Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2653/13.0TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: COLIGAÇÃO VOLUNTÁRIA ATIVA
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA
VALOR
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 09/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DO OBJECTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, 1.º vol., 99; Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º vol., 146.
- ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1985, 161.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 296.º, N.ºS 1 E 2, 629.º, N.ºS 1 E 2, ALS. A), B) E C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 13.º.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 44.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 2.02.2005, PROCESSO 4563/04.
-DE 18.02.2016, PROC. N.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, DE 20 DE FEVEREIRO DE 2002, PROC. N.º 3899/01, DE 30 DE JUNHO DE 2004, PROC. N.º 609/04, DE 13 DE JULHO DE 2004, PROC. N.º 1501/04, DE 11 DE MAIO DE 2005, PROC. N.º 362/05 E DE 6 DE DEZEMBRO DE 2006, PROC. N.º 3215/06).

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 106/2006, DE 7.02.2006; N.º 606/2007; N.º 243/2013 DE 10.05.2013; TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS .
Sumário :

1 - Traduzindo-se a coligação voluntária ativa na cumulação de várias ações conexas, que não perdem a respetiva individualidade, para aferição dos requisitos de recorribilidade, há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma.

2 - A limitação da revista aos casos em que o valor da ação seja superior à alçada do Tribunal da Relação e àqueles a que se reporta o art. 629º, nº 2, als. a), b) e c), do CPC, não viola os princípios do Estado de direito democrático e da igualdade consagrados nos artigos 2º e 13º da CRP.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA e BB intentaram a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra CC, S.A., pedindo que se declare sem termo os contratos de trabalho celebrados entre AA e R, se declare ilícito o despedimento dos AA, condenando-se a R a indemnizá-los por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, bem como a reintegrá-los nos seus postos de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; a pagar-lhes as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, incluindo férias, subsídios de férias e de Natal que se forem vencendo até essa data, bem como a pagar-lhes a indemnização no valor correspondente a três meses de retribuição, face à violação do disposto no art. 145.º n.º 3 do CT, tudo acrescido dos juros moratórios à taxa legal até integral pagamento das quantias em dívida. Em substituição da reintegração, consoante opção que venham a fazer, pedem a condenação da R. no pagamento de uma indemnização não inferior a 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade. Mais pedem a condenação da R. no pagamento de sanção pecuniária compulsória, no montante de € 100,00 diários, por cada dia de atraso no cumprimento da decisão, nomeadamente na reintegração dos AA, desde o trânsito em julgado da correspondente decisão, nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 829.º-A do Código Civil.

Como fundamento alegam que os contratos de trabalho a termo em causa não são válidos e, consequentemente, devem ser considerados sem termo desde 15.05.2007.

A R., pugnando pela improcedência da ação, sustentou que a ação terá de improceder uma vez que os contratos de trabalho a termo em causa são válidos, invocando, ainda, a prescrição dos créditos reclamados relativamente aos primeiros quatro contratos celebrados.

Os autores responderam à matéria da exceção de prescrição.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Por tudo quanto se deixa exposto julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré a pagar a cada um dos autores a indemnização de € 1.836,60. Absolvo a Ré dos demais pedidos formulados pelos Autores.»

O autor, AA, inconformado, apelou, tendo sido proferida pela Relação a seguinte deliberação:

«Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo autor, AA, e assim: 

1. Julga-se sem termo o contrato de trabalho celebrado entre o autor/recorrente e a ré em 5 de Maio de 2012, pelo que a comunicação de 15 de Março de 2013, em que a ré lhe comunicou a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho configura um despedimento ilícito, ao abrigo da c) do artigo 381º do Código do Trabalho.

2. Condena-se a ré reintegrar o autor/recorrente, AA, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, reportada a 5 de Maio de 2012.

3. Condena-se, ainda, a ré, ao abrigo do n.º 1 do artigo 390º do Código do Trabalho, a pagar ao autor todas retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, devendo ser deduzidas as importâncias a que se refere a alínea b) do n.º 2 do mesmo artigo 390º, nomeadamente as importâncias pagas pela ré a título de compensação, nos montantes referidos nos factos n.ºs 93 a 96.

Custas pela recorrida.»

Desta deliberação recorreu a R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Proferido despacho de recebimento do recurso, foi cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, tendo o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista.

Notificadas as partes, apenas o A. respondeu, concordando com aquele parecer.

Foi então proferido pelo aqui também relator o seguinte despacho:

«Pese embora tenha sido proferido despacho liminar de recebimento do recurso, o certo é que, melhor ponderado, tendo em conta a jurisprudência constante desta secção, se perspetiva a possibilidade de não conhecimento do mesmo.

Trata-se, efetivamente, de ação intentada por dois autores, em coligação voluntária ativa, tendo cada um deles deduzido pedido autónomo, ainda que coincidente quanto à causa de pedir, o que se traduz na cumulação de 2 ações autónomas.

Não oferece dúvidas de que não estamos perante qualquer das ações previstas no art. 303º do CPC em que o valor da causa será sempre o equivalente à alçada das Relação e mais € 0,01. Por conseguinte, o valor fixado à ação (a que se atende para efeitos de determinação da alçada do tribunal) correspondeu “à utilidade económica imediata do[s] pedido[s] (art. 296º, nºs 1 e 2 do CPC).

Foi fixado à causa o valor de € 30.000,01.

Tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal que, para aferição dos requisitos de recorribilidade, há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma (cfr. neste sentido o acórdão desta Seção de 18.02.2016, proc. 558/12.1TTCBR.C1.S1 – relator Leones Dantas, e os diversos arestos que aí são referidos), sendo que, no caso de coligação ativa voluntária, a “cumulação não determina a perda da individualidade de cada uma das respectivas acções, não obstante se encontrarem inseridas no mesmo processo”, pelo que¸ “os recursos das decisões (ou da decisão final) só serão admissíveis se e na medida em que os mesmos fossem admissíveis se processados em separado” (acórdão desta 4ª secção de 2.02.2005, processo 4563/04).

Porque cada um dos pedidos não foi quantificado pelos AA., ter-se-á que considerar que o valor de cada um deles terá, necessariamente, que ser inferior a € 30.000,01, correspondendo o valor atendível, para efeitos de alçada e de admissibilidade do recurso, apenas a metade do todo (neste sentido o acórdão desta secção de 2.02.2005, atrás referido).

O valor da alçada da Relação era à data da propositura da ação de 30.000,00 €, valor que se mantém (art. 5º do DL 303/2007 de 24/08 e art. 44º, nº 1 da LOSJ).

Nos termos do nº 1 do art. 629º do CPC: “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre…”.

Em face do referido e perspetivando-se a possibilidade de não conhecimento do recurso, apesar de liminarmente recebido, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC, notifique as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o referido, no prazo de 10 dias

Notificadas as partes, apenas a R. recorrente se pronunciou e no sentido da admissibilidade da revista, arguindo que o valor a considerar para efeitos de recorribilidade é o da ação e tendo sido fixado o valor de € 30.000,01, é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. “A tese subjacente ao… despacho em análise retira à R./Recorrente a possibilidade de recurso, e fá-lo quando esta já não poderá discutir o valor da ação para estes efeitos”, o que contraria a norma constante do artigo 629º, nº 1 do CPC. “Interpretar o n.º 1 do artigo 678º do CPC no sentido de que no foro laboral, em caso de coligação, o valor da acção deve ser considerado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, não admitindo recurso, fere os princípios do Estado de direito democrático e da igualdade, consagrados nos artigos 2º e 13º da CRP, apresentando-se, pois, como um entendimento contrário à CRP”.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões:

”A) Mantém a Recorrente tudo quanto afirmou em 1.ª instância, designadamente na sua Contestação, a propósito da fundamentação inserta como justificação para a celebração dos contratos de trabalho a termo que a vincularam ao Recorrido entre Maio de 2012 e Abril de 2013.

B) Dos factos provados resulta à saciedade que os motivos justificativos invocados em tais contratos de trabalho corresponderam, rigorosamente, às necessidades decorrentes das operações de voo da R. nesse período, que lhe exigiram o recrutamento e a manutenção ao serviço de tripulantes de cabine por curtos períodos, de duração variável consoante a necessidade em causa.

C) Tais motivos, recorde-se, foram apreciados em 1.ª instância, que relativamente a cada um dos 4 contratos que vincularam a Recorrida e o Recorrente entre Maio de 2012 e Abril de 2013 decidiu que "a estipulação do termo no contrato em causa não visou defraudar as normas da contratação a termo final”.

D) O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido viola os artigos 147.º, n.º 2, alínea b), 149.º, n.ºs 2 e 4, 141.º, n.ºs 1, alínea e), e 3, e 147.º, n.º 1, alínea a), do CT.

E) Viola o artigo 147.º, n.º 2, al. b), do CT porque o aplica erradamente a uma situação que jamais integrou a sua previsão.

F) Os factos provados evidenciam que entre a Recorrente e o Recorrido foram celebrados e executados, entre 4 de Maio de 2012 e 5 de Abril de 2013, 4 contratos de trabalho a termo certo de curta duração, 3 dos quais se renovaram: o primeiro por uma vez, o terceiro por uma vez e o quarto por duas vezes.

G) Donde, contra o que, sem qualquer apoio factual, afirma o Acórdão recorrido, jamais qualquer desses 4 contratos foi renovado três ou mais vezes, pelo que jamais ocorreu o "excesso" face ao máximo legalmente admitido que determinaria a conversão do contrato em contrato sem termo.

H) Igualmente vã se mostra a tentativa, levada a cabo pelo Acórdão recorrido, de fundar a aplicação ao presente caso do artigo 147.º, n.º 2, alínea b), do CT numa pretensa "continuidade" entre os contratos celebrados e as suas (reais ou pretensas) renovações, que por seu turno suportaria a tese do único contrato, "renovado 7 vezes ao longo de um ano por diferentes períodos".

I) E por um único motivo: tal “continuidade” jamais existiu, tanto no plano contratual, como no da prestação de actividade pelo ora Recorrido.

J) O quadro factual em que se baseiam a decisão de 1ª instância e o Acórdão recorrido evidencia que cada um dos 4 contratos a termo que vincularam as partes no período entre Maio de 2012 e Abril de 2013, tendo sido celebrado por um período determinado, foi (com uma única excepção) objecto de renovação e caducou.

L) Os mesmos factos provados demonstram que entre a data da caducidade dos três primeiros desses contratos e a da outorga do que se lhe seguiu mediaram períodos nos quais não existiu qualquer vínculo contratual nem qualquer prestação de actividade pelo Recorrido à Recorrente.

M) Carece, pois, em absoluto de suporte factual a tese que subjaz ao acórdão recorrido de uma "continuidade" na contratação do Recorrido pela Recorrente entre Maio de 2012 e Abril de 2013.

N) Aliás, tal tese, a ter vencimento, resultaria no grave absurdo jurídico de qualificar como de execução de contratos a termo à data inexistentes, períodos marcados por uma total ausência de prestação de actividade remunerada de uma das supostas partes à outra, contra toda a evidência e toda a lógica e, bem assim, contra a orientação seguida pelo próprio Acórdão recorrido na apreciação dos contratos celebrados entre as partes entre 15/07/2007 e 28/09/2011.

O) E nem o facto de serem tais períodos "curtíssimos" excluiria o absurdo ou atenuaria a sua gravidade - desde logo por serem também "curtíssimos" os próprios contratos a termo em apreço, comprovadamente outorgados no contexto de "operações extraordinárias" que "ocorriam apenas em períodos determinados de alguns dias ou, no limite, de algumas semanas".

P) Aliás, do cotejo da duração de uns e de outros, ora resulta um intervalo maior que o contrato que se lhe segue (no segundo contrato, celebrado por 14 dias a 17-10-2012, 1 mês e três dias após a caducidade do anterior), ora um intervalo de duração aproximada (no terceiro contrato, celebrado a 23-11-2012 por 37 dias, após um intervalo de 23 dias, e no quarto contrato, celebrado a 13-1-2013 por 27 dias, após um intervalo de 8 dias).

Q) Daí que falhe também esta tentativa de assimilar períodos de inactividade não titulada por contrato a períodos de prolongamento do mesmo com vista a suportar a aplicação do artigo 147.º, n.º 2, al. b), do CT às supostas renovações do contrato de 4 de Maio de 2012, pretensamente ocorridas “7 vezes ao longo de um ano por diferentes períodos”.

R) Pelos dois apontados motivos, o Acórdão recorrido erra ao aplicar ao presente caso o artigo 147.º, n.º 2, al. b), do CT, o qual supõe um contrato de trabalho a termo, que excedeu o número de renovações legalmente permitidas, situação que nele jamais se verificou.

S) O Acórdão recorrido faz ainda uma errada aplicação e, nessa medida, viola o artigo 149.º, n.º 2, do CT, relativo à renovação do contrato de trabalho a termo certo.

T) Mais exactamente, ao qualificar como renovação do contrato outorgado a 4 de Maio de 2012 e findo a 14 de Setembro de 2012, o contrato celebrado a 17 de Outubro de 2012, mais de 1 mês volvido sobre a caducidade do anterior, o Acórdão recorrido infringe a regra, naquele preceito enunciada, de que a renovação se fará "no final do termo".

U) O mesmo cabe dizer da assimilação a renovações do contrato de trabalho de 4 de Maio de 2012, quer da outorga a 23 de Novembro de 2012 de um outro contrato, 23 dias depois de caducado o anterior, quer da celebração a 13-1-2013, 8 dias volvidos sobre a última prorrogação, por 4 dias, do contrato anterior.

V) Ao decidir nestes termos, o Acórdão recorrido desconsidera ainda o prescrito na parte final do n.º 2 do artigo 149.º do CT, de que só haverá renovação não havendo declaração de qualquer das partes que faça cessar o contrato, hipótese que, o próprio reconhece, se não verificou no presente caso.

X) Por tudo o que antecede, ao reconduzir os contratos a termo e respectivas renovações posteriores ao "contrato inicialmente celebrado entre as partes em 5 de Maio de 2012", a renovações deste, as quais teriam ocorrido por “7 vezes ao longo de um ano por diferentes períodos", o Acórdão recorrido faz uma errada aplicação do artigo 149.º, n.º 2, do CT.

Z) O Acórdão recorrido faz, também, uma errada aplicação do artigo 149.º, n.º 4, do CT, quando afirma que "o contrato inicialmente celebrado entre as partes em 5 de Maio de 2012 e cessado em 5 de Abril de 2013 foi renovado 7 vezes ao longo de um ano por diferentes períodos".

AA) E isto porque em momento algum existiram tais 7 renovações que, sem mais, o Acórdão recorrido dá como verificadas.

BB) Em particular, não constituíram renovações do contrato de trabalho a termo outorgado a 4 de Março de 2012, quer a celebração dos 3 subsequentes contratos de trabalho a termo, quer as respectivas renovações.

CC) Igualmente, não constituíram renovações desse mesmo contrato os períodos entre a caducidade do primeiro, segundo e terceiro contratos a termo celebrados pelas partes após 4 de Maio de 2012 e o início do contrato a termo seguinte, durante os quais, comprovadamente, não houve nexo contratual nem prestação de actividade.

DD) O Acórdão recorrido faz uma errada interpretação e, nessa medida, viola o artigo 141.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do CT, quando funda a sua questionável tese de uma pretensa "continuidade" contratual entre Recorrente e Recorrido entre Maio de 2012 e Abril de 2013 na circunstância de ser "sempre a mesma" a justificação dos vários contratos outorgados, "a saber «a execução de tarefa ocasional ou serviço precisamente definido e não duradouro»".

EE) Com efeito, o Acórdão recorrido reduz a indicação do motivo justificativo legalmente imposto à alínea do n.º 2 artigo 141.º mencionada no contrato.

FF) E ao fazê-lo, desconsidera - em flagrante violação do preceituado no n.º 3 do mesmo preceito - os factos mencionados em cada contrato e que, caso a caso, indiciam a existência do motivo justificativo invocado e tornam adequada, como expressamente o reconheceu a decisão de 1.ª instância, a concreta duração estipulada em cada contrato ou a sua renovação.

GG) Mas não se detém aqui o desacerto do Acórdão recorrido quanto a estas mesmas normas, já que procede a uma sua errada aplicação, baseada numa pretensa realidade sem qualquer correspondência com os factos provados.

HH) Assim, e contrariamente ao que, sem demonstrar e ao arrepio de toda a prova produzida, afirma o Acórdão recorrido, não é "sempre a mesma" a justificação dos 4 contratos a termo que vincularam a ora Recorrente e o Recorrido entre Maio de 2012 e Abril de 2013.

II) Não é, antes de mais, "sempre a mesma" a alínea do n.º 2 do artigo 140.º, invocada em tais contratos - bem pelo contrário e de acordo com os factos provados:

- o contrato a termo celebrado a 4 de Maio de 2012 invocava a "alínea g) do nº 2 do artigo 140º" do CT;

- o contrato a termo celebrado a 17 de Outubro de 2012 invocava igualmente a "alínea g) do nº 2 do artigo 140º" do CT;

- já o contrato celebrado a 23 de Novembro de 2012 invocava as alíneas f) e g) do nº 2 do artigo 140º" do CT;

- e o contrato celebrado a 13 de Janeiro de 2013 invocava a alínea f) do nº 2 do artigo 140º" do CT.

JJ) Também não são os mesmos os factos indicados em cada um destes contratos a termo, que integram o respectivo motivo justificativo - bem diversamente, de acordo com os factos provados:

- no contrato a termo de 4 de Maio de 2012, a "execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro" consistia em "operações de voos "charters" de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Maio e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão, pelo menos até à primeira metade do mês de Setembro"

- no contrato a termo de 17 de Outubro de 2012 a "execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro" consistia em "operações de voos "charters" de carácter temporário e por necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno, a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Outubro e que se manterá previsivelmente até finais do mesmo mês"

- no contrato a termo de 23 de Novembro de 2012, "o acréscimo excepcional da actividade da empresa" e a "execução de tarefa   ocasional e serviço determinado precisamente definido e  não duradouro", consistiam em "operações de voos "charters" de carácter temporário (...) em operação extraordinária de Inverno, iniciada pela 1ª Outorgante no mês de Outubro, tendo surgido nova necessidade pontual, como necessidade de reforço da tripulação, que se manterá previsivelmente até ao início do mês de Janeiro de 2013" - no contrato celebrado a 13 de Janeiro de 2013, o "acréscimo excepcional da actividade da empresa" resultaria "de um conjunto de serviços de voo contratados a esta fora do seu âmbito normal de actividade e que lhe exigem o reforço da sua tripulação prevendo-se que tal reforço dure, apenas, durante o período referido na cláusula anterior".

LL) Donde, ao proclamar, contra todos estes factos que elenca como provados, que é "sempre a mesma" a justificação dos contratos a termo que entre Maio de 2012 e Abril de 2013 vincularam as partes, o Acórdão recorrido faz uma errada aplicação das normas contidas no n.º 1, al. e) e no n.º 3 do artigo 141.º do CT.

MM) Mas o Acórdão recorrido erra ainda ao associar, sem mais, à infundada ocorrência de "sempre a mesma" justificação de tais contratos, a consequência de estes deverem ser, todos eles - bem como os períodos de não contrato e de não actividade que entre os mesmos medeiam - considerados "renovações" do contrato inicial outorgado a 4 de Maio de 2012.

NN) Erra, antes de mais, ao assumir que a mera (e, insista-se, infundada) identidade da justificação dos vários contratos em apreço, exprime, só por si, uma desconformidade com o regime legal aplicável, sem nada invocar ou demonstrar quanto à suposta existência de uma situação de fraude.

00) Por último, erra ainda o Acórdão recorrido na aplicação deste preceito ao associar à sua suposta violação uma consequência que ao mesmo este não associa:

PP) Mais exactamente, considera o Acórdão recorrido como "renovações" do contrato a termo de 4 de Maio de 2012, não apenas os subsequentes 3 contratos, celebrados em contextos e por motivos diversos e as suas renovações/ mas também os períodos sem contrato e sem prestação de actividade que entre estes mediaram, quando o n.º 1 do artigo 147.º do CT se limita a considerar "sem termo" os contratos celebrados nas situações referidas na sua alínea a).

QQ) Por todas as apontadas violações de lei em que incorre, deve o Acórdão recorrido ser revogado, repondo-se, por todas as razões nela expostas e as aqui abundante e longamente desenvolvidas, os termos e sentido da decisão proferida em 1.ª instância.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Os presentes autos foram instaurados em 9 de julho de 2013.

O acórdão foi proferido em 27 de janeiro de 2016.

Nessa medida, é aplicável:

 O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

 O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março e 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou.

3 - QUESTÃO PRÉVIA

Como se referiu no despacho acima transcrito, foi a ação intentada por dois autores, em coligação voluntária ativa, tendo cada um deles deduzido pedido autónomo, ainda que coincidente quanto à causa de pedir, o que se traduz na cumulação de 2 ações autónomas.

À ação foi fixado o valor de € 30.000,01.

Tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal que, para aferição dos requisitos de recorribilidade, há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma (cfr. neste sentido os acórdãos desta Seção Social de 18.02.2016, proc. nº 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 20 de Fevereiro de 2002, proc. nº 3899/01, de 30 de Junho de 2004, proc. nº 609/04, de 13 de Julho de 2004, proc. nº 1501/04, de 11 de Maio de 2005, proc. nº 362/05 e de 6 de Dezembro de 2006, proc. nº 3215/06), sendo que, no caso de coligação ativa voluntária a “cumulação não determina a perda da individualidade de cada uma das respectivas acções, não obstante se encontrarem inseridas no mesmo processo”, pelo que “os recursos das decisões (ou da decisão final) só serão admissíveis se e na medida em que os mesmos fossem admissíveis se processados em separado” (acórdão desta 4ª secção de 2.02.2005, processo 4563/04).

«A coligação traduz-se praticamente na cumulação de várias acções conexas» (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, 1.º vol., p. 99), «visto que os autores se juntam, não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada» (ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.º vol., p. 146). E, assim, «[n]a coligação à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas» (ANTUNES VARELA, Manual de Processo Civil, 1985, p. 161).

Sendo dois os AA. e correspondendo o valor da ação (para efeitos de determinação da alçada do tribunal) “à utilidade económica imediata do pedido” (art. 296º, nºs 1 e 2 do CPC), o valor de cada um dos pedidos terá, necessariamente, que ser inferior a € 30.000,01, correspondendo o valor atendível para efeitos de alçada e de admissibilidade do recurso, apenas a 1/2 do todo (neste sentido o acórdão desta secção de 2.02.2005, atrás referido).

Se se devesse atender à soma dos pedidos para efeitos de admissibilidade do recurso, estaria encontrada a forma de aceder sempre ao Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando o valor dos pedidos, se formulados em ações separadas, o não permitisse. Bastaria os autores coligarem-se e intentarem apenas uma ação.

O valor da alçada da Relação está fixado em € 30.000,00 (art. 44º, nº 1 da LOSJ).

Nos termos do nº 1 do art. 629º do CPC: “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre…”.

Pelas razões expostas, o recurso de revista é inadmissível, uma vez que o valor de cada uma das ações coligadas não é superior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre, e porque não tem por fundamento qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

Ao abrigo do contraditório invoca a recorrente que o entendimento em causa fere os princípios do Estado de direito democrático e da igualdade consagrados nos artigos 2º e 13º da CRP.

Pese embora tal alegação, não esclarece a recorrente em que consiste tal pretensa violação.

Sobre a questão do direito constitucional ao recurso (que se nos afigura ser o que estará em causa na tese da recorrente), pode ler-se no acórdão nº 106/2006, de 7.02.2006 do Tribunal Constitucional, processo 213/05:

«Como se referiu, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 638/98, 202/99 e 415/2001 (cf., por último, para uma completa e actualizada exposição da doutrina e jurisprudência constitucionais sobre o direito de acesso aos tribunais e, em especial, o direito de recurso, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, notas VII e XII ao artigo 20.º, pp. 186‑189 e 200‑203), o direito, que o artigo 20.º, n.º 1, da CRP, a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade). Mas a Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil; e, em processo penal, só após a revisão constante da Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, passou a incluir, no artigo 32.º, a menção expressa ao recurso, incluído nas garantias de defesa, assim consagrando, aliás, a jurisprudência constitucional anterior a esta revisão, e segundo a qual a Constituição consagra o duplo grau de jurisdição em matéria penal, na medida (mas só na medida) em que o direito ao recurso integra esse núcleo essencial das garantias de defesa previstas naquele artigo 32.º.

Para além disso, algumas opiniões têm considerado como constitucionalmente incluído no princípio do Estado de direito democrático o direito ao recurso de decisões que afectem direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos, mesmo fora do âmbito penal (cf. declarações de voto dos Conselheiros Vital Moreira e António Vitorino, respectivamente, nos Acórdãos n.ºs 65/88 e 202/90).

Em relação aos restantes casos, o legislador apenas não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer. Na verdade, este Tribunal tem entendido, e continua a entender, com Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, 1994, pp. 100‑104), que, prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais, admite implicitamente um sistema de recursos judiciais, pelo que se impõe, como conclusão, que “o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos”, mas goza, neste domínio, de ampla liberdade de conformação, desde que não vá até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos. “Respeitados estes limites – conclui o autor citado (obra citada, p. 102) –, o legislador ordinário poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização do valor das alçadas”» ([3]).

A Constituição da República Portuguesa não impõe o direito ao recurso (com exceção do processo penal - art. 32º, nº 1 da CRP) ([4]), cabendo ao legislador ordinário definir os casos e os termos em que o recurso é admissível.

Reafirmando a jurisprudência atrás referenciada, pode ainda ler-se no acórdão do mesmo Tribunal Constitucional nº 243/2013 de 10.05.2013: «Como o Tribunal Constitucional afirmou no seu Acórdão n.º 287/90, embora a garantia da via judiciária do art. 20.º, n.º 1, da Constituição se traduza prima facie no direito de recurso a um tribunal para obter dele uma decisão sobre a pretensão perante o mesmo deduzida, deve incluir-se ainda na mesma garantia a proteção contra atos jurisdicionais. Isto é, o direito de ação incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra atos jurisdicionais, o qual, obviamente, só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais: “o direito (subjetivo) de recorrer visa assegurar aos particulares a possibilidade de impugnarem atos jurisdicionais e ainda tornar mais provável, em relação às matérias com maior dignidade, a emissão da decisão justa, dada a existência de mais do que uma instância”.

No mesmo aresto, todavia, este Tribunal também advertiu que daquela proposição não decorre a existência de um ilimitado direito de recurso, extensivo a todas as matérias, o que implicaria a inconstitucionalidade do próprio estabelecimento de alçadas.

O Tribunal considerou, então, que, com ressalva da matéria penal, atendendo ao que dispõe o n.º 1 do art. 32.º da Constituição, tal direito não é um direito absoluto — irrestringível. Diferentemente, o que se pode retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos arts. 20.º e [atual] 210.º da Constituição, em matérias diversas da penal, é que existe um genérico direito de recurso dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, exclusivamente, abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente.

Esta orientação foi posteriormente reafirmada por diversas vezes (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98, 276/98, 638/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007).»

Em suma, a limitação da revista aos casos em que o valor da ação seja superior à alçada do Tribunal da Relação e àqueles a que se reporta o art. 629º, nº 2, als. a), b) e c), do CPC, não viola os invocados preceitos constitucionais.

Refere a recorrente que o entendimento expresso atribui “uma posição desproporcionadamente mais confortável aos Autores coligados do que à ora R./Recorrente”.

Não descortinamos em que se consubstancia tal desproporcionalidade. É certo que compete aos AA. indicar na petição o valor da ação. Porém pode a R. na contestação impugnar esse valor e oferecer outro, cabendo sempre ao juiz proceder à sua fixação.

Se os AA. tivessem intentado as ações em separado e sendo os respetivos pedidos inferiores ao da alçada da Relação, porque o valor da ação deve corresponder à utilidade económica imediata do pedido, o juiz deve fixar o valor da ação nessa conformidade, ainda que tenha sido oferecido à ação valor superior ao pedido, com vista a permitir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

Torna-se, assim evidente que a situação das partes em termos de recorribilidade é precisamente a mesma, não sendo violados os invocados princípios constitucionais.

 

DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Não conhecer do objeto do recurso.

2 – Condenar a recorrente nas custas.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 1.09.2016

Ribeiro Cardoso (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha





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[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] In http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060106.html
[4] Ac. TC nº 606/2007: “Apesar de em processo civil não estar constitucionalmente assegurado um direito ao recurso das decisões judiciais…”.