Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
36/99.2TBLMG-E.P2.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: TRANSACÇÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
REMISSÃO ABDICATIVA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 06/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS / SOLIDARIEDADE ENTRE DEVEDORES / OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / TRANSACÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:

- A. Varela, Das Obrigações, 2ª Ed.,2º/205; e 3ª Ed., 2º/209.
- Abílio Neto, “Código de Processo Civil”, Anotado, 22.ª edição actualizada, anotação ao art. 661.º, n.º1.
- António Pinto Monteiro, In R. L. J., Ano 141º/91 e segs
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações”, 1980, 2º/234.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 5ª Ed., Vol. II, p. 219.
- Pires de Lima e Antunes Varela, In “Código Civil”, Anotado, Vol. II, 4ª Ed., pp. 930/931.
- Vaz Serra, in R. L.J., Ano 110º/379.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 497.º, N.º1, 519.º, N.º1, 550.º, 566.º, N.º2, 805.º, N.º3, 2.ª PARTE, 1248.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL /CPC): - ARTIGO 661.º, N.º1, 664.º, 683.º, N.º2, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10.10.02 – PROC. 02B2643, EM WWW.DGSI.PT
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AUJ Nº4/2002, DO STJ, DE 09.05.02, PUBLICADO NO DR, I-A, DE 27.06.02.
Sumário :
I - O contrato de transacção pressupõe a existência de controvérsia entre as partes quanto à existência ou legitimidade do(s) direito(s) em causa, sendo de natureza onerosa, porquanto implica concessões recíprocas, entre si unidas por sinalagma.

II - O contrato de remissão consiste no acordo entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber deste a prestação devida, de existência indiscutível, podendo a remissão assumir natureza donativa ou puramente abdicativa.

III - Tendo o lesado exigido judicialmente a um dos devedores solidários a totalidade ou parte da prestação devida e posto termo à demanda com celebração de transacção em que o demandado fica exonerado do pagamento de parte do peticionado, fica o mesmo inibido de proceder judicialmente contra os demais devedores pelo que àquele tenha exigido.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 36/99.2TBLMG-E P2.S1[1]

                (Rel. 168)

                            Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – Por apenso ao Processo Comum Colectivo que, sob o nº 58/93, correu termos no (entretanto extinto) Tribunal de Círculo de Lamego, a “AA, CRL” instaurou, em 16.03.99, execução, sob a forma ordinária, para pagamento de quantia certa, com prévia liquidação, contra BB e CC, pedindo que a obrigação exequenda dos executados, fixada no acórdão condenatório proferido naquele processo criminal, seja liquidada no valor global de Esc. 246 423 465$00 (sendo Esc. 235 492 452$00 de capital e Esc. 10 931 013$00 de juros vencidos até 31.12.98), acrescido do montante de juros a vencer desde 01.01.99 até integral pagamento.

       Por apenso à execução para pagamento de quantia certa (nº 58-D/93), vieram os executados, BB e CC, deduzir embargos de executado e contestar o pedido de liquidação prévia, alegando, em síntese, que a exequente pretende cobrar importâncias relativamente às quais não tem título, por não estarem abrangidas pelo acórdão condenatório proferido no processo-crime, impugnando, especificadamente, cada uma das obrigações parcelares em que a exequente assenta o pedido de liquidação e concluindo pela improcedência da execução e pela sua absolvição.

       A exequente contestou os embargos, mantendo inalterado o pedido de liquidação prévia.

       Foi proferido despacho saneador (fls. 52), onde, depois de se considerar que nada obstava ao conhecimento do mérito dos embargos, se proferiu decisão ao abrigo do disposto no art. 510º, nº1, al. b) do CPC, constando na respectiva parte dispositiva:

       «(…) Trata-se, por isso, de um título exequível, não fazendo sentido falar aqui da sua inexequibilidade nos termos indicados pelos embargantes.

       Por tudo o exposto, julgo improcedentes os presentes embargos de executado e deles absolvo a embargada (…)

       Os autos prosseguirão, tão somente, para apreciação do litígio relativo à liquidação da obrigação exequenda, nos termos do art. 807º, nº/s 2 e 3 do CPC»

       Não se conformaram os embargantes e interpuseram recursos de agravo e de apelação para a Relação do Porto, que os julgou totalmente improcedentes, através do acórdão de fls. 198 e segs., o mesmo sucedendo à sequente revista pelos mesmos interposta para este Supremo.

       Baixaram os autos à 1ª instância, onde foi requerida pelas partes a suspensão da instância, com vista a acordo sobre o objecto do litígio (fls. 397), deferida por despacho de fls. 398, tendo ambas as partes informado o Tribunal sobre a inviabilidade de acordo (Fls. 404 e 408).

       Prosseguindo os autos a sua tramitação – com parcial deferimento duma reclamação dos embargantes, determinante de alterações na redacção dos quesitos e aditamentos à base instrutória, veio, a final, a ser proferida (em 31.08.12) sentença em que se decidiu:

       «Nestes termos, julgando parcialmente procedente a pretensão da exequente, liquida-se a obrigação exequenda a cargo, solidariamente, dos executados, do seguinte modo:

--- 1º - Fixa-se o seu montante global em € 73 387,21;

--- 2º - A este valor acrescem:


a) – Juros de mora, à taxa legal, desde 01.01.99 até efectivo pagamento, sobre a quantia de € 22 902,16;
b) – Juros de mora, à taxa legal, desde 07.04.86 até efectivo pagamento, sobre a importância de € 4 848,86;
c) – O que resultar da actualização da quantia de € 1 093,78, com base nas taxas de inflação (índices de preços no consumidor), desde 07.04.86 até à propositura desta acção executiva e, a partir de tal momento, os juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento;
d) – O que resultar da actualização da quantia de € 44 542,41, com base nas taxas de inflação (índices de preços no consumidor), desde a data do trânsito em julgado da sentença homologatória referida em II. Pp) e fff) até à propositura desta acção executiva e, a partir de tal momento, os juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento»

       Não se conformaram ambas as partes e interpuseram recursos de apelação.

       Não obstante, a embargada requereu esclarecimento e reforma da sentença, a que se opuseram os embargantes.

       Admitidos os recursos, foi deferida a sobredita reclamação, nos seguintes termos: «Assim, aditando-se ao item dos “prejuízos decorrentes da utilização indevida pelos executados, em seu proveito ou em proveito de terceiros, de dinheiros (…) pertencentes (ou destinados) à exequente e de montantes de cheques sacados sobre contas desta ou emitidos a favor dela, mas de que aqueles se apropriaram” a quantia de Esc. 3 196 784,70 – ora, € 15 945,49 –, de modo a que o valor global aí considerado passe a ser de € 38 847,65 (Esc. 7 788 256$49), reforma-se a sentença recorrida nestes precisos termos, bem como no montante global fixado em 1º do ponto V da mesma, o qual passa a ser de € 89 332,27»

       Perante o transcrito deferimento da sua reclamação, a embargada desistiu do respectivo recurso.

       Após vicissitudes processuais várias e que, ora, irrelevam, foi proferida nova sentença (Fls. 898 a 922), com o seguinte dispositivo:

       «Nestes termos, julgando parcialmente procedente a pretensão da exequente, liquida-se a obrigação exequenda a cargo, solidariamente, dos executados, do seguinte modo:

1º - Fixa-se o seu montante global em € 66 430,11;

2º - A este valor acrescem:
a) – Juros de mora, à taxa legal, desde 01.01.99 até efectivo pagamento, sobre a importância de € 15 945,49;
b) – Juros de mora, à taxa legal, desde 07.04.86 até efectivo pagamento, sobre a importância de € 4 848,86;
c) – O que resultar da actualização da quantia de € 1 093,78, com base nas taxas de inflação (índices de preços no consumidor), desde 07.04.86 até à propositura desta acção executiva e, a partir de tal momento, os juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento;
d) – O que resultar da actualização da quantia de € 44 542,41, com base nas taxas de inflação (índices de preços no consumidor), desde a data do trânsito em julgado da sentença homologatória referida em II. Pp) e fff) até à propositura desta acção executiva e, a partir de tal momento, os juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento.

Custas…»

       Tendo apelado o embargante BB, a Relação do Porto, por acórdão de 06.05.13 e na parcial procedência da apelação:

                                                    /

--- Alterou o montante global da liquidação, referido no ponto 1º do dispositivo da sentença recorrida, passando a constar do mesmo a quantia global de € 50 485,05[2];

--- Revogou a liquidação constante da al. a) do nº2 do dispositivo da sentença recorrida, suprimindo tal al. e o valor que dela consta; e

--- Manteve, na íntegra, a parte restante da sentença (als. c) e d) do nº2).

       Ainda inconformado, interpõe o apelante a presente revista, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                        /

I – Da matéria provada, maxime a documental (termo de transacção referenciado e proc. civ. apensos) e dos factos elencados no douto acórdão recorrido, maxime sob b), pp), ddd) e fff), não resulta que o recorrente tenha celebrado qualquer contrato de remissão abdicativa com a "DD" e respeitante a crédito da exequente “AA”, como, por erro evidente de análise, se diz no douto acórdão recorrido;

II – E da mesma matéria também não resulta que, quanto aos vinhos que a Direc­ção posterior vendeu à "DD", a Direcção tenha celebrado, por via do termo de transacção documentado nos autos, um acordo de remissão abdicativa quanto a uma parte do preço, concretamente 8 929 951 $00, e nem mesmo resultou prova­do que houvesse um remanescente desses vinhos cujo preço não esteja pago por via da quantia de 40.000.000$00 a que se reporta a alínea fff) da matéria provada;

III – Aliás, não está, sequer, provado que a exequente tenha sofrido o prejuízo que foi liquidado na sentença e confirmado no acórdão em 8 929 951 $00, ou que o mesmo, a existir, possa ser imputado à conduta do aqui recorrente;

IV – As quantias liquidadas, se forem devidas, não devem ser objecto de qualquer actualização porque a mesma não vem peticionada (entenda-se: no pedido final formulado na p. i.), e aquelas quantias apenas estão sujeitas a juros moratórios computados desde a citação;

V – Com todo o respeito, no acórdão recorrido fez-se um enquadramento errado dos factos provados (na parte em que atribui ao recorrente a intervenção na dita remissão abdicativa), e, no restante, uma interpretação e aplicação incorrecta dos arts., 863º-1., 1248º-1 (quanto à "remissão abdicativa" efeitos da transacção), e 661º-1 do CPC e 805º-3. - 2a parte do Cod. Civil.

       No enquadramento que emerge da síntese conclusiva que antecede:

Vossas Excelências revogarão o douto acórdão recorrido na parte em que, confirmando, condena o Recorrente a pagar a quantia de € 44 542,41 (dita quan­tia objecto de remissão abdicativa), e também na parte em que, confirmando, o condena a pagar indemnizações actualizadas, e quanto aos juros a condenação será restrita aos que se venceram após a citação.

       Contra-alegando, defende a recorrida a manutenção do julgado, com a rectificação de que al. c) do respectivo dispositivo deverá, igualmente, abranger a al. b) de 2º da sentença apelada.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     *

2 – Na Relação, tiveram-se por provados os seguintes factos:

                                                     /
a) – Por acórdão proferido no processo comum colectivo que correu termos pelo, entretanto extinto, Tribunal de Círculo de Lamego sob o nº 58/93, transitado em julgado, constante de fls. 2175 a 2202, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foi julgado procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela, ora, exequente contra os, ora, executados e estes foram condenados a pagar, solidariamente, àquela a quantia que se liquidar em execução de sentença;
b) – Os executados, BB e CC, exerceram as funções, respectivamente, de Presidente e Secretário da Direcção da AA, desde 28.10.79 até 06.04.86;
c) – No exercício dessas funções, os executados, em 07.12.82, emitiram o cheque nº ..., da Caixa EE, agência de Lamego, pertencente à AA, da conta nº …, no montante de Esc. 70 000$00, a favor de FF;
d) – O mencionado FF recebeu a quantia titulada nesse cheque, tendo-a utilizado, a título de empréstimo;
e) – Em 27.07.83, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta 16070.430, pertencente a AA, no montante de Esc. 2 850 000$00;
f) – O cheque mencionado na alínea anterior foi entregue pelo executado BB a GG, que recebeu a quantia nele titulada;
g) – Em 28.09.83, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta n" …, pertencente à AA e aberta na agência do Banco HH, em Tarouca, no montante de Esc. 1 500 000$00;
h) – O cheque mencionado na alínea anterior não mencionava o nome do tomador e foi entregue a II;
i) – Esta apôs o seu nome no verso do mencionado cheque e entregou-o ao executado BB;
j) – O BB descontou este cheque, dois dias após;
k) – O BB viria a utilizar esse montante na sua vida particular;
l) – Em 24.10.83, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta 16070.430, pertencente à AA, e aberta na Caixa EE, agência de Lamego, no montante de Esc. 500 000$00;
m) – O cheque mencionado na alínea anterior foi descontado, no dia seguinte, pelo executado BB;
n) – Em 02.01.84, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta pertencente à AA, aberta na agência de Lamego do Banco JJ, no montante de Esc. 170 000$00;
o) – Este montante foi utilizado, a título de empréstimo, pelo (executado) CC, o qual devolveu aquela importância, em 24.02.86;
p) – Em data indeterminada do ano de 1984, o executado BB recebeu a quantia de Esc. 157 200$00, respeitante à factura n° 25, emitida em 30.01.84, e relativa ao fornecimento de 60 sacos de batata de semente marca “D...”, à Junta de Freguesia de Juvandes;
q) – O executado BB não procedeu à entrega da quantia mencionada na alínea antecedente na AA;
r) – Em 06.12.84, o executado BB levantou a quantia de Esc. 400 000$00 da AA, que utilizou, a título de empréstimo, em seu proveito particular;
s) – Em 30.07.84, os executados emitiram o cheque nº ..., sobre a conta nº …, pertencente à AA, existente na agência da Caixa EE de Lamego, no montante de Esc. 162 000$00;
t) – O cheque mencionado na alínea anterior era inominado (ao portador) e foi depositado pelo executado BB, na sua conta pessoal, aberta na agência de Lamego do Banco KK;
u) – Em 08.09.84, a firma “LL”, com sede em Valadares, preencheu, assinou e aceitou a letra de câmbio junta a fls. 4 dos autos nº 101/88, no montante de Esc.500.000$00, para pagamento de vinhos efectuado pela AA;
v) – A letra de câmbio mencionada na alínea antecedente viria a ser assinada, no canto superior direito e no respectivo verso, por MM, ao tempo vendedor comissionista da AA;
w) – O referido MM viria a apresentar a letra a desconto, na agência do Banco JJ, em Lamego, tendo a quantia na mesma titulada vindo a ser creditada na sua conta nº …;
x) – Em 28.09.84, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta nº …, pertencente a AA, aberta na agência de Tarouca do Banco HH, no montante de Esc. 100 000$00;
y) – O cheque mencionado na alínea anterior foi endossado pela II e entregue ao executado BB que, por sua vez, o viria a entregar a NN, para pagamento de um fornecimento de árvores de fruto e bacelo, que este havia efectuado àquele;
z) – O cheque acabado de referir foi apresentado a pagamento pelo referido NN, que recebeu o montante que o mesmo titulava, em 22.10.84;
aa) – Em data indeterminada, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta nº …, pertencente à AA, aberta no Banco JJ, em Lamego, titulando a quantia de Esc. 50 000$00, a favor de II;
bb) – Esta recebeu a quantia titulada nesse cheque, em 04.04.85;
cc) – Em 30.04.85, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta nº …, pertencente a AA, aberta na agência de Lamego do Banco JJ, titulando a quantia de Esc. 50 000$00, a favor de II;
dd) – Esta recebeu a quantia titulada nesse cheque;
ee) – Em Agosto de 1985, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta nº …, aberta na agência de Lamego do Banco JJ, a favor da AA, titulando a quantia de Esc. 100 000$00;
ff) – Este cheque foi entregue a OO;
gg) – Em 17.09.85, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta no …, aberta na agência de Tarouca do Banco HH, a favor da AA, no montante de Esc. 60 000$00;
hh) – O cheque mencionado na alínea antecedente foi entregue pelo executado BB a PP que o viria a descontar na conta supra mencionada;
ii) – Em 14.10.85, os executados emitiram o cheque nº …, sobre a conta mencionada em ee) e da mesma instituição bancária, titulando a quantia de Esc. 50 000$00;
jj) – O cheque mencionado na alínea anterior foi entregue a OO;
kk) – Os cheques mencionados em ee) e ii) foram descontados pela OO;
ll) – A OO utilizou as quantias tituladas nesses cheques, em seu proveito pessoal, por lhe haverem sido facultados a título de empréstimo;
mm) – Os executados permitiram que das instalações da AA tivessem saído diversas quantidades de vinho generoso, sem que fossem objecto de facturação na contabilidade da mesma;
nn) – Nas condições mencionadas na alínea anterior, em 1984/85, saíram 30 000 litros de vinho generoso para a casa “DD … & Ca”, por troca com 210 cascos de madeira de 500 litros de capacidade, cada; em fins de 1985, saíram dois tanques de vinho generoso, sendo um com a capacidade de 30 611 litros e outro com a capacidade de 17 604 litros; em Dezembro de 1985 e Janeiro de 1986, foram carregados 8 000 litros de vinho generoso em camiões da firma “QQ”, de Peso da Régua; em 26.03.86, saíram 40 660 litros; em 01.04.86, saíram 42 384; em 02.04.86, saíram 7 050 litros; em 03.04.86, saíram 23 242 e 22 964 litros; em 04.04.86, saíram 18 600, 22 000 e 36 000 litros; e, em 02.04.86, saíram 27 200 litros para a firma “RR & Ca”, com sede em Tondela e, ainda para esta firma, dois dias depois, 5 420 litros e 14 500 litros;
oo) – A litragem de 27 200 litros de vinho generoso fornecidos à sociedade “RR & Cª” foi por esta saldada à AA, em Juízo, inerente à acção oportunamente intentada pela exequente;
pp) – Na acção ordinária nº 43/89, que correu termos neste tribunal, foi lavrado termo de transacção (homologada por sentença), mediante a qual a exequente reconheceu a propriedade dos vinhos ali indicados e, a título de indemnização pelos danos causados, a “DD … Ca” se comprometeu a pagar à AA a quantia de Esc. 40 000 000$00;
qq) – Os executados tinham conhecimento que a funcionária da AA, OO, tinha sido vista a circular, em alguns fins de semana, com o veículo marca T..., modelo …, com a matrícula RS ...., sem que fosse ao serviço da AA;
rr) – Tinham, ainda, conhecimento que a mencionada OO se deslocava à AA, durante os fins de semana e fora das horas normais de expediente, para levar produtos da AA - vinhos ­destinados a abastecer um stand-exposição da AA Cooperativa, existente na cidade de Lamego;
ss) – Os produtos levados pela OO, nas condições e para o local acabados de mencionar, não eram regularmente escriturados, mediante o preenchimento das respectivas guias de remessa;
tt) – Durante o período em que os executados exerceram os cargos de Presidente e Secretário da Direcção da AA, foi mandada construir e equipar uma cozinha;
uu) – Nessa cozinha, foram realizados convívios promovidos pelo executado BB, com o conhecimento do CC;
vv) – A cozinha mencionada orçou em Esc. 972 110$00;
ww) – Em 1985, os executados solicitaram que lhes fossem facultadas as fichas de vasilhame relativas a MM e à firma “SS”, com sede em Lisboa;
xx) – A ficha relativa ao MM tinha inscrito um saldo com cerca de 20 000 garrafões e a relativa a “SS” um saldo de 3 000 garrafões;
yy) – Os executados mandaram proceder à feitura de novas fichas respeitantes aos mencionados MM e “SS”, tendo passado a constar na ficha respeitante ao primeiro um saldo de 9 276 garrafões e ao segundo um saldo de 1 300;
zz) – O executado BB procedeu à devolução à AA das quantias de: Esc. 2 500 000 $00, em 2303.84; Esc. 200 000$00, em Abril de 1984; Esc. 800 000$00, em 04.05.84; Esc. 1 350 000$00 e Esc. 400 000$00, em 31.12.84;
aaa) – Deduzidas as amortizações mencionadas em zz), a exequente “AA, CRL”, até 31.12.98, não sofreu qualquer prejuízo a título de juros (1 ° a 35°);
bbb) – Com a construção da cozinha aludida em tt), a exequente teve Esc. 972 110$ 00 de prejuízo (40º);
ccc) – O preço actual (reportado à data da propositura da acção executiva) de cada garrafão, dos mencionados em yy), é de Esc. 215$ 00 (41º);
ddd) – Após a cessação de funções por parte dos executados, em 06.04.86, a nova direcção da AA exequente, com base nas indicações constantes do documento junto a fls. 1622 do processo crime a que estes autos estão apensos (7º vol.), podia ter instaurado, como instaurou, acções cíveis para cobrança das dívidas referentes aos vinhos indicados em mm) e nn) (42°);
eee) – A nova direcção, relativamente aos vinhos referidos em mm) e nn), dispunha apenas do apontamento manuscrito constante de fls. 1622 do processo crime a que estes autos estão apensos (43°);
fff) – A quantia de Esc. 40 000 000$00, referida no termo de transacção indicado em pp), destinou-se ao pagamento dos vinhos saídos das instalações da exequente para a “DD … & Cª”, mencionados em nn) (44°);
ggg) – Por mais 129 250 litros de vinho que havia adquirido à AA, a "DD … & Ca" pagou-lhe a quantia de Esc. 23 500 000$00 (45°);
hhh) – Do vinho recebido pela “RR e Ca”, referido na parte final da alínea nn), os 27 200 litros foram de vinho generoso acidulado (46º);
iii) – Os 5 420 litros foram de vinho generoso médio (47º);
jjj) – E os 14 500 litros foram de borras de vinho de consumo (48°);
kkk) – Em Abril de 1986, o preço do vinho generoso acidulado era de Esc. 35 000$00 a pipa (550 litros) (49°);
lll) – O do vinho generoso médio era de Esc. 80 000$00 a pipa (50°);
mmm) – E o das borras de vinho de consumo era de Esc. 3 025$00 a pipa (51°);
nnn) – Além do referido em 00), e na sequência da condenação de que foi alvo na acção ordinária nº 88/89, que correu termos no extinto Tribunal de Círculo de Lamego, a “RR e Cª” pagou à exequente o preço dos 5 420 e 14 500 litros de vinho indicados na parte final da alínea nn) e os juros em dívida (52º);
ooo) – Em Abril de 1986, os vinhos generosos referidos em nn), recebidos pela “DD … & Cª” tinham o valor de Esc. 100 000$00 por pipa, por serem da colheita de 1985 (53°);
ppp) – As quantias referidas em zz) destinaram-se à amortização das dívidas decorrentes dos actos aludidos em c), e), g), l), n), p), r), s), u), x), aa), cc), ee), gg) e ii) (54º a 60°);

qqq) – O preço por cada um dos garrafões referidos em xx) e yy) era, então, (em 1985/86) de Esc. 17$65 (facto admitido por acordo, cfr. requerimento das partes junto a fls. 664).

                                                      *

3 – Considerando o teor das conclusões formuladas pelo recorrente e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, são as seguintes as questões por si suscitadas e que, no âmbito da revista, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso:

                                                      /

  I – Se o recorrente deve ser responsabilizado pelo montante correspondente à diferença (Esc. 8 929 951$07) entre o acordado (Esc. 40 000 000$00) com “DD … Cª”, na transacção efectuada na acção ordinária nº 43/89, contra esta instaurada pela exequente, e o valor (Esc. 48 929 951$07) do preço total correspondente aos 269 115 litros de vinho generoso a que se faz referência em nn) da factualidade provada;

 II – Se não têm fundamento legal as actualizações decretadas na sentença apelada;

III – Se os sentenciados e subsistentes juros de mora apenas são devidos a partir da citação do executado-recorrente e não desde o dia seguinte (07.04.86) ao termo do exercício das funções mencionadas em b) da factualidade provada.

       Apreciando:

                                                      *

                                                      *

4I – Quanto à 1ª das enunciadas questões, impõe-se, desde logo, rectificar a imprecisão em que incorreram as instâncias, porquanto a provada transacção foi lavrada com intervenção da nova gerência da recorrida, na mesma não tendo tido qualquer papel o, ora, recorrente, em representação daquela, uma vez que o BB cessou, em 06.04.86, o exercício das funções de Presidente da Direcção da recorrida, tendo a transacção sido lavrada em acção instaurada no decurso do ano de 1989. Tendo, pois, razão, neste ponto, o recorrente.

                                                       /

II – Convém, a propósito, relembrar os termos correctos em que a 1ª instância colocou, desde logo, a questão. Com efeito, aí se ponderou:

       “Antes de apreciarmos cada uma das questões que importa solucionar, há que esclarecer que não está aqui em causa saber se com as actuações que ficaram descritas…os executados causaram ou não danos à exequente que esta tenha direito a ver ressarcidos. Tal questão já ficou definitivamente assente no douto acórdão condenatório proferido no processo criminal a que estes autos estão apensos e no douto saneador-sentença que julgou improcedentes os embargos deduzidos pelos executados (ambos confirmados por doutos acórdãos do STJ e já transitados em julgado). E ficou-o no sentido de que os executados têm que ressarcir a exequente dos danos que lhe causaram com as condutas que foram alegadas na petição executiva e que, no essencial, também já constavam do acórdão penal condenatório que constitui o título executivo de que a AA, CRL, aqui lança mão (…) Elucidativo do que fica exposto é o seguinte trecho do douto saneador-sentença atrás mencionado: (…) «No caso dos autos, o título dado à execução é uma sentença condenatória, transitada em julgado, a qual impõe aos executados a obrigação de pagarem à exequente a quantia que se liquidar em execução dela pelos danos decorrentes da administração danosa, por cujo crime também foram condenados» (…) Entre esses danos estão os alegados na p. i. da acção executiva (…) Com efeito, contrariamente ao defendido pelos embargantes (executados), relativamente a todos eles houve utilização abusiva e uso em proveito próprio ou de terceiro, com prejuízo para a embargada (exequente), como decorre da própria decisão condenatória e respectivos fundamentos (…) Os factos constantes dos pontos V (al. c))e VI (al. d)), VII (al. e)) e VIII (al. f))… LVI (al. mm)) e LVII (al. nn)) do acórdão (penal) condenatório permitem reclamar o pagamento dos respectivos danos e efectuar a liquidação, tal como fez a exequente, na respectiva p. i. da acção executiva (…) Trata-se de factos  e danos que não cabem na gestão normal e racional de qualquer empresa mas numa administração danosa, como foi reconhecido e decidido nas decisões supra referenciadas. Uns…Outros… Outros, ainda, respeitam à utilização indevida de bens da AA em proveito dos arguidos ou de terceiros (…) Não restam, por conseguinte, dúvidas de que o que está aqui em causa é tão só saber a exacta extensão desses danos/ prejuízos e proceder à sua liquidação/quantificação».

       Expendendo-se, por outro lado, no mencionado e douto acórdão penal, e entre o mais, que: “Impugnam os recorrentes” (ora executados) “que esteja provado o dano da assistente” (ora exequente) “com a sua administração (…) Não lhes assiste razão. São concretamente apontados diversos factos em que a assistente vê sair por acção dos arguidos bens do seu património sem qualquer contrapartida. E isso representa sem dúvida um dano da assistente. Por isso a sua conclusão improcede”.

       Paralelamente, ponderou-se, no mesmo douto acórdão: “E deveria” (a decisão recorrida) “ordenar o pagamento das quantias já liquidadas? (…) Sem dúvida que é possível condenar em quantia parcial a indemnização. Mas isso nos casos em que a parte se revela com autonomia suficiente em relação ao todo (…) A indemnização deve ser global e, assim, quando apenas certos valores sejam líquidos e urge se faça a determinação do valor de grande parte, é preferível relegar o total da indemnização para execução de sentença pois a equidade a estabelecer no valor global exige-o”.

       Não tem, pois, razão o recorrente quando questiona a existência de nexo de causalidade entre a sua criminosa conduta e a ocorrência de dano sofrido pela recorrida em consequência da saída de vinho generoso das respectivas instalações sem facturação, dano este que tem de coincidir com o preço global que corresponderia a tal facturação, se regularmente efectuada, e que as instâncias fixaram, na parte que, ora, releva, em Esc. 48 929 951$07.

       Improcedendo, assim, a correspondente conclusão formulada pelo recorrente.

                                                       /

III – Mas assiste-lhe integral razão quanto às duas primeiras conclusões por si formuladas.

       Com efeito, não só – como já se deixou acentuado – o recorrente não interveio, em representação da recorrida, na celebração da sobredita transacção, como, com o devido respeito, esta não comporta, nem pode assimilar-se ou reduzir-se à celebração dum contrato de remissão abdicativa, como foi entendido nas instâncias.

       Na realidade, na definição legal, por transacção deverá entender-se “o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões” (art. 1248º, nº1, do CC).

       Tendo a mesma por fim prevenir – transacção preventiva ou extrajudicial – ou terminar – transacção judicial – um litígio, o que a lei não dispensa, na lição dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela[3] é “uma controvérsia entre as partes (cfr. nº2), como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la”. Aditando que “Não há, por exemplo, transacção, por não haver controvérsia quanto à existência do direito, se o credor reduz de 100 para 80 o seu crédito, sem que entre as partes se discuta a existência ou legitimidade do direito”.

       Em contrapartida, a remissão consiste na “renúncia do credor ao direito de exigir a prestação e que é feita com a aquiescência da outra parte”[4], ou, noutra definição[5], no “contrato entre o credor e o devedor, destinado a extinguir  determinada relação obrigacional entre eles existente”.

       Para o Prof. Menezes Leitão[6], “A remissão consiste…no acordo entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber deste a prestação devida”. Aditando que “Esse acordo pode ser celebrado por várias razões. Assim, por exemplo, se o credor sabe que o devedor se encontra em dificuldades económicas e não tem condições de cumprir pode acordar com ele em perdoar-lhe a dívida, evitando assim uma acção executiva que seria totalmente destituída de efeitos práticos. Da mesma forma, a remissão pode ocorrer se o credor, por razões de amizade com o devedor, entende não lhe dever cobrar a dívida”.

       Indiscutível é, porém, que o contrato de remissão – previsto nos arts. 863º a 867º do CC – não pressupõe, ao contrário do contrato de transacção, a existência de uma controvérsia quanto à existência ou legitimidade do direito em causa. E, conquanto exija sempre o consentimento do devedor (“invito non datur beneficium”), o mesmo não consubstancia (ao contrário da transacção) um contrato oneroso, identificado pelo carácter sinalagmático e correspectivo das concessões recíprocas, antes podendo traduzir uma verdadeira liberalidade ao devedor, a que é aplicável o regime legal da doação (arts. 940º e segs., do CC), ou assumir um intuito meramente abdicatório, como no caso da concordata.

       No caso dos autos, a ocorrida transacção judicial teve em vista pôr termo a uma controvérsia entre as partes – existência e montante do crédito da recorrida sobre a R. “DD … & Cª” –, mediante concessões recíprocas (reconhecimento dum crédito daquela sobre esta, antes e independentemente da respectiva decisão judicial e abatimento de parte do invocado montante do crédito, por parte da credora-recorrida). Ou seja, tratou-se de verdadeira e própria transacção judicial e, jamais, de inexistente contrato de remissão abdicativa e em que – como ficou acentuado – o recorrente não teve qualquer intervenção.

                                                     /

IV – Porém, aqui também discordando das instâncias, entendemos que, por presentes todos os respectivos pressupostos, a responsabilidade civil em que se constituiu a sobredita sociedade comercial perante a recorrida é de natureza extracontratual (ou, como alguns preferem, extraobrigacional), a título subjectivo-culposo, e não de carácter contratual-obrigacional.

       E, em tal domínio da responsabilidade civil, “Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária  a sua responsabilidade” (art. 497º, nº1, do CC), o que, face ao decidido, em sede penal, quanto ao recorrente, caracteriza a responsabilidade em que este e aquela sociedade se encontravam constituídos perante a recorrida.

       Ora, no regime da solidariedade entre devedores, “Se” (o credor) “exigir judicialmente a um deles” (dos devedores solidários) “a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação” (art. 519º, nº1, do CC).

       No caso dos autos, a recorrida exigiu judicialmente – e apenas – da sobredita sociedade comercial, na mencionada acção ordinária nº 43/89 (aí podendo ter demandado todos os responsáveis cíveis – art. 72º, nº1, al. f) do CPPen.), a totalidade da prestação – na parte que, ora, releva – que lhe era devida, em regime de solidariedade, por aquela sociedade e pelos executados, um dos quais o, ora, recorrente. Tendo celebrado transacção em que acordou com tal sociedade que esta lhe pagasse Esc. 40 000 000$00 do seu invocado crédito de Esc. 48 929 951$07, com a inerente renúncia, quanto aos remanescentes Esc. 8 929 951$07, à exigência do cumprimento da prestação a que aquela sociedade estava obrigada.

       Ou seja, não ocorreu, no caso, qualquer razão ou dificuldade atendível para a não obtenção da mencionada sociedade da prestação a que a mesma estava obrigada perante a recorrida, antes tendo sido esta a abdicar, no âmbito da transacção efectuada e por sua livre concessão, da reclamação do pagamento, por parte de tal sociedade, dos remanescentes Esc. 8 929 951$07 do seu invocado crédito.

       Assim, estando a recorrida inibida de proceder judicialmente contra o recorrente pelo que exigiu à sobredita sociedade, não pode ser-lhe reconhecido o invocado crédito sobre o recorrente quanto aos remanescentes Esc. 8 929 951$07, os quais, por tal razão, não são por este devidos, uma vez que, no dizer do Prof. Vaz Serra (“R. L. J”, Ano 110º/379), a lei quer evitar que, tendo o credor incomodado com a acção ou execução um dos devedores, vá, depois, sem razão admissível, proceder contra os outros.

       Procedendo, pelas razões expostas (art. 664º do aplicável CPC), as conclusões I e II formuladas pelo recorrente.

5 – Mas, será de manter a actualização decretada na al. c) de 2º da sentença (a decretada na al. d) deixa de interessar, face ao expendido em IV de 4 antecedente)?

       A obrigação de indemnização está incluída na categoria das dívidas de valor, ao lado, designadamente, da obrigação de restituir prevista nos arts. 289º, nº1 e 473º, nº1, ambos do CC, da obrigação de alimentos e da obrigação emergente de casos de expropriação. Por tal se entendendo, na lição do Prof. António Pinto Monteiro[7], as “dívidas cujo objecto não é directamente uma soma de dinheiro, mas uma prestação de outra natureza, intervindo o dinheiro apenas como meio de liquidação”.

       Às mesmas se contrapõem as denominadas obrigações pecuniárias, de que as obrigações de soma ou quantidade constituem o tipo predominante e que têm por objecto uma prestação em dinheiro, destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida (e não determinada espécie monetária).

       Quanto a estas, encontra-se legalmente consagrado (art. 550º do CC) o denominado princípio nominalista, nos termos do qual “O cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário”.

       Não estando vedada, no caso dos autos, a actualização da prestação devida pelo recorrente, por se tratar de dívida de valor subtraída, no caso, à respectiva restauração natural e atendendo ao preceituado no art. 566º, nº2, do CC, invoca, no entanto, o recorrente obstáculos de natureza processual para obviar a tal actualização: essencialmente, porque a recorrida não verteu tal pretensão na formulação do respectivo pedido.

       Cremos, no entanto, que, neste aspecto, as instâncias decidiram bem, ao terem decretado/mantido a questionada actualização, uma vez que e em síntese:

----- A exequente/recorrida requereu, expressamente, a actualização ora em apreço, nos arts. 89º e 92º do respectivo requerimento executivo;

----- Os limites da condenação estabelecidos pelo art. 661º, nº1, do CPC entendem-se reportados à soma global do pedido, que não às parcelas em que se desdobra o cálculo do prejuízo (Ac. deste Supremo, de 10.10.02 – Proc. 02B2643.dgsi.net), sendo o pedido formulado de montante muitíssimo superior ao que vem questionado (Em sentido idêntico, numerosíssimos Acs. deste Supremo, referenciados na anotação ao art. 661º, nº1, do “CPC Anotado”, 22ª edição actualizada, de Abílio Neto).

       Tudo determinando, pois, que se mantenha a actualização decretada na al. c) de 2º da sentença da 1ª instância, ainda que com a correcção – pelas razões que, de seguida se enunciarão – de que o “dies ad quem” da mesma deverá ser o da citação dos executados para a instaurada liquidação e não o da propositura da acção executiva.

       Improcedendo, assim, a correspondente conclusão formulada pelo recorrente.

                                                       *

6 – O recorrente tem razão quando sustenta que os sentenciados juros de mora (não cumuláveis, como é, por demais, consabido, com a actualização da indemnização devida – AUJ nº4/2002, do STJ, de 09.05.02, publicado no DR, I-A, de 27.06.02) são devidos apenas a partir da respectiva citação para a liquidação: trata-se de emanação directa e expressa do preceituado no art. 805º, nº3, 2ª parte, do CC, porquanto não se mostra provada a existência de mora anterior a tal momento e a si imputável, sendo certo que a decretada actualização não foi reportadacomo poderia ter sidoà data da sentença, mas, antes, à data da propositura da acção executiva, e que o recorrente – único que pôs em crise tal segmento decisório da sentença – só tem a beneficiar (Cfr. art. 684º, nº4, do aplicável CPC) com a contagem dos juros de mora desde a data, ora, fixada e não desde a data da propositura da acção executiva, certo como é que a taxa destes era, então, muito superior à daquela actualização.  

       Procedendo, pois, a correspondente conclusão tirada pelo recorrente.

                                                      *

7Sumário:

                                                      /

   I – O contrato de transacção pressupõe a existência de controvérsia entre as partes quanto à existência ou legitimidade do(s) direito(s) em causa, sendo de natureza onerosa, porquanto implica concessões reciprocas, entre si unidas por sinalagma.

 II – O contrato de remissão consiste no acordo entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber deste a prestação devida, de existência indiscutível, podendo a remissão assumir natureza donativa ou puramente abdicativa.

III – Tendo o lesado exigido judicialmente a um dos devedores solidários a totalidade ou parte da prestação devida e posto termo à demanda com celebração de transacção em que o demandado fica exonerado do pagamento de parte do peticionado, fica o mesmo inibido de proceder judicialmente contra os demais devedores pelo que àquele tenha exigido.

                                                    *

8 – Nos termos do disposto no art. 249º do CC e porque tal é revelado no próprio contexto do segmento decisório do acórdão recorrido, rectifica-se a respectiva al. c) de forma a que, aí, fique, igualmente, mencionada a al. b) de 2º da sentença apelada.

                                                   *

9 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder, parcialmente, a revista, em consequência do que, na correspondente revogação do acórdão recorrido e da sentença da 1ª instância, e atendendo ao preceituado no art. 683º, nº2, al. c) do aplicável CPC:

                                                   /

   I – Se altera o montante global da liquidação, referido em 1º do dispositivo da sentença apelada, passando a constar do mesmo a quantia global de € 5 942,64 (€ 50 485,05 - € 44 542,41);

  II – Se revoga a condenação constante da al. d) de 2º do mesmo dispositivo;

 III – Se decide que a actualização mencionada em c) de 2º do mesmo dispositivo deve operar até à data da citação dos executados para a liquidação;

  IV – Se decide que os sentenciados e, ora, mantidos juros de mora são devidos desde o momento referido em III antecedente;

   V – Se mantém, no mais, o decidido na sentença apelada.

                                                   *

10 – Custas da revista, por recorrente e recorrida, na proporção, de 1/5 e 4/5, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

       Custas da apelação, por recorrente e recorrida, na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

       Custas devidas na 1ª instância, por exequente e executados, na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo do apoio judiciário concedido, tendo-se sempre em conta o, ora, decidido.

                                                    /

                                       Lx.     24  /   06  /2014    

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

 

___________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (52/13)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2] Valor correspondente à quantia anteriormente fixada (€ 66 430,11, corrigidos para € 66 430,54), após dedução do valor (€ 15 945,49) referido na al. a) do nº2.
[3]  In “CC Anotado”, Vol. II, 4ª Ed., pags. 930/931.
[4]  Prof. A. Varela, in “Das Obrigações”, 2ª Ed. ,2º/205; e 3ª Ed., 2º/209.
[5]  Prof. Menezes Cordeiro, in “Dir. Obrigações”, 1980, 2º/234.
[6]  In “Direito das Obrigações”, 5ª Ed., Vol. II, pags. 219.
[7]  In “R. L. J.”, Ano 141º/91 e segs.