Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1455/21.5YLPRT.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: COVID-19
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
REQUISITOS
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ALOJAMENTO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
NORMA EXCECIONAL
MORATÓRIA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
RENDA
FALTA DE PAGAMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ATRASO NA RESTITUIÇÃO DA COISA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A crise COVID-19 consubstancia uma “grande alteração das circunstâncias”, criando a necessidade de reconformação do quadro em que se desenvolve a generalidade das relações jurídicas de carácter patrimonial.

II. É desejável que esta reconformação seja feita por via legislativa, mas, sempre que não exista diploma específico, é admissível o recurso a disposições e princípios de carácter geral como o artigo 437.º do CC e o princípio da boa fé.

III. A concretização do artigo 437.º do CC em cada caso não pode distanciar-se da solução prevista pelo legislador para casos próximos, devendo atender-se às valorações implícitas à regulação destes casos próximos, por razões que se prendem, em primeira linha, com o princípio da igualdade.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

Recorrente: Primetierra Investments, Lda.

Recorrida: AA

1. AA apresentou contra Primetierra Investments, Lda., sociedade que tem como objecto social o arrendamento, a gestão de bens imobiliários e sua administração, procedimento especial de despejo, através de requerimento onde peticiona:

- o despejo da ré da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. ..., ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 4972, da freguesia ..., e inscrito na matriz sob o art.º 2623 da freguesia ...; e

- o pagamento das rendas vencidas e não pagas, bem como o pagamento da indemnização devida pelo atraso na entrega do locado, ambas acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das rendas até ao seu efectivo e integral pagamento.

Alega, em síntese, que em 21.10.2019 celebrou com a ré um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma em questão e que a ré não procedeu ao pagamento das rendas vencidas entre 1.04.2020 e 1.06.2021, motivo pelo qual, através de notificação judicial avulsa apresentada em juízo em 2.06.2021, resolveu o contrato, pedindo a entrega do locado, a par do pagamento das rendas em atraso. Mais alega que a ré não entregou o locado nem pagou os montantes em dívida.

2. Notificada a ré, apresentou oposição onde, em síntese, confirma a celebração do contrato de arrendamento e alega que destinou o locado à actividade do alojamento local destinado a turistas, mais alegando que em finais de Março de 2020 deixou de pagar as rendas, em razão da crise COVID-19, pois que a sua actividade foi afectada pela inexistência de turistas, passando a apresentar prejuízos na sua actividade. Alega ainda que até ao momento em que recebeu a notificação judicial avulsa foram realizadas várias tentativas de negociação, que se revelaram infrutíferas, e invoca a ilicitude da resolução operada pela autora, por alteração superveniente das circunstâncias, abuso do direito e caducidade do direito de acção, concluindo pela subsistência do contrato de arrendamento. Mais pede a condenação da autora como litigante de má fé, por ter usado indevida e abusivamente o procedimento especial de despejo.

3. Tendo os autos sido distribuídos como acção especial de despejo, a autora exerceu o contraditório quanto às excepções peremptórias suscitadas na oposição da ré, bem como quanto ao incidente de litigância de má fé, concluindo pela improcedência daquelas e deste.

4. Após realização da audiência final foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Nestes termos, julga-se parcialmente procedente o presente procedimento especial de despejo e, em consequência decide-se:

a) Decretar o despejo da PrimeTierra-Investments, Lda. da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano subordinado ao regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 4972, da freguesia ..., inscrito no seu todo na matriz sob o artigo 2623 da freguesia ..., sita na Avenida ..., ..., condenando-se a mesma à entrega do locado, devoluto de bens;

b) Condenar a PrimeTierra- Investments, Lda. no pagamento da quantia de 18.499,95 (dezoito mil quatrocentos e noventa e nove euros e noventa e cinco cêntimos) a título de rendas vencidas e não pagas respeitantes às rendas que se venceram desde Abril de 2020 até Junho de 2020 [rectificado para Junho de 2021, nos termos adiante referidos].

c) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Maio a Novembro de 2020 e Abril a Junho de 2021 condenar a PrimeTierra- Investments, Lda. no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento;

d) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Abril de 2020, Dezembro de 2020 e Janeiro a Março de 2021 condenar a PrimeTierra- Investments, Lda. no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o dia 01/07/2021 até efectivo e integral pagamento;

e) Condenar a PrimeTierra- Investments, Lda. no pagamento de 9.866,64 (nove mil oitocentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) pela indemnização ao abrigo do artigo 1045.º do Código Civil

f) Condenar a PrimeTierra- Investments, Lda. a pagar à Autora mensalmente, a título de indemnização nos termos do artigo 1045.º do Código Civil, o valor da renda estipulada (€ 1.233,33), até ao momento da efectiva restituição e entrega do locado.

g) Absolver a Autora AA como litigante de má-fé”.

5. Inconformadas, autora e ré apresentaram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, decidido, a final:

Em face do exposto julga-se improcedente o recurso do R. e procedente o recurso da A., alterando-se as al. c) a f) do dispositivo da sentença recorrida nos seguintes termos:

c) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Junho a Dezembro de 2020 e de Abril a Junho de 2021, condenar a R. no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o seu vencimento até efectivo e integral pagamento;

d) Relativamente às rendas vencidas nos meses de Abril e Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021, condenar a R. no pagamento de juros de mora à taxa legal civil em vigor desde o dia 01/07/2021 até efectivo e integral pagamento;

e) Condenar a R. no pagamento de € 1.233,33 (mil duzentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização devida ao abrigo do disposto no art.º 1045º, nº 1, do Código Civil, pela não restituição da fracção identificada em a) entre 29/6/2021 e 30/7/2021;

f) Condenar a R. no pagamento da quantia mensal de € 2.466,66 (dois mil quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), a título de indemnização devida ao abrigo do disposto no art.º 1045º, nº 2, do Código Civil, por cada mês decorrido entre 31/7/2021 e a efectiva restituição e entrega da fracção identificada em a)”.

6. Inconformada ainda, vem a ré interpor recurso de revista deste Acórdão, pugnando pelo reconhecimento da ilicitude da resolução do contrato de arrendamento e, subsidiariamente, pela inaplicabilidade do disposto no artigo 1045.º, n.º 2, do CC.

A terminar, formula a ré as seguintes conclusões:

1ª.- No que respeita à apelação interposta pela Ré, ora recorrente, da douta sentença de 1ª instância, o presente recurso de revista seria normalmente admissível segundo as regras da alçada, só não o sendo por força da ocorrência da dupla conforme.

2ª.- Ocorrem no caso presente os requisitos do nº 1, al. a) do artº 672º do CPC para a admissão do presente recurso como de revista excepcional, quanto às questões enunciadas sob os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 de págs 10 a 19 das anteriores alegações.

Com efeito, pelos motivos que se expuseram de fls 6 a 19 das anteriores alegações,

4ª.- É de relevante interesse para toda a comunidade prática e jurídica que em todo o País se relacionou e continua a relacionar com a vastíssima matéria de arrendamento urbano saber - no contexto de pandemia como aquele que todos atravessámos ao longo dos anos de 2020 e 2021, em que, como todos também sabemos, o Estado de Emergência foi declarado 15 vezes pelo Presidente da República, durou 173 dias consecutivos e teve 11 renovações, com pesadas restrições às actividades sociais e económicas bem como à circulação de viaturas e pessoas, suspensão as actividades lectivas, encerramento dos estabelecimentos comerciais não essenciais, as fronteiras terrestres e aéreas fechadas ou fortemente condicionadas, em que, passado um ano, a cidade ... continuava como ficara em Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2020, vazia de turistas, vazia de pessoas em geral (cfr citado Ac RL de 8-4-2021), em relação a um arrendamento para alojamento local a turistas em que a arrendatária vê a paragem completa da sua actividade e respectivas vendas devido ao cancelamento da totalidade das suas reservas (facto 17), apresentando, por causa disso, nesse ano de 2020, um resultado líquido negativo de 62.091,33 €, inferior em 249.268,60 € ao resultado que apresentara no ano anterior, positivo em 187.177,27 € - saber, dizia-se, como responder às várias questões colocadas sob os números 1, 2, 3, 4, 5 e 6 de paginas 10 a 18 das anteriores alegações, designada e particularmente:

1) Os artigos 7º e 8º da Lei nº 4-C/2020 aplicam-se ao arrendamento para alojamento local a turistas, como o dos presentes autos, tal como entenderam as instâncias?

2) Ou apenas se aplicam aos arrendamentos expressamente mencionados naquele art. 7º?

3) Mesmo no caso de resposta afirmativa à questão do antecedente nº 1), assiste ou não à arrendatária, neste caso a Ré, o direito potestativo de exigir à senhoria a modificação do contrato de arrendamento no que toca às rendas, de modo a que os efeitos da pandemia no que respeita à (não) ocupação do apartamento arrendado sejam suportados não apenas pela arrendatária mas também pela senhoria, com recurso ao regime do art. 437º do Código Civil?

4) Ou também, ainda que analogicamente, com recurso ao regime à legislação especial então publicada, designadamente a referida Lei 4-C/2020 (que, por ser especial, parece ser insusceptível de aplicação analógica)?

5) Neste contexto, a simples moratória ou diferimento no pagamento das rendas, como entendeu o acórdão recorrido, pelo estrito tempo relativo apenas a uma parte dos períodos de emergência é adequada a repor a justiça equitativa da relação contratual?

6) Ou exige-se, para isso, uma intervenção ao nível do conteúdo da relação contratual, obrigando ambas as partes a suportar e repartir entre si os riscos e as consequências da pandemia, no que respeita ao valor da renda, de modo a que a senhoria tenha de prescindir de parte das rendas respeitantes ao período em crise, considerando esse período não só o correspondente aos meses da emergência declarada mas também – e ainda - o correspondente aos períodos subsequentes, em que esses efeitos, como é da experiência geral, se prolongam e continuam a sentir e apenas progressivamente se vão atenuando?

7) Sabendo-se que o artº 437º do CC, uma vez verificados os respectivos requisitos, confere ao lesado um direito potestativo de modificar equitativamente um contrato, então, se, no caso presente, assistia à arrendatária o direito a exigir a modificação do contrato através do perdão temporário de rendas, se a senhoria lhe recusa esse direito e se a arrendatária suspende o pagamento das rendas até que aquela lhe reconheça o seu direito, então não é a senhoria que, por isso e por ter recuado no acordo que anteriormente tinha aceite e passando a recusar aquela oferta, incorre em mora, nos termos do art. 813º do CC?

8) Se é a senhoria que, desse modo, está em mora, assistir-lhe-á o direito de, como fez, resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas?

5ª. No contexto da crise de pandemia que paralisou a sociedade e flagelou a economia do nosso País ao longo dos anos de 2020 e 2021, que se prolongou desde o início de Março de 2020 até Dezembro de 2021, e que impôs uma paragem completa da actividade da Ré/arrendatária e respectivas vendas devido ao cancelamento da totalidade das reservas ao longo dos meses (cfr facto 17), assistia àquela o direito de pedir um perdão do pagamento de 5 em 15 rendas, pedido que chegou aliás a ser aceite pela senhoria (facto 32) e formalizado em aditamento que apenas não chegou a ser assinado por recusa posterior da própria senhoria (factos 33 a 37).

6ª.- Como, no decurso do processo negocial e consensual que se prolongou por mais de um ano entre a senhoria e a arrendatária, tendo como objecto um acordo de perdão de rendas, aquela, a senhoria, nunca advertiu a arrendatária de que avançaria para a resolução do arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas caso não “fechassem” acordo nem deu qualquer sinal nesse sentido (o que lhe competia alegar e provar), seria e foi ilegítimo que, no final daquele processo negocial sem que se tivesse “fechado” acordo, a senhoria, de modo inopinado e inesperado procedesse, como fez, à resolução do contrato de arrendamento por meio de notificação judicial avulsa, de modo abrupto, sem interpelação nem aviso prévios, com fundamento no não pagamento daquelas rendas cujo perdão se pedia, foi discutido e, tendo até chegado a ser aceite pela própria senhoria, apenas não foi assinado.

7ª.- Nesse contexto, para que a resolução fosse legítima e lícita, a senhoria tinha de comunicar à arrendatária que considerava terminado o processo de conversações que vinham mantendo e adverti-la para, em prazo razoável, embora curto, pagar todas as rendas que estavam em falta, sob a cominação de, não o fazendo, ela proceder à resolução do contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas.

8ª.- Não o tendo feito, só por isso, a resolução a que procedeu pela notificação judicial avulsa que deu causa ao presente processo foi e é ilícita.

Sem conceder,

9ª.- Os artigos 7º e 8º da Lei nº 4-C/2020, com base nos quais, quer o acórdão recorrido quer a decisão de 1ª instância, decidiram o diferimento de rendas, não se aplicam ao arrendamento para alojamento local a turistas, como o dos presentes autos, que está claramente excluído daquele primeiro artigo.

10ª.- Mesmo no caso de entendimento contrário ao defendido na conclusão antecedente, ou seja, mesmo que se entenda que aqueles dois artigos se aplicam ao presente arrendamento, o respectivo regime não exclui, no caso presente, a aplicação do instituto da resolução ou modificação do contrato de arrendamento por alteração superveniente das circunstâncias, nos termos dos artigos 437º a 439º do Código Civil, com fundamento na já mais que referenciada crise pandémica da Covid-19.

11ª.- Desse modo, assistia à Ré/arrendatária o direito potestativo de exigir à Autora/senhoria a modificação do contrato de arrendamento no que toca às rendas, de modo a que os efeitos da pandemia no que respeita à (não) ocupação do apartamento arrendado sejam suportados não apenas por ela mas por ambas.

12ª.- No contexto factual – quer o provado nos autos quer o que é do conhecimento público, vistos à luz das regras da experiência geral –, a simples moratória ou diferimento no pagamento das rendas, como entendeu o acórdão recorrido, pelo estrito tempo relativo apenas a uma parte dos períodos de emergência não é adequado a repor a justiça equitativa da relação contratual.

13ª.- Exige-se, para isso, não uma operação de mera cosmética (como o diferimento das rendas por um ou dois meses) mas uma intervenção ao nível do conteúdo da relação contratual (como se defende a pags 16 e 17 das anteriores alegações), obrigando ambas as partes a suportar e repartir entre si os riscos e as consequências da pandemia, no que respeita ao valor da renda, de modo a que a senhoria tenha de prescindir de parte das rendas respeitantes ao período em crise, considerando esse período não só o correspondente aos meses da emergência declarada mas também – e ainda - o correspondente aos períodos subsequentes, em que esses efeitos, como é da experiência geral, se prolongam e continuam a sentir e apenas progressivamente se vão atenuando.

14ª.- Sendo razoável, para o efeito, o período de 15 meses considerado pela arrendatária – de Março de 2020 a Junho de 2021 – a solução justa e equitativa era e é de atribuir à senhoria 5 rendas, imputando à arrendatária as restantes 10, numa repartição dos riscos extraordinários da pandemia de 1/3 para aquela e 2/3 para esta.

15ª.- Sabendo-se que a aplicação do artº 437º do CC tem aqui lugar, e que ele conferia à arrendatária, ora recorrente, o direito potestativo de requerer e obter a modificação equitativa do contrato de arrendamento no que toca à obrigação de pagamento das rendas, de modo a obter o perdão do pagamento das rendas então, se lhe assistia esse direito e a senhoria se recusa a reconhecer-lho, se a arrendatária suspende o pagamento das rendas até que aquela lhe reconheça o seu direito, então é a senhoria que, por isso e por ter recuado no acordo que anteriormente tinha aceite e passando a recusar aquela oferta, incorre em mora, nos termos do art. 813º do CC?

16ª.- Se é a senhoria que, desse modo, está em mora, não lhe assistia o direito de, como fez, resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas.

REVISTA NORMAL:

QUANTO À INEXISTÊNCIA/INSUFICIÊNCIA DE TÍTULO EXECUTIVO:

17ª.- Dada a natureza especial do presente processo, no que respeita ao requerimento/pedido de pagamento de quantia certa, e considerando que “é pelo título que se determinam o fim e os limites da acção executiva”, conforme dispõe o artº 10º, nº 5 do CPC, então, o que aqui interessa e é determinante é saber se a obrigação de pagamento daquela quantia consta ou não do “título executivo” e não o que a Autora alegou no “requerimento inicial” para além do que consta daquele título.

18ª.-“A comunicação prevista no art.º 14º-A do NRAU–no caso presente, a notificação judicial avulsa de 2/6/2021, mediante a qual a Autora resolveu o contrato de arrendamento, a que se refere o facto 10 - não constitui título executivo para o pagamento de quantias que não tenham sido nela comunicadas ao inquilino.” (cfr Acs da RL de 27/6/2007 12/11/2013, citados nas anteriores alegações). Assim,

19ª.- Considerando que, no caso do presente processo especial, de acordo com o disposto naquele artigo 14º-A, o título executivo é composto pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida (a notificação judicial de resolução do contrato de arrendamento, a que se refere o Facto 10 da sentença), para saber se a Autora dispõe de título executivo que lhe permitisse e permita reclamar o valor de indemnização por mora a que se refere o nº 2 do art. 1045º do CC, importa saber se ela incluiu ou fez constar esse valor da comunicação de dívida que ela fez à Ré através daquela notificação judicial avulsa, mas a verdade é que, consultando o texto daquela notificação judicial avulsa, confirma-se que dele não consta qualquer referência ao valor daquela indemnização.

20ª.- De acordo com o entendimento expresso nas duas anteriores conclusões, considerando que pela notificação judicial avulsa através da qual resolveu o contrato de arrendamento, a Autora não comunicou nem reclamou à Ré a dívida do valor de indemnização por mora a que se refere o nº 2 do art. 1045º do CC (conforme resulta da leitura dos documentos da própria notificação juntos com o requerimento inicial do presente PED), então ela não dispunha nem dispõe de título executivo para, através do presente processo, reclamar o pagamento coercivo do alegado valor daquela indemnização por mora.

21ª.- Não dispondo ela de título executivo relativo a esse valor, devia e deve, nessa parte, o requerimento executivo ser liminarmente indeferido, e, não o tendo sido, devia, por maioria de razão, a apelação da Autora, que visava o pagamento daquele valor, improceder.

22ª.- Ao assim não fazer, quer a sentença de 1ª instância quer o acórdão da Relação, de que ora se recorre, nessa parte, violaram ou fizeram errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 10º, nº 5 e 703º, nº 1, al. d), ambos do CPC.

23ª.- E pela mesma razão decidiram, quanto a essa concreta questão de direito, em frontal oposição ao decidido pelos Acórdãos da Relação de Lisboa de 27/6/2007 12/11/2013, citados nas anteriores alegações quer os demais acórdãos, das Relações do Porto e de Coimbra também apontados na página 27 das anteriores alegações.

Sem conceder,

24ª.- Mesmo que, na notificação avulsa, a ora Autora tivesse incluído ou reclamado o pagamento da indemnização por mora a que se refere o citado nº 2 do artº 1045º, não podia ela vir reclamar aqui o seu pagamento por via executiva e coerciva, pelas duas seguintes razões:

1) por isso exceder o que, num processo como o presente, lhe confere a referida norma legal, segundo a sua letra expressa e limitativa: apenas as rendas, os encargos ou as despesas que corram por conta do arrendatário, e não indemnização por mora na entrega.

2) porque um tal pedido dependeria sempre de averiguar e decidir se há ou não “mora”, de quem e por culpa de quem seria essa mora, questão essa complexa e insusceptível de averiguar num processo tão especial e tão restritivo (no que respeita, designadamente, à produção de prova) como o PED.

QUANTO À INDEMNIZAÇÃO DO Nº 2 DO ARTº 1045º DO CC E AO COMPORTAMENTO ANTI-JURÍDICO DA AUTORA/RECORRENTE:

25ª.- A resolução (sendo lícita) extingue o contrato e, desde a data da extinção, passa a ser exigível o cumprimento da obrigação de restituição do locado; mas enquanto o senhorio não interpelar o arrendatário para este restituir a coisa locada, a indemnização pelo atraso é calculada nos termos do artigo 1045, n.º 1; só após a respectiva interpelação se passa a aplicar o n.º 2 dessa norma.

26ª.- Por seu lado, o acto jurídico de interpelação tem de seguir, obrigatoriamente, os moldes fixados no artigo 1082º, n.º 1 e 2”.

27ª.- Não tendo a Autora interpelado a Ré para fazer a entrega do locado nos termos referidos nas duas conclusões anteriores, não podia nem pode aquela última ser considerada em mora e ser obrigada a pagar o valor da indemnização previsto no nº 2 do citado art. 1045º do CC (muito menos quando isso implica retirar o correspondente benefício em directo prejuízo da Ré e à custa das negociações que, com a sua participação consensual, decorreram pelo longo prazo a que agora pretenderia fazer corresponder aquela indemnização).

Com efeito,

28ª.- “Tendo em conta o que se prescreve no nº 1 do artigo 1045º do Código Civil, no confronto com o disposto no seu nº 2, o vencimento da obrigação de entrega da coisa locada não ocorre no momento em que termina o contrato, caso em que se aplica o nº 1, mas no momento em que o locatário é interpelado a fim de proceder à respectiva entrega, caso em que se aplica o nº2 (cfr artigo 805º, nº 1, do Código Civil), sendo evidente, pela interpretação racional e teleológica da norma, que estamos em presença de duas obrigações de natureza e fins diferentes e também com fontes diferentes entre si.

A propósito da mora, expressa a lei que o devedor nela se considera constituído quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (artigo 804º, nº 2, do Código Civil).

Assim, a situação de mora envolve não só o acto ilícito, ou seja, a inexecução da obrigação no vencimento, como também a culpa do devedor, isto é, que aquela lhe seja censurável do ponto de vista ético jurídico.”

29ª.- Tendo a Autora e a Ré, conforme resulta do Facto 37 da sentença, continuado negociações após a resolução do contrato de arrendamento pela notificação judicial avulsa datada de 29-6-2021 (a que se refere o Facto 10 da sentença), e constando até dos factos 38, 39, 40, 41, 42 e 43 que essas negociações continuaram, consensualmente, ao longo dos meses seguintes, até ao fim de Novembro de 2021 (mesmo antes da instauração do presente procedimento), que uma das hipóteses discutidas nessas negociações era a Ré continuar, como arrendatária, na posse e detenção da fracção em causa, e tendo a Autora sido representada nessas negociações por intermédio da sua ilustre mandatária, um tal comportamento, por parte da Autora – além de gerar confiança na seriedade das negociações e de excluir a ilicitude e a culpa da ocupação por parte da Ré, necessárias para que ela incorresse em mora quanto ao eventual dever de entrega - era e é contraditório e incompatível com o pedido, que agora vem fazer, de a Ré lhe pagar, por cada mês que tinha continuado sem lhe restituir a fracção (enquanto negociava com ela a continuação ou não do arrendamento), o dobro ou o triplo do valor da renda mensal, ou seja, o valor da renda, a título de indemnização pela ocupação, e o dobro a título de indemnização pela alegada mora.

30ª.- No contexto que decorre dessas negociações, além de, como já se disse, não ter feito a exigível interpelação inequívoca de entrega, o comportamento da Autora, ao vir, em pleno curso – e ao arrepio - daquelas negociações (o presente PED deu entrada em 14/10/2021, com um 2º requerimento em 3/11/2021, enquanto aquelas negociações decorreram até 29/11/2021), não só pedir o despejo imediato mas também o pagamento da indemnização por alegada mora, seria e é imoral, manifestamente abusivo, e, como se diz na conclusão 28ª, censurável do ponto de vista ético-jurídico.

14ª.- Também por isso deveria a anterior apelação da Autora ter improcedido e deve a presente revista proceder, se esse não fosse o resultado ditado pelas razões anteriormente expostas, da inexistência/insuficiência de título e da inexistência de mora.

Termos em que, e nos demais de direito que este Venerando STJ doutamente suprirá, deve o recurso de revista excepcional ser admitido e,a final, julgado procedente por acórdão que revogue, in totum, o acórdão da Relação de Lisboa ora recorrido e a sentença de 1ª instância por este confirmada, devendo então, de harmonia com o defendido nas anteriores conclusões 1ª e seguintes,

a) julgar-se procedente a excepção da ilicitude da resolução do contrato de arrendamento, por parte da Autora, por violação da sua obrigação de concorrer para a modificação do contrato de arrendamento, no que respeita ao pagamento/recebimento das rendas correspondentes pelo período de 15 meses do acordo a que se referem os factos 30 a 32, decidindo-se que a mesma estava e está obrigada a respeitar os termos desse acordo, conseguido, por intermédio do seu mandatário, no final do 1º trimestre de 2021, segundo os termos desse acordo e o critério e a repartição referidos na conclusão 14ª (ou segundo outro critério de repartição que este Supremo Tribunal achar mais justo e equitativo),

b) e, como consequência dessa ilicitude, decidir-se que o contrato de arrendamento a que se referem os factos 3 e seguintes mantém-se em vigor desde o momento imediatamente anterior àquele em que a Autora operou a sua resolução, com todas as consequências legais daí resultantes,

Para a hipótese, que tem de se admitir por mera e habitual cautela, de o recurso de revista excepcional não ser recebido ou, sendo-o, vir a ser julgado improcedente, deve - então e em qualquer caso - a revista normal ser julgada procedente e, como consequência disso, revogar-se o douto acórdão da Relação de Lisboa na parte em que este julgou procedente a apelação da Autora, proferindo-se em seu lugar acórdão que, nessa parte, confirme o decidido em 1ª instância, absolvendo a Ré do pagamento da indemnização a que se refere o nº 2 do art. 1045º do CCivil”.

7. A autora respondeu, pugnando pela inadmissibilidade da revista interposta a título excepcional e pela improcedência da revista interposta a título normal.

8. O Exmo. Desembargador proferiu o seguinte despacho:

Por estar em tempo e a parte ter legitimidade, admite-se o recurso interposto pela R. Primetierra Investments, Ld.ª com o seu requerimento entrado nos autos em 10/10/2022, que é de revista excepcional quanto ao decidido na apelação interposta pela R. e de revista normal quanto ao decidido na apelação interposta pela A., sobe imediatamente e nos próprios autos, e com efeito devolutivo – art.º 638º, nº 1, 671º, nº 1, 672º e 676º, nº 1, todos do Código de Processo Civil.

Remetam-se os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.

9. Apreciando o recurso, nos termos do artigo 652.º. n.º 1, al. b), do CPC, proferiu a ora Relatora despacho com o seguinte teor:

“Estão em causa no presente recurso duas grandes questões: a primeira respeita à licitude da resolução e consiste, mais precisamente, em saber se não deveria ter sido aplicado o disposto no artigo 437.º do CC e ter-se modificado, em vez de resolvido, o contrato de arrendamento; a segunda respeita à indemnização por mora na restituição do locado e consiste, mais precisamente, em saber se deveria ter sido aplicado o disposto no artigo 1045.º, n.º 2, do CC.

Relativamente à primeira questão, em que se concretiza o objecto da revista excepcional, estiveram absolutamente de acordo as instâncias. Quer dizer: o Acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença, configurando-se, portanto, a dupla conformidade de decisões que configura o obstáculo recursório referido no artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

Relativamente à segunda questão, em que se concretiza o objecto do recurso de revista normal, o Tribunal a quo decidiu em sentido divergente do Tribunal de 1.ª instância, decidindo condenar a ré por mora na restituição do locado nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do CC.

 Como é visível, esta segunda questão tem como pressuposto lógico a resolução do contrato de arrendamento, cuja licitude é posta em causa através da primeira questão.

Assim sendo, antes de conhecer e decidir a segunda questão, suscitada no recurso de revista normal, deve ser apreciada a admissibilidade do recurso de revista excepcional, respeitante à primeira questão.

Em síntese, e por outras palavras:

a) o presente recurso, na parte em que se suscita a questão da ilicitude da resolução do contrato de arrendamento, não é admissível por via normal;

b) o presente recurso, na parte em que se suscita a questão da indemnização por mora na restituição do locado, é admissível por via normal;

c) atendendo a que, na parte em que se suscita a primeira questão, o recurso é interposto como revista excepcional, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 2, al. a), do CPC, e que esta primeira questão tem prioridade lógica sobre a segunda questão, remetam-se os autos à Formação para os efeitos previstos no n.º 3 desta norma”.

10. A Formação admitiu a revista excepcional por Acórdão de 1.02.2023, dizendo:

Reconhece-se que o tema da modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, ao abrigo do preceituado no artigo 437.º, n.º 1, em virtude das contingências trazidas pela crise pandémica, tem estado ausente da jurisprudência do Supremo Tribunal, não obstante constituir objeto de tratamento crescente por parte dos tribunais da Relação e de gradual reflexão doutrinária (…).

Pelo exposto, decide-se na Formação do Supremo Tribunal de Justiça, admitir o recurso de revista excecional com fundamento na relevância jurídica da questão atinente à aplicação do regime da modificação do contrato de arrendamento por alteração das circunstâncias, previsto no artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil”.


*

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC)[1], as questões a decidir, in casu, são as de saber:

1.ª) se a ré tinha direito à modificação do contrato de arrendamento de forma a ficar dispensada do pagamento das rendas ou, pelo contrário, é lícita a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas;

e, no caso de se confirmar a segunda alternativa,

2.ª) se (e em que termos) é aplicável a indemnização por mora na restituição do locado prevista no artigo 1045.º do CC.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1. A A. é legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano subordinado ao regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 4972, da freguesia ..., inscrito no seu todo na matriz sob o artigo 2623 da freguesia ..., sita na Avenida ..., ..., ....

2. A R. é uma sociedade que tem como objecto social o arrendamento, a gestão de bens imobiliários e sua administração; a compra e venda de imóveis ou de direitos sobre os mesmos e a revenda dos adquiridos para esse fim; a urbanização de terrenos e a prestação de serviços conexos com as actividades prosseguidas por si.

3. A A. e a R. celebraram entre si, em 21 de Outubro de 2019, um contrato de arrendamento com o objectivo de destinar a fracção arrendada a subarrendamento ou alojamento local.

4. O contrato referido supra foi celebrado pelo prazo de quinze anos, renovável automática e sucessivamente por períodos de cinco anos.

5. No mencionado contrato de arrendamento ficou estipulado que a renda mensal a pagar pela R. à A. era de € 1.233,33, montante esse que seria actualizado anualmente de acordo com o n.º 1 do artigo 1077º do Código Civil.

6. O prédio urbano, anteriormente identificado, onde se situa a referida fracção autónoma objecto do contrato de arrendamento é designado por ....

7. Além da fracção da A., a R. tomou aí de arrendamento, também na segunda metade de 2019, mais 33 apartamentos, ficando aí com um total de 34 apartamentos para o exercício da sua referida actividade do chamado alojamento local para turistas.

8. A R. não pagou a renda referente ao mês de Maio de 2020, que se venceu em 01/04/2020, nem as que se venceram nos meses seguintes, incluindo a renda que se venceu em Novembro de 2021.

9. A R. depositou à ordem dos presentes autos as rendas respeitantes a Janeiro a Abril de 2022.

10. Por meio de notificação judicial avulsa, apresentada em juízo em 02/06/2021 e notificada à R. em 29/06/2021, a A. comunicou à R. a resolução do contrato de arrendamento por falta do pagamento de rendas.

11. No ano de 2018 a R. apresentou um resultado líquido positivo de € 68.259,47.

12. No ano de 2019 a R. apresentou um resultado líquido positivo de € 187.177,27.

13. No ano de 2020 a R. apresentou um resultado líquido negativo de € 62.091,33.

14. A partir dos finais de Março de 2020 a R. contactou os seus senhorios, incluindo a A., no sentido de obter deles acordo para uma redução ou suspensão temporárias das respectivas rendas.

15. Em Abril de 2020 a R. propôs à A. um perdão de cinco meses de renda.

16. Em Abril de 2020 A. recusou o perdão, suspensão ou redução de qualquer renda.

17. A R. enviou um e-mail à A. em 5 de Maio de 2020 com o seguinte conteúdo:

(…)

Ex.mo Senhora AA, Desde já, esperamos que se encontre bem.

No seguimento da nossa última comunicação, reiteramos que o panorama actual é de uma paragem completa da nossa actividade e respectivas vendas devido ao cancelamento da totalidade das reservas para os meses que se avizinham, por consequência da pandemia Covid-19.

Voltamos a apelar ao vosso apoio e compreensão nesta fase critica, solicitando que em alternativa à vossa decisão da não isenção do pagamento das rendas dos próximos meses, que compreendemos, seja feito um acerto das contas destes meses em atraso, prolongando o mesmo número de meses no final do contrato.

Propomos seis meses. Significa que não existe isenção de renda mas sim que no final do contrato ficaremos a pagar 6 meses estas rendas. Só com um acordo favorável para ambas as partes, conseguiremos manter a actividade em aberto e, dessa forma, evitar a insolvência e término de actividade futura, uma vez que seguindo as condições propostas pela lei não teremos capacidade de continuar no mercado.

Solicitamos mais uma vez a vossa cooperação, já que não existindo abertura da vossa parte neste sentido, será impossível garantir a continuação da actividade da empresa e a sua viabilidade.

Esperamos contar com a V/ cooperação e que esta solicitação encontre a V/ concordância.

Despedimo-nos apresentando os nossos mais sinceros cumprimentos”.

18. No dia 7 de Maio de 2020 a A. enviou uma carta à R. com o seguinte conteúdo: “Assunto: Resposta ao vosso email de 5 de Maio de 2020

Seguimento de:

– vossa carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020

– minha carta datada de 7 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 7 de Abril de 2020

Exma. Senhora BB,

Antes de mais espero que V. Exa. e todos os colaboradores da Premieterra e da C... se encontrem bem de saúde.

Agradeço a sua comunicação por email, no dia 5 de Maio de 2020. Na nossa conversa telefónica do dia 15 de Abril de 2020 comprometeu-se a telefonar-me no dia 24 de Abril, para que concretizássemos um acordo relativamente ao pagamento da renda em atraso pela vossa parte. Tenho estado a aguardar o seu telefonema e tenho estranhado a demorada do seu contacto. Relembro que, a vossa empresa deixou de pagar as rendas a partir do dia 1 de Abril de 2020 e só me comunicaram que deixariam de pagar por carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020.

Informe que neste momento há 2 rendas em atraso: a renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020 e agora também que venceu no dia 1 de Maio de 2020. Gostaria de mencionar alguns pontos no seu email do dia 5 de Maio de 2020, que me deixaram negativamente surpreendida:

1. No seu email é mencionado que não há cooperação e abertura da minha parte, o que não corresponde à verdade. Tenho estado sempre receptiva para falarmos não só por email, mas também telefonicamente. Aliás, já ocorreu por 2 vezes que a Sra. BB fica de me ligar num determinado dia e não me telefone, como combinado. No meu email e carta do dia 7 de Abril de 2020 e também nas conversas telefónicas dos dias 8 e 14 de Abril reiterei que necessito da renda. Como é do seu conhecimento, comprei o apartamento à empresa do vosso grupo, C..., através de empréstimo. Tenho que fazer mensalmente pagamentos da prestação e dos seguros associados. Estas despesas correspondem a 88% do valor da renda recebido mensalmente e não estou a incluir outras despesas, como por exemplo, despesas de condomínio. É de salientar que estas rendas já não estão a ser pagas há 2 meses. Contudo, todos os meses eu tenho que fazer os pagamentos mencionados, de forma a não incorrer em incumprimento bancário. Saliento, novamente, a urgência de receber as rendas em atrasado.

2. Faz-me confusão que o vosso modelo de negócio esteja dependente de eu não receber rendas para que a vossa empresa não vá à falência.

3. Também acho estranho que me tenham proposto pagar as rendas em atraso no final de um contrato de 15 anos!!! A Sra. BB mencionou.me em conversa telefónica que aceitou que vários senhorios desistissem dos contratos e a outros senhores a Sra. BB acordou pagar as rendas em atraso em duodécimos. Contudo, a mim, sabendo que necessito da renda, ofereceu-se para pagar as rendas em atraso daqui a 15 anos!!!! Faço a pergunta taxativamente, o porquê de tal proposta?

4. A Sra. BB refere que de acordo com as condições propostas pela lei não há forma da vossa empresa continuar no mercado. O governo português tem feito um esforço continuado para responder à situação gerada pelo COVID-19. Está à disposição das empresas várias medidas como moratórias, layoffs, créditos bancários, linhas de crédito de apoio à tesouraria e até apoios a fundo perdido. Cabe às empresas usarem estas opções para poderem ultrapassar esta situação.

Por outro lado, está também aprovado a nível comunitário subvenções directas a Portugal, que irão ser brevemente anunciadas como serão executadas.

Acho de facto muito estranho que, de todos os esforços feitos a nível comunitário e nacional, não hajam medidas que beneficiem a vossa empresa, mas que são louváveis para tantos milhares de outras.

Face ao exposto e usando as vossas palavras, apelo ao vosso apoio e compreensão, para que cumpram com o pagamento das rendas atempadamente, pois como já referi inúmeras vezes, necessito delas para cumprir com as minhas obrigações financeiras.

Proponho o seguinte esquema de pagamento para acerto das 2 rendas em atraso:

- no dia 1 de Junho de 2020 pagamento da renda que vence neste dia e também o pagamento da renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020. O total a receber na minha conta bancária no dia 1 de Junho de 2020 será de 1850 euros (dado que a vossa empresa faz retenção de IRS na fonte de 25%).

- no dia 1 de Julho de 2020 pagamento da renda que vence neste dia e também pagamento da renda que venceu no dia 1 de Maio de 2020. Ou seja, o total a receber na minha conta bancária no dia 1 de Junho de 2020 será de 1850 euros.

Agradeço a confirmação do acordo sobre este plano de pagamento das 2 rendas em atraso (…)”.

19. No dia 21 de Maio de 2020 a A. enviou uma carta à R. com o seguinte conteúdo:

“Assunto: Resposta ao vosso telefonema de 21 de Maio de 2020

Seguimento de:

– vossa carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020

– minha carta datada de 7 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 7 de Abril de 2020

– minha carta de resposta (o vosso email de 5 de Maio de 2020), datada de 7 de Maio de 2020 e enviada por email no dia 7 de Maio de 2020

Exmo. Senhor CC,

Espero que V. Exa. e todos os colaboradores da Premieterra e da C... se encontrem bem de saúde.

Tenho estado a aguardar resposta ao meu acordo para pagamento das rendas em falta, proposto na minha carta de 7 de Maio de 2020. Relembro que se encontram em atraso as seguintes rendas: a renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020 e a renda que venceu no dia 1 de Maio de 2020.

Agradeço o seu telefonema de hoje, dia 21 de Maio de 2020. O Sr. CC propôs o seguinte:

- Perdão das rendas por 6 meses pela proprietária (de Abril a Setembro de 2020) começando a vossa empresa a pagá-las a partir de Outubro de 2020. Prolongamento do prazo do contrato de arrendamento por mais 6 meses. A vossa empresa C... S.A. comprometeu-se a fazer o pagamento de juros do empréstimo e do condomínio da fracção R durante estes 6 meses (Abril a Setembro de 2020).

A lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, prevê o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses que vigora o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. As rendas em atraso deverão ser pagas nos 12 meses seguintes a este período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total e juntamente com a renda do mês em causa. A lei prevê um diferimento das rendas, não uma isenção do seu pagamento. Como já referi anteriormente não posso conceder um perdão das rendas. Fiquei bastante surpreendida que hoje, um mês e meio depois da minha primeira carta, de 7 de Abril de 2020, onde referi que não posso conceder perdão de rendas, seja mais uma vez proposto que eu perdoo rendas.

A minha resposta é a mesma que há 1 mês e meio atrás: não posso conceder perdão de rendas.

O estado de emergência terminou no dia 2 de Maio de 2020. Assim, de acordo com a lei, a vossa empresa só poderá diferir 3 meses de renda: a renda vencida em 1 de Abril de 2020, a renda vencida a 1 de Maio de 2020 e a renda que irá vencer a 1 de Julho de 2020. Assim, de acordo com a lei, estas rendas deverão começar a ser pagas em prestações mensais a partir de 1 de Julho de 2020.

Excepcionalmente, e com grande dificuldade da minha parte, venho propor o seguinte para poder ajudar-vos nesta fase:

- diferimento de 6 meses de renda. A vossa empresa começará a fazer o pagamento das rendas a partir de 1 de Outubro de 2020. Em relação aos meses em atraso (de Abril a Setembro de 2020) estas rendas deverão ser pagas, em prestações mensais, por um período de 12 meses, de montante não inferior a um duodécimo do montante total em dívida, juntamente com a renda do mês em causa. Assim, a partir de 1 de Outubro de 2020, deverá ser pago a renda mais um duodécimo das rendas em atraso. Esta minha posição reflecte uma grande compreensão e esforço da minha parte. Este período é muito longo e, dado que tenho obrigações financeiras, não vou poder pagar o condomínio. Aceito a vossa oferta de pagamento de condomínio durante 6 meses (Abril a Setembro de 2020), como faz parte da vossa proposta. Por outro lado, a minha posição reflecte abertura e flexibilidade, dado que não estou a exigir o pagamento das penalizações pelo atraso das rendas (…)”.

20. No dia 7 de Julho de 2020 a A. enviou uma carta à R. com o seguinte conteúdo:

“Assunto: Falta de pagamento de 4 rendas: renda vencida a 1 de Abril de 2020, a renda vencida a 1 de Maio de 2020, a renda vencida a 1 de Junho de 2020 e a renda vencida de 1 de Julho de 2020.

Seguimento de:

– vossa carta datada de 3 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 6 de Abril de 2020

– minha carta datada de 7 de Abril de 2020 e enviada por email no dia 7 de Abril de 2020

– minha carta de resposta (o vosso email de 5 de Maio de 2020), datada de 7 de Maio de 2020 e enviada por email no dia 7 de Maio de 2020 (que não teve resposta por partes das empresas Primetierra e C...) – minha carta datada de 21 de Maio de 2020 e enviada por email no dia 21 de Maio de 2020 (que não teve resposta por partes das empresas Primetierra e C...) Exmo. Senhor CC,

Espero que V. Exa. e todos os colaboradores da Premieterra e da C... se encontrem bem de saúde.

Na minha carta anterior, datada de 21 de Maio de 2020, apresentei proposta de pagamento das rendas em falta pela vossa empresa e solicitei resposta até ao final de Maio. Contudo, não recebi qualquer resposta da vossa parte, pelo que essa hipótese de negociação está caducada. Assim, aplicar-se-á a lei vigente sobre esta situação. Neste momento, estão em atraso as seguintes rendas: a renda que venceu no dia 1 de Abril de 2020, a renda que venceu no dia 1 de Maio de 2020, a renda que venceu no dia 1 de Junho de 2020 e agora a renda que venceu no dia 1 de Julho de 2020.

A legislação aprovada recentemente, no contexto do COVID-19, prevê o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses que vigora o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. As rendas em atraso deverão ser pagas nos 12 meses seguintes a este período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total e juntamente com a renda do mês em causa. O estado de emergência terminou no dia 2 de Maio de 2020. Assim, de acordo com a lei, a vossa empresa só pode diferir 3 meses de renda: a renda vencida em 1 de Abril de 2020, a renda vencida a 1 de Maio de 2020 e a renda vencida em 1 de Junho de 2020. A partir deste mês de Julho, a vossa empresa deverá pagar um duodécimo destas 3 rendas em falta, juntamente com a renda de 1 de Julho de 2020. Até à data, 7 de Julho de 2020, não recebi qualquer pagamento da vossa parte. Relembro que, de acordo com o contrato de arrendamento, a partir do dia 8 de Julho o atraso no pagamento das rendas acarreta agravamento. Agradeço que seja dada solução com maior celeridade possível da vossa parte para este assunto pendente desde há 4 meses. Aguardo resposta com urgência sobre a vossa solução (…)”.

21. A A. enviou um e-mail à R. no dia 21 de Maio de 2020 com o seguinte teor: “(…)

Exmo. Sr. CC,

Agradeço o telefonema de hoje. Junto envio, em anexo, carta com a minha resposta a vossa proposta comunicada por telefone hoje dia 21 de Maio de 2020”.

22. A A. enviou um e-mail à R. no dia 7 de Julho de 2020 com o seguinte teor: “(…)

Exmos. Senhores,

Espero que V. Exas se encontrem bem de saúde. Não obtive qualquer resposta à minha última carta datada de 21 de Maio de 2020 e enviada por email nesse mesmo dia. Junto envio em anexo a minha comunicação sobre o assunto da falta de pagamento, por parte da vossa empresa, das rendas desde 1 de Abril de 2020”.

23. A A. enviou um e-mail à R. no dia 9 de Julho de 2020 com o seguinte teor: “(…)

Exmo. Sr. CC,

Agradeço o telefonema de hoje, dia 9 de Julho de 2020. Solicito, por favor, que coloque a proposta apresentada no telefonema de hoje, por escrito, para que eu e o meu marido possamos analisá-la. Dada a urgência da situação chegaremos a um acordo rápido para ambas as partes, agradeço que me envie email com a proposta até ao dia 13 de Julho de 2020”.

24. A R. enviou um e-mail à A. no dia 15 de Julho de 2020 com o seguinte teor: “(…)

Olá AA,

Como conversado telefonicamente passo a descrever o que propus telefonicamente:

Rescisão do contrato de arrendamento com data de Julho e em compensação deixamos o mobiliário para acerto de contas não havendo nada a pagar. Vamos ao mercado tentar arranjar um inquilino que dê garantias de bom pagamento. Fazemos todas as visitas e “filtramos” pedindo recibos de vencimento e IRS.

Os valores médios de arrendamento são: T0 – 1.000€/1.100€ Mobilado

T1 – 1.300€/1.400€ Mobilado.

É pedido ao cliente 2 meses de renda (um actual e um adiantado) e dois meses de caução para garantia do bom estado do apartamento e será devolvido quando sair após vistoria ao imóvel.

Em anexo segue também o contrato de arrendamento que costumamos usar. (…)”.

25. A A. enviou um e-mail à R. no dia 17 de Julho de 2020 com o seguinte teor:

(…)

Boa tarde Sr. CC,

Agradeço, por favor, que seja o mais pormenorizado possível na sua proposta. Agradeço também que corrija a sua proposta. Tanto no telefonema de 9 de Julho e no telefonema de 15 de Julho falámos sobre as rendas que estão em falta. Referi em ambos os telefonemas que não estou interessada no imobiliário e necessito do pagamento das rendas em falta. O Sr. CC disse-me que em vez de deixarem o imobiliário pagariam as rendas em falta. Agradeço que corrija o seu email nesse sentido e que o envie, por favor, ainda hoje, para que eu e o meu marido possamos analisar a sua proposta durante este fim de semana”.

26. No mesmo dia 17 de Julho de 2020 a A. enviou outro e-mail a CC referindo que escreveu imobiliário por lapso e que no email que enviou nesse dia se deveria ler mobiliário sempre que escreveu imobiliário.

27. Durante o período que mediou entre Novembro de 2020 e Março de 2021 a A., representada pelo seu mandatário naquelas datas, continuou as negociações com a R.

28. No dia 26 de Novembro de 2020, DD, à data mandatário da A., enviou email à R. com o seguinte teor:

(…)

Exmo. Sr. CC,

Conforme combinado, falei com a nossa cliente Dra. AA que, face ao teor da nossa reunião apresenta a seguinte proposta:

• Perdão da indemnização de 20% devida pela mora no pagamento das rendas;

• Perdão de 4 meses de renda, correspondente a metade dos meses que são devidos (havendo assim uma distribuição equitativa e proporcional do prejuízo entre ambas as partes);

• Pagamento de uma caução correspondente a 2 meses de renda para garantir o cumprimento das obrigações contratuais;

• Retoma do pagamento das rendas nos termos previstos no contrato. Uma vez que o presente acordo será efectuado mediante a elaboração de uma adenda ao contrato de arrendamento em vigor, foi igualmente proposto pela nossa Cliente a alteração dos pontos 2, 3 e 4 da cláusula terceira. Relativamente aos pontos 2 e 3 por serem contrários ao desta cláusula pretende-se conformar o teor do contrato com a lei. Quanto ao ponto 4, o objectivo seria retirar a “penalização” dos € 7.500,00 (…)”.

29. No dia 15 de Dezembro de 2020, DD, à data mandatário da A., enviou e-mail à R. questionando a ausência de resposta à proposta apresentada no e-mail de 26 de Novembro de 2020.

30. No dia 5 de Janeiro de 2021 a R. enviou e-mail a DD, na qualidade de mandatário da A., com o seguinte teor:

(…)

Como combinado telefonicamente passo a descrever a proposta formal que passei telefonicamente:

* perdão de 5 meses de renda

* fazer adenda esta semana com assinatura da mesma e pagamento do acordado ainda esta semana

* retirada da penalização de 7.500 € do contrato de arrendamento. (…)”.

31. No dia 18 de Fevereiro de 2021 a R. enviou e-mail a DD, na qualidade de mandatário da A., questionando se este tinha alguma resposta em relação à proposta apresentada no email de 5 de Janeiro de 2021.

32. No dia 9 de Março de 2021, DD, à data mandatário da A., enviou e-mail à R. com o seguinte teor:

(…)

Exmo. Sr. CC,

A nossa cliente aceita a proposta apresentada no dia 5 de Janeiro que passa

pelo perdão de 5 meses de renda, com a respectiva adenda ao contrato de arrendamento e a eliminação da penalização de 7.500 € do contrato de arrendamento.

Assim, poderão preparar a adenda ao contrato de arrendamento nos referidos termos que se possível ainda será assinada no final desta semana ou princípio da próxima contra o pagamento do montante em dívida de € 8.633,31 (…)”.

33. No dia 12 de Março de 2021 a R. enviou e-mail a DD, na qualidade de mandatário da A., no qual enviou o aditamento ao contrato de arrendamento.

34. No dia 23 de Março de 2021 a R. enviou e-mail a DD, na qualidade de mandatário da A., questionando se este tinha alguma resposta em relação à assinatura do aditamento ao contrato de arrendamento.

35. No dia 23 de Março de 2021 DD, à data mandatário da A., enviou e-mail à R. informando que se encontrava a aguardar indicações da Autora em relação ao documento.

36. As partes não subscreveram o aditamento ao contrato de arrendamento.

37. As partes continuaram negociações após o envio, e recepção, da notificação judicial avulsa datada de 02/06/2021.

38. No dia 12 de Julho de 2021 a R. enviou email a EE, mandatária da A., com o seguinte teor:

(…)

Boa tarde Dra. EE,

Como combinado telefonicamente passo a descrever a proposta formal para o processo com a Dra. AA:

Disponibilidade imediata para o acordo

* Perdão de 5 meses de renda

* Valor dos restantes meses de renda em falta pagos no acto de assinatura do acordo (…)”.

39. No dia 29 de Julho de 2020 a mandatária da A. enviou e-mail à R. declinando a proposta apresentada no e-mail de 12 de Julho de 2021 informando, porém, que a A. tinha disponibilidade para apreciar outra proposta que quisessem apresentar.

40. No dia 1 de Setembro de 2021 a R. enviou e-mail à mandatária da A., com o seguinte teor:

(…)

Bom dia Dra. EE,

Peço desculpa no atraso da resposta mas entre férias e falar com a administração da Primetierra só agora consegui enviar uma resposta. Derivado aos vários confinamentos que fomos todos, a nível mundial, obrigados a fazer apenas propúnhamos a compreensão da cliente com um perdão de renda de 5 meses fazendo o pagamento das rendas atrasadas no momento do acordo e a continuação do contrato de arrendamento.

Visto essa proposta não ter sido aceite, existe alguma proposta da parte da sua Constituinte para chegar a um acordo?

A nossa pretensão é chegar a um acordo para não termos este processo em andamento e começar a pagar as rendas do contrato de arrendamento. Pedimos apenas alguma compreensão para o impacto que o Covid veio trazer ao turismo a nível mundial (…)”.

41. No dia 29 de Julho de 2021 a mandatária da A. enviou e-mail à R. com o seguinte teor:

(…)

Sr. CC,

Na sequência da sua mais recente comunicação solicitei à minha Constituinte que tomasse posição sobre a questão colocada, tendo-me sido transmitido que, aqui chegados, entende que, por forma a evitar o incremento de encargos com as acções judiciais destinadas a efectivar as pretensões vertidas na notificação judicial avulsa que vos foi notificada, a única via que se afigura possível é a de entrega imediata do locado e de realização do pagamento de todos os valores em dívida.

Assim, agradeço que me seja comunicado em que termos pretende dar satisfação a tais obrigações, pois que, tal não sucedendo, serei forçada a apresentar em juízo as preditas acções judiciais (…)”.

42. No dia 1 de Setembro de 2021 a R. enviou e-mail à mandatária da A., com o seguinte teor:

(…)

Boa tarde Dra. EE (…)

Como combinado segue a nossa proposta com intuito de fecho do processo:

- pagamento imediato do valor das rendas em atraso em singelo. - manter o contrato de arrendamento em vigor.

- disponíveis para assinar acordo esta semana e efectuar pagamento.

- Dra. AA retira o processo instaurado à Primetierra. (…)”.

43. No dia 29 de Novembro de 2021 a mandatária da A. enviou e-mail ao mandatário da R. informando que a A. declinou a proposta apresentada no e-mail de 23 de Novembro de 2021.

44. A R. recebeu do Instituto da Segurança Social, em Maio e em Julho de 2020, o valor de € 16.142,10 a título de benefício por redução de horário de trabalho.

45. A R. recebeu do Turismo de Portugal, em 19/03/2021 e 09/07/2021, no âmbito do “Programa Apoiar” a que se candidatou em 27/01/2021, o valor global de € 68.750,00.

46. A A. recorreu à moratória legal prevista no Decreto-Lei nº10-J/2020, de 26 de Março relativamente às prestações mensais decorrentes do mútuo contraído para aquisição da fracção autónoma junto do Banco Millennium BCP.

47. A A. não pagou as prestações condominiais vencidas no ano de 2021.

48. Em Março de 2020 surgiram em Portugal os primeiros casos de doença causados por um vírus denominado Sars-Cov-2, sendo a doença comumente designada por Covid-19.

49. No dia 19 de Março de 2020 foi decretado Estado de Emergência em Portugal que foi sucessivamente renovado e apenas terminou em 2 de Maio de 2020.

50. No dia 6 de Novembro de 2020 foi decretado Estado de Emergência em Portugal que foi sucessivamente renovado e apenas terminou em 30 de Abril de 2021.

51. Durante alguns períodos dos Estados de emergência decretados, nomeadamente quando foram decretados confinamentos gerais e obrigatórios, apenas era permitida a circulação de cidadãos portugueses para determinadas actividades.

52. Foram decretados confinamentos gerais e obrigatórios nos períodos de Março a Abril de 2020 e Janeiro a Março de 2021.

53. O volume de negócios da R. diminuiu nos meses de Março a Maio de 2020, sendo tal diminuição directamente causada pela pandemia da Covid-19.

54. O volume de negócios da R. diminuiu nos meses de Janeiro a Março de 2021, em proporção não concretamente apurada, sendo tal diminuição directamente causada pela pandemia da Covid-19.

55. O volume de negócios da R. foi aumentando, em proporção não concretamente apurada, com a sucessiva diminuição das restrições impostas relativas à pandemia da Covid-19.

Não existem factos que devam ser considerados como não provados.

O DIREITO

Da modificação do contrato de arrendamento com fundamento no artigo 437.º, n.º 1, do CC

A primeira questão é a de saber se, nas palavras da recorrente, “no contexto da pandemia que se prolongou desde o início de Março de 2020 até Dezembro de 2021 (…) assistia ou não à arrendatária, aqui Ré, cuja actividade até estava completamente parada (facto 17) (…) o direito de pedir o perdão do pagamento de várias rendas”, deste modo se operando a modificação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos preceituados pelo artigo 437.º, n.º 1, do CC.

Entendeu o Acórdão recorrido ter-se verificado uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar no período temporal compreendido entre Março e Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021 quanto ao contrato de arrendamento celebrado entre a autora (na qualidade de senhoria) e a ré (na qualidade de arrendatária, que afectava o locado à actividade de alojamento local).

O Tribunal da Relação de Lisboa afastou, todavia, a modificação do acordo nos termos preconizados pela ora recorrente, ou seja, a extinção da obrigação de pagamento das rendas em tal período, por tal implicar “um desequilíbrio intolerável da situação de igualdade que as partes devem prosseguir na execução do contrato”.

Concluiu, nesta sequência, a decisão impugnada, após mobilizar o regime previsto no artigo 8.º da Lei 4- C/2020, de 6.04, como critério interpretativo:

(…) no caso concreto, há-de entender-se que a recondução dos princípios da boa fé, que foram abalados pelo evento imprevisto e anormal (as referidas restrições de circulação) que impediu a R. de levar a cabo a sua actividade de exploração do alojamento local, por falta de clientes para tanto, durante os meses de Abril e Maio de 2020 e de Janeiro a Março de 2021, passa tão pelo diferimento do pagamento das rendas vencidas durante esses cinco meses, para o início de Julho de 2021, não porque este é o momento em que, de facto, cessou o estado de emergência (na perspectiva da retoma completa da actividade económica, com a chegada do período estival, como foi público e notório), mas igualmente porque corresponde ao momento subsequente à notificação judicial avulsa da R. (através da qual esta não mais podia ignorar que estava em falta com o cumprimento daquelas obrigações pecuniárias)”.

Manifestando a sua discordância com este raciocínio, a recorrente, nas conclusões da revista, interroga-se:

1) Os artigos 7º e 8º da Lei nº 4-C/2020 aplicam-se ao arrendamento para alojamento local a turistas, como o dos presentes autos, tal como entenderam as instâncias?

2) Ou apenas se aplicam aos arrendamentos expressamente mencionados naquele art. 7º?

3) Mesmo no caso de resposta afirmativa à questão do antecedente nº 1), assiste ou não à arrendatária, neste caso a Ré, o direito potestativo de exigir à senhoria a modificação do contrato de arrendamento no que toca às rendas, de modo a que os efeitos da pandemia no que respeita à (não) ocupação do apartamento arrendado sejam suportados não apenas pela arrendatária mas também pela senhoria, com recurso ao regime do art. 437º do Código Civil?

4) Ou também, ainda que analogicamente, com recurso ao regime à legislação especial então publicada, designadamente a referida Lei 4-C/2020 (que, por ser especial, parece ser insusceptível de aplicação analógica)?

5) Neste contexto, a simples moratória ou diferimento no pagamento das rendas, como entendeu o acórdão recorrido, pelo estrito tempo relativo apenas a uma parte dos períodos de emergência é adequada a repor a justiça equitativa da relação contratual?

6) Ou exige-se, para isso, uma intervenção ao nível do conteúdo da relação contratual, obrigando ambas as partes a suportar e repartir entre si os riscos e as consequências da pandemia, no que respeita ao valor da renda, de modo a que a senhoria tenha de prescindir de parte das rendas respeitantes ao período em crise, considerando esse período não só o correspondente aos meses da emergência declarada mas também – e ainda - o correspondente aos períodos subsequentes, em que esses efeitos, como é da experiência geral, se prolongam e continuam a sentir e apenas progressivamente se vão atenuando?

7) Sabendo-se que o artº 437º do CC, uma vez verificados os respectivos requisitos, confere ao lesado um direito potestativo de modificar equitativamente um contrato, então, se, no caso presente, assistia à arrendatária o direito a exigir a modificação do contrato através do perdão temporário de rendas, se a senhoria lhe recusa esse direito e se a arrendatária suspende o pagamento das rendas até que aquela lhe reconheça o seu direito, então não é a senhoria que, por isso e por ter recuado no acordo que anteriormente tinha aceite e passando a recusar aquela oferta, incorre em mora, nos termos do art. 813º do CC?

8) Se é a senhoria que, desse modo, está em mora, assistir-lhe-á o direito de, como fez, resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas?”.

E logo adiante responde:

9ª.- Os artigos 7º e 8º da Lei nº 4-C/2020, com base nos quais, quer o acórdão recorrido quer a decisão de 1ª instância, decidiram o diferimento de rendas, não se aplicam ao arrendamento para alojamento local a turistas, como o dos presentes autos, que está claramente excluído daquele primeiro artigo.

10ª.- Mesmo no caso de entendimento contrário ao defendido na conclusão antecedente, ou seja, mesmo que se entenda que aqueles dois artigos se aplicam ao presente arrendamento, o respectivo regime não exclui, no caso presente, a aplicação do instituto da resolução ou modificação do contrato de arrendamento por alteração superveniente das circunstâncias, nos termos dos artigos 437º a 439º do Código Civil, com fundamento na já mais que referenciada crise pandémica da Covid-19.

11ª.- Desse modo, assistia à Ré/arrendatária o direito potestativo de exigir à Autora/senhoria a modificação do contrato de arrendamento no que toca às rendas, de modo a que os efeitos da pandemia no que respeita à (não) ocupação do apartamento arrendado sejam suportados não apenas por ela mas por ambas.

12ª.- No contexto factual – quer o provado nos autos quer o que é do conhecimento público, vistos à luz das regras da experiência geral –, a simples moratória ou diferimento no pagamento das rendas, como entendeu o acórdão recorrido, pelo estrito tempo relativo apenas a uma parte dos períodos de emergência não é adequado a repor a justiça equitativa da relação contratual.

13ª.- Exige-se, para isso, não uma operação de mera cosmética (como o diferimento das rendas por um ou dois meses) mas uma intervenção ao nível do conteúdo da relação contratual (como se defende a pags 16 e 17 das anteriores alegações), obrigando ambas as partes a suportar e repartir entre si os riscos e as consequências da pandemia, no que respeita ao valor da renda, de modo a que a senhoria tenha de prescindir de parte das rendas respeitantes ao período em crise, considerando esse período não só o correspondente aos meses da emergência declarada mas também – e ainda - o correspondente aos períodos subsequentes, em que esses efeitos, como é da experiência geral, se prolongam e continuam a sentir e apenas progressivamente se vão atenuando.

14ª.- Sendo razoável, para o efeito, o período de 15 meses considerado pela arrendatária – de Março de 2020 a Junho de 2021 – a solução justa e equitativa era e é de atribuir à senhoria 5 rendas, imputando à arrendatária as restantes 10, numa repartição dos riscos extraordinários da pandemia de 1/3 para aquela e 2/3 para esta.

15ª.- Sabendo-se que a aplicação do artº 437º do CC tem aqui lugar, e que ele conferia à arrendatária, ora recorrente, o direito potestativo de requerer e obter a modificação equitativa do contrato de arrendamento no que toca à obrigação de pagamento das rendas, de modo a obter o perdão do pagamento das rendas então, se lhe assistia esse direito e a senhoria se recusa a reconhecer-lho, se a arrendatária suspende o pagamento das rendas até que aquela lhe reconheça o seu direito, então é a senhoria que, por isso e por ter recuado no acordo que anteriormente tinha aceite e passando a recusar aquela oferta, incorre em mora, nos termos do art. 813º do CC?

16ª.- Se é a senhoria que, desse modo, está em mora, não lhe assistia o direito de, como fez, resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento das rendas”.

Veja-se se assiste ou não razão à ré, começando por lembrar o “ambiente” em que se põe o problema – a chamada “crise COVID-19”.

Costuma pensar-se nas grandes alterações de circunstâncias como sendo natureza política, social ou económica[2].

Ora, a crise COVID-19 foi, em primeiro lugar, multidimensional, afectando todas, simultaneamente, estas e outras dimensões do ser humano (físicas, psicológicas, culturais). Superou, pois, neste sentido, a “grande depressão” de 1929 e a crise global de 2008.

Depois, ela alastrou-se, de forma mais ou menos simétrica e de forma mais ou menos sincrónica, a todo o globo. Diversamente de uma guerra, e até diversamente de uma guerra mundial, não existem lugares absolutamente seguros ou não contaminados.

Por fim, os seus efeitos produziram-se – produzem-se ainda – por muito tempo, o que é apenas lógico, dado o seu extraordinário alcance.

Em suma: a crise COVID-19 configura uma “modificação brusca das condicionantes estruturais da coexistência social”, isto é, uma “grande alteração das circunstâncias[3] – e uma em grau superlativo, que escapa às categorias dogmáticas habituais. Por isso, mais do que consentir intervenções pontuais, por iniciativa das partes, no domínio dos contratos, ela exige uma verdadeira reconformação do quadro em que se desenvolve a generalidade das relações jurídicas de carácter patrimonial.

Esta reconformação é – ou deve ser –, antes de mais, legislativa[4]. Mas quando não haja diploma específico há sempre regras e princípios de carácter geral – o artigo 437.º do CC) e, em especial, o princípio da boa fé.

Dispõe-se no artigo 437.º, n.º 1, do CC:

Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.

Sem pretender proceder a uma análise minuciosa da norma – porque impraticável e inoportuno –, é evidente que a crise COVID-19 configura uma alteração anormal das circunstância, portanto, se reconduz à hipótese regulada na norma.

No entanto, o artigo 437.º do CC não prevalece – não pode prevalecer – sobre o que a lei preveja em especial. Por outras palavras: há um princípio ou regra da prioridade das regras legais específicas sobre as regras legais genéricas, o que significa que o artigo 437.º do CC não tem aptidão para “arredar” nem para “se impor” àquilo que esteja disposto em lei especial.

Explica Menezes Cordeiro, decompondo o artigo 437.º do CC e referindo-se, em especial, à não cobertura dos riscos do contrato:

trata-se de conferir, ao dispositivo do artigo 437.º/1 natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco e, mais latamente, a todas as regras de imputação de danos[5].

Dando conta da sua concordância, diz Paulo Mota Pinto:

[a]lém desta repartição natural contratual dos riscos, é também necessário tomar em conta, na determinação dos ‘riscos próprios do contrato’, as normas legais das quais resulta tal afectação. O instituto da alteração anormal das circunstâncias é, como resulta da lei, de aplicação subsidiária em relação a essas outras regras legais de repartição do risco[6].

A mesma ideia é formulada e precisada por Nuno Manuel Pinto Oliveira:

o art.º 437.º do Código Civil, ao consagrar o requisito de que a alteração das circunstâncias, ou a lesão resultante da alteração das circunstâncias, não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato, deve representar-se como afloramento de um princípio de subsidiaridade das disposições legais sobre a alteração ou o desaparecimento da base do negócio – a parte prejudicada só terá o direito de modificação ou de resolução, desde que o risco de uma alteração anormal, imprevista ou imprevisível, das circunstâncias não tenha sido atribuído pelo contrato ou pela lei. Entre os corolários da subsidiaridade das disposições legais sobre a alteração ou o desaparecimento da base do negócio estão a prioridade das regras contratuais sobre as regras legais e a prioridade das regras legais específicas sobre as regras legais genéricas.

O princípio da prioridade das regras contratuais sobre as regras legais significa que as perturbações da base do negócio não podem ser consideradas na medida em que realizem um risco que, de acordo com o conteúdo e com o fim do contrato, deveria ser suportado pela parte prejudicada (=pela parte que pretende prevalecer-se dos efeitos da alteração); ainda que pudessem ser consideradas, por não realizarem um risco que, de acordo com o contrato, devesse ser suportado pela parte prejudicada, deveriam ser imputadas de acordo com as regras legais específicas – compreendendo as regras deduzidas da lei por interpretação e as regras deduzidas da lei por integração de lacunas (p.ex., por analogia, particular ou geral)[7].

Quer isto dizer, em primeiro lugar, que, como bem afirmou o Tribunal recorrido, a suspensão generalizada das actividades económicas com fundamento na crise COVID-19, não desencadeia, por si só, a possibilidade de funcionamento do instituto da alteração anormal das circunstâncias; há que ter em conta a repartição do risco que está pressuposta no contrato em causa.

Quer isto dizer, em segundo lugar, que, existindo normas legais regulando especialmente a situação, o disposto no artigo 437.º, n.º 1, do CC perde a sua relevância. Nenhuma das parte tem o direito de impor à outra parte qualquer modificação do contrato que exorbite do especificamente regulado na lei.

A este propósito, recorde-se que a Lei n.º 4-C/2020, de 6.04 veio estabelecer um regime excepcional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da crise COVID-19. Relevam, em especial, os artigos 7.º e 8.º.

O artigo 7.º da Lei n.º 4-C/2020, sobre a quebra de rendimentos dos arrendatários não habitacionais, tem o seguinte teor:

O presente capítulo aplica-se:

a) Aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência, bem como, após a sua cessação, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19 que determine o encerramento de instalações ou suspensão de atividades, incluindo nos casos em que estes mantenham a prestação de atividades de comércio eletrónico, ou de prestação de serviços à distância ou através de plataforma eletrónica; b) Aos estabelecimentos de restauração e similares, encerrados nos termos das disposições anteriores, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio, nos termos previstos no Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou em qualquer outra disposição que o permita [8].

Por seu turno, no artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020, sobre o diferimento de rendas de contratos de arrendamento não habitacionais, dispõe-se:

1 - O arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas:

a) Nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente;

b) Nos meses em que, ao abrigo de disposição legal ou medida administrativa aprovada no âmbito da pandemia da doença COVID-19, seja determinado o encerramento das suas instalações ou suspensão da respetiva atividade;

c) Nos três meses subsequentes àquele em que ocorra o levantamento da imposição do encerramento das suas instalações ou da suspensão da respetiva atividade.

2 - Nos casos previstos no número anterior:

a) O diferimento não pode, em qualquer caso, aplicar-se a rendas que se vençam após 31 de dezembro de 2020;

b) O período de regularização da dívida tem início a 1 de janeiro de 2021 e prolonga-se até 31 de dezembro de 2022;

c) O pagamento é efetuado em 24 prestações sucessivas, de valor correspondente ao resultante do rateio do montante total em dívida por 24, liquidadas juntamente com a renda do mês em causa ou até ao oitavo dia do calendário de cada mês, no caso de renda não mensal.

3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do número anterior, o montante total em dívida exclui as rendas vencidas e já pagas, as quais se consideram, para todos os efeitos, liquidadas.

4 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, o arrendatário pode, a qualquer altura, proceder ao pagamento total ou parcial das prestações em dívida.

5 - Os senhorios cujos arrendatários deixem de pagar as rendas nos termos dos n.os 1 e 2 podem solicitar a concessão de uma linha de crédito com custos reduzidos, a regulamentar, para suportar a diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação ao rendimento mensal ou à faturação mensal do senhorio, de uma taxa de esforço máxima de 35 %, cuja demonstração é efetuada nos termos da portaria a aprovar pelo membro do Governo responsável pela área da economia[9].

Não é indefensável que a ré se integre no grupo dos arrendatários abrangidos pela Lei n.º 4-C/2020, na qualidade de titular de um estabelecimento do tipo referido no artigo 7.º[10], que teve a actividade suspensa ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020 de 20.03 (cfr. artigo 9.º, n.º 1, e Anexo II, n.º 33). A ser assim, ser-lhe-ia aplicável o disposto no artigo 8.º[11].

A verdade é que o problema suscitado no presente recurso nunca poderia ser resolvido por aplicação directa da Lei n.º 4-C/2020: a recorrente alega que não tinha / não deveria ter a obrigação de pagar as rendas durante certo período e o artigo 8.º daquela Lei não responde – não responde expressamente – a esta questão.

Em qualquer caso, como bem salientou o Tribunal a quo, sempre a Lei n.º 4-C/2020 é susceptível de funcionar como critério orientador para a solução a dar a situações aí não reguladas. Quer isto dizer que a resposta a dar ao presente caso não pode distanciar-se fundamentalmente da resposta fornecida pelo legislador para casos próximos.

É visível (perpassa, claramente, da norma) que não houve, da parte do legislador, a intenção de dispensar os arrendatários, em arrendamentos para fins não habitacionais, da obrigação de pagar a renda, mas tão-só a de lhes permitir o adiamento ou diferimento do pagamento das rendas vencidas em determinado período – numa palavra: criar uma moratória para o pagamento das rendas devidas. Esta opção legislativa (sobretudo as valorações em que assenta) tem de ser ponderada na decisão do presente caso, por razões que se prendem, em primeira linha, com o princípio da igualdade.

São especialmente oportunas as palavras de Carneiro da Frada:

As grandes alterações das circunstâncias, quando surgem, desencadeiam normalmente um quase inevitável espaço de tensão entre o legislador e os tribunais. O primeiro, na tentativa de dar uma resposta genérica, mediante a autoridade da lei, a problemas social ou economicamente sensíveis e transversais, que requerem visão estratégica de conjunto e uniformidade de critério. Os segundos porque, sem deixarem de respeitar e reconhecer as responsabilidades próprias do legislador, se não podem demitir de julgar hic et nunc, segundo o Direito, com recurso a critérios universalizáveis (cf. o art. 8.º/3), problemas concretos de justiça contratual.

A tensão agrava-se quando as intervenções legislativas são desiguais e criam distorções no sistema jurídico. Opções políticas singulares seguidas, em pontos concretos do sistema, pelo legislador (por exemplo, no arrendamento) podem provocar “réplicas” imediatas em muitos outros âmbitos à luz do princípio da igualdade, frustrando esse princípio cardinal se não forem correspondidas. Nenhuma lei ou legislador — com ou sem motivações políticas — se encontra, com efeito, acima, ou consegue escapar ao juízo sindicante do valor superior da Justiça que imediatamente convoca o art. 437.º/1.

Não constitui certamente vocação dos tribunais solucionar com carácter de generalidade os problemas socio-económicos colocados por uma grande alteração das circunstâncias (como a presente pandemia). É mesmo muito de saudar o seu comedimento e a sua abstenção de procurar transformar de forma pretoriana as estruturas socio-económicas.

Mas o poder jurisdicional não está, nem por isso eximido do controlo que, segundo o Direito, lhe compete — por missão (originariamente) própria (e não delegada pelo legislador) — do controlo da exigibilidade das obrigações assumidos pelos contratos ao abrigo do art. 437.º/1[12].

A fundamentação do Tribunal recorrido ilustra bem este raciocínio:

estando demonstrado que as rendas vencidas (pelo menos) entre 1/9/2020 e 1/12/2020, e entre 1/4/2021 e 1/6/2021, não foram pagas pela R. à A., nem depositadas nos termos gerais, a circunstância de estar a ser discutida a modificação do contrato, no que respeita à extinção da obrigação de pagamento das rendas vencidas entre 1/4/2020 e 1/8/2020, permitia à R. resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas em 1/9/2020 e nos meses subsequentes, assim se podendo afirmar a validade da declaração de resolução comunicada pela notificação judicial avulsa de 29/6/2021.

E, nesta medida, improcedem as conclusões do recurso da R., no que respeita à pretendida aplicação do instituto da modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias, como forma de tornar inválido o direito à resolução do contrato que o tribunal recorrido afirmou.

Por outro lado, os efeitos da referida alteração das circunstâncias, no que respeita à modificação do contrato, nos referidos meses de Abril e Maio de 2020, e de Janeiro a Março de 2021, não poderiam conduzir à extinção do direito de crédito da A. correspondente ao recebimento das rendas no dia 1 de cada um desses meses, mas apenas ao diferimento do pagamento de cada uma das mesmas.

Com efeito, importa não esquecer que, como bem se observa na sentença recorrida, a pandemia de Covid-19 demandou uma produção legislativa de carácter excepcional e temporário, de onde avultam, entre muitas outras regras, aquelas aplicáveis aos arrendamentos, habitacionais e não habitacionais.

Assim, e de acordo com o art.º 8º da Lei 4-C/2020, de 6/4, nos contratos de arrendamento não habitacionais foi admitido ao arrendatário o diferimento do “pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa”.

Tal preceito legal, embora não aplicável directamente ao caso dos autos (desde logo porque a R. nunca declarou à A. pretender o diferimento do pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigorou o estado de emergência, mas a extinção pura e simples da obrigação de pagamento das mesmas), serve como auxiliar interpretativo para a definição dos juízos de equidade que devem estar presentes na modificação do programa contratual, durante os períodos acima referidos (Março a Maio de 2020 e Janeiro a Março de 2021).

Com efeito, se a regra que emerge do nº 1 do art.º 437º do Código Civil tem carácter genérico e indeterminado, carecendo de ser interpretada de acordo com a especificidade revelada pelo caso concreto, e se a situação em que se integra o caso concreto (a ocorrência da pandemia de Covid-19 e suas consequências) demandou uma produção legislativa de carácter excepcional, qualquer norma daí emergente que preveja situação idêntica à do caso concreto sempre se há-de considerar como norma interpretativa daquela norma de carácter indeterminado, na medida em que densifica a mesma.

Assim, e no caso concreto, há-de entender-se que a recondução dos princípios da boa fé, que foram abalados pelo evento imprevisto e anormal (as referidas restrições de circulação) que impediu a R. de levar a cabo a sua actividade de exploração do alojamento local, por falta de clientes para tanto, durante os meses de Abril e Maio de 2020 e de Janeiro a Março de 2021, passa tão só pelo diferimento do pagamento das rendas vencidas durante esses cinco meses, para o início de Julho de 2021, não só porque este é o momento em que, de facto, cessou o estado de emergência (na perspectiva da retoma completa da actividade económica, com a chegada do período estival, como foi público e notório), mas igualmente porque corresponde ao momento subsequente à notificação judicial avulsa da R. (através da qual esta não mais podia ignorar que estava em falta com o cumprimento daquelas obrigações pecuniárias).

Já a consideração da extinção da obrigação do pagamento das cinco rendas em questão (ou de quaisquer outras cinco, das rendas vencidas desde Abril de 2020 a Junho de 2021) representaria um desequilíbrio intolerável da situação de igualdade que as partes devem prosseguir na execução do contrato. Com efeito, e não obstante estar verificado que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar se prenderam com a obtenção de proventos para ambas, dispensar a R. da obrigação de pagar as rendas à A., sem que correspectivamente a A. ficasse dispensada de pagar a amortização do empréstimo (ou pudesse passar a dispor da sua fracção para a fazer frutificar por forma alternativa, mantendo o escopo contratual objectivo de obtenção de verbas para a referida amortização), significaria estar a atender à vontade da R. de não perder os seus proventos, mas com dispensa do cumprimento do seu dever contratual de contribuir para a prossecução do igual interesse negocial da A.

E é por isso que o legislador extraordinário não estatuiu no sentido da extinção da obrigação do pagamento da renda, mas apenas no diferimento desse pagamento, porque no escopo geral dos arrendamentos para fins não habitacionais só assim logrou assegurar o respeito pela boa fé que deve enformar a execução de todo e qualquer contrato, mesmo que essa execução se veja atingida por eventos imprevisíveis, como as referidas consequências da pandemia de Covid-19.

Assim, mantendo-se a obrigação de pagamento das rendas vencidas em Abril e Maio de 2020 e em Janeiro a Março de 2021, e verificado o atraso nesse pagamento, a consequência do mesmo é o pagamento de juros de mora sobre as rendas em questão, mas contados tão só desde 1/7/2021, e não desde o vencimento de cada uma das mesmas, no dia 1 de cada um dos meses em questão”.

O Tribunal recorrido decidiu, em suma, que existia fundamento para a modificação do contrato, mas não nos termos preconizados pela ré e sim, tão-só, no que respeitava à contagem dos juros de mora respeitantes às rendas vencidas em Abril e Maio de 2020 e em Janeiro, Fevereiro e Março de 2021. No entender do Tribunal, a contagem destes juros deveria iniciar-se apenas em 1.07.2021, uma vez que só nesta data haviam cessado, em definitivo, as medidas legislativas excepcionais e temporárias que impediam a plena fruição dos imóveis pelos arrendatários.

Considerando tudo o que se viu até aqui, não há dúvidas de que o Tribunal recorrido decidiu bem, aplicando o instituto da alteração das circunstâncias de uma forma ponderada e equilibrada.

É verdade que a ré sofreu com a retracção do turismo resultante da crise COVID-19. Mas, parafraseando Carneiro da Frada, “as 'grandes' alterações das circunstâncias, enquanto alterações globais dos parâmetros fundamentais da coexistência social, são na realidade um risco de todos, a que todos estão sujeitos, a cujos danos ninguém pode pretender eximir-se à custa de outrem e que não devem conduzir a permitir benefícios integrais a uma das partes com prejuízo da outra[13].

A medida do diferimento da contagem dos juros aplicada pelo Tribunal recorrido é, simultaneamente, adequada (opera uma distribuição adequada do sacrifício entre as partes do contrato) e concretizadora do princípio da igualdade (considera e integra, com as adaptações devidas, as valorações implícitas à regulação de casos próximos)[14].

Decorre daqui que a resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas, que foi operada através da notificação extrajudicial avulsa feita, em 29.06.2021, pela autora à ré, em conformidade com o artigo 1084.º, n.º 2, do CC, é manifestamente lícita.

Resta saber se, além da condenação no pagamento das rendas, com o juros de mora devidos, a ré deve ser ainda condenada a pagar uma indemnização por falta de restituição do locado nos termos do artigo 1045.º do CC. Eis a segunda questão.

Da indemnização por falta de restituição do locado nos termos do artigo 1045.º do CC

O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que, tendo a ré sido notificada da resolução do contrato através da notificação de 29.06.2021, ela tinha a obrigação de entrega do locado após o decurso do prazo de trinta dias contado desde a data da notificação, por força do disposto do artigo 1087.º do CC e, não o tendo feito, é responsável, a partir desse momento, pelo pagamento de uma indemnização de valor correspondente ao dobro das rendas a pagar durante o período em que durar o incumprimento.

Explicou o Tribunal a quo que:

(…) em todos os casos em que o momento em que o contrato de arrendamento se tem por findo não coincide com o momento em que o arrendatário está obrigado a restituir o local arrendado, fica este obrigado a continuar a pagar ao senhorio o valor devido a título de renda, já não enquanto tal (porque a obrigação de pagamento da renda não subsiste mais, como efeito do fim do contrato), mas enquanto indemnização por se manter na detenção do local arrendado e assim impedir o senhorio (em bom rigor terminológico, o ex-senhorio) de usar e fruir do mesmo.

Um dos casos em que tais momentos não são coincidentes é aquele em que o contrato cessa porque o senhorio exerceu o direito à resolução a que respeita o art.º 1083º do Código Civil, já que resulta do art.º 1087º do Código Civil que a desocupação só é exigível após o decurso do prazo de um mês a contar da resolução.

Assim, e reconduzindo tais considerações ao caso concreto, logo se alcança a razão que assiste à A., no sentido da indemnização devida pela não desocupação da fracção arrendada, após o decurso do prazo de um mês contado da notificação da R. de 29/6/2021, ser elevada ao dobro daquela devida durante esse prazo.

Sustenta a R., na sua alegação de resposta ao recurso da A., não haver lugar ao pagamento de qualquer indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, já que entende que a não restituição não lhe é imputável, porque não foi interpelada para tanto, e só se devendo considerar em mora quanto ao cumprimento da obrigação de restituição com tal interpelação, mas não quando terminou o contrato de arrendamento.

Basta atentar no teor do art.º 1087º do Código Civil para concluir pela falta de fundamento da posição da R.

Com efeito, não carecendo a resolução do contrato por falta de pagamento das rendas de ser declarada judicialmente, já que opera pela comunicação do senhorio ao arrendatário, nos termos previstos no nº 2 do art.º 1084º do Código Civil, e resultando do art.º 1087º do Código Civil o momento em que a restituição do local arrendado é devida, ainda que diferidamente em relação ao momento do fim do contrato, com a referida comunicação a R. ficou a saber o exacto momento em que tinha de desocupar o local arrendado.

Ou seja, está-se perante um dos casos a que alude a al. a) do nº 2 do art.º 805º do Código Civil, quanto ao momento a considerar para a constituição em mora, pois que se está perante obrigação que tem prazo certo para ser cumprida (neste caso, determinado por via legal), assim se prescindindo da interpelação a que alude o nº 1 do art.º 805º do Código Civil, para considerar o devedor (neste caso, a R.) constituído em mora (…)”.

Contra-argumenta a ré, no essencial, que:

27ª.- Não tendo a Autora interpelado a Ré para fazer a entrega do locado nos termos referidos nas duas conclusões anteriores, não podia nem pode aquela última ser considerada em mora e ser obrigada a pagar o valor da indemnização previsto no nº 2 do citado art. 1045º do CC (muito menos quando isso implica retirar o correspondente benefício em directo prejuízo da Ré e à custa das negociações que, com a sua participação consensual, decorreram pelo longo prazo a que agora pretenderia fazer corresponder aquela indemnização)”.

Não lhe assiste, porém, razão, tendo o Tribunal recorrido dito o que era fundamental para compreender por que razão a ré deve ser condenada pelo pagamento de indemnização correspondente ao dobro do valor da renda.

Como é sabido, o artigo 1045.º do CC cria para o locatário o dever de indemnização (pagamento da renda em singelo e, porventura, em dobro) em caso de atraso na restituição do locado.

Dispõe-se nesta norma:

1 - Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.

2 - Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”.

Este é um dever de indemnização em sentido próprio e um dever de indemnização que, como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, tem “natureza claramente contratual[15].

Conforme o disposto naquele artigo 1045.º do CC, o valor da indemnização é, em regra, correspondente ao valor da renda estipulada durante o período em que perdurar o incumprimento daquela obrigação, sendo o valor da renda elevado para o dobro logo que haja mora.

No caso em apreço, por força dos artigos 1081.º, n.º 1, e 1087.º do CC, a ré / arrendatária constituiu-se na obrigação de desocupação e restituição do locado à autora no momento da resolução do contrato (em 29.06.2021) e, por aplicação do disposto na al. a) do n.º 2 do art.º 805º do CC, entrou em mora – note-se: independentemente de interpelação – decorrido um mês sobre a resolução do contrato (a partir de 31.07.2021).

Teve razão, por conseguinte, o Tribunal recorrido em condenar a ré ao pagamento de uma indemnização no valor correspondente ao montante da renda em singelo relativa ao período entre 29.06.2021 e 30.07.2021, nos termos do artigo 1045.º, n.º 1, do CC, a que acresce o valor da renda em dobro por cada mês desde 31.07.2021 (data de constituição em mora) até à data da restituição do locado, nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do CC.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pela ré / recorrente.


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Lisboa, 11 de Maio de 2023

Catarina Serra (Relatora)

Cura Mariano

Fernando Baptista

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[1] Note-se que não é possível considerar questões introduzidas ex novo nem sede de recurso. Como se diz no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7.04.2005 (Proc. 05B175): “I - Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas; II - Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso”. Veja-se ainda, mais recentemente, entre tantos outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 2.02.2023 (Proc. 314/19.6YHLSB.L2.S1), de cujo sumário consta: “Os recursos existem para conhecer de questões versadas no acórdão recorrido e não para suscitar questões novas”. Qualifica-se, aparentemente, como questão nova a questão vertida nas conclusões 17.ª a 23.ª, sobre a inexistência / insuficiência de título executivo, que não foi formulada – ou, pelo menos, não foi formulada nos termos actuais – antes do presente recurso. Diga-se, de qualquer forma, que a resposta dada, a final, ao presente recurso é suficiente para que não persista qualquer dúvida quanto à licitude da resolução do contrato de arrendamento e dos efeitos jurídicos que se retiram da cessação deste contrato – em suma, quanto à conformidade legal da decisão recorrida na parte impugnada.
[2] Cfr., por exemplo, Manuel A. Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias – Contratos de depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”, in: Forjar o Direito, Coimbra, Almedina, 2015, p. 71.
[3] Cfr. Werner Flume, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, Zweiter Band – Das Rechtsgeschäft, Berlin, Springer, 1992, pp. 523-524, e, ainda, Manuel A. Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias – Contratos de depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”, cit., p. 70.
[4] Pronunciando-se sobre a alteração unilateral dos contratos com base na alteração anormal das circunstâncias, conclui Rui Pinto Duarte (“A alteração unilateral de contratos de financiamento”, in: Escritos Jurídicos Vários 2000-2015, Coimbra, Almedina, 2015, p. 807) que “[n]a verdade, quando os desequilíbrios contratuais se massificam, só o legislador dispõe de bons meios para fazer face às necessidades sociais”, acrescentando, já a propósito da hipótese de intervenção legislativa e do seu enquadramento constitucional que “[i]ntervenções que põem em causa direitos constituídos levantam problemas de constitucionalidade, mas estão longe de ser necessariamente inconstitucionais”.
[5] Cfr. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em geral, CIDP / Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra, Almedina, 2021, p. 279 (sublinhados nossos).
[6] Cfr. Paulo Mota Pinto, “O contrato como instrumento de gestão do risco de ‘alteração das circunstâncias’”, in: António Pinto Monteiro (coord.), O contrato na gestão do risco e na garantia da equidade, Coimbra, Instituto Jurídico, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, p. 92 (sublinhados nossos).
[7] Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, “A alteração das circunstâncias 55 anos depois”, in: Julgar, 2021, n.º 44, p. 197 (sublinhados nossos). Cfr. ainda Nuno Manuel Pinto Oliveira, “Sobre a subsidiaridade do regime da alteração das circunstâncias”, in: Estudos Comemorativos dos 20 Anos da FDUC, volume II, Porto, Almedina, 2017, pp. 388-416.
[8] Note-se que o artigo 7.º da Lei n.º 4-C/2020 foi alterado pela Lei n.º 17/2020, de 29.05.
[9] Note-se que o artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020 foi alterado pela Lei n.º 17/2020, de 29.05, e pela Lei n.º 45/2020, de 20.08.
[10] Recorde-se que a ré é uma sociedade que tem como objecto social, designadamente, o arrendamento, a gestão de bens imobiliários e sua administração e celebrou com a autora um contrato de arrendamento com o objectivo de destinar a fracção arrendada a subarrendamento ou alojamento local (cfr. factos provados 2 e 3).
[11] Note-se que o documento intitulado “Normas procedimentais para aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril”, emitido pelo Ministério das Finanças (Direcção-Geral do Tesouro e Finanças) (https://www.dgtf.pt/ResourcesUser/DestaquesHomepage/DGTF/NormasProcedimentais_Lei4C_2020.pdf) autorizava a extensão a contratos funcionalmente afins dos contratos de arrendamento (que é a forma padrão de proporcionar o uso e a fruição de imóveis), o que permite pressupor que é aplicável a todos estes sem excepção. Diz-se aí nos considerandos: “A Lei nº 4‐C/2020, de 6 de abril, veio estabelecer um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID‐19, permitindo a famílias e empresas adiar o pagamento das rendas devidas, principalmente, pela execução de contratos de arrendamento. O referido regime, embora gizado nas relações jurídicas do arrendamento, é extensível, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais, e que hão de traduzir‐se numa situação jurídica de uso e fruição similar à do arrendamento, já que é essa a forma padrão da lei, e que, no âmbito do domínio privado do Estado, pode revelar‐se, essencialmente, na cedência de utilização e na constituição do direito de superfície ‐ desde que se destinem a finalidades comerciais” (sublinhados nossos).
[12] Cfr. Manuel Carneiro da Frada, “A alteração das circunstâncias à luz do COVID-19 – Teses e reflexões para um diálogo”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2020, vol. I/II, p. 159.
[13] Cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias – Contratos de depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras”, cit., p. 71.
[14] Veja-se, com preocupações idênticas e chegando a solução próxima, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7.10.2021 (Proc. 46168/20.0YIPRT.G1), em cujo sumário pode ler-se: “I. A Covid-19 constitui um exemplo claro de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas das partes, e a cujo domínio e controlo escapam completamente. II. A repercussão jurídica da Covid-19 deve ser repartida por igual (igualdade não no sentido formal – no sentido de matematicamente igual -, mas antes material, ou seja, deforma equitativa) de forma a que não se criem desequilíbrios na distribuição do risco contratual”.
[15] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 406.