valor mínimo necessário ao sustento minimamente digno no Reino Unido.

12. As despesas dos Recorrentes (melhor descritas nas motivações), no valor de quase € 4.000,00, não se afiguram excessivas em face da realidade concreta dos Recorrentes, nem em face da realidade social existente, atentas as regras da experiência comum e o custo médio de vida no Reino Unido, onde atualmente vivem (ainda que temporariamente), não desfrutando os Recorrentes de quaisquer luxos, nem apresentando quaisquer despesas supérfluas.

13. Portanto, não só por via do facto notório que já seria o custo de vida no Reino Unido, mas também por via das despesas concretamente apresentadas pelos Recorrentes resulta que o valor de 3 salários mínimos nacionais de Portugal (atualmente correspondentes ao valor total de € 1.905,00) é, flagrantemente, insuficiente para o sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar no Reino Unido.

14. Face à situação factual particular dos Recorrentes, e de modo a garantir a conformidade constitucional e prosseguir o espírito da Lei, deveria ter-lhes sido atribuído, a título de rendimento indisponível, pelo menos o montante equivalente a 3 salários mínimos assim considerados no Reino Unido, ou seja, a € 5.153,28 por se mostrar ser este o montante mínimo necessário para assegurar o seu sustento minimamente digno naquele país.

15. A opção dos Recorrentes de irem trabalhar para o Reino Unido não é ilegal, nem censurável (como parece decorrer do teor do acórdão recorrido) e decorreu da falta generalizada de ofertas de trabalho em Portugal e no âmbito do exercício pleno dos seus direitos enquanto cidadãos da União Europeia, nomeadamente, de viver e trabalhar em qualquer país a ela pertencente (entre os quais, ainda o Reino Unido na altura em que os Recorrentes para lá se deslocaram).

16. E se é verdade que, permanecendo em Portugal, os Recorrentes até se poderiam eventualmente deparar com despesas essenciais de valor menos avultado, a verdade é que também certamente se deparariam com rendimentos bem menos avultados ou, quiçá, inexistentes!

17. Também contrariamente ao que parece ser o entendimento do Tribunal da Relação de Évora, o valor mínimo necessário ao sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar não pode ser limitado de modo a sobrar ainda rendimento disponível a entregar ao fiduciário (cfr. art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) "a contrario" do CIRE).

18. Assim como o montante do passivo dos Recorrentes não deve relevar para efeitos de determinação do valor mínimo necessário ao seu sustento minimamente digno e do respetivo agregado familiar (cfr. art.° 239.°, n.° 3, ai. b), subalínea i) "a contrario" do CIRE).

19. É se é verdade "que, no presente momento, a fixação do valor mínimo necessário ao sustento minimamente digno dos Recorrentes e respetivo agregado familiar no Reino Unido em € 5.153,28 levaria à ausência de rendimento disponível, nada impede que, no futuro, os Recorrentes aufiram um valor superior, gerando rendimento disponível a entregar ao fiduciário.

20. O Tribunal de Primeira Instância, bem como o Tribunal da Relação de Évora interpretaram erradamente o artigo 239.° n.° 3, alínea b, subalínea i) do CIRE,

21. Bem como o artigo 1.° da Constituição, incorrendo o acórdão objeto do presente recurso num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos dos Recorrentes e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição, optou por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação do art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE no sentido de que o valor mínimo razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar ser indiferente ao custo de vida do local/país onde aqueles concretamente vivam, afastando a aplicação do salário mínimo nacional (ou de valor equivalente) do correspondente país.

22. É inconstitucional esta norma resultante da interpretação do art° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE que foi feita pelo Tribunal de Primeira Instância e, por conseguinte, pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito, respetivamente, do despacho e acórdão recorridos por violação, nomeadamente, do disposto no art.° 1.° da Constituição,

23. O valor subjacente ao sustento minimamente digno de um insolvente residente no Reino Unido deve ter, pois, como limite mínimo o valor do salário mínimo nacional do referido país (independentemente da forma como o mesmo é aferido) e, no caso concreto, atendendo à constituição do agregado familiar dos Recorrentes, deverá ter como limite mínimo o valor de 3 salários mínimos nacionais (como determinado pelo Tribunal de Primeira Instância), mas do Reino Unido. Por conseguinte,

24. Ao ter julgado o montante correspondente a 3 (três) salários mínimos nacionais (portugueses) como o montante necessário para o sustento minimamente digno dos Recorrentes, o Tribunal da Relação de Évora violou as disposições conjugadas do art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE e, ainda, do art.° 1.° da Constituição, por não permitir que os Recorrentes e o respetivo agregado familiar vejam o seu sustento minimamente condigno assegurado,

25. Porquanto deveriam as normas jurídicas decorrentes de tais disposições ter sido interpretadas e aplicadas peio Tribunal da Relação de Évora no sentido de os 3 (três) salários mínimos fixados, a título de rendimento indisponível, corresponderem a 3 (três) vezes o valor mínimo necessário ao sustento minimamente digno no país onde os Recorrentes e respetivo agregado familiar se encontram a viver (Reino Unido), ou seja, a€ 5.153,28 de forma a assegurar a subsistência condigna dos Recorrentes e do respetivo agregado familiar,

26. Razão pela qual deverá a decisão, objeto do presente recurso, ser substituída por outra que fixe, a título de rendimento indisponível, o montante equivalente a 3 (três) salários mínimos assim considerados no Reino Unido, ou seja, a € 5.153,28, conforme à correta interpretação das acima referidas normas”.

Não houve resposta às alegações.

Pelo ora Relator, ao abrigo do artº 652º, nº 1, al. b), do CPC foi proferido despacho de não conhecimento do objecto de recurso, por não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade.

Deste despacho vieram os insolventes reclamar para a conferência, nos termos do artº 652º, nº 3 do CPC, formulando as seguintes conclusões:

1. A decisão, ora reclamada, de não conhecimento do objeto do recurso de revista, padece, por um lado, de nulidade por preterição de um ato prescrito por Lei que influiu no exame e na decisão da causa e, por outro, consubstancia erro sobre a verificação dos pressupostos legais para a admissão do referido recurso, nomeadamente, erro sobre a verificação do pressuposto da oposição do acórdão recorrido com o acórdão fundamento.

— DA NULIDADE DA DECISÃO RECLAMADA

2. Contrariamente ao estabelecido por Lei, os Reclamantes não foram ouvidos previamente à prolação da decisão singular ora reclamada, nos termos da qual o Venerando Juiz Conselheiro relator decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso de revista interposto por aqueles (cfr. art.º 655.º, n.º 1 ex vi art.º 679.º, ambos do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE).

3. A referida omissão influiu relevantemente no exame e na decisão da presente causa, uma vez que se retirou aos Reclamantes a faculdade de, exercendo o seu direito ao contraditório, ponderar outras perspetivas do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, demonstrativas da oposição de julgados e, desse modo, conducentes a uma decisão diversa da reclamada.

4. Por conseguinte, a decisão singular, ora reclamada, padece de nulidade decorrente da omissão de um ato prescrito por Lei capaz de influir no exame e na decisão da causa (cfr. art.º 195.º, n.º 1 do CPC ex vi art.º 17.º, n.º 1 do CIRE) (cfr. transcrição supra do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/03/2017).

— DA OPOSIÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ACÓRDÃO FUNDAMENTO

5. A questão conhecida no acórdão recorrido que se mostra em oposição à questão conhecida no referido acórdão fundamento consiste na concretização do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Insolventes e do seu agregado familiar e, inerentemente, na conexão entre o que seja razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno (aferido em função do conceito de “salário mínimo nacional”) e o local (país) onde os mesmos vivam, à luz do disposto no art.º 239.º, n.º 3, al. b), subalínea i) do CIRE.

6. Enquanto o Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do acórdão recorrido, julgou que o conceito de “salário mínimo nacional”, para efeitos do que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Reclamantes e do seu agregado familiar, deveria reportar-se ao salário mínimo em vigor em Portugal independentemente do país onde aqueles concretamente vivem,

7. O Tribunal da Relação de Lisboa, no mencionado acórdão fundamento, julgou que deveria aplicar-se o “salário mínimo nacional” do país onde os devedores e agregado familiar concretamente vivem (cfr. transcrição supra do acórdão fundamento elucidativo do referido posicionamento).

8. O agregado familiar dos Reclamantes é constituído por 3 pessoas - 2 adultos e 1 menor de 14 anos - e no âmbito do procedimento de exoneração do passivo restante, o Tribunal de Primeira Instância considerou adequado excluir da cessão o rendimento que os Reclamantes auferissem em cada mês equivalente a 3 salários mínimos portugueses (12 meses), os quais, na altura em que foram determinados, equivaliam a um total de: € 1.800,00, ou seja, a pouco mais de 1 salário mínimo nacional do Reino Unido (atualmente € 1.717,76), onde os Reclamantes e respetivo agregado familiar já viviam no momento da fixação do rendimento indisponível.

9. Contrariamente ao que foi julgado na decisão singular, ora reclamada, no acórdão recorrido não se fixou o rendimento indisponível tendo em conta a circunstância de os Reclamantes estarem a viver no Reino Unido, contrariando flagrantemente a imperatividade da conexão, exigida por Lei, entre o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos Reclamantes e do seu agregado familiar e o local/país onde os mesmos vivem – conexão esta que foi amplamente sustentada, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do acórdão fundamento.

10. Tanto assim é que, em sede de decisão sumária (confirmada pela conferência), o Tribunal da Relação de Évora chega mesmo a referir, expressamente, que, apesar dos Reclamantes e do seu agregado familiar se encontrarem a viver no Reino Unido “(…) faz todo o sentido interpretar o conceito legal de “salário mínimo nacional” à luz dos conceitos e indicadores legais da realidade Portuguesa. (…)” (cfr. decisão sumária do Tribunal da Relação de Évora, constante dos autos).

11. Mais. O acórdão recorrido também se mostra em oposição com o acórdão fundamento, na parte em que valida a concessão de um montante equivalente a pouco mais de 1 salário mínimo nacional do país de residência dos Reclamantes (Reino Unido) a um agregado constituído por 2 adultos e 1 menor, quando o acórdão fundamento (assim como a generalidade da jurisprudência nacional) considera o valor equivalente a 1 salário mínimo nacional do país de residência como o valor mínimo necessário ao sustento minimamente digno para apenas 1 adulto (e não para 3 pessoas!) (cfr. transcrição supra do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2016 e do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/03/2013).

12. Nos termos do acórdão fundamento, o valor de 1 salário mínimo nacional é o valor que tem sido considerado pelos tribunais como o valor razoavelmente necessário ao sustento minimamente digno de apenas 1 insolvente adulto (e, portanto, nunca para o sustento mínimo de 3 pessoas como sucede no caso dos presentes autos!) (cfr. transcrições supra várias do acórdão fundamento referentes ao próprio teor e a também transcrições de outros acórdãos do Tribunal da Relação do Porto).

13. Também a escala da OCDE (“Escala de Oxford”), para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar – à qual os Tribunais superiores ainda fazem apelo (cfr transcrição supra do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/03/2013) – determina o índice 1 para o 1.º adulto do agregado familiar, o índice 0,7 aos restantes adultos, e o índice 0,5 para as crianças.

14. No caso dos presentes autos, a escala de Oxford determinaria, como rendimento indisponível, um valor que (independentemente de ser fixado por referência ao salário mínimo de Portugal ou ao do Reino Unido) fosse materialmente equivalente ao somatório de, pelo menos, 1 salário mínimo do Reino Unido para o primeiro adulto, acrescido de 0,7 salário mínimo do Reino Unido para o segundo adulto e, finalmente, acrescido de 0,5 salário mínimo do Reino Unido para o filho menor (ou seja: € 1.717,76 [ 1 SMN do Reino Unido] +   € 1.202,43 [ 0,7 SMN do Reino Unido] + € 858,88 [ 0,5 SMN do Reino Unido] = € 3.779,07, ou seja, o dobro do que foi efetivamente concedido pelo Tribunal recorrido!).

15. O Tribunal recorrido não considerou o valor equivalente a 1 salario mínimo do país de residência como o valor mínimo necessário ao sustento minimamente digno para 1 insolvente adulto aí residente (em oposição ao decidido no acórdão fundamento), pois fixou o rendimento indisponível num montante equivalente a pouco mais de 1 salário mínimo nacional do Reino Unido mas para todo um agregado familiar (constituído por 2 adultos e 1 menor) – o que fica muito aquém daquilo    que    é    considerado    como    o    razoavelmente    necessário    ao    sustento minimamente digno de um agregado familiar.

16. Os Reclamantes alegaram e demonstraram despesas mensais essenciais para o sustento minimamente digno do seu agregado familiar (ascendentes a cerca de € 4.000,00), assumindo a renda para habitação o valor mensal de € 1.680,00, o que corresponde a mais de 88% (!) do rendimento indisponível determinado pelo Tribunal de Primeira Instância e mantido pelo Tribunal da Relação de Évora (atualmente € 1.905,00),

17. Donde resulta que, depois de paga a renda de casa, o valor remanescente de € 225,00 (€ 1.905,00 – € 1.680,00 = € 225,00) não permite a sobrevivência do agregado familiar dos Reclamantes (composto por 3 pessoas) nos arredores de Londres, no Reino Unido (e, adiante-se, nem em Portugal)!

18. Tendo em conta as despesas específicas do agregado familiar, deveria ter sido concedido aos Reclamantes o montante equivalente a € 5.153,28 por ser o montante equivalente aos 3 salários mínimos que mais se adequam ao país de residência (Reino Unido).

19. O Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do acórdão fundamento, explica que o valor necessário minimamente ao Insolvente que viva num qualquer país da União Europeia deve corresponder ao salário mínimo desse país,

20. E, por isso, aquele Tribunal, no acórdão fundamento, substituiu o valor do rendimento indisponível que tinha sido fixado como o valor de um salário mínimo português por um salário mínimo alemão (país de residência do Insolvente naqueles autos), por considerar que o valor a que o salário mínimo alemão correspondia era aquele (e não o português) que concretizava a conexão que a Lei exige entre o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores e do seu agregado familiar e o local onde os mesmos vivem, à luz do disposto no art.º 239.º, n.º 3, al. b), subalínea i) do CIRE (cfr. transcrição supra do acórdão fundamento).

21. Encontrando-se os Reclamantes a viver no Reino Unido, o montante do rendimento a excluir da cessão deveria ter sido fixado por referência ao valor necessário para os Reclamantes e respetivo agregado familiar viverem nesse mesmo país, em conformidade com o que foi julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão fundamento.

22. O Tribunal de Primeira Instância, bem como o Tribunal da Relação de Évora interpretaram erradamente o artigo 239.º n.º 3, alínea b, subalínea i) do CIRE,

23. Bem como o artigo 1.º da Constituição, incorrendo, quer a decisão de primeira instância, quer o acórdão da Relação, num vício de inconstitucionalidade normativa na medida em que, face à existência de outras interpretações normativas menos lesivas dos direitos dos Reclamantes e mais consentâneas com uma interpretação conforme à Constituição, optaram por aplicar a norma jurídica extraída da interpretação do art.º 239.º, n.º 3, al. b), subalínea i) do CIRE no sentido de que o valor mínimo razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar ser indiferente, por um lado, ao critério de 1 salário mínimo por adulto, e por outro, ao custo de vida do local/país onde aqueles concretamente vivam, afastando a aplicação do salário mínimo nacional (ou de valor equivalente) do correspondente país.

24. É inconstitucional esta norma resultante da interpretação do art.º 239.º, n.º 3, al. b), subalínea i) do CIRE que foi feita pelo Tribunal de Primeira Instância e, por conseguinte, pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito, respetivamente, do despacho e do acórdão recorridos por violação, nomeadamente, do disposto no art.º 1.º da Constituição.

25. Face ao exposto, quer a decisão objeto do recurso de apelação, quer o acórdão objeto do recurso de revista violam as disposições conjugadas dos artigos 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i) do CIRE e 1.º da Constituição, pois não permite que os Reclamantes e o respetivo agregado familiar vejam o seu sustento minimamente condigno assegurado.

26. O valor subjacente ao sustento minimamente digno de um insolvente residente no   Reino   Unido  deve  ter,   pois,  como  limite   mínimo  o  valor   do   salário  mínimo nacional do referido país (independentemente da forma como o mesmo é aferido), porquanto o montante do rendimento a excluir da cessão deve ser fixado por referência ao valor necessário para se viver nesse país.

27. Foi isto que o Tribunal da Relação de Lisboa defendeu no acórdão fundamento: concretizando, por um lado, o valor razoavelmente necessário ao sustento minimamente digno de um insolvente como equivalente a, pelo menos, um salário mínimo nacional por adulto; e, por um lado, conectando o “quantum” do valor razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores e do seu agregado familiar (aferido em função do conceito de “salário mínimo nacional”) ao local (país) onde os mesmos vivem.

28. Entendimento este contraditado pelo Tribunal da Relação de Évora, no acórdão recorrido, que decidiu atribuir 3 salários mínimos portugueses (i.e., pouco mais de 1 salário mínimo nacional do país de residência), a um conjunto de 3 pessoas (2 adultos e 1 menor) que vivem no Reino Unido, ignorando, assim, o critério de 1 salário mínimo do respetivo país de residência por adulto e, ainda que assim não se entendesse, ignorando até a própria Escala de Oxford, pois desconsidera totalmente a existência de mais um adulto e de um menor no âmbito do agregado familiar.”

Os Reclamantes suscitaram, como questão prévia, a nulidade do despacho singular proferido pelo Relator, porquanto este não foi precedido da audição das partes, nos termos do artº 655º, nº 1 do CPC, alegando que tal facto lhes impediu o exercício do contraditório.

Tendo o ora Relator ficado vencido quanto à necessidade do cumprimento prévio do artº 655º, nº 1 do CPC, foi proferido despacho pelo Relator por vencimento, ordenando o seu cumprimento.

Vieram responder os insolventes reiterando a argumentação aduzida na reclamação para a conferência, pugnando pela existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento e pela procedência do recurso.

II- Cumpre decidir

Questão prévia da admissibilidade do recurso

No caso sub judice, a decisão ora em recurso foi proferida no incidente de exoneração do passivo, que é processado nos autos de insolvência, ao qual se aplica a regra especial recursiva prevista no artº 14º, nº 1 do CIRE e não o regime geral previsto no artº 671º e ss. do CPC.[1]

Determina o artigo 14, nº 1 do CIRE que “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”.

Conclui-se assim, que o artigo 14°, nº 1, do CIRE estabelece uma regra de não admissibilidade de recurso para o STJ, em terceiro grau de jurisdição, em litígios respeitantes a decisões relativas ao processo de insolvência desde que tramitadas endogenamente, ou nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência.

 Assim a admissibilidade da revista está dependente da verificação de uma oposição de julgados.

Esta oposição deve ser apreciada segundo critérios idênticos aos adoptados nos restantes recursos de revista que dependem de oposição de julgados, ou seja, nos recursos interpostos ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, als. c) e d), e do artigo 671.º, n.º 2, al. b), do CPC, nos recursos de revista excepcional interpostos ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, al. c),do CPC e nos recursos para uniformização de jurisprudência, interpostos ao abrigo do artigo 688.º, n.º 1, do CPC .

Discorrendo a propósito dos recursos do último tipo, enuncia ABRANTES GERALDES[2] os requisitos fundamentais da contradição de julgados. Destacar-se-ia, de entre eles, com especial interesse para o caso em apreço, os seguintes:

(1) estar em causa uma ou mais questões de direito;

(2) existir uma relação identidade da questão de direito;

(3) a questão de direito em causa ser essencial para o resultado das decisões;

(4) a identidade substantiva do quadro normativo em que se integra a questão de direito; e

(5) existir uma oposição ou contradição frontal entre as decisões.

Verificar-se-á, em suma, oposição de julgados ou contradição jurisprudencial quando – e apenas quando – o Acórdão recorrido estiver em oposição frontal com outro proferido no domínio da mesma legislação que respeite à mesma questão de direito de carácter essencial.

Alegam os recorrentes que o acórdão ora em crise está em manifesta contradição com o proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22/03/2018, no âmbito do processo n.° 24815/15.6T8LSB-2, que juntam como "acórdão fundamento".

Argumentam os recorrentes que “tais acórdãos decidiram de forma divergente a mesma questão fundamental de direito: a conexão entre o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno dos devedores e agregado familiar (aferido em função do conceito de "salário mínimo nacional") e o local (país) de residência dos mesmos, à luz do disposto no art.° 239.°, n.° 3, al. b), subalínea i) do CIRE. Contrariamente ao acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão fundamento, julgou que deveria aplicar-se o "salário mínimo nacional" do país onde os devedores e respetivo agregado familiar concretamente vivem”.

Porém, não assiste razão aos recorrentes já que o acórdão recorrido não está em oposição ou contradição com o “acórdão fundamento”.

Vejamos:

No “acórdão fundamento” fixou-se como rendimento indisponível do insolvente o valor correspondente ao salário mínimo alemão, uma vez que este residia nesse Estado e se encontrava desempregado.

Por sua vez no acórdão recorrido fixou-se como rendimento indisponível o valor correspondente a três salários mínimos nacionais, tendo em conta diversos factores, entre eles a circunstância de os insolventes estarem a viver no Reino Unido, as condições de vida desse País, a suas situações laborais, as despesas e o respectivo agregado familiar.

Ora, não existe qualquer critério legal que determine a fixação do rendimento indisponível por referência ao salário mínimo do respectivo país de residência. O que importa é que a fixação desse rendimento indisponível tenha em linha de conta o valor que seja razoavelmente necessário para “o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” (art. 239/3-b/i do CIRE), ponderação que deve ser feita tendo em conta as concretas possibilidades e necessidades do insolvente.

Como resulta dos autos, o acórdão recorrido efectuou uma ponderação de todos estes factores, designadamente a circunstância de os insolventes residirem no Reino Unido, entendendo que seria adequada a quantia correspondente não a um salário mínimo nacional, mas sim a três salários mínimos nacionais, montante que ultrapassa o valor do salário mínimo fixado naquele País.

O acórdão recorrido não ficou indiferente ao circunstancialismo concretamente apurado quanto à residência, proventos e despesas essenciais dos insolventes e do seu agregado familiar, mantendo inclusivamente a decisão de 1ª instância na parte em que se refere expressamente a revisão do montante logo que estes regressem a Portugal.

Deste modo não existe oposição de acórdãos, mas tão só um diferente modo de concretizar, monetariamente, o mesmo princípio exigido pelo referido artº 239/3-b/i do CIRE, ou seja, o de que a fixação desse rendimento indisponível tenha em linha de conta o valor que seja razoavelmente necessário para “o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”.

Assim, falece o pressuposto da admissibilidade da revista, ou seja, a existência de contradição de julgados quanto à mesma questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o “acórdão fundamento”.

Deste modo, por não se verificarem os requisitos exigidos pelo art. 14.º, n.º 1, do CIRE, que constitui a regra especial de admissibilidade da revista nos processos de insolvência, o recurso não poderá ser admitido.

 

III. Decisão:

Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso, por não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade.

 Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 27 de Outubro de 2020

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Ana Paula Boularot (vencida nos termos da declaração de voto que junto)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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Proc 996/19.9T8STB-B.E1-A.S1

6ª Secção

Declaração de voto.

Voto vencida a tese propugnada no Acórdão pelas seguintes razões:

Nos autos de exoneração do passivo restante a correr por apenso ao processo de insolvência AA e BB, vieram estes recorrer de Revista, nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE, invocando para o efeito a oposição do Acórdão recorrido com um outro produzido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22 de Março de 2018, no âmbito do processo n.° 24815/15.6T8LSB-2, cuja cópia fizeram juntar.

No que à admissibilidade de recursos em sede de processo de insolvência concerne, aplicável, mutatis mutandis, em sede de PER, o artigo 14º, nº1 do CIRE, dispõe especificamente que «No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil [actualmente artigos 686º e 687º do NCPCivil], jurisprudência com ele conforme.».

Temos entendido (esta 6ª secção de comércio) que este nº1 apenas diz respeito ao processo de insolvência a se, o que significa a sua declaração ou não declaração e/ou a oposição à sentença declaratória da mesma.

No que tange aos restantes incidentes e/ou apensos, seguem as regras gerais dos recursos em processo civil, por via do artigo 17º do CIRE, tendo contudo em atenção o disposto nos nºs 2 a 6 daquele artigo 14º.

Ora, o recurso aqui interposto foi em sede de incidente tramitado por apenso, não se subsumindo o mesmo à disciplina do artigo 14º, nº1 do CIRE, mas antes ao regime geral recursório e neste à eventualidade de lhe poder ser aplicável o preceituado no artigo 672º, nº1, alínea c), Revista excepcional por contradição de julgados.

Assim sendo, nos termos do artigo 6º, nº1 do CPCivil, convolaria o recurso interposto para Revista excepcional e remeteria os autos à Formação para a verificação do pressuposto invocado, nos termos do nº3 do normativo supra citado, por ser a competente para o efeito.

A oposição de julados aqui conhecida em sede de Revista normal, para além de não ser a processualmente adequada, viola as competências da Formação a que alude o artigo 672º, nº3 do CPCivil.

(Ana Paula Boularot)


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[1] Neste sentido, Acórdãos do STJ de 24-01-2017, p. 51/14; de 12-07-2018, p. 608/17; de 14-05-2019, p. 12/12; de 11-07-2019, p. 647/17; disponíveis em www.dgsi.pt.

[2] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2018 (5.ª edição), pp. 471-477.