Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
352/08.4TBVRM.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACIDENTE EM PARQUE NATURAL
DEVER DE VIGILÂNCIA DE FILHO MENOR
RELAÇÃO CONTRATUAL DE FACTO
DEVER LATERAL DE PREVENÇÃO DE PERIGO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 493.º, N.º1, 570.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 712.º, N.º6.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 662.º, N.º4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-26/9/13, PROCESSO N.º 7798/09.9T2SNT.L1.S1.
Sumário :
1. Verifica-se incumprimento culposo do dever de vigilância dos pais  sobre o seu filho menor, de 9 anos de idade, ao consentirem-lhe a adopção de um comportamento que não podia deixar razoavelmente de qualificar-se como de risco – ao permitirem que saísse do caminho por onde seguiam, situado em parque natural, descendo vários metros de margem em declive e subindo para cima da rocha inclinada, situada no leito do rio, com os plausíveis riscos de, como efectivamente sucedeu, escorregar e cair , precipitando-se no leito pedregoso do rio - levando a que o seu pai, autocolocando-se, por sua vez, em situação de perigo para o socorrer, viesse a perecer por afogamento.

2. Concorre para tal resultado danoso a omissão culposa  do dever de prevenção do perigo por parte da entidade que explorava turisticamente o parque natural, cobrando os respectivos ingressos, já que a não advertência, clara e impressiva, para os riscos para a integridade física que poderiam decorrer de uma aproximação imponderada ao leito do rio pelos utentes do parque contribuiu para a errónea convicção dos pais de que a sua autorização para o referido comportamento do filho menor não envolvia riscos.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

1. AA, por si e em representação dos seus filhos menores, BB, CC e DD, instaurou acção de condenação, na forma ordinária, contra Empresa das Águas do EE, S.A., pedindo a condenação desta a pagar aos Autores a quantia de € 373.336,00 acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamenta este pedido, em síntese, no facto da ré ser responsável pela manutenção e vigilância do Parque das Termas do …, não tendo a mesma colocado qualquer resguardo ou placa com indicação de perigo no local do rio ... denominado “Poço FF”, que tem dois metros de profundidade e um metro de diâmetro, ali se formando um redemoinho, local onde o marido da autora AA e pai dos restantes autores veio a falecer, por ter escorregado na rocha e caído no poço, onde ficou submerso cerca de 15 minutos - o que, segundo os autores, conduz à responsabilização da ré nos termos do artigo 493º, nº 1, do Código Civil, por violação do dever de prevenção do perigo relacionado com a possibilidade de acesso à área envolvente do denominado “Poço FF”.

A ré contestou, sustentando que o parque se destina exclusivamente a passeio dos visitantes, existindo placas com indicações de proibido pescar e dar banho,e que tem vigilantes, impugnando a factualidade alegada no que tange às circunstâncias em que se deu o acidente e às características do rio no local em causa - defendendo que a conduta da vítima, nomeadamente ao descer até ao leito do rio, é que foi imprudente e esteve na origem da respectiva morte, não se integrando tal conduta numa utilização permitida e normal do parque, sem que o dever de vigilância abranja o risco daí resultante.


A ré requereu ainda a intervenção provocada da GG Seguros, S.A., para quem, segundo alegou, transferiu a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pela exploração de todos os seus estabelecimentos, intervenção que foi admitida como acessória.

Houve réplica, impugnando a autora parte da factualidade alegada pela ré e, embora admitindo que à entrada do parque existe uma placa com indicação de proibição de dar banho, inexiste qualquer placa indicadora do perigo.

Citada, a interveniente veio contestar defendendo, tal como a ré, que o sinistro se ficou a dever a negligência do sinistrado, que saiu do caminho pedonal para aceder ao ribeiro. Mais alegou que o local onde ocorreu o sinistro não está contemplado no contrato de seguro celebrado e que estão excluídos os danos resultantes do não cumprimento de normas legais ou regulamentares.

Notificada, a Ré veio defender que a apólice abrangia todos os riscos do Parque.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido.


2. Inconformados, apelaram os autores, impugnando, desde logo, a matéria de facto fixada em 1ª instância, relativamente à matéria constante da resposta negativa dada aos quesitos 21 e 22 – fixando a Relação, após julgar procedente tal impugnação, o seguinte quadro factual:

A) A ré Empresas das Águas do EE, S.A. é uma sociedade comercial na forma anónima, com sede na Av. …, Lugar do …, freguesia de Vilar da Veiga, concelho de Terras do Bouro, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Terras do Bouro, sob o nº …, e foi constituída por escritura pública de 19.04.1924, lavrada no Cartório do Notário Dr. HH, do Porto - cfr. certidão permanente 1528-2782-6164, disponível em www.portaldaempresa.pt., cujo teor se dá por reproduzido.

B) A ré tem por objecto social a exploração de nascentes das águas do Gerês e actividades turísticas, tendo, nomeadamente, a concessão do Parque das Termas do ... - cfr. certidão permanente.

C) II e AA contraíram, entre si, casamento, em 7 de Março de 1998, dissolvido por óbito do cônjuge marido – cfr. assento de casamento de fls. 25-26.

D) CC nasceu a 19 de Abril de 2002, estando registado como filho de II e AA – cfr. assento de nascimento de fls. 33.

E) DD nasceu a 17 de Outubro de 2003, estando registada como filho de II e AA – cfr. assento de nascimento de fls. 36.

F) BB nasceu a 16 de Junho de 1998, estando registado como filho de II e AA – cfr. assento de nascimento de fls. 29.

G) II, nascido a 6 de Maio de 1971, faleceu a 8 de Junho de 2008, na freguesia de Braga – São José de São Lázaro - cfr. assento de nascimento de fls. 42.

H) AA nasceu no dia 13 de Junho de 1977 – cfr. assento de nascimento de fls. 44.

I) No dia 7 de Junho de 2008, a autora, o marido e o filho BB, ingressaram no Parque das Termas do ..., tendo para o efeito, adquirido bilhetes mediante o respectivo pagamento.

J) O Parque das Termas do ... é atravessado pelo Rio..., que nasce no Parque Natural por onde corre ao longo de muitos quilómetros.

K) A Ré GG Seguros, S.A. declarou assumir a responsabilidade civil por danos materiais e corporais causados a terceiros e decorrentes das actividades afectas à exploração do estabelecimento hoteleiro explorado pela Ré Empresas das Águas do EE, S.A., nos termos do acordo de seguro titulado pela apólice n.º 50/012658, em vigor em 7 de Junho de 2008 – cfr. doc. de fls. 85 e ss. cujo teor se dá por reproduzido.

L) O valor do seguro acordado é de € 500.000,00, tendo sido estipulada uma franquia de 10% dos prejuízos indemnizáveis, no mínimo de € 125,00 em danos materiais.

M) Aquando da Proposta de Seguro Novo, a aqui Ré Empresas das Águas do EE, S.A. identificou como unidades de risco as constantes da Apólice Multi Usos – ... – junta a fls. 98 a 100 e cujo teor se dá por reproduzido, sob a designação NOTA DESCRITIVA DOS BENS DA EMPRESA ÁGUAS DO EE.

N) Do relatório de autópsia realizado ao cadáver de II constam as seguintes conclusões:

«1. Pelos registos clínicos e achados necroscópicos, tudo indica que a morte de II foi consecutiva a afogamento.

2. Considerando a história social recolhida neste GML, tudo indica estarmos em presença de um acidente.

3. O exame histológico revelou lesões de aterosclerose e estenose em cerca de 70% do lúmen, das artérias coronárias.»

O) Cerca das 16 horas do dia referido em I), BB acedeu a uma rocha junto ao local identificado, pelos Autores, como “Poço FF”, com as coordenadas de ponto na margem direita: WGS84 Longitude: - 8.161640; Latitude: 41.732109; Altitude: 378 metros, para ser fotografado pelo pai. (resposta aos nºs 1 e 66).

P) Ao sair da aludida rocha localizada no leito do rio, escorregou e caiu neste, no local referido em O). (resposta aos nºs 2 e 69).

Q) De imediato, o pai deslocou-se na direcção do local onde o filho caíra. (resposta ao nº 3).

R) Nessa ocasião, II escorregou e caiu ao rio no local identificado em O) (resposta aos nºs 5 e 7).

S) A rocha referida em O) apresenta-se com inclinação, no sentido do poço, de cerca de 20 graus com a horizontal. (resposta ao nº 6).

T) No rio, no local identificado em O), existe uma componente vertical, com força significativa, devido à queda livre, em jacto, do caudal fluvial (resposta ao nº 8).

U) O referido II ficou submerso por tempo não concretamente apurado (resposta ao nº 11).

V) A profundidade do leito do rio no local identificado em O) resulta das respectivas características de escoamento e das características geométricas e materiais do leito no trecho imediatamente a jusante (resposta ao nº 12).

X) No local identificado em O), a profundidade é de cerca de 2 metros (resposta ao nº 13).

Z) A componente referida em T) provoca, numa primeira fase, movimento vertical do corpo a ela submetido (resposta ao nº 15).

AA) Em 7 de Junho de 2008, o «Poço FF» não possuía qualquer sinal de sinalização de perigo (resposta ao nº 18).

BB) Ressalvado o infra referido em FF) e GG), em 7 de Junho de 2008, o local referido em O) não possuía proibição de acesso à área envolvente (resposta ao nº 19).

CC) Alguns utentes do parque das Termas do ..., apesar das advertências mencionadas em FF) e GG), descem para o leito do rio para fazerem fotografias (resposta aos nºs 20 e 78).

CC1- II e a autora AA desconheciam que o “Poço FF” apresentava perigo.

CC2- Caso o soubessem não teriam permitido que o BB se colocasse em cima da rocha a que se alude em O).

DD) A Ré, a 7 de Junho de 2008, não tinha colocado qualquer resguardo à volta do «Poço FF» (resposta ao nº 23).

EE) Em Julho de 2008 estava colocada uma rede a impedir o acesso quer ao «Poço FF», quer à zona envolvente onde se encontra a rocha referida em O) (resposta ao nº 24).

FF) Na porta de entrada do parque aludido em I), onde são cobrados os bilhetes, está afixado um placard onde se diz «proibido pescar e dar banho» (resposta ao nº 42).

GG) Dentro do parque há tabuletas em madeira com os avisos «proibido dar banho» (resposta ao nº 43).

HH) O parque tem 19.000 m2 de área (resposta ao nº 44) e possui árvores densas das mais diversas espécies destinadas a proteger as pessoas do calor (resposta ao nº 45).

II) O parque está aberto desde o início de Maio até ao final de Outubro, quando as termas estão em funcionamento (resposta ao nº 46).

JJ) Para além das actividades organizadas pela Ré (arvorismo, barcos, parque infantil, piscina, tiro ao alvo, etc.), o parque destina-se exclusivamente a passeios pelos caminhos existentes (resposta ao nº 47).

LL) Os caminhos pedonais são em terra batida, com cerca de 2 m de largura (resposta ao nº 48).

MM) (…) e situam-se todos a uma cota de 2 a 5 m superior em relação ao leito do rio (resposta ao nº 49).

NN) As margens do rio, ao longo do seu percurso no interior do parque, apresentam, em grande parte da sua extensão, uma configuração em declive (resposta ao nº 50).

OO) (…) e não a pique (resposta ao nº 51).

PP) (…) sendo impossível que alguém caia dos caminhos ao leito do rio (resposta ao nº 52).

QQ) No local referido em O), a margem, por onde o menor BB e II desceram até ao rio, apresenta-se em declive, sendo a diferença de cotas, entre o ponto mais próximo da pedra referida em O), acessível a partir dos caminhos do parque, e a referida pedra, de cerca de 3,4 metros (resposta ao nº 53), com cerca de 4 a 5 m de extensão (resposta ao nº 54), onde existem pedras e pedregulhos que dificultam o acesso e a descida até ao leito do rio (resposta ao nº 55).

RR) O rio atravessa todo o Parque Nacional sem qualquer protecção das margens, quer a montante quer a jusante do parque das Termas do ... (resposta ao nº 56).

SS) Na data referida em O), o rio ... tinha um caudal pequeno (resposta ao nº 58).

TT) Entre os caminhos pedonais e o leito do rio existem pedras e arbustos (resposta ao nº 59).

UU) Para ir até ao leito do rio é preciso descer do caminho, pela margem, com as características mencionadas em QQ), tendo qualquer pessoa de se agarrar à vegetação (resposta ao nº 60) e / ou ir pondo, cautelosamente, os pés para não escorregar (resposta ao nº 61).

VV) No local referido em QQ), verifica-se o mencionado em RR) a UU) (resposta ao nº 62).

XX) O parque das Termas do ... tem normalmente, durante o período de abertura, dois funcionários (resposta ao nº 63).

ZZ) No dia 7 de Junho de 2008, cerca das 16 horas, ao serviço no referido parque, encontrava-se, pelo menos, um funcionário (resposta ao nº 64).

AAA) O BB desceu do caminho, descendo 3 ou 4 metros da margem em declive, para cima da pedra referida em O) e P), junto a uma queda de água (resposta aos nºs 65 e 68).

BBB) O BB desceu até ao leito do rio, para cima do penedo, com autorização e consentimento dos pais. (resposta ao nº 71)

CCC) O BB saiu pelos seus próprios meios e sem qualquer apoio da água (resposta ao nº 73)

DDD) O II não o conseguiu fazer por não saber nadar (resposta ao nº 74) ou por ter sucumbido a uma «congestão/ choque térmico» (resposta ao nº 75).

EEE) II tinha almoçado, algum tempo antes, numa estalagem do ... (resposta ao nº 76).

FFF) Tinha ingerido uma refeição (resposta ao nº 77).

GGG) No local referido em AAA) existe uma queda livre de água, como outras que existem ao longo do rio que atravessa o Parque Nacional JJ, não apresentando o local em causa outros factores de perigo distintos dos jactos que resultam da queda livre da água e das alterações de profundidade devidas à irregularidade do leito, que são comuns às restantes quedas livres de água (resposta ao nº 80).

HHH) No local referido em O) existe uma bacia, com forma arredondada, com um diâmetro entre 2 e 4 metros, que se localiza por baixo da queda de água (resposta aos nºs 83 e 85).

III) A bacia tem ligação com uma outra de dimensões idênticas, separada da primeira por pedras no fundo que diminuem a profundidade (resposta aos nºs 86 e 87).

JJJ) II era o enlevo da mulher e filhos (resposta ao nº 25).

LLL) (…) existia uma forte ligação sentimental entre II, mulher e filhos (resposta ao nº 26).

MMM) (…) sendo forte e recíproca a afeição que mutuamente nutriam (resposta ao nº 27).

NNN) Foi muito sentida a morte de II para os Autores (resposta ao nº 28) e intensa a dor com a perda do seu ente querido (resposta ao nº 28).

OOO) II era pessoa forte e saudável (resposta ao nº 30) e não padecia de qualquer deformidade ou enfermidade (resposta ao nº 31).

PPP) II amava a vida e gostava de brincar com os seus filhos (resposta ao nº 32) era estimado pela família, amigos e vizinhos (resposta ao nº 33).

QQQ) II exercia a profissão de caixeiro, por via da qual auferia a quantia mensal líquida de € 668,50 (resposta ao nº 34).

RRR) Era vontade de II que os seus filhos, identificados de D) a F), tivessem todas as condições materiais para o melhor desempenho académico (resposta ao nº 35) que lhes proporcionasse prosseguirem os estudos até atingiram formação superior (resposta ao nº 36).

 SSS) Com o sustento de cada um dos filhos, identificados de D) a F), II gastava e continuaria a gastar € 100,00 (resposta ao nº 37).

TTT) AA era doméstica (resposta ao nº 38) mas trabalhava 2 horas diárias, em casa de uma senhora idosa, auferindo, por essa via, a quantia mensal de € 50,00 (resposta ao nº 39).

UUU) Era II que contribuía maioritariamente para as despesas do agregado familiar (resposta ao nº 40).

VVV) Sempre que estava em casa dedicava-se à família, não tendo o hábito de frequentar cafés, bares ou ir ao cinema (resposta ao nº 41).

XXX) Após a data referida em O), a entrada do parque das termas faz-se apenas por uma porta, onde está a recepção (resposta ao nº 89) e existe aí um placard informativo do qual constam os regulamentos de utilização do Parque (resposta ao nº 90) visíveis para toda a gente (resposta ao nº 91)

ZZZ) O placard aludido em XXX) prevê os seguintes procedimentos a adoptar:

a) Não se aproxime ou debruce sobre o ribeiro que atravessa o Parque;

b) Não se aproxime ou debruce sobre o lago do Parque;

c) Não atravesse para lá das pedras que demarcam o ribeiro;

d) Não é permitido tomar banho ou pescar no ribeiro ou lago;

e) Não é permitido subir às árvores e trepar muros;

f) Não saia dos trilhos/caminhos (resposta ao nº 92)

AAAA) Do placard mencionado em XXX) consta ainda o seguinte: «Não nos responsabilizamos por eventuais acidentes que possam surgir por desrespeito destas recomendações» (resposta ao nº 93)

BBBB) Do Regulamento de utilização do Parque das Termas constam, designadamente, as seguintes recomendações:

a) Não é permitida a entrada no Parque a menores de 12 anos desacompanhados;

b) Respeite sempre os sinais e sinalizações existentes no Parque;

c) Nunca deixe as crianças desacompanhadas. Tome especial atenção nas zonas de piscinas e no Lago;

d) Não se aproxime ou debruce sobre o Ribeiro existente ao longo do Parque;

e) Não se aproxime ou debruce sobre o Lago existente no Parque;

f) É expressamente proibido nadar no Lago ou no Ribeiro;

g) É expressamente proibido pescar no Lago ou no Ribeiro;

h) Em todas as actividades devem ser cumpridas as regras de segurança que se encontrem afixadas no local (barcos, arvorismo, parque infantil, piscina, tiro ao alvo, etc.… );

i) Não saia dos percursos próprios para passeio (resposta ao nº 94).

CCCC) No Local de Risco constante das Condições Particulares da Apólice aludida em K) consta “conforme doc. anexo ao proc. apólice” e que o referido documento é a Nota Descritiva mencionada em M) (resposta ao nº 96).


3. Passando a apreciar a matéria de direito controvertida no recurso, a Relação, no acórdão recorrido, começou por afastar o enquadramento da matéria litigiosa no campo do art. 493º, nº 1, do CC, por apenas resultar provado ter a ré a concessão do Parque das Termas do..., no qual, é certo, corre o rio..., mas não está demonstrado que lhe coubesse vigiar o rio, condição necessária para fazer funcionar a presunção de culpa do artigo 493º, nº 1 – acrescentando:

Não nos parece, porém, que se possa excluir a existência de responsabilidade contratual no caso em apreço, considerando que ficou provado que no dia 7 de Junho de 2008, a autora, o marido e o filho BB, ingressaram no Parque das Termas do ..., tendo para o efeito, adquirido bilhetes mediante o respectivo pagamento.

Está, pois, provada matéria que permite concluir pela responsabilidade contratual, ou seja, pela quebra do sinalagma correspondente ao pagamento de um preço pela utilização do referido Parque.

É, pois, necessário analisar o âmbito de aplicação do art. 486º, bem como o instituto da causalidade adequada (art. 563º).

Se se concluir que a morte da infeliz vítima resultou de uma omissão da ré, haverá que analisar se aquela morte ocorre, em sede de causalidade adequada, dessa omissão, pois a decisão recorrida refere que o nexo causal foi interrompido pela circunstância extraordinária da vítima não saber nadar e ter permitido, ainda assim, que o filho se colocasse numa situação em que poderia ocorrer uma queda na água, não podendo ignorar que na parcela do rio poderia haver pontos, em particular junto de quedas de água, em que, como naquele efectivamente sucedia, a profundidade poderia constituir um risco para quem não soubesse nadar.

Aquele primeiro normativo – art. 486.º - estatui o seguinte:

«As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.»

Esta norma exige, para além dos demais requisitos da responsabilidade civil, dois requisitos específicos: “1) que exista o dever jurídico da prática do acto omitido; 2) que o acto omitido tivesse, seguramente ou com a maior probabilidade, obstado ao dano”.

Esse dever jurídico pode resultar da lei ou de negócio jurídico; se tal não acontecer não há responsabilidade civil, «mesmo que o acto seja imposto pela moral ou pelos usos ou convenções sociais».

Antunes Varela, depois de analisar a evolução da jurisprudência alemã, a que chama “dever de prevenção do perigo” e de concluir não haver entre nós nenhuma norma genérica que consagre tal princípio, embora ele seja aflorado em várias disposições legais, conclui que se pode afirmar que a nossa lei consagra o princípio geral “segundo o qual a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir danos com ela relacionados”.

Quem frequentava o Parque das Termas do ..., concessionado à ré, tinha acesso à rocha situada no leito do rio, junto ao "Poço FF”, no qual ocorreu o acidente que determinou a morte do marido da autora.

Qualquer pessoa, qualquer criança podia ter acesso àquela rocha, como, no caso dos autos, o filho da vítima, que a ela acedeu com o consentimento da autora e do falecido marido.

O livre acesso ao local em questão gera no utilizador do parque a confiança de que nenhum risco de maior poderá haver em contacto com a dita rocha ali existente, provocado por qualquer distracção, queda, tropeção de pessoas adultas ou, com maior probabilidade, por qualquer irrequieta criança que por ali andasse, o que é comprovado até pelo facto de alguns utentes do parque descerem para o leito do rio para fazerem fotografias, uma vez que na porta de entrada do parque, onde são cobrados os bilhetes, está apenas afixado um placard a dizer «proibido pescar e dar banho» e dentro do parque só haver tabuletas em madeira com os avisos «proibido dar banho».

Daí que tal situação, atenta a profundidade da água (2 metros), era geradora de perigo para quem utilizasse o espaço circundante ao “Poço FF”.

Sendo a ré a entidade concessionária do Parque das Termas do ... e cobrando os ingressos pela utilização do mesmo, impunha-se desde logo que a mesma tivesse visível à entrada do parque o respectivo Regulamento de Utilização, do qual constam vários procedimentos como, por exemplo, “não se aproxime ou debruce sobre o Ribeiro existente ao longo do Parque”, “não se aproxime ou debruce sobre o Lago existente no Parque” e “não saia dos percursos próprios para passeio”.

Tal Regulamento não podia deixar de estar acessível aos utilizadores do Parque, uma vez que se trata de informação da maior relevância para que aqueles pudessem adaptar comportamentos em conformidade com os procedimentos indicados.

Foi isto, aliás, o que passou a verificar-se depois do fatídico acidente a que respeitam os autos, tendo sido colocado à porta de entrada do parque, onde está a recepção, um placard informativo do qual constam os regulamentos de utilização do Parque, visíveis para toda a gente.

Nesse placar, estão previstos os seguintes procedimentos a adoptar:

a) Não se aproxime ou debruce sobre o ribeiro que atravessa o Parque;

b) Não se aproxime ou debruce sobre o lago do Parque;

c) Não atravesse para lá das pedras que demarcam o ribeiro;

d) Não é permitido tomar banho ou pescar no ribeiro ou lago;

e) Não é permitido subir às árvores e trepar muros;

f) Não saia dos trilhos/caminhos.

Na verdade, como dever acessório de conduta à obrigação de permitir a utilização do parque a todos os que adquirem o respectivo bilhete de ingresso, competia contratualmente à ré manter o parque isento de perigos para a saúde e integridade física de todos os frequentadores do mesmo.

E esse dever jurídico da prática do acto omitido – colocação do dito placard à entrada do parque -  obstaria seguramente ou com maior probabilidade ao evento ocorrido porque impediria que a autora e o marido tivessem autorizado o filho a aceder à rocha situada junto ao leito do rio, no “Poço FF”, e toda a sequência de factos que culminaram no acidente que veio a vitimar o marido da autora.

É também este o entendimento de Brandão Proença que defende um “dever genérico de prevenção do perigo”, a que Sinde Monteiro chama “dever de segurança do tráfego”, significando, como ensina Antunes Varela, que “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão”.

Ora, “essa relevância jurídica pode levar a atribuir efeitos jurídicos a uma situação tão-só aparente, ou ficar-se, como sucederá normalmente, por criar a obrigação de indemnização pela frustração das legítimas expectativas”.

Impondo-se à ré o dever de praticar o acto omitido – a única informação existente era a da proibição de dar bano e de pescar - para evitar o acidente e a morte que adveio para o marido da autora, vejamos se em termos de nexo causal é também ela a única responsável por aquela morte.

Ora, o nexo causal entre a omissão da ré e o resultado manifesta-se na adequação dum ao outro, tendo em conta a normalidade de eventos danosos motivados pela ausência, ou insuficiente informação sobre o modo de utilização do parque.

O acesso ao “Poço FF” e à sua zona circundante, no condicionalismo já referido, dá confiança ao seu utilizador de que nada de anormal ali se passará que origine perigos para a saúde ou integridade física, dada a falta de informação à entrada do parque ou de avisos de perigo à sua aproximação.

O facto da vítima não saber nadar, invocado na sentença como circunstância extraordinária que interrompeu o nexo causal, não retira à omissão da ré, salvo melhor juízo, o nexo causal potenciador da morte ocorrida.

Na verdade, a ré não podia deixar de considerar que o parque era frequentado por pessoas que não sabiam nadar, o que aliado à relativa facilidade de acesso ao local em questão e à ausência de qualquer informação à entrada do parque, criava nos utentes deste – e no caso concreto criou na autora e no seu falecido marido – a ideia de que se tratava de um lugar seguro.

….

Poder-se-á dizer que a vítima adoptou, ao descer para junto da rocha existente no leito do rio, junto ao “Poço FF”, uma conduta de auto-colocação em perigo, com aptidão para a produção de um dano como o que efectivamente se produziu, comportamento que revela omissão de adopção de medidas de auto-protecção, em princípio ou objectivamente exigíveis de uma pessoa normalmente prudente e avisada.

Contudo, na imprescindível comparação dessa conduta com a que teria tido uma pessoa medianamente prudente, cuidadosa e conhecedora, naquela concreta situação, há que sopesar, contrapondo-os, a “relação de perigo”, tal como se apresentou naquele momento e (a)normalidade do erro cometido.

….

Acresce e, sobretudo, avulta que a vítima viu ou representou posta em grave perigo a vida do filho menor, agindo no sentido de a salvar, incapaz de, de outra forma, evitar o perigo representado ou o resultado, sendo que lhe devia protecção.

Compreende-se que, tais circunstâncias, levem «o futuro lesado a um comportamento de emergência , não ponderando o risco próprio, mas tornado necessário face ao perigo iminente criado para os seus bens pessoais».

Do mesmo modo se justificará o comportamento destinado a afastar um perigo criado por terceiro, como os actos de socorro praticados em situação de emergência.

A atitude impulsiva ou não reflectida por parte da vítima e a assunção deste risco, quando não ferido de desproporcionalidade, integram comportamentos merecedores, em geral, de um juízo desculpabilizante.

….

Assim, face à matéria de facto provada e ao que acima deixámos dito, entendemos que a não afixação do Regulamento de Utilização do Parque à sua entrada - como passou a estar num placard aí afixado depois do acidente - ou a ausência de aviso no local do acidente a informar sobre a altura da água no local, é de todo adequado ao evento e ao resultado verificado, tendo em conta a situação concreta aqui apreciada ou, como ensina A. Varela, tendo em conta o “processo factual que, em concreto, conduziu ao dano”.

E foi essa a única razão pela qual a vítima veio a falecer porque se a ré tivesse exposto o Regulamento de Utilização do Parque no qual se adverte, nomeadamente, os utentes para não saírem dos caminhos/trilhos ou colocado um aviso no “Poço FF” a informar da profundidade da água, a autora e a infeliz vítima, não teriam autorizado o filho a deslocar-se até à rocha ali existente para ser fotografado, ou se o fizessem, não haveria qualquer responsabilidade por parte da ré.

Foi, pois, essa omissão a causa da morte do marido da autora, o que não teria acontecido se a ré tivesse agido em conformidade com o descrito: informando os utentes do parque dos procedimentos a adoptar na visita, através da afixação do respectivo Regulamento de Utilização ou, pelo menos, colocando um aviso alertando para a profundidade da água no local.


Passando, de seguida, a pronunciar-se sobre o montante da indemnização a atribuir aos AA., o acórdão recorrido fixou-os em € 276.000,00 ( -sendo € 70.000,00 a título de danos não patrimoniais, € 60.000,00 pelo dano morte e € 146.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos com a perda de rendimentos causados com a morte do marido e pai dos autores – condenando a R. a satisfazer tal montante, na parcial procedência do recurso de apelação.


4. Inconformada, interpôs a sociedade/R. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões ( sustentadas e desenvolvidas ainda pelo douto parecer junto a fls.1118/ 1206 dos autos):

41.1.  - Apesar de o Supremo Tribunal de Justiça ser um Tribunal de Revista a quem compete decidir, por princípio, apenas questões de direito, tem constituído entendimento unânime de que é lícito a este Tribunal "sindicar o bom ou mau uso pelo Tribunal da Relação dos poderes previstos nos n°s 1 a 4 do artigo 712 do Código de Processo Civil a que corresponde o artigo 662° do actual Código - ver, nesse sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2006, in Colectânea de Jurisprudência do STJ n.° 189, tomo 1/2006.

41.2. - Muito embora, o Supremo Tribunal de Justiça seja um tribunal de revista, em face de as alterações às respostas estarem em contradição com os demais actos provados, afigura-se que se trata de uma situação em que existe o poder/dever de sindicar o exercício, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da matéria de facto, pelo que

41.3. - Pelas razões e motivos indicados nas secções 39.2 a 39.9 das presentes alegações que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, deve a alteração das respostas aos n°s 21° e 22° da base instrutória, efectuada pelo Acórdão recorrido, ser dada sem efeito e,  consequentemente, os factos controvertidos em causa continuarem a ser declarados não provados, tal como a Ia instância determinou.

41.4. - A recorrente não tinha qualquer dever de prevenção do perigo, pois tal não resulta de qualquer dever legal ou contratual;

41.5. - O rio é propriedade pública, atravessa o parque, e a recorrente não desenvolve nele qualquer espécie de actividade que crie qualquer risco ou perigo - alínea J) da matéria assente e resposta ao n° 56 da base instrutória;

41.6. - A recorrente também não mantém o rio porque o mesmo não lhe está concessionado (nem isso foi alegado pelos autores), não sendo, pelo facto de se pagar um bilhete de ingresso no parque que se poderá concluir que a ré passa a estar obrigada a prever condutas imprevidentes e inesperadas de deslocação para o leito do rio, por quem ingressa no parque, pois no local não existia qualquer risco acrescido ou imprevisto agravado em relação ao risco e ao perigo que o leito do rio, onde existe uma queda de água, oferece - ver respostas aos n.°s 1.°, 2.°, 12.°, 65.° e 80 da base instrutória;

41.7. - A margem por onde o BB desceu, até ao rio, apresenta-se em declive, sendo a diferença de cotas entre o ponto mais próximo dos caminhos do parque por onde o BB acedeu e a referida pedra, localizada no leito, de cerca de 3 a 4 metros - ver respostas aos n°s 1, 2° e 54° da base instrutória.

41.8. - Dos caminhos pedonais do Parque, em terra batida, até à pedra situada no leito do rio, distam cerca de 4 a 5 metros de comprimento - ver resposta ao n° 54 da base instrutória;

41.9. - O acesso à pedra, situada no leito do rio, é em declive dificultado pela existência de pedras e pedregulhos, de tal modo que, para descer do caminho para a margem do rio, as pessoas têm que se agarrar à vegetação e de ir pondo os pés, cautelosamente, para não escorregarem - ver respostas aos n°s 59, 60, 61 e 62 da base instrutória;

41.10. - A vítima permitiu que o filho descesse dos caminhos pedonais em terra batida para uma pedra situada no leito do rio, para onde também se deslocou, para tirar fotografias, sabendo que não sabia nadar e que tinha almoçado pouco tempo antes - respostas aos n°s 2, 69 e 73, 74, 75 e 76 da base instrutória;

41.11. - A vítima desceu dos caminhos pedonais para o rio apesar de existirem avisos, na entrada do parque e espalhados pelo mesmo a dizer que é proibido "dar banho" - respostas aos n°s 42 e 43 da base instrutória;

41.12. - Dos caminhos pedonais é impossível cair ao rio - resposta ao n° 52° da base instrutória;

41.13. - O parque destina-se exclusivamente a passeios pelos caminhos pedonais existentes em terra batida e com cerca de dois metros de largura - resposta aos n°s 45, 47 e 48 da base instrutória;

41.14. - Mesmo que houvesse um perigo diferente do que decorre de existir um rio no local, não era exigível de acordo com os padrões do comportamento do "bom pai de família" que a recorrente tivesse adoptado outra conduta, uma vez que é do conhecimento de qualquer pessoa que os leitos dos rios têm profundidades diversas e que se demonstrou que quem soubesse nadar, sairia facilmente do local, como a criança saiu - resposta ao n° 73 da base instrutória;

41.15. - Além de a conduta da recorrente não ser censurável em termos de culpa, acresce que no caso concreto sempre inexistiria também falta de nexo de causalidade, uma vez que o evento não decorreu do facto de não se ter provado que existia um aviso a dar conta de que o rio podia ter profundidades diversas, mas da circunstância de a vítima não saber nadar ou ter sucumbido a um choque térmico - ver respostas aos factos controvertidos 74 e 75;

41.16. - Independentemente de não ter existido culpa da recorrente, nem se verificar o pressuposto do nexo de causalidade, acresce que o evento se deveu à culpa exclusiva do lesado dado o risco a que, consciente e deliberadamente, se expôs ao descer para o leito do rio, depois de ter tomado uma refeição e ciente de que não satã nadar, o que sempre excluiria a obrigação de indemnizar (artigos 487° n°s 1 e 2, 486° e 570° n°s 1 e 2 do Código Civil).

41.17. - A ré tinha placas na entrada do parque e espalhadas por este onde se dizia que era " proibido dar banho", o que qualquer pessoa interpreta como uma advertência para não ir para o leito do rio, muito mais quando não sabe nadar - ver respostas aos n°s 42 e 43 da base instrutória.

41.18. - Não pode, portanto, ser imputada à ré qualquer conduta omissiva passível de a responsabilizar pelo que sucedeu ao marido da autora.

41.19. - Não era exigível à ré uma conduta diferente, de acordo com o padrão de comportamento exigível ao "bónus pater famílias" não tendo o preceituado no artigo 486° do Código Civil aplicação à situação dos autos.

41.20. - Ao contrário do que o Acórdão recorrido sustenta, a presunção de culpa prevista no artigo 799° n° 1 do Código Civil também não é aplicável à situação "sub judice", uma vez que, com o pagamento do bilhete para ingresso no parque, não se formou nenhum contrato que fizesse nascer na esfera jurídica da recorrente o dever de impedir o acesso ao rio, pois está em causa um curso de água do domínio público sobre o qual a E.A.G. não tem, nem pode ter, jurisdição, por não lhe estar concessionado e que esta não usa para qualquer finalidade: o evento ocorreu no rio apenas devido ao facto de a vítima ter, imprudentemente, descido para o seu leito.

41.21. - O acesso ao local era extremamente difícil (ver respostas aos n°s 59, 60, 61 e 62 e 52 da base instrutória) e o mesmo não oferecia - repete-se - um perigo diferente do que oferece um qualquer rio (ver respostas aos n°s 65 e 80 da base instrutória).

41.22. - Ora, quem decide ir para o meio do leito de um rio, onde existem avisos de que é proibido "dar banho", tem consciência do risco que está assumir.

41.23. - A ré não estava obrigada a prevenir tal comportamento, como não está obrigada a precaver outras situações óbvias, como, por exemplo, a de impedir que os utentes subam às árvores e se precipitem delas abaixo ou a de evitar que as pessoas escorreguem pela encosta se tentarem descer para o rio pela "ribanceira" que o margina.

41.24. - O facto de se ter pago um bilhete para passear num parque não pode constituir uma espécie de "salvo conduto" de transferência do risco de condutas imprevidentes para terceiros, tanto mais que não se provou que a recorrente tivesse, apesar disso ser expectável para qualquer pessoa, sequer conhecimento efectivo da existência naquele preciso local de uma maior profundidade do leito do rio.

41.25. - Ora, se se adverte alguém que não pode dar banho isso só pode ser interpretado, por qualquer pessoa por mais incapaz que seja de apreender o conteúdo de uma declaração, no sentido de que não se deve deslocar para o meio do leito do rio.

41.26. - Advertência, de resto, desnecessária, porquanto o leito do rio é algo que todas as pessoas, sem excepção, têm conhecimento oferecer perigos.

41.27.  - Ao contrário do que o acórdão recorrido entendeu, não existia no local, qualquer perigo oculto, pois não se provou a existência de quaisquer correntes descendentes (vulgo redemoinhos), antes tendo ficado demonstrado que qualquer pessoa que soubesse nadar teria saído do local com facilidade, conforme sucedeu com a criança.

41.28. - Conforme se demonstrou nas secções 28 a 35 das presentes alegações, algumas das conclusões de direito do acórdão recorrido, fundamentam-se em pressupostos que não têm correspondência com os factos que se provaram.

41.29. - Assim, ao contrário do sustentado pela decisão recorrida:

• No local não existe nenhum perigo oculto;

• A pedra de onde a criança e a vítima escorregaram ficava localizada em pleno leito do rio e não na sua margem;

• O facto de a recorrente não ter logrado provar que as condições constantes do regulamento de utilização do parque estavam afixadas em local visível no dia do acidente não significa que isso não fosse verdade, pois do facto de se ter apenas provado que o regulamento estava afixado depois do dia do acidente, quando foi feita a peritagem pela seguradora, não quer dizer que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que não estivesse anteriormente;

• A dita rocha para onde a criança desceu não era de livre acesso muito menos de acesso fácil;

41.30. - A recorrente não praticou nenhuma conduta omissiva, pois não estava obrigado por lei ou por contrato a advertir a vítima de que o rio pode ter profundidades diversas.

41.31. - A recorrente não exerce qualquer actividade no rio, não tem a concessão do mesmo nem desenvolve nele qualquer actividade que crie risco ou perigo.

41.31. - E isto demais a mais quando isso era reconhecível e cognoscível para qualquer pessoa em face de no local existir uma queda de água.

41.32. - A probabilidade de isso suceder num rio é quase inevitável, conhecimento que todas as pessoas possuem.

41.33. - Não existia no local nenhum risco acrescido em relação ao que oferece qualquer rio.

41.34. - O dever de prevenção do perigo só pode existir em relação às fontes de perigo com que os lesados não podem contar.

41.35. - A causa do evento que vitimou o infeliz II foi exclusivamente a sua imprevidência ao descer juntamente com o filho para o leito do rio, depois do almoço e sem saber nadar.

41.36. - Ao concluir de modo diverso, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 486° e 487° do Código Civil.

41.37. - Pelas razões aduzidas, é manifesto que, além de não ter existido qualquer omissão da recorrente pelo sucedido, nem culpa, se está perante um manifesto caso de culpa do lesado que sempre excluiria a obrigação de indemnizar - artigo 570.° do Código Civil.

Sem prescindir, apenas para a hipótese de improcederem as conclusões anteriores

41.38. - Os montantes indemnizatórios arbitrados são, em termos absolutos, manifestamente exagerados tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

41.39. - Os montantes atribuídos a título de danos morais e a título do dano não patrimonial da perda do direito à vida, contrariamente ao referido no Acórdão recorrido, encontram-se desfasados da realidade e do que tem vindo a ser fixado pela jurisprudência.

41.40. - No que diz respeito à indemnização arbitrada aos autores a título de danos futuros (alimentos), a mesma é, de igual modo, e pelas razões expressas nas secções 40.3 a 40.4 das presentes alegações, exagerada.

41.41. - Ao que se referiu nas conclusões anteriores, acresce ainda o seguinte.

41.42. - No Acórdão recorrido é expressamente referido que "as circunstâncias do acidente (...) conduziram a atribuir a culpa exclusiva à ré e revelam uma culpa leve, dado estar em causa um dever acessório consubstanciado no denominado "dever genérico de prevenção do perigo".

41.43. - A conclusão que a culpa da recorrente foi uma culpa leve justificaria plenamente que os montantes arbitrados fossem atenuados de forma significativa, ou seja, para menos de 1/3 dos valores fixados - artigo 494.° do Código Civil.

41.44. - Para além disso, o Acórdão recorrido reconheceu, também expressamente, que o marido da autora se colocou numa situação de perigo, conforme se passa a transcrever: Poder-se-á dizer que a vítima adoptou, ao descer para junto da rocha existente no leito do rio, junto ao "Poço FF", uma conduta de auto-colocação em perigo, com aptidão para a produção de um dano como o que efectivamente se produziu, comportamento que revela omissão de adopção de medidas de auto-protecção, em princípio ou objectivamente exigíveis de uma pessoa normalmente prudente e avisada.

41.45. - Ao admitir-se que o "comportamento do marido da autora revela omissão de medidas de auto-protecção, em princípio ou objectivamente exigíveis de uma pessoa normalmente prudente e avisada" está a admitir-se que o comportamento do marido da autora "concorreu para a produção do dano" - artigo 570.° do Código Civil.

41.46. - Nestes casos, e conforme decorre do artigo 570.° do Código Civil, o tribunal deve determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultem, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída".

41.47. - O que o Acórdão recorrido não fez e deveria ter feito.

41.48. - Em suma: a circunstância de o acórdão ter concluído (conclusão VI do sumário) que o resultado não foi uma consequência exclusiva do facto omitido postularia que o montante da indemnização fosse reduzido ou até excluído, uma vez que a omissão da recorrente - a admitir-se ter existido - só muito residualmente teria concorrido para o resultado, tal como o determina o disposto no artigo 570° do Código de Processo Civil.

41.49. - Aliás, tendo o acórdão recorrido entendido que a fonte da obrigação de indemnizar era contratual e tendo aplicado a presunção de culpa prevista no artigo 799.° n° 1 do Código Civil, sempre seria inequívoco que o dever de indemnizar deveria ser excluído, uma vez que o acórdão recorrido admitiu a existência de culpa do lesado - artigo 570° n° 2 do Código Civil.

41.50. - Decidindo, como decidiu, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 486.°, 487.°, 496.°, 562.°, 564.°, 494.° e 570.° n°s 1 e 2 do Código Civil, só sendo inteligível a condenação proferida à luz de uma visão “assistencialista" da   responsabilidade  civil, tributária da jurisprudência sentimental de que falava o Professor Manuel de Andrade, mas que, no caso concreto, ignorou as consequências da condenação para a subsistência de uma pequena empresa, como é a recorrente ao obrigá-la a pagar uma indemnização de valor equivalente a cerca de metade da sua facturação anual.

41.51. - A recorrente lamenta o que sucedeu ao infeliz HH e as consequências do sucedido para a família e em particular os filhos menores, mas está perfeitamente persuadida que não é em nada responsável pelo ocorrido que só foi possível pela enorme imprevidência da vítima.


Termos em que, pelas razões aduzidas, deve a Acórdão recorrido ser revogado, e julgada a acção improcedente e não provada, absolvendo-se a recorrente do pedido, conforme é de inteira

JUSTIÇA!!!


Os AA. recorreram subordinadamente, pugnando pela ampliação dos valores indemnizatórios arbitrados, sustentando que o montante dos danos não patrimoniais a arbitrar aos menores deveria ser fixado em €30.000 para cada filho e pretendendo que a indemnização decorrente da perda do direito à vida deveria ser fixada em €70.000,00

Os recorridos pugnam, na contra alegação apresentada, pela manutenção da solução alcançada no acórdão recorrido – questionando a recorrente a elevação dos montantes indemnizatórios sustentada no recurso subordinado.


5. Na sequência de impugnação deduzida contra a matéria de facto, a Relação considerou provada a matéria que constava dos arts. 21º e 22º da base instrutória –deixando, assim, assente que os pais do menor desconheciam que oferecia perigo o local onde ocorreu o acidente fatal, sendo certo que, caso o soubessem, não teriam permitido que aquele se colocasse em cima da rocha ali existente.

A sociedade/recorrente insurge-se contra tal alteração do quadro factual subjacente ao litígio, pretendendo que, neste recurso de revista, se altere a resposta dada pela Relação a tais pontos da base instrutória.

É, porém, manifesta a inviabilidade de tal pretensão, por não ser possível sindicar num recurso de revista – circunscrito à dirimição de questões de direito – a apreciação que a Relação, ao exercer os seus poderes cognitivos sobre a matéria de facto impugnada na apelação, fez de provas sujeitas à livre apreciação do julgador: na verdade, a referida alteração daqueles pontos da matéria de facto decorreu inteiramente da reapreciação dos depoimentos prestados em audiência por diversas testemunhas, bem como de ilações/presunções naturais tiradas pela Relação com base na factualidade directamente provada – ou seja, de meios probatórios manifestamente sujeitos à regra da livre apreciação e, portanto, insindicáveis no âmbito de um recurso de revista.

Esta asserção encontra, aliás, fundamento expresso e directo na lei de processo, constando ( desde 1999) do nº6 do art. 712º do CPC, ao prescrever que das decisões da Relação, consubstanciadas no exercício sobre a concreta e casuística matéria de facto do duplo grau de jurisdição, previstas nos anteriores números desse preceito, não cabe recurso para o STJ; saliente-se que tal regime, delimitador do âmbito possível das questões susceptíveis de integrarem o objecto de um recurso de revista, transitou para o actual CPC, constando do nº4 do art. 662º.

Não é, deste modo, possível alterar as respostas a determinados pontos da matéria de facto, com fundamento em incorrecta valoração pela Relação de meios de prova situados no perímetro da livre apreciação pelas instâncias – não competindo obviamente ao Supremo sindicar um alegado erro de julgamento, incidente sobre a reapreciação de tais meios probatórios – o que implica que o quadro factual relevante para dirimir o presente litígio é o que decorre da matéria de facto definitivamente fixada pela Relação.

Saliente-se, todavia, desde já, que isto apenas significa que – no plano estritamente factual – se tem de considerar provado que os pais do menor ignoravam que o local onde se verificou o acidente apresentava perigo, sendo com base nessa sua convicção psicológica que autorizaram que o menor subisse para a pedra em questão, situada no leito do rio, despoletando com isso o processo causal que acabou por conduzir à morte do marido da A., ao tentar realizar uma manobra de salvamento do filho de ambos: questão diversa - e essa já situada no plano normativo – é a que se traduz em saber se essa sua convicção psicológica era fundada, razoável e adequada ou, se, pelo contrário, assentava num erro culposo de avaliação que lhes fosse imputável, perante uma apreciação ponderada das circunstâncias envolventes, feita por um bonus pater famílias, colocado nas circunstâncias do caso.

Ou seja: saber se ocorreu ou não um erro culposo de avaliação dos perigos a que sujeitavam o seu filho (e todos os que tentassem socorre-lo), ao consentir no comportamento em questão é questão que transcende o plano da definição do quadro factual do litígio, tendo já a ver com a determinação de uma  possível culpa no (in)cumprimento do dever de vigilância que lhes incumbia quanto ao menor e nos reflexos que um juízo de inadequação ou de censura poderá ter no estabelecimento de um mecanismo de concorrência de culpas do próprio lesado na produção do resultado danoso.

Ora, no caso dos autos, ponderada adequadamente toda a factualidade provada, considera-se ter existido um incumprimento culposo do dever de vigilância dos pais – e, portanto do próprio lesado – sobre o seu filho menor, de 9 anos de idade, ao consentirem-lhe a adopção de um comportamento que não podia deixar de qualificar-se como de risco – ao permitirem-lhe que saísse do caminho por onde seguiam, descendo vários metros de margem em declive e subindo para cima da rocha inclinada, situada no leito do rio, com os plausíveis riscos de, como sucedeu, escorregar e cair , precipitando-se no leito pedregoso do rio, com os perigos inerentes, que não podiam razoavelmente ignorar, apesar de inexistir sinalização específica no local.

      Saliente-se que, como acentua o acórdão recorrido, o que pode censurar-se ao lesado foi o acto inicial que despoletou ter dado o processo causal determinante do acidente mortal, ou seja, o consentimento e autorização  para o filho menor se colocar numa situação que envolvia inelutavelmente uma margem de risco, que não podia desconhecer, face às características físicas do local : já não pode censurar-se o facto de – consumado esse risco com a queda do menor – se ter o próprio lesado auto-colocado, por sua vez, em perigo, tentando, em manobra de salvamento, socorrê-lo, sem adequada ponderação dos riscos a que, por sua vez, também se sujeitava ( desde logo, por não saber nadar) ; na realidade, tal imponderação dos riscos a que pessoalmente se expunha não é passível de censura, merecendo um juízo desculpabilizante, por envolver um comportamento assumido em situação de emergência, visando cumprir a todo o custo o dever de socorro relativamente a um filho menor, colocado por acto anterior negligente  do próprio lesado ( o consentimento e autorização para o menor se dirigir para a rocha escorregadia  situada no leito do rio) em situação de perigo.

        Tem, deste modo, de concluir-se que, na génese do acidente mortal que originou a presente acção de indemnização, se situa uma omissão culposa do dever de vigilância do filho menor, consentindo-lhe a colocação numa situação cujos riscos, manifestos face a uma  simples observação das características físicas do local, não podia razoavelmente ignorar, se tivesse agido com a diligência devida: e, deste modo, a convicção psicológica de que o local não oferecia qualquer perigo assentou manifestamente numa deficiente  e censurável  avaliação, envolvendo incumprimento culposo do dever de vigilância do filho menor a que estava vinculado.

        Por outro lado, não oferece dúvida que essa originária violação do dever de vigilância se configura como causal do sinistro, já que foi ela que esteve na génese da cadeia de acontecimentos e comportamentos que culminaram no acidente mortal, decorrente de o lesado ter tido necessidade de - para socorrer o menor colocado numa situação de risco iminente – se ter ele próprio colocado em perigo efectivo, consumado no afogamento do próprio lesado ao tentar socorrer o filho menor.


6. Importa ainda apurar se terá ocorrido – em concorrência com o incumprimento pelo lesado do dever de vigilância do filho menor – alguma omissão culposa de deveres de prevenção do perigo que recaíssem sobre a sociedade/R., enquanto concessionária do parque natural, que pudesse ter também concorrido causalmente para a produção do sinistro.               

No caso dos autos, a responsabilidade imputável, a esse título, à entidade demandada não pode efectivamente fundar-se na norma constante do nº1 do art. 493º do CC, já que não está demonstrado que a R. tivesse qualquer dever de vigilância do curso de água onde se verificou o acidente mortal, não incluído no âmbito da concessão a coberto da qual procede à exploração, para fins turísticos, do parque natural atravessado pelo referido rio.

Não merece, por outro lado, censura a via seguida fundamentalmente no acórdão recorrido, traduzida em enquadrar a possível responsabilidade da R. no plano da responsabilidade contratual, já que os interessados haviam ingressado no parque mediante a aquisição de bilhetes –o que permite configurar a existência entre as partes, pelo menos, de uma relação contratual de facto, destinada a possibilitar ao público a fruição, mediante o pagamento do preço estipulado, do parque natural  - concessionado à R. e por esta utilizado para fins de exploração turística.

Poderá fundar-se nessa relação contratual informal a existência de um dever específico de prevenção do perigo – lateral ou acessório relativamente ao núcleo essencial dessa relação contratual, envolvendo a fruição do parque natural pelo público, mediante o pagamento do ingresso devido?

Qual o seu concreto conteúdo? Envolve, nomeadamente, tal dever de prevenção a obrigação de vedar o acesso ao local onde ocorreu o acidente ou satisfaz-se antes com a simples sinalização dos perigos possíveis, advertindo de forma clara os utentes dos riscos decorrentes de se aproximarem ou penetrarem no curso de água que atravessa o parque concessionado? E poderá considerar-se tal dever acessório de prevenção adequadamente cumprido através das mensagens existentes, de que era proibido dar banho?

Saliente-se que grande parte dos casos que a doutrina vem configurando como de responsabilidade contratual pela violação de um dever lateral de protecção da integridade pessoal de um dos contraentes tem precisamente a ver com a existência de perigos específicos das instalações ou locais onde o contrato irá ser executado, visando a respectiva previsão alcançar uma tutela acrescida da integridade do contraente mais vulnerável aos riscos da empresa da contraparte: é o que sucede com a obrigação de um dos contraentes de – para tutela da integridade do utente/consumidor – assegurar as providências adequadas à segurança do estabelecimento que utiliza na prossecução da sua actividade, em que se insere a relação contratual em causa, ou dos instrumentos, dotados de particular perigosidade, que utiliza para cumprir da prestação principal a que se vinculou ( ex.: danos causados em utentes de transportes públicos , decorrentes de riscos específicos do cais de embarque : veja-se o acórdão de 26/9/13, proferido pelo STJ no P. 7798/09.9T2SNT.L1.S1, em que se aborda a problemática da responsabilidade da empresa ferroviária perante o consumidor/utente daquele serviço público).

O mesmo ocorre nos casos em que a execução do contrato implica para uma das partes o domínio de facto sobre determinada coisa, ficando, consequentemente, a parte particularmente obrigada à respectiva guarda onerada com especiais deveres respeitantes à prevenção de danos, quer na própria coisa, objecto do contrato, quer na esfera de todos os que com ela possam vir a contactar.

       Como é evidente, a identificação e determinação do conteúdo destes deveres laterais de protecção, fundados no princípio da boa fé e cuja violação envolve responsabilidade contratual, tem de fazer-se autonomamente, não podendo – porque situados no plano da ilicitude ou do incumprimento do contrato – inferir-se da presunção de culpa, estabelecida pelo CC no âmbito da responsabilidade contratual: é, pois, indispensável que da concreta funcionalidade do contrato e das prestações que lhe são próprias se possa inferir a existência de um específico dever de prevenção e protecção quanto a determinados riscos de um dos contraentes, em densificação ou concretização da cláusula geral da boa fé.

         Perante a especificidade do caso dos autos e as prestações que decorriam da relação contratual informal celebrada entre a empresa R., como concessionária de um parque natural, e os respectivos utilizadores, considera-se que incumbia efectivamente àquela um específico dever lateral de prevenção, visando evitar a ocorrência de acidentes que pudessem afectar a integridade física dos utentes e que decorressem, não de um risco particular e agravado criado com a exploração turística do parque, desenvolvida pela R. em seu benefício, mas do próprio relevo natural do parque, decorrente, desde logo, de este ser atravessado por um rio de montanha de leito naturalmente acidentado e irregular.

Tal dever de protecção não envolvia, porém, a vedação do local onde ocorreu o acidente mortal, como pretendiam os AA., já que – perante a matéria de facto fixada - tal local não envolvia factores de perigo distintos dos que são comuns a muitos outros locais, onde se verificam quedas de água e alterações de profundidade das águas : ora, não existindo no local perigos particulares e agravados, tal dever de resguardo e vedação teria de levar, em última análise, à integral vedação do leito do rio, o que se revelaria, além de claramente desproporcionado ao perigo de queda a prevenir, manifestamente incompatível com a própria fisionomia de um parque natural…

Entende-se, porém, que sobre a R. recaia um dever de advertência clara aos utentes dos perigos para a integridade física, decorrentes de uma inconsiderada aproximação ao irregular leito do rio : e tal dever de aviso, para ser eficaz, teria naturalmente de ser formalizado de forma clara e impressiva – sendo precisamente por isso que se considera insuficiente a mera advertência de que era proibido dar banho: na verdade, este aviso podia perfeitamente ser interpretado pelos utentes, não propriamente como advertência dos perigos para a sua integridade física que poderiam decorrer da aproximação do leito do rio, mas antes como uma proibição ditada por motivos ecológicos, visando a preservação do próprio curso de água de uma inadequada intromissão humana…

E não obsta à existência deste dever de prevenção, por um lado, o facto de a R. não ter um especial dever de guarda do rio que atravessa o parque concessionado: a circunstância de tal curso de água se situar fisicamente na área do parque , sendo confinante com os caminhos nele existentes, justifica, sem mais, a imposição à R. deste dever de prevenção dos perigos que podem decorrer de uma inconsiderada aproximação de curso de água com as características descritas na matéria de facto; tal como não preclude essa obrigação de prevenção a circunstância de, em princípio, para um utente atento, diligente e esclarecido, esses perigos serem perceptíveis - não podendo olvidar-se que muitos dos utilizadores do parque, há muito inseridos em ambiente urbano, poderiam não ter consciência clara dos riscos inelutavelmente decorrentes do contacto humano com o relevo natural e acidentado de um parque situado em zona montanhosa…

Ou seja: a circunstância de, como se referiu anteriormente, os pais do menor, se agissem com a diligência devida, se deverem ter apercebido dos riscos criados com a autorização dada para que o seu filho se deslocasse para rocha escorregadia, situada no leito do curso de água, não implica que sobre a R. não recaísse também um especial dever de prevenção e advertência do perigo, suprindo por essa forma uma possível inconsideração ou ligeireza dos utentes, realçando os riscos que poderiam decorrer de determinadas condutas temerárias; e, no caso dos autos, face à matéria de facto fixada pelas instâncias, esse dever de prevenção poderia, se tivesse sido adequadamente cumprido, ter prevenido o evento danoso – já que este teve na sua génese uma situação de confiança psicológica do lesado na inexistência de perigos no local onde se verificou o acidente.

É esta, aliás, a razão que nos leva fundamentalmente a considerar causalmente adequada a omissão do cumprimento do referido dever de prevenção do perigo, já que não pode excluir-se que uma impressiva e clara advertência dos perigos que poderiam resultar de uma imponderada aproximação e contacto com a zona do  leito do rio (por menor de 9 anos de idade) poderia ter obstado à criação da situação de confiança psicológica retratada nos quesitos 21 e 22 - determinando tal advertência clara do perigo a recusa do consentimento e autorização para o comportamento de risco que, em última análise, esteve na génese do acidente…


            7. Considera-se, assim, que – pelos fundamentos apontados – ocorreu uma efectiva concorrência de causas e de culpas na produção do resultado danoso verificado, sendo este resultado decorrente, quer da violação do dever de guarda e vigilância do menor pelos pais, incluindo naturalmente o lesado,  quer do insuficiente cumprimento do dever de prevenção dos perigos que resultavam da particular fisionomia do leito do curso de água que confinava com o parque natural, concessionado e explorado turisticamente, com fins lucrativos,  pela R.

E, passando a graduar tais culpas, considera-se que assume, no caso concreto, um maior relevo a omissão do dever de vigilância do menor, por ser perceptível, por quem actuasse com a diligência devida, o risco decorrente do comportamento que lhe foi autorizado e consentido, ainda que na errónea convicção de que dele não decorreriam quaisquer perigos; não pode, porém, nas concretas circunstâncias do caso e perante a factualidade provada, deixar de conferir-se igualmente relevo à conduta omissiva da R., ao não cumprir adequadamente o dever lateral e acessório de impressiva e clara advertência aos utentes do parque, no âmbito da relação contratual informal com eles celebrada, dos perigos que poderiam decorrer de uma imponderada aproximação ao rio que confinava com o parque natural concessionado – contribuindo tal omissão culposa para a errónea convicção dos pais acerca da inexistência de perigos relevantes na conduta que consentiram ao menor, seu filho.

Daí que se entenda, face às circunstâncias do caso, que deve ser atribuído ao incumprimento do dever de vigilância do menor uma percentagem de 60% na produção do evento danoso, recaindo os restantes 40% sobre a sociedade/R.

Não se vê, por outro lado, qualquer fundamento para pôr em causa os valores indemnizatórios atribuídos aos AA. no acórdão recorrido, como ressarcimento e compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais por eles sofridos– não se vislumbrando qualquer razão para os considerar, face aos padrões jurisprudenciais correntes , excessivos, como sustenta a R.; tal como se não vê motivo bastante para alterar o juízo equitativo, formulado pela Relação, no que se refere aos danos não patrimoniais sofridos pessoalmente pelos menores com o decesso do seu pai, alterando-se, porém, para o valor de €70.000,00 a compensação devida pela privação do direito à vida, por se considerar tal montante mais adequado aos padrões jurisprudenciais correntes, procedendo, nessa parte, o recurso subordinado.


Pelas razões atrás apontadas, o valor indemnizatório globalmente arbitrado aos AA. ( €286.000,00) terá de ser reduzido na percentagem (60%) que atrás se estabeleceu como representando culpa do lesado na produção do resultado danoso. E, assim, por força do estatuído no art. 570º, nº1, do CC, fixa-se na quantia de €114.400,00 o montante global da indemnização arbitrada aos AA.


8. Nestes termos e pelos fundamentos enunciados concede-se parcial provimento às revistas, principal e subordinada, revogando em parte o acórdão recorrido, julgando a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar aos autores a quantia global de €114.400,00 (cento e catorze mil e quatrocentos euro), acrescida de juros de mora, nos termos determinados no acórdão recorrido, que no mais se confirma.


Custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos AA.


Lisboa, 30 de Outubro de 2014


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor