Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1042/07.0TBSCR.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: IMOVEL
ALIENAÇÃO
CONTRATO DE COLONIA
EXTINÇÃO
REMIÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / OBJECTO NEGOCIAL, NEGÓCIOS USUÁRIOS / REQUISITOS DO OBJECTO NEGOCIAL.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / FORÇA JURÍDICA / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE PRIVADA.
Doutrina:
- António Bica, Algumas considerações sobre a colonia da Madeira e a sua extinção, Caseiros e Senhorios nos Finais do Seculo XX na Madeira – O Processo de Extinção da Colonia, Edições Afrontamento, 2009, p. 47 e ss.;
- Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3.ª Edição, p. 261, 264 a 265;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo I, 2.ª Edição, p. 1248;
- Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 5ª edição, 1993, p. 650 e ss.;
- Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra Editora, p. 175.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 280.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º E 62.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 24-06-2010;
- DE 26-02-2015.


-*-


ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 251/2017;
- ACÓRDÃO N.º 47/2019.
Sumário :

I – O direito constitucional de propriedade comporta o direito à sua transmissão em vida ou por morte – art. 62.º da CRP.
II – A transmissão do direito de propriedade de um imóvel sobre o que, em parte, se reconhece aos autores o direito de colonia não depende da consolidação prévia, através de remição, dos dois direitos reais que o compunham (direito às benfeitorias e direito à nua terra).
III – A extinção legal da colonia tornou impossível a remição, pelo que a restrição à transmissibilidade afigurar-se-ia desproporcionada, por temporalmente ilimitada – art. 18.º da CRP.
IV – Por consequência, tal transmissão, operada por escritura de compra e venda, não é parcialmente nula ao abrigo do disposto no art. 280.º do CC.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,


I. Relatório
1. AA e mulher, BB, vieram propor, contra CC, DD, entretanto falecida e representada pelos seus sucessores habilitados, EE, FF, GG e HH, estes últimos menores, representados por II, JJ e mulher, KK, acção com processo ordinário, pedindo que:
- os Réus sejam condenados a reconhecer que as duas porções de benfeitorias rústicas, uma com a área de 1.240 m2, inscrita na matriz sob o artigo …, da secção AM, localizada no ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com LL, Sul com MM, Leste com NN e Oeste com MM, e outra com a área de 530 m2, inscrita na matriz cadastral sob o artigo …, da secção AM, localizada ao dito ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com OO, Sul com PP, Leste com a ... e Oeste com QQ, implantadas sob parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº…, da freguesia de ..., são sua propriedade;
-lhes fosse reconhecido o direito de preferência, ou seja, que têm direito de haver para si as parcelas de terreno referidas com as mesmas áreas e confrontações das benfeitorias invocadas no pedido anterior, parte a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº…da freguesia de ..., substituindo-se aos Réus JJ e mulher, KK, na escritura de compra e venda exarada no Cartório Notarial do Dr. RR, a fls.51 a 53, do livro-A, na parte em que se refere àquelas porções de terreno, mediante o depósito do respetivo preço proporcionalmente considerado – 9 681,90 euros, acrescido das despesas de escritura e registo no montante de 1 030,78 euros, ou outro que se vier a apurar a final;
- os Réus JJ e mulher, KK, fossem condenados a entregar-lhes as parcelas de terreno objeto da presente ação.

               

Alegaram, em síntese, que:

 - são donos das referidas porções de benfeitorias por as terem adquirido por morte dos avós e pais do Autor marido, em inventário, sendo certo que, por si, pelos seus antecessores e representantes, sempre as possuíram por mais de 20 anos, à vista de todos, sem oposição e de forma ininterrupta, como se exercessem direito próprio;

- por escritura outorgado no passado dia 22.11.2005, o prédio rústico colonizado onde as referidas parcelas de terreno se incluem, com a área total de 12 240m2, que fazia parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº…, da freguesia de ..., foi vendido aos Réus JJ e mulher, KK, pelo preço global de 67 046,10 euros, ou seja, pelo preço de 5,47 euros ao m2;

- apesar da lei da colonia e até das regras gerais de compropriedade lhes conferir o direito de preferência, que pretendem exercer, a verdade é que os vendedores não lhes deram conhecimento do projeto de venda e das respetivas cláusulas.

2. Citados, os Réus apresentaram contestação, tendo os Réus JJ e mulher, KK deduzido reconvenção, pedindo que fosse declarado extinto o contrato de colonia, que eventualmente tenha existido a favor dos Autores sobre as referidas parcelas de terreno.

Na contestação, defenderam-se por exceção, invocando a caducidade da ação, porquanto os Autores já têm conhecimento da venda em causa há mais de 1 ano, e por impugnação, alegaram que a lei, embora os possa reconhecer como colonos não lhes confere qualquer direito de preferência, o que a existir implicaria a compra da totalidade do prédio, pelo preço efetivamente pago, sendo certo, no entanto, que não exercem qualquer posse sobre as parcelas em causa.

3. Os Autores replicaram.

4. Findos os articulados, foi lavrado despacho saneador; foi selecionada a matéria de facto, fixando-se os factos assentes e a base instrutória.

5. Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os Réus CC e SS, DD e JJ e mulher KK a reconhecer que as duas porções de benfeitorias rústicas são propriedade dos Autores AA e mulher, BB, declarar parcialmente nula a escritura pública , na parte referente às parcelas de terra e, consequentemente, devendo os Réus JJ e mulher, KK, a restituí-las às suas anteriores proprietárias, CC e SS e DD, e devendo estas também em consequência dessa nulidade restituírem aos Réus JJ e mulher, KK, a respetiva parte do preço, no valor de 9 681,90 euros; julgou improcedente o pedido reconvencional.

6. Não se conformando com esta decisão, vieram os RR. habilitados, GG e HH, interpor recurso de apelação.

7. A Relação de Lisboa veio a negar provimento ao recurso.

8. Inconformados com tal decisão, os RR. habilitados, GG e HH interpuseram recurso de revista.

9. O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de fls. 540/550, veio a anular o Acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia.

10. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir nova decisão, negando provimento ao recurso.

11. Inconformados com tal decisão, os RR. habilitados, GG e HH vieram interpor, novamente, recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª. O Supremo Tribunal de Justiça proferiu o douto Acórdão de 17 de abril de 2018, considerando não respondidas as questões suscitadas pelos recorrentes – extinção constitucional e legal do regime e dos contratos de colonia, perda da natureza real do direito do colono e consequente reconhecimento de um direito que a lei extinguiu, inexistência de cultivo direto, não exercício tempestivo do direito potestativo de exigir a remição, violação do contrato de arrendamento rural pelo benfeitor, inexistência de norma legal que consinta a restrição do direito de propriedade do dono do solo – concedeu provimento à Revista, anulou o acórdão recorrido, com fundamento em omissão de pronúncia e ordenou a baixa do processo ao tribunal da Relação para reforma da decisão anulada;
2ª. O acórdão de que ora se recorre reproduziu ipsis verbis o acórdão anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça – que não foi objeto de censura por parte dos recorridos – não procedendo assim à reforma, como foi ordenado;
3ª. Ao omitir-se quanto às questões suscitadas pelos recorrentes, o acórdão recorrido enferma do vício previsto na alínea d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C., o que determina a sua nulidade;
4ª. As questões suscitadas pelos apelantes, indicadas em A), não podem considerar-se respondidas, sequer por remissão imperfeita, como também não está assente a questão do cultivo direto;
5ª.  O acórdão recorrido, para além de não ter em conta a hierarquia das Fontes de Direito, baseia-se em jurisprudência não recente, que respeita a situações diferentes da dos autos, porquanto em todas elas se tratou de o colono vender as benfeitorias, celebrando um negócio legalmente impossível;
6ª. Na situação dos autos, os donos do solo, entre os quais a antecessora dos recorrentes, alienaram um direito real que nunca deixou de o ser, e que é seu;
7ª. Apreciar a situação da colonia na Região Autónoma da ..., face às normas constitucionais e legais em vigor, é questão que, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
8ª. Na situação sub judice estão também em causa interesses de particular relevância social, entre os quais, a impossibilidade de dar utilização racional aos terrenos e os conflitos decorrentes das situações que se encontram por resolver;
9ª. O acórdão recorrido confirma uma decisão injusta, por injusta ser a conduta dos recorridos, a roçar o abuso do direito, já que não cultivam diretamente as parcelas, permitindo que terceiros delas retirem toda a utilidade sem nada pagar em contrapartida, enquanto o dono do solo paga os impostos, nunca lhe pediram autorização para ceder o cultivo das parcelas a terceiros, se abeiraram deste para comprar a terra ou vender as benfeitorias;
10ª. A declarada invalidade da escritura de compra e venda identificada nos autos nem sequer parcialmente foi invocada pelos autores, ora recorridos, que, ao invés, a tomaram por válida, quando peticionaram o reconhecimento do pretenso direito de preferência.
E concluem pelo “provimento ao presente recurso, determinando-se a nulidade do acórdão recorrido e ordenando-se seja proferida decisão em que se declare extinta a situação de colonia nas parcelas de terreno mencionadas nos autos, mantendo-se válida a escritura de compra e venda quanto às mesmas”.
12. Não foram apresentadas contra-alegações.
13. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: a omissão de pronúncia e a validade da transmissão efetuada.

                III. Fundamentação.

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. No inventário nº 32/84, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal de ..., cuja sentença homologatória transitou em julgado em 26/1/87, aberto por morte de TT e UU, avós do A. marido, falecidos respectivamente em 23/12/81 e 26/4/84, e, posteriormente, por morte do pai do A. marido VV, falecido a 7/5/86, foram adjudicados aos AA. duas porções de benfeitorias rústicas, identificadas nas verbas 5 e 6 da relação de bens, uma com a área de 1 240 m², inscrita na matriz cadastral sob o art. 41º/26 da secção AM, localizada ao ..., freguesia e concelho de ..., a confrontar do Norte com LL, Sul e Oeste com MM, Leste com NN e outra com a área de 530 m² inscrita  na matriz cadastral sob o art. 41º/6 da secção AM, localizada ao dito ..., a confrontar do Norte com OO, Sul com PP, Leste com a ... e Oeste com QQ, ambas implantadas sobre os respectivos terrenos que são parte descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº … da freguesia de ... (al. A).

1.2. De acordo com a relação de bens junta no referido inventário, as aludidas porções de benfeitorias estavam, por lapso, anteriormente identificadas como sendo localizadas ao sítio do ..., quando na verdade, cadastralmente, sempre estiveram com a localização correcta no ... (al. B).

1.3. Daquele inventário consta que as ditas benfeitorias estavam feitas sobre terreno de XX, familiar das RR. CC e DD, e faziam parte do já extinto antigo art. rústico 3 133º da freguesia de ... (al. C).

1.4. Por sua vez, este antigo art. rústico …º estava descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., sem inscrição em vigor, embora erradamente identificado como sendo localizado ao referido sítio do ..., razão pela qual também foi, nesta parte, mal identificado no aludido inventário (al. D).

1.5. As aludidas benfeitorias encontram-se actualmente inscritas em nome do A. marido (al. E).

1.6. No seguimento das operações de medição cadastral, efectuadas entre 1955-1965 e com a entrada em vigor a matriz cadastral nos anos 80, foi indicado como dono e legítimo possuidor das sobreditas benfeitorias rústicas o avô dos AA., TT (al. F).

1.7. E o método de recolha da informação efectuada pelos técnicos do Instituto de Geografia e Cadastro - Delegação da ... - era feito principalmente com base em prova testemunhal, tendo-se concluído na altura que aquele ascendente era seu dono (al. G).

1.8. No dia 22/11/2005, por escritura pública de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial do Dr. RR, exarada a fls. 51 a 53, do Livro 12-A, CC e DD venderam a JJe mulher, KK, um prédio rústico colonizado, com área global de 12 240 m², localizado ao ..., freguesia e concelho de ..., que confronta a Norte com ZZ, AAA e outro, Sul com BBB, CCC, DDD e outros, Leste com EEE, inscrito na matriz sob os arts. 41º/5, 41º/6, 41º/7, 41º/8, 41º/9, 41º/10, 41º/11, 41º/13, 41º/14, 41º/15, 41º/16, 41º/17, 41º/18, 41º/19, 41º/21, 41º/22, 41º/23, 41º/24, 41º/25, 41º/26, 41º/27, 41º/28, 41º/29, 41º/30, 41º/32, 41º/51, 41º/52, 41º/54, 41º/55, 41º/56, todos da secção …, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ... (al. H).

1.9. O preço de venda acordado entre os RR. pela totalidade do prédio foi de € 67 046,10, com isenção de IMT (al. I).

1.10. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., foi desanexado do descrito sob o nº …, da freguesia de ..., que correspondia ao antigo art. rústico sob o art. 3 133º, sem inscrição em vigor (al. J).

1.11. As parcelas de terreno inscritas sob os arts. 41º/6 e 41º/26, ambas da secção "AM" têm, respectivamente, a área de 530 m² e 1 240 m² (al. L), dos factos assentes).

1.12. As benfeitorias em causa sempre foram tratadas e cultivadas desde meados da década de 50 pelo referido TT e mulher UU.

1.13. Eram estes que amanhavam as terras dos aludidos prédios rústicos, plantando as mais diversas culturas tais como vinha, batata-doce, "semilha", nespereiras, couve, favas, bem como cortavam o mato para os animais que sobre ele criavam (gado bovino) e adubavam a terra.

1.14. Para poderem amanhar o prédio, arrotearam as terras, limparam as silvas e mato.

1.15. Para guardar as alfaias agrícolas e acomodar os animais escavaram na rocha uma furna.

1.16. Para protecção e delimitação das terras, construíram os muros de pedra arrumada a mão, que se desenvolve em socalcos pela totalidade das mencionadas parcelas.

1.17. Para proceder à rega das culturas existentes no prédio limpavam e mantinham os regos de condução da água, pagando todas as despesas para tais regas, a que corresponde o cadastro nº …, tomadoiro nº …, regadeira nº…, da Levada de ... - …, do Ramal da …, e que se encontrava desde a década de 1950/60 em nome de TT e em 1987 passou para o nome do A. marido.

1.18. Realizaram assim os referidos TT e mulher UU as benfeitorias necessárias e acima descritas para amanho da terra e criação de gado, benfeitorias estas sem as quais não eram possível a exploração da terra.

1.19. Com efeito, os ditos TT e mulher, UU, cultivavam a terra, retirando dela todos os frutos e utilidades próprios da actividade agrícola e suportavam os encargos desta exploração, realizando tais actos à vista de toda gente e com conhecimento da generalidade das pessoas da terra, sem oposição de quem quer que seja, há mais de 20 anos, sem haver interrupção do uso e fruição, tudo como se estivessem no exercício de um direito próprio, sem ofender a propriedade de outrem, sendo reconhecidos como únicos e legítimos donos das benfeitorias rústicas, implantadas sobre o referido prédio.

1.20. Por sua vez, os AA. receberam tais benfeitorias rústicas, pelos óbitos dos avós TT e mulher e do pai VV, continuando, por si e por intermédio de procuradores, a praticar os actos descritos em O) a T), nos termos em que já vinha sendo exercida pelos antecessores.

1.21. As RR. CC e DD só venderam ao R. JJ o prédio identificado na escritura, por este se ter disposto a comprar a área de 12 240 m².

1.22. Quando o R. JJ contactou as RR. CC e DD com o propósito de lhes comprar uma área global de 5 000 m², foi-lhe respondido pelas mesmas que só venderiam a totalidade do prédio …º, da secção AM, ou pelo menos a parte que aquele acabou por comprar, já que esta correspondia à divisão do prédio que as suas comproprietárias haviam acordado entre si.

1.23. A parcela 41º/ 6 vale, pelo menos, € 32,23 ao m², por ter acesso directo ao caminho existente, sendo que a parcela 41º/26 vale, pelo menos, € 10 ao m², por não ter acesso a estrada.

2. A invocada nulidade do Acórdão sob recurso por vício formal de omissão de pronúncia

Proferido novo acórdão pela Relação, vieram os recorrentes alegar padecer este, novamente, do vício de omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, na medida em que entendem ter-se o acórdão limitado a reproduzir ipsis verbis o acórdão anulado sem apreciar as questões por si suscitadas.

Como é sabido, e no anterior Acórdão foi referido, a nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as “questões” submetidas pelas partes ao seu escrutínio ou das que deva conhecer oficiosamente (artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil).

As questões a conhecer são as que tenham sido suscitadas pelas partes ou que sejam de apreciação oficiosa, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil).

No mais, tem sido entendimento generalizado na jurisprudência, que apenas a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão, mas já não a sua insuficiente ou deficiente fundamentação.

No caso presente, no seguimento da anulação do primitivo acórdão, decidiu o ora acórdão recorrido que: “Tratando-se as demais de questões não apreciadas na decisão recorrida, as quais – uma vez que não foi apresentada contestação, pela R. em cujo lugar vieram a ser habilitados – se tem de entender vedado, aos ora apelantes, suscitar em sede do presente recurso”.

Resulta, pois que, o acórdão recorrido - bem ou mal – pronunciou-se a respeito das questões suscitadas pelos recorrentes nas suas alegações do recurso de apelação, considerando que ao tribunal de recurso era vedado apreciá-las uma vez que, não tendo sido apreciadas na sentença recorrida e na medida em que apenas foram suscitadas por quem não apresentou contestação, constituíam – segundo se depreende da fórmula sintética utilizada – de questões novas, o que, desde logo, inviabilizava que constituíssem objeto do recurso.

Assim, poderá entender-se que aquele acórdão não se pronunciou desenvolvidamente sobre as questões suscitadas (rectius, sobre as razões pelas quais entendeu que as mesmas não deveriam ser apreciadas), mas não se pode dizer que não lhes tenha dado resposta. Ainda que sucintamente justificado, percebe-se claramente que o acórdão recorrido entendeu que as questões suscitadas pelos apelantes não poderiam ser conhecidas por não terem sido previamente suscitadas, sendo certo que nada referem os ora recorrentes quanto a este fundamento do recurso nas suas alegações de revista.

Com efeito, limitam-se a repetir a invocação da omissão de pronúncia, ignorando ou omitindo o segmento do acórdão recorrido em que expressamente se rejeita a possibilidade dessas questões serem apreciadas, sem questionarem, no âmbito e para efeitos do presente recurso de revista, a validade ou mérito da decisão que rejeitou proceder a essa apreciação.

Como tal, e sem prejuízo da anterior decisão de anulação, uma vez que o acórdão recorrido se pronunciou, sintética mas efetivamente, sobre as questões suscitadas pelos então apelantes, no sentido de rejeitar a possibilidade dessas questões serem apreciadas, e não tendo tal sido questionado nas presentes alegações de revista, afigura-se-nos ser de rejeitar a nulidade de omissão de pronúncia invocada.

 3. A validade da transmissão efetuada

Em causa nos autos encontra-se, essencialmente, uma questão relacionada com o instituto da colonia, pelo que importa começar por fazer um brevíssimo enquadramento da figura e respectivo regime legal, passando, de seguida, a enquadrar as possibilidades de resolução do litígio concreto.
3.1.Breve caracterização e enquadramento jurídico do instituto da colonia

A colonia constitui um regime de aproveitamento agrícola, levado a efeito na ilha da ..., em que o dono de um prédio rústico contratava com outrem o seu cultivo, reservando-se metade das colheitas e outra metade para o colono (cfr. Acórdão do STJ, de 24/06/2010).

O contrato de colonia é específico da Região Autónoma da ... e tem a sua origem já há séculos, numa altura em que havia muita terra a arrotear e os donatários do arquipélago obtiveram a colaboração de colonos com o aliciante das benfeitorias lhes ficarem a pertencer. Guardaram, porém os donos da terra para si a faculdade, unilateral e discricionária, de pôr fim ao contrato sempre que quisessem. Ao colono, por outro lado, era facultada a possibilidade de vender as benfeitorias, passando o comprador a ser o novo colono.

- cfr. preâmbulo do Decreto Regional nº13/77/M, de 18 de outubro de 1977 -

Daí decorreu, por via consuetudinária, uma espécie de direito real menor, nos termos do qual se operou a cisão entre a propriedade do solo, que se mantinha na esfera jurídica do dono da terra, e a titularidade do direito do gozo e das benfeitorias, pertencentes ao colono, que as podia alienar ou transmitir aos herdeiros.

- cfr. Acórdão do STJ, de 26 de fevereiro de 2015 -

Nas palavras de Oliveira Ascensão, a situação tem grandes analogias com a superfície mas é diversa desta, assim como não pode ser assimilada à enfiteuse, antes se apresentando “como o mais complexo direito real existente na ordem jurídica portuguesa”, sendo um direito de origem consuetudinária que acabou por se impor ao reconhecimento do próprio legislador

- Direito Civil – Reais, 5ª edição, 1993, págs.650 e ss. -

Com efeito, as referências legais à colonia são muito anteriores à Constituição de 1976, que, nos termos do seu artigo 102.º, n.º 2, da sua versão original, previu a sua extinção nos seguintes termos:

«Serão extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime da parceria agrícola.».

- De acordo com FFF, a colonia já havia sido extinta pelo Código Civil de 1867 na medida em que aí se previu a extinção dos direitos reais não tipificados nesse Código como era o caso da colonia, sendo que com o Decreto –Lei nº47.937, de 15 de Setembro de 1967, ao proibir-se a celebração de novos contratos de colonia, teria havido uma reposição por lei da colonia extinta no âmbito da atividade legislativa em que se declarava querer-se a sua extinção (“Algumas considerações sobre a colonia da ... e a sua extinção” in “Caseiros e Senhorios nos Finais do Seculo XX na ... – O Processo de Extinção da Colonia”, Edições Afrontamento, 2009, págs. 47 e ss.) –

Dando cumprimento a este desiderato do legislador constitucional, dispôs o artigo 55.º da Lei n.º 77/77, de 29 de setembro (Aprova as bases gerais da Reforma Agrária)

1. São extintos os contratos de colonia existentes na Região Autónoma da ..., passando as situações daí decorrentes a reger-se pelas disposições do arrendamento rural e por legislação estabelecida em decreto da Assembleia Regional.

2. O Governo apoiará as iniciativas dos órgãos de governo da Região da ..., integradas nos princípios norteadores da Reforma Agrária, para a resolução das situações decorrentes da extinção da colonia.”.

Quase de imediato, foi aprovado o Decreto Regional n.º 13/77/M, de 18 de outubro de 1977, que, reclamando a competência própria da Região para legislar sobre a matéria, veio extinguir os contratos de colonia subsistentes (uma vez que a sua celebração estava já proibida) e regular a disciplina transitória pela qual se regiam.

Assim, para além das referências ao regime da colonia ser “intrinsecamente injusto, incompatível com as instituições democráticas” e de se tratar, “afinal, de uma situação em que a vontade do mais forte tem sido livre para se impor ao mais fraco”, pode, ainda, ler-se no respetivo preâmbulo:

Determina-se pois a extinção dos contratos de colonia, com a sua conversão, transitoriamente, em contratos de arrendamento rural e reconhece-se que há que dar um prazo para as remições previstas no diploma. As negociações, as avaliações e as questões de ordem financeira, derivadas do processo, são forçosamente lentas e, se tal prazo não for concedido, podem criar-se situações inconvenientes. (…)

Porque se parte do princípio de que o colono, de uma maneira geral, é a parte mais desfavorecida do contrato, só em casos muito especiais, que não afectam as legítimas expectativas dos colonos, é que se reconhece ao senhorio ou a terceiros o direito de remição.

Consequentemente, dispõe o artigo 1.º do referido Decreto Regional que:

São extintos os contratos de colónia que subsistem na Região Autónoma da ..., os quais passam a reger-se pelas disposições respeitantes ao arrendamento rural e pelas normas do presente diploma.”

Destacando-se, no que se refere ao processo de extinção e aos direitos de remição, os artigos 3.º, 7.º, 8.º, 10.º e 11.º que regulam o direito de remição da propriedade do solo pelo colono (ou por terceiro que há mais tempo viesse explorando a terra), ou, nomeadamente, se este não o fizesse, o direito de remição das benfeitorias pelo senhorio, sempre sem prejuízo dos respetivos direitos a indemnização a calcular de acordo com os critérios previstos nesse diploma.

Assim, nos termos do artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 (Remição pelo colono ou terceiro):

1. O colono-rendeiro tem o direito de remir a propriedade do solo onde possua benfeitorias.

2. O colono-rendeiro é preterido no direito referido no n.° 1 por pessoa que há mais tempo do que ele venha explorando directamente a terra, por si ou através do seu agregado familiar.

(…)

Já de acordo com o artigo 8.º, n.º 1 (Remição pelo senhorio)

1. O senhorio poderá remir as benfeitorias, indemnizando o colono:
a) Quando o titular do direito de remição mencionado no artigo 3.º expressamente declarar perante o notário que não deseja usar do direito conferido pelo referido preceito legal;
b) (…)

Tais remições ficavam, contudo, sujeitas a um prazo, sucessivamente exercitável pela contraparte, nos termos definidos no art. 13.º do seguinte modo:

1. As remições previstas no presente diploma só poderão ser requeridas até 31 de Dezembro de 1981.

2. Se até à data referida no número anterior o titular do direito de remição não o exercer, esse direito poderá ser exercido pela outra parte, nos termos do presente diploma, até 31 de Dezembro de 1983”.

 - Para além disso, o artigo 14.º do Decreto Regional n.º 13/77/M prevê um prazo máximo para os proprietários dos prédios confinantes exercerem os direito de aquisição do terreno e das benfeitorias, no caso do colono-rendeiro, senhorio ou terceiros titulares do direito de remição não quererem exercer os seus direitos, sendo tal prazo de mais dois anos a contar do último prazo previsto no artigo 13.º -

Tais prazos foram sucessivamente prorrogados pelo Decreto Regional n.º 1/81/M, de 14 de março, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/83/M, de 21 de dezembro, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 23/85/M, de 31 de dezembro, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 1/87/M, de 10 de janeiro e pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 13/90/M, de 23 de maio.

Não tendo havido novas prorrogações, e tendo o prazo concedido ao colono-rendeiro findado em 30-04-1987, enquanto o prazo do senhorio, fruto da última prorrogação isolada efetuada pelo derradeiro diploma, terminado em 31-12-1994, conclui-se que à data de entrada dos presentes autos, encontravam-se decorridos e esgotados todos os mencionados prazos para exercer a remissão.

Face ao referido regime legal, importa analisar quais as consequências que devem ser retiradas da circunstância de ter havido uma alienação, através de uma escritura de compra e venda, de um imóvel que se veio a concluir integrar, no que se refere a algumas parcelas, um direito de colonia de que os autores foram reconhecidos como titulares das respetivas benfeitorias rústicas (colonos).

No presente processo n.º 1042/07.0TBSCR.L1.S2, foi proferido o acórdão ora recorrido que entendeu que a alienação do imóvel objeto da escritura pública é parcialmente nula, na parte em que incluiu as parcelas de terra a que se referem os autores, sendo tal de conhecimento oficioso, por se tratar de um negócio contrário à lei.

Considerou o acórdão recorrido que não tendo os autores, nem os seus antecessores, enquanto colonos, nem os réus ou anteriores proprietários do terreno, exercido, no prazo legal, o respetivo direito de remição relativamente às parcelas sujeitas ao regime da colonia, deverá entender-se não ser lícito que o prédio fosse transmitido sem que essa transmissão abrangesse o direito de colonia, sendo tal negócio nulo nessa parte por ser contrário à lei.

A questão parece ser, assim, a de saber se, tendo sido legalmente declarada extinta a colonia e ultrapassados os prazos legalmente previstos para a sua remição, quais as consequências da ulterior transmissão de um prédio que, total ou parcialmente, se encontrasse sujeito a esse regime.

A título prévio importa referir que, de acordo com a escritura pública de compra e venda em causa nos autos, e que foi oficiosamente considerada parcialmente nula pelo acórdão recorrido por abranger duas parcelas em relação à qual os autores demonstraram serem titulares (por via originária e derivada) do direito a “benfeitorias” nos termos do regime da colonia, essa transmissão foi efetuada entre os réus com referência expressa a que venda era feita, livre de ónus ou encargos, mas referente a um “prédio colonizado”, tendo a venda sido aceite nos termos exarados (fls. 67 e ss.).

Não se colocam, assim, aparentemente, quaisquer questões relacionadas com uma hipotética venda de bens alheios ou de bens onerados, as quais, aliás, não vêm suscitadas pelas partes, não havendo, por conseguinte, que analisar eventuais consequências que pudessem derivar da aplicação dos artigos 291.º ou 892.º do Código Civil.

O fundamento do acórdão recorrido, bem como da doutrina e da jurisprudência em que se baseia, parece restringir-se, assim, ao entendimento segundo o qual a nulidade do negócio decorre do mesmo ser contrário à lei, podendo ser reconduzido a uma situação do artigo 280.º do Código Civil.

No entanto, é questionável restringir a transmissibilidade inter vivos de um direito real sujeitando-a à condição de ter havido consolidação prévia dos dois direitos reais em que se decompunha a colonia (o direito às “benfeitorias” e o direito à “nua-terra”) por efeito da remição quando, é certo, não existir mais a possibilidade legal ou temporal desses direitos serem exercidos.

Com efeito, sendo o direito de disposição uma das dimensões do direito constitucional de propriedade (cfr. artigo 62.º da CRP), uma solução que eternize a reunião desses dois direitos ou que, pelo menos, inviabilize a sua transmissão, pela circunstância de não ter ocorrido a sua consolidação na esfera do colono ou do senhorio, poderá suscitar questões de conformidade constitucional.

Nessa medida, note-se que é o próprio preceito constitucional a dispor que é garantido o direito à propriedade privada “e à sua transmissão em vida ou por morte”, nos termos da Constituição, sendo certo que as restrições a essa transmissibilidade devem, no limite, obedecer a um critério de proporcionalidade (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

- Jorge Miranda e Rui Medeiros, referem que tal referência “postula, necessariamente, a existência de liberdade contratual em geral e de liberdade de disposição testamentária em particular, ainda que estas liberdades não sejam naturalmente irrestritas”, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 1248 -

Uma interpretação como a que decorre do Acórdão do STJ de 04 de julho de 1996, que propugna uma “cristalização” das situações existentes que não foram objecto de remição e que faz depender a sua modificação de uma eventual ou hipotética intervenção do legislador, não se nos afigura que passasse pelo denominado teste de proporcionalidade.

- Gomes Canotilho ensina que o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição do excesso, inclui os subprincípios da conformidade ou adequação de meios, da exigibilidade ou da necessidade e o da proporcionalidade em sentido restrito, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 3.ª Edição, págs. 261, e 264 a265, tendo o Tribunal Constitucional em diversos arestos seguido estes critérios para aferir da proporcionalidade, de que são exemplos os Acórdãos n.º 251/2017 e n.º 47/2019. -

Assim, mesmo que se entendesse que tal restrição à liberdade de transmissão era necessária e adequada à intenção visada pelo legislador de consolidar os direitos decorrentes da colonia numa só esfera, sempre se teria de concluir que de acordo com o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito tal restrição, designadamente, por não se mostrar limitada no tempo e não se antever como seria resolvida – amarrando indefinidamente os dois direitos e os seus titulares um ao outro –, não seria proporcional “à carga coactiva” que implica e não se mostraria, numa ponderação das suas vantagens e desvantagens, como preenchendo um princípio de “justa medida”.

Antes disso, porém, tendemos a considerar que o entendimento de que a extinção legal da figura da colonia leva a que tal transmissão seja nula por violação da lei carecerá de fundamento, porquanto não se vislumbra que tal proibição decorra de qualquer dos diplomas legais que disciplinam a matéria, nem tal se mostra como uma consequência lógica ou necessária no caso da transmissão em causa nos autos.

Com efeito, tendo sido consensualmente acordada a transmissão de um “prédio colonizado” não parece decorrer do efeito extintivo da colonia que tal transmissão seja inválida por não ter sido precedida de remição ou da consolidação de algum dos direitos em que se desdobra a colonia.

Pelo contrário, mostra-se mais lógico e coerente com o ditame constitucional que determinou a extinção da colonia e com o regime legal que a concretizou, entender que esta, enquanto figura jurídica própria de um regime de exploração da propriedade que foi considerado feudal e antidemocrático, não pode mais subsistir ou produzir os seus efeitos independentemente da sua remição, sob pena de se estarem a reconhecer direitos a um instituto que foi abolido.

Assim, e socorrendo-nos do princípio da elasticidade ou da consolidação, “segundo o qual todo o direito sobre as coisas tende a abranger o máximo de utilidades que propicia um direito dessa espécie: ou seja, todo o direito sobre as coisas tende a expandir-se (ou reexpandir-se) até ao máximo de faculdades que abstractamente contém” (Orlando de Carvalho, “Direito das Coisas”, Coimbra Editora, pág. 175.), próprio dos direitos reais, será preferível entender que, por efeito e como consequência da extinção da colonia, não subsiste mais o sistema bipartido de tenência e de exploração da propriedade, tendo-se consolidado o direito de propriedade no titular da propriedade, sem prejuízo do direito à indemnização do colono pelas benfeitorias realizadas.

Entende-se, pois, que esta será a solução que melhor assegurará o normal desenvolvimento do comércio jurídico e que dará maior segurança à vida em sociedade, não sendo a circunstância do regime que vigorou dar primordialmente direito ao colono de remir a propriedade suficiente para entender que, não o tendo feito nos sucessivos prazos legais que foram sendo concedidos, possa agora obstar a essa consolidação na esfera do proprietário.

De resto, será esta a solução que, numa visão prospetiva e projetiva dos efeitos da extinção da colonia, melhor assegurará o fito e a intenção de extinção desta figura, podendo os eventuais direitos, de natureza obrigacional ou indemnizatória, que sejam afetados pela validade da referida transmissão e pela extinção da colonia com consolidação da propriedade na esfera dos transmissários, ser acautelados por forma diversa que não seja a manutenção de um status quo existente.

Deste modo, temos de concluir que o Acórdão recorrido deve ser revogado, por se mostrar válida a transmissão objeto da escritura pública, que os Autores não haviam colocado em causa (tendo somente formulado o pedido de reconhecimento do direito de preferência), sem prejuízo do direito dos Autores (colonos) a serem indemnizados pelas benfeitorias realizadas, por tal resultar de um imperativo constitucional.

Por outro lado, não há que proferir decisão quanto à existência do eventual direito de preferência (por não ter sido apresentado recurso de revista subordinado), nem quanto ao decretamento da extinção da colonia (uma vez que, conforme salienta a Relação no Acórdão recorrido, não interpuseram os Réus reconvintes recurso de revista), e os Réus Recorrentes não formularam qualquer pedido reconvencional nos autos.


IV. Decisão
Posto o que precede, acorda-se em conceder provimento à revista, e, consequentemente, revoga-se o Acórdão recorrido.


Sem custas o recurso, por não ter sido deduzida oposição.

Lisboa, 19 de março de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

 (Pedro de Lima Gonçalves) (Relator)

 (Fátima Gomes)

 (Acácio Neves)