Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99S188
Nº Convencional: JSTJ00038864
Relator: ALMEIDA DEVEZA
Descritores: TRABALHO POR TURNOS
FERIADOS
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE TURNO
TRABALHO AO DOMINGO
TRABALHO EM DIA FERIADO
Nº do Documento: SJ199910270001884
Data do Acordão: 10/27/1999
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 81/99
Data: 03/15/1999
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - REG COL TRAB.
Legislação Nacional: CCTV INDÚSTRIA VIDREIRA IN BTE N29 DE 1979/08/08 CLAUS39 N2 CLAUS40 N2 N3 N4 N5.
DL 409/71 DE 1971/09/27 ARTIGO 11 N1 N2 ARTIGO 23 N1 N2 ARTIGO 26 N1 N2 ARTIGO 27 ARTIGO 28.
LCT69 ARTIGO 82 N2.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC212/97 DE 1998/02/11.
ACÓRDÃO STJ PROC94/99 DE 1999/06/02.
Sumário : I - O esquema dos turnos postula horários de trabalho não uniformes ou de tal modo articulados que o termo do período de um trabalhador coincide com o início do de outro.
II - Tal não implica o regime de trabalho suplementar, o que só se poderá verificar em face da ultrapassagem do horário, ou que o trabalhador tenha de trabalhar no próprio dia de descanso semanal arbitrado em substituição do Domingo.
III - Será de toda a conveniência que, no apuramento dos complementos salariais, os cálculos sejam feitos com recurso à remuneração base, para evitar duplicações em tais cálculos ao serem integrados nos ditos complementos que já haviam sido levados em conta, duplicação esta muitas vezes ocasionada pela deficiente redacção dos textos legais, das Convenções Colectivas, dos Contratos Colectivos ou dos contratos individuais ( de Trabalho).
IV - O benefício concedido pelo n. 2 da Cláusula 40ª do CCT celebrado entre a Associação dos Industriais de Vidro e de Embalagens e outras e a Federação Nacional dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro e outras, inserto no BTE, n. 29, de 8-8-1979, destina-se a compensar a penosidade pelo serviço prestado, entre outros, nos dias feriados.
V - Assim sendo, se o trabalho a ter em conta foi sempre efectuado independentemente de se tratar ou não de dia feriado, local ou nacional, recebendo o trabalhador, por isso, subsídio de turno, tal subsídio destina-se a compensar a penosidade de se trabalhar por turnos.
VI - Não se tendo demonstrado que os feriados em que o autor trabalhou, e cuja remuneração pede, não faziam parte dos seus turnos, então a penosidade do seu trabalho estava compensada pelo subsídio de turno.
VII - O acréscimo constante da Cláusula 40ª, n. 5, do CCT para a Indústria Vidreira (BTE n. 29, de 28-8-79), apenas se reporta à retribuição de base, com exclusão do subsídio de turno, até porque se o trabalhador recebe este subsídio, por trabalhar no seu turno, nada justifica que o receba com acréscimo.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

I - A, com os sinais dos autos, intentou acção com processo ordinário emergente de contrato de trabalho contra B, SA também com os sinais dos autos, pedindo que a R seja condenada a pagar-lhe:
a) a quantia de 4217280 escudos, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação;
b) as quantias que vierem a apurar-se em liquidação de sentença relativamente quer aos feriados (subsídio de turno) em que o A venha a trabalhar, a partir de 1-12-1994, quer aos dias de descanso semanal que a R não facultar, a partir daquela mesma data.
Alega, em resumo, que, mediante pertinente contrato de trabalho, exerce a sua actividade para a R, estando classificado como "escolhedor de tapete" desde 1-7-1988; desde a data da sua admissão, sempre trabalhou em regime de turnos: num dia das 8 às 16 horas, no dia seguinte das 16 às 24 horas e no dia seguinte das 0 às 8 horas, e assim sucessivamente; o trabalho no referido horário sempre foi efectuado, independentemente de se tratar ou não de dias feriados locais ou nacionais; face ao sistema de turnos referidos o CCTV aplicável, consignou para o A o direito a receber um subsídio mensal de turno, pago conjuntamente com o ordenado, o qual é igual para todos os trabalhadores, independentemente das respectivas categorias profissionais, ordenados base ou antiguidade; entre 1988 e 1994 a R sempre pagou a todos os trabalhadores de turnos, quer os 30 dias de férias anuais, quer no respectivo subsídio de férias, quer ainda no subsídio de Natal, as quantias referentes ao subsídio de turno contratualmente devidas e em caso de falta sempre deduziu no montante global da retribuição mensal (ordenado+subsídio de turno) o equivalente a 1/30 do valor da retribuição por cada dia de falta; contudo, relativamente aos trabalhadores de turnos nos casos de trabalho prestado em dias de descanso obrigatório, feriado ou dia de descanso complementar, a R nunca pagou os 2/30 do subsídio mensal de turno, tal como impõe a cláusula 40ª, n. 2 do CCTV aplicável, mas apenas 2/30 do salário base; durante todo o período em que prestou trabalho no regime de turnos, não gozou, como tinha direito, por força da cláusula 35ª do referido CCTV, dois dias de descanso, ou na terminologia do contrato, em média 48 horas após 5 ou 6 dias de trabalho consecutivo.
A R contestou não negando os factos articulados pelo A, mas afirmando que o acréscimo salarial decorrente do trabalho prestado em dias de feriado ou de descanso, no caso dos trabalhadores por turnos, apenas tem que incidir sobre o salário base e não também sobre o subsídio de turno; que o regime de turnos rotativos que foi estabelecido na R não viola o direito ao período de descanso semanal e complementar do A, visto que o horário do mesmo nunca ultrapassa, em média, as 42 horas semanais e que de 5 em 5 dias o A acaba por não trabalhar 48 horas.
Foram juntos dois Pareceres de Ilustres jurisconsultos.
A acção foi decidida no Saneador onde, julgando-se a acção parcialmente procedentes, se condenou a R a "pagar ao Autor A, a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal, em consequência do trabalho por ele prestado em dias feriados e de descanso semanal e complementar, no período decorrido entre 1-7-1988 e a data da petição (2-12-1994) e posteriormente, caso o tenha prestado, correspondente à diferença entre o que lhe foi pago e o que deveria ter recebido em consequência da decisão de que o acréscimo de 200% previsto pela Cláusula n. 40ª, n. 2, do CCTV aplicável deveria e deverá incidir sobre o somatório do salário base + o subsídio de turno e não apenas sobre o salário base; e julgou-se a acção improcedente quanto ao segundo pedido - o referido acima soba a alínea b).
Não se conformando com a decisão condenatória a R apelou do Saneador Sentença para o Tribunal da Relação do Porto, restringindo a apelação à questão de se saber se o acréscimo de 200% sobre a retribuição diária previsto no n. 2 da Clª 40ª da CCTV deve ou não incidir no subsídio de turno por trabalho prestado em dia feriado. A Relação, julgando improcedente a apelação, confirmou a decisão recorrida.
II - De novo irresignada a R recorreu de Revista para este Supremo tendo concluído as suas alegações da forma seguinte:
1) A questão objecto do presente recurso é de direito e consiste em saber se a retribuição diária sobre a qual é calculado o acréscimo de 200% que visa compensar o trabalhador que preste trabalho em dia feriado, de descanso semanal ou complementar, tal como se encontra previsto no n. 2 da cláusula 40ª do CCT celebrado entre a Associação dos Industriais de Vidro e de Embalagens e outras e a Federação Nacional dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimento e Vidro e outras (BTE, n. 29 de 8-8-1979) compreende ou não o valor do subsídio de turno;
2) A resposta a esta questão exige, por um lado, uma consideração sobre a natureza e função do subsídio de turno e, por outro lado, uma consideração sobre a razão de ser do acréscimo retributivo estipulado na citada cláusula;
3) O trabalho em regime de turnos rotativos envolve uma penosidade específica, que é caracterizada pelo facto de acarretar para o trabalhador uma maior instabilidade e irregularidade na organização da sua vida pessoal, familiar e social e, bem assim, na estruturação dos seus tempos de repouso e lazer e que, por isso, determina um coeficiente de desgaste físico e mental que acrescem ao normal dispêndio de energias exigido pelo exercício da actividade contratada;
4) O subsídio de turno surge, assim, uma modalidade típica de compensação do coeficiente do desgaste e penosidade que a rotatividade dos períodos de trabalho acarreta ao trabalhador.;
5) Tal penosidade é, no entanto, independente da natureza e da quantidade do trabalho prestado, no sentido de dizer que a penosidade especificamente suportada pelo trabalho prestado num dia de feriado -e pelo facto de tal dia ser feriado- não é maior, quanto a um trabalhador em regime de turnos, do que quanto a um qualquer trabalhador;
6) A penosidade que se visa compensar com o subsídio de turno é bem diferente e distinta daquela que se pretende compensar com o acréscimo remuneratório estipulado no n. 2 da cláusula 40ª;
7) Com efeito,o referido acréscimo compensatório visa compensar o trabalhador pelo facto de trabalhar num dia em que a generalidade das pessoas descansa, sendo o carácter especificamente penalizante pela indisponibilidade que tal prestação envolve, por ser tempo de trabalho e não de descanso, num dia que geralmente oferece autodisponibilidade às pessoas e por ser impeditivo da participação do trabalhador que trabalhou nesse dia de participar, como o resto da comunidade, nas festividades a que o feriado correspondeu;
8) Estas são as razões que justificam o acréscimo remuneratório;
9) Sendo as penosidades diferentes, e até onde a natureza intrínseca dos interesses em presença o não imponha, não devem tais penosidades misturar-se dando-se a uma um prémio que é de outra e vice-versa;
10) Mesmo que não se conteste a natureza retributiva do subsídio de turno, impõe-se no caso em apreço interpretar e aplicar o n. 2 da cláusula 40ª do CCTV tendo em consideração o carácter autónomo e especial daquele subsídio, designadamente, a sua função no processo das contrapartidas económicas a que o trabalhador tem direito;
11) Assim, o acréscimo de remuneração que cada uma das referidas penosidades dá lugar não devem nem pode perder-se de vista que, com ele, se querem compensar penosidades diferentes;
12) Tornando-se desse modo bem claro que a remuneração acrescida pelo trabalho prestado em dia feriado, descanso semanal e complementar só pode e só deve reflectir-se no vencimento base: é que a prestação de trabalho em regime de turno é fonte, sempre, da mesma penosidade, quer o turno obrigue a trabalhar em dia útil quer, por escala, em dia feriado;
13) É nestes termos fácil de concluir, no respeito dos interesses em presença, que só o ordenado base pode ser remuneração para o efeito do disposto na cláusula 40ª do CCTV: o subsídio de turno não deve, assim, triplicar (100% + 200%) porque não triplica a penosidade que o mesmo visa compensar;
14) Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido violou o disposto na cláusula 40ª do CCTV para a Indústria Vidreira que é lei entre as partes, bem como o princípio da igualdade constitucionalmente consagrada no art. 13 da CRP mais tendo feito uma interpretação literalista da referida cláusula que não atentou na sua ratio nem ao elemento interpretativo que se pode retirar do respectivo n. 5;
15) As conclusões anteriores mostram-se inteiramente confirmadas no PARECER que foi junto aos autos pela ora recorrente da autoria do Prof. Monteiro Fernandes que para os efeitos da presente Revista de novo se oferecem;
16) O entendimento propugnado pela Recorrente já mereceu o acolhimento deste S.T.J., julgando no Proc. n. 217/97, desta Secção Social, num caso idêntico ao dos presentes autos e onde estiveram envolvidos outros trabalhadores da Recorrente;
17) Nele foi dado ganho de causa à Recorrente, justamente por se ter entendido que o acréscimo de 200% sobre a retribuição diária recai sobre esta, mas não sobre o subsídio de turno quando o trabalho é prestado em dia feriado (Cfr. Acórdão do STJ, de 11-02-98);
18) Como se pode ler no indicado Aresto "o subsídio de turno só é devido se e enquanto persistir a situação que o fundamenta. Ora se o trabalhador recebe o subsídio por trabalhar no seu turno, nada justifica que o receba com acréscimo".
Termina pedindo a revogação do Acórdão recorrido, concedendo-se a Revista.
Não houve contra alegações.

III -A- Neste Supremo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a Revista, parecer esse que foi notificado às partes, que nada disseram.
Foram corridos os vistos legais. Cumpre decidir
III -B- A matéria de facto que vem dada como provada é a seguinte:
1) O A trabalha sob a direcção da R, desde 1-7-1988;
2) O A sempre foi, como é, associado do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Vidreira e a R da Associação dos Industriais de Vidro e Embalagem, regendo-se a relação juslaboral pelo CCTV da Indústria Vidreira (BTE n. 29, de 8-8-1979);
3) O A está classificado como "escolhedor de tapete";
4) Desde a data de admissão, o A sempre trabalhou em regime de turnos, num dia das 8 às 16 horas, no dia seguinte das 16 às 24 horas, no dia seguinte das 0 às 8 horas e assim sucessivamente;
5) O trabalho do A sempre foi efectuado, independentemente de se tratar ou não de dia ou dias feriados, locais ou nacionais, o que é, aliás, característico do trabalho por turnos;
6) Face à maior penosidade deste sistema de trabalho, o falado CCTV consignou para o A o direito a haver da R um subsídio mensal de turno, pago conjuntamente com o ordenado;
7) O montante desse subsídio mensal é sempre igual para todos os trabalhadores da R, independentemente das respectivas categorias profissionais ordenados de base ou antiguidades;
8) Nos anos de 1988 a 1994, ambos inclusive, a R pagou mensalmente ao A (bem como aos demais trabalhadores de turnos), para além do ordenado base, um subsídio de turno mensal, cujo montante foi sendo actualizado pela forma seguinte:
1988: - 12075 escudos;
1989: - 13370 escudos;
1990: - 16200 escudos;
1991: - 20680 escudos;
1992: - 23160 escudos;
1993: - 25530 escudos;
1994: - 26629 escudos;
9) Nos referidos anos, a R pagou a todos os trabalhadores de turnos, quer nos 30 dias anuais de férias, quer no respectivo subsídio de férias, quer ainda no subsídio de Natal, as quantias referentes ao subsídio de turno contratualmente devidas;
10) Em caso de falta a um ou mais dias de trabalho, a R sempre deduziu no montante global da retribuição mensal (ordenado+subsídio de turno) o equivalente a 1/30 do valor global da retribuição, por cada dia de falta;
11) Nos termos do disposto na Cl. 40ª, n. 2 do citado CCTV, aplicável a todos os trabalhadores da R, laborem ou não por turnos, "o trabalho prestado em dia de descanso obrigatório, feriado ou dia de descanso complementar dá ao trabalhador o direito a receber o dia em que trabalhou com um acréscimo de valor igual a duas vezes o da sua retribuição diária";
12) O A trabalhou no período de 1-7-1988 a 30-11-1994 (ambos inclusive), nos referidos feriados locais, nacionais e contratuais, ou seja, em todos os consignados no n. 1 da Clª 39 do CCTV, no dia 24 de Junho (feriado municipal em Vila Nova de Gaia, onde o trabalho foi prestado) e ainda na terça feira de Carnaval e no domingo de Páscoa, sendo que estes dois últimos dias sempre foram, pela R, considerados como feriado e por ela pagos a todos os trabalhadores que neles laboraram com um acréscimo de 200% sobre o valor do ordenado base;
13) A R sempre pagou a todos os seus trabalhadores, em regime de turnos, ou não, desde que laborassem em cada um dos 16 dias o equivalente a 3/30 do ordenado base;
14) Sendo que 1/30 constitui remuneração de um dia de trabalho e 2/30 o acréscimo previsto na citada Clª 40ª do CCTV;
15) Todavia e relativamente aos trabalhadores de turnos, como o A, a R nunca pagou o 2/30 do subsídio de turno;
16) A retribuição mensal do A, desde 1-7-1988 foi a seguinte:
1988: - 72500 escudos;
1989: - 85000 escudos;
1990: - 86700 escudos;
1991: - 102530 escudos;
1992: - 114866 escudos;
1993: - 122460 escudos;
1994: - 129729 escudos;
17) Os valores referidos no ponto de facto anterior englobam todas as prestações periódicas e regulares pagas R como contrapartida do trabalho prestado pelo A, nomeadamente, o subsídio de turno e de refeição;
18) O regime de trabalho por turnos referidos no ponto de facto 4) apenas eram interrompidos no período anual de férias de 30 dias, gozadas pelo A;
19) Cerca de 10 anos antes de Dezembro de 1994, a pedido de alguns trabalhadores e a título experimental, a R ensaiou um horário diferente do referido no ponto de facto 4), à mesma assente em 3 períodos de 8 horas e 4 grupos de trabalho;
20) Segundo esse diferente horário, os trabalhadores gozavam 3 dias seguidos de descanso;
21) Em contrapartida, tinham três vezes seguidas por semana de cumprir o horário de trabalho de 8 horas;
22) Achando mais penoso este novo horário, escasso tempo volvido, os trabalhadores da R optaram, quase unanimemente, pelo regime, que é o que está em vigor.

III -C- Como se deixou acima referido a R foi condenada a pagar a quantia que se liquidasse em execução de sentença e referente ao trabalho prestado pelo A em dias feriados e de descanso semanal e complementar, durante o período ali referido.
Na apelação a R atacou a sentença só no que respeita ao trabalho prestado em dias de feriado, pelo que transitou a condenação no que respeita ao trabalho prestado em dias de descanso semanal e complementar.
Assim, a única questão que se discute nestes autos é a de saber se o A, que trabalhava por turnos rotativos, teria direito a receber, quando trabalhasse em dias de feriado, 200% da quantia que recebia a título de subsídio de turno, isto é, se tinha direito a receber esse subsídio em triplicado.
Esta questão prende-se com a interpretação a dar ao n. 2 da Clª 40 do já citado CCTV. Dispõe esse n. 2: "O trabalho prestado em dia de descanso obrigatório, feriado ou dia de descanso complementar dá ao trabalhador o direito a receber o dia em que trabalhou com um acréscimo de valor igual a duas vezes o da sua retribuição diária" E o n. 1 dessa mesma cláusula estabelece que "O trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório dá ao trabalhador o direito de descansar num dos três dias seguintes.
O n. 2 da Clª 39 determina que a terça-feira de Carnaval poderá ser considerada como dia de descanso. De acordo com este n. 2 da Clª 39, o n. 3 da Clª 40 determina que quando se verifica a situação prevista no n. 2 da Clª 39, os trabalhadores que tiverem de prestar trabalho receberão o dia com um aumento de valor igual à retribuição diária. O n. 4 da Clª 40 estabelece que o trabalhador terá sempre direito a meio dia ou um dia de retribuição, sempre que trabalhe até 4 horas ou mais de 4 horas respectivamente, em qualquer desses dias. Finalmente, o n. 5 da Clª 40 estabelece que os ns. anteriores (1,2,3 e 4) aplicam-se também aos trabalhadores em regime de turnos:
Nos termos do n. 1 do art. 11 do Dec. Lei 409/71, de 27/9, é à entidade patronal que cabe, dentro dos condicionalismos legais, estabelecer o horário de trabalho do pessoal ao seu serviço: Diz-nos o n. 2 do mesmo artigo o que se deve entender por "horário de trabalho", como sendo a determinação do início e termo do período normal de trabalho, bem como os intervalos de descanso. E o art. 23 estabelece que as entidades patronais legalmente sujeitas a regime de período de funcionamento deverão respeitar esse regime na organização dos horários de trabalho dos seus empregados (n.1), acrescentando o n. 2 que por "período de funcionamento" será o período diário durante o qual os estabelecimentos podem exercer a sua actividade.
Nas actividades industriais o "período de funcionamento" denomina-se "período de laboração", o qual será fixado normalmente entre as 7 e as 20 horas (ns. 1 e 2 do art. 26 do citado diploma).
No entanto, certas actividades necessitam, por exigências de ordem técnica, de estar em permanente laboração. Nestes casos permite-se que se trabalhe por "turnos", desde que cumpridas certas formalidades (arts. 27 e 28 do mesmo diploma), trabalho esse que, em regra, implica uma remuneração especial.
O esquema dos turnos postula horários de trabalho não uniformes ou de tal modo articulados que o termo do período de um trabalhador coincide com o início do de outro, não implicando o regime de trabalho suplementar, o qual só se poderá verificar em face da ultrapassagem do horário. Assim, o trabalho por turnos pode ser nocturno, quando a respectiva escala caia entre as 20 horas e as 7 horas do dia seguinte, mas tal trabalho não é trabalho suplementar. O trabalho por turnos tem por efeito automático o deslocar o dia de descanso semanal, o qual pode ocorrer fora do Domingo, ocorrendo que, por força do esquema de trabalho por turnos, o trabalhador tenha que prestar serviço a um Domingo ou a um feriado, por se estar dentro do horário do trabalho por turnos, esse serviço prestado ao Domingo ou feriado não é trabalho suplementar. Apesar do que acima se referiu, o trabalho por turnos pode ser tido como trabalho suplementar, desde que a prestação laboral seja feita fora do horário que fora atribuído ao trabalhador ou que ele tenha de trabalhar no próprio dia de descanso semanal em substituição do Domingo.
Nos termos do art. 82, n. 2 da LCT "A retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie". Ora, "se o subsídio de turno for pago com regularidade", integra-se na retribuição (cfr. Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", 8ª edição, págs. 375; Lobo Xavier, em "Curso de Direito de Trabalho", págs. 387; e Acórdãos deste Supremo, de 21-7-1983 e 24-4-1991, em BMJ n. 329, págs. 453 e n. 406, págs. 466).
Face àquele artigo 82, e em especial ao seu n. e, temos que no conceito de retribuição se integra a retribuição base e as outras prestações periódicas.
Desses acréscimos salariais há alguns, entre os quais o subsídio de turno, que são determinados pela sua penosidade. Na opinião de Monteiro Fernandes, obra citada, págs. 376 e 377, esses acréscimos são meras especificações do salário, correspondentes a particularidades da prestação normal de trabalho.
E, colocando a questão de saber, quanto a esses valores, face ao princípio da irredutibilidade da retribuição, se eles devem ser mantidos mesmo quando se alterem condições externas do serviço prestado, defende que a" resposta afirmativa conduziria a tão patente absurdo que é forçoso admitir, nestes casos, uma solução específica; a especificidade, aliás bastante relativa, dado que a retribuição-base, correspondente à natureza intrínseca do trabalho prestado, está obviamente fora de questão. Assim, e em suma, entendemos que os referidos subsídios são apenas devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento-ideia, aliás, usualmente expressa no clausulado correspondente das convenções colectivas que prevêem tais suplementos".
E, por vezes, a concreta definição da retribuição é difícil, por existirem numerosas atribuições complementares de complicado cálculo, dificuldade essa que reside no facto de as prestações retributivas serem calculadas umas em função de outras.
Com efeito, os complementos retributivos se forem «calculados com base em percentagens de uma"retribuição dia" ou "retribuição hora" não fácil de calcular, tanto mais que a linguagem da lei ou do contrato é normalmente equívoca e parece reportar-se a algo diverso da remuneração de base, essa sim vocacionada para servir de alicerce ao cálculo de todos os complementos».
«Assim, por exemplo, quando se fala na remuneração por trabalho nocturno, ou por trabalho em turnos ou por trabalho penoso, como importando um acréscimo de 25% da "retribuição", a referência é feita a todo o complexo de remunerações concretamente devidas pelo empresário? Parece-nos que não, pois se assim for, haverá um método distorcido e potencialmente incorrecto».
Neste método, espelhar-se-ão, desde logo, os seguintes vícios:
O primeiro é o da tendência para a duplicação, na medida em que para calcular certas atribuições salariais-elas mesmo consideradas parte da "retribuição"- se recorre a uma base também definida como "retribuição".
Como é evidente, se a retribuição corresponde a todas as contrapartidas do trabalho, ela não pode servir de cálculo para encontrar o montante de atribuições salariais que constituem também a retribuição. Mas como disso se não dá conta, ao arrepio da lógica elementar, verifica-se uma escalada imparável de duplicações, propiciadas pelos apontados lapsos do legislador, que fala de "retribuição" quando muitas vezes pretende referir-se a remuneração de base ou conceito equivalente. Aliás, não se pode, por exemplo, computar salário de turno (ou subsídio de trabalho nocturno) com base na "retribuição" e depois sustentar que esse mesmo subsídio integra a "retribuição"» (cfr. Lobo Xavier, "Introdução ao estudo da Retribuição no Direito de Trabalho Português", em Revista de Estudos Sociais e Corporativos, ano VIII, Dezembro/1969, n. 32).
Assim, temos que será de toda a conveniência de, no apuramento dos complementos salariais, se fazer cálculos com recurso à remuneração de base.
III -D- Será altura de regressarmos ao problema que nos é posto tendo em conta o acima referido.
E, assim, temos que o subsídio de turno se tem de considerar como integrando a retribuição, como resulta da matéria de facto provada, e que não é posto em questão pela Recorrida.
Quanto ao benefício atribuído pelo n. 2 da Clª 40 do IRCT aplicável, temos a observar que, em princípio, o A, como trabalhador integrado em turnos, não teria direito a ele, já que se não demonstrou, nem sequer se alegou, que os feriados em que ele trabalhou e cuja remuneração pede, não faziam parte do seu turno. Assim, e tendo em conta o que acima se referiu, ele não teria o direito a remuneração especial pelo trabalho nesses dias, já que ele foi prestado em serviço de turno e não poderia ser considerado trabalho suplementar (cfr. DR. Menezes Cordeiro, em "Manual de Direito de Trabalho", 1991, págs. 699 e 670). No entanto, e como o n. 5 daquela cláusula 40ª manda aplicar o regime do seu n. 2 aos trabalhadores em regime de turno, eles beneficiarão do regime desse n.2.
No entanto, já não podem beneficiar desse regime - benefício no que se refere ao subsídio de turno. Na verdade, o benefício concedido por aquele n. 2, destina-se a compensar a penosidade pelo serviço prestado, entre outros, nos dias feriados. E o trabalho do A ponto de facto n. 5) foi sempre efectuado independentemente de se tratar ou não de dia de feriado, local ou nacional, recebendo, por isso, subsídio de turno. Esse subsídio de turno destina-se a compensar a penosidade de se trabalhar por turnos. Não se tendo demonstrado que os feriados em que o A trabalhou, e cuja remuneração pede, não faziam parte dos seus turnos, então a penosidade do seu trabalho estava compensada pelo subsídio de turno. E, como acima se referiu, o A nem sequer teria direito a receber o benefício referido no n. 2 da cláusula 40ª. E, tanto assim é, que para eles dele beneficiarem foi preciso que se mandasse aplicar aquele n. 2, aplicação essa que expressamente consta do n. 5 daquela cláusula.
Ora, se se entendeu necessário que para os trabalhadores de turno beneficiassem do "complemento" estabelecido no referido n. 2, estabelecer um clausulado especial (o falado n. 5), então o benefício compreende só o ali estabelecido um acréscimo igual a duas vezes a retribuição diária dos trabalhadores. Como se referiu, é por este número que o A beneficia de um acréscimo de valor igual a duas vezes o da sua retribuição diária.
E tal acréscimo tem de se entender como referido à retribuição de base, com exclusão do subsídio de turno. A entender-se de outro modo, o A teria direito a um acréscimo devido à penosidade de trabalho de turno. Ora como este trabalho em turno já estava "compensado" pelo subsídio de turno, não haveria razão e lógica para que beneficiasse de um acréscimo sobre ele.
Esse subsídio de turno só é devido se e enquanto persistir a situação que o fundamenta. Ora, se o trabalhador recebe o subsídio por trabalhar no seu turno nada justifica que o receba com acréscimo (Cr., no mesmo sentido os Acórdãos deste Supremo, de 11-2-1998, no Proc. 212 /97; e de 2-6-1999, no Proc. 94/99.
Procedem, assim, as conclusões da Recorrente.

IV - Nos termos expostos acorda-se em conceder procedência à Revista, revogando-se o Acórdão recorrido e absolvendo a R do pedido formulado pelo A no que respeita ao subsídio de turno no trabalho prestado em dias de feriado.
Custas pelo recorrido, que suportará, também, as custas nas Instâncias, estas na proporção de 2/3 para o A e 1/3 para a R.
Lisboa, 27 de Outubro de 1999.
Almeida Deveza,
Sousa Lamas,
Diniz Nunes.