Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6714/06.4TBLRA.C2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: SUB-ROGAÇÃO
SEGURANÇA SOCIAL
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
SEGURADORA
TRATADOS
REGULAMENTO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
DECRETO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA 48/2000
LEI DE CIRCULAÇÃO RODOVIÁRIA: - ARTIGO 65.º, ALÍNEA 1.
LEI GERAL DO DIREITO DAS SEGURADORAS SOCIAIS: - ARTIGO 72.º, ALÍNEA 4.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CEE) 1408/71, DO CONSELHO, REVOGADO PELO REGULAMENTO (CEE) 883/2004.
Sumário :
I. Ao deduzir pretensão jurídica, invocando direito estrangeiro, concretamente, direito suíço, importa ter presente, decorrer da Constituição da República Portuguesa, que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, outrossim, que os regulamentos do Conselho têm carácter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados Membros.

II. Conquanto a Suíça não seja um estado membro da União Europeia, convirá anotar o firmado Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros e a Confederação Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas, incluindo os seus anexos e protocolos, bem como, a Acta Final com as declarações (adiante designado por Acordo), o qual foi ratificado pelo Decreto do Presidente da República 48/2000, resultando daqui que as partes contratantes acordaram aplicar entre elas, nos domínios da coordenação dos regimes de segurança social, os actos comunitários em vigor à data da sua celebração, entre os quais o Regulamento (CEE) 1408/71 do Conselho (entretanto revogado pelo Regulamento (CEE) 883/2004, mantendo-se, no entanto, em vigor, na parte respeitante ao Acordo com a Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas), relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da comunidade.

III. Sendo a interveniente processual, um organismo da segurança social suíço e tendo pago as demonstradas quantias, ao sinistrado, a coberto da legislação Suíça, será necessariamente ao abrigo desta legislação que terá que ser analisado o direito que a interveniente processual, pretende exercer, no caso sub iudice, a sub-rogação legal.

IV. Tendo a interveniente processual, enquanto organismo da segurança social suíço, satisfeito determinada quantia pecuniária (referentes a tratamentos médicos, pensões pagas durante o período de baixa do sinistrado, pensões pagas em virtude de ter sido fixada uma incapacidade permanente, e quantia paga a título de danos morais), paga ao sinistrado, cidadão nacional, residente e empregado na Suíça, vítima de acidente de viação em Portugal, por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré, reconhece-se à interveniente processual, ao abrigo da legislação suíça aplicável, concretamente o art.º 65º, alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária, a sub-rogação legal que lhe permite reclamar da seguradora de responsabilidade civil do automobilista, causador exclusivo do acidente, as quantias pagas ao lesado, o que, de resto, também decorre do art.º 72º, alínea 4 da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais, prevenido no ordenamento jurídico suíço.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA e BB, instauraram acção declarativa de condenação contra, CC Insurance PLC, pedindo a condenação desta no pagamento de €170.000,00 acrescido de juros, a título de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação de que foi culpado o condutor do veículo seguro na Ré, com a matrícula ...-...-EO.

A Ré contestou, pedindo a improcedência do peticionado. 

DD (adiante designada por DD), com sede na Suíça, requereu a sua intervenção principal nos autos, o que veio a ser admitido, pedindo a condenação da Ré no pagamento de:

a) €48.515,61, acrescido de juros de mora desde a citação e juros vencidos sobre a quantia de €44.795,08, no montante de €891,98;

b) os danos futuros nos quais a DD venha a incorrer decorrentes do acidente objecto destes autos, e mais concretamente a condenação da Ré a indemnizar e reembolsar nos termos do art.º 495º do Código Civil, todos os gastos desembolsados pela DD em virtude do acidente, indicando-se entre outros, despesas de assistência médica, medicamentosa ou outra e pensões, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.


Articulou, com utilidade, que é uma entidade equiparada à Segurança Social, que presta assistência aos seus beneficiários nos termos da lei Suíça.

Em caso de acidente assume despesas com assistência médica, que não está sujeita a quaisquer limites de capital por sinistro ou a quaisquer limites temporais, sendo assegurada a assistência vitalícia.

Paga também uma prestação pecuniária de 80% do montante do vencimento do segurado em caso de incapacidade total para o trabalho, ou em caso de incapacidade parcial, uma pensão diária calculada na proporção da mesma, sendo devidas tais prestações até à plena recuperação do sinistrado ou até à determinação da incapacidade permanente e da respectiva pensão definitiva.

Assume também a DD uma prestação única destinada a cobrir o dano moral, dano à integridade física ou incapacidade genérica destinada a compensar a incapacidade do sinistrado, independentemente do seu vencimento e tentar cobrir e indemnizar parcialmente danos morais.

A Ré deduziu oposição, alegando que o acidente em causa nos autos não foi um acidente de trabalho, nem as lesões dele decorrentes se reportam a qualquer doença profissional, pois o lesado estaria ocasionalmente em Portugal, em férias, ou para tratar de assunto pessoal, sendo que a DD é um organismo de ligação da segurança social Suíça em matéria de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

Concluiu, pedindo a improcedência do reembolso das quantias indicadas, por falta de fundamento.

A DD veio responder, alegando que presta assistência aos seus beneficiários mesmo nas férias.

Posteriormente, a DD veio ampliar o seu pedido inicial, o que foi admitido, nos termos dos requerimentos de fls. 271 (mais €27.253,77), 295 (mais €29.568,31, que engloba a antecedente quantia), 449 (mais €29.627,72), 489 (mais €6.038,42) e 548 (mais €5.257,01).

Os Autores e a Ré vieram a celebrar transacção (a fls. 565), a qual foi homologada por sentença.



Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido formulado pela interveniente DD, absolvendo do mesmo a Ré.

A interveniente DD recorreu, tendo sido proferido acórdão que revogou a decisão recorrida e ordenou que o Tribunal a quo averiguasse a legislação suíça aplicável. O que foi efectuado.


Foi proferida nova sentença que voltou a julgar improcedente o pedido formulado pela interveniente DD, absolvendo do mesmo, a Ré.


Inconformada, recorreu, de novo, a interveniente DD, para o Tribunal da Relação, o qual conheceu do objecto do interposto recurso de apelação, tendo consignado no dispositivo do proferido acórdão: “Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, assim se revogando a sentença recorrida, e, em consequência, condena-se a R. a pagar à interveniente DD as quantias já apuradas de 30.015,71 €, mais o contravalor em euros do montante de 132.764,25 francos suíços, a que acrescem juros legais desde a notificação do pedido da interveniente à R. (ocorrida em 16.7.2017), bem como os juros vencidos até à entrada em juízo de tal pedido da interveniente sobre a quantia de 44.795,08 € (que esta liquidou em 891,08 €), e adicionalmente pagar à mesma os valores que ela entretanto tiver satisfeito, desde a sua última ampliação do pedido em Novembro de 2013 até ao encerramento da audiência de julgamento, a liquidar em sentença, acrescidos dos respectivos juros de mora legais até efectivo pagamento. Custas pela R. ”


É contra esta decisão que a Ré/CC Insurance PLC, se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões:

“1ª. - O presente recurso ordinário de revista tem por fundamento a violação de lei substantiva, na vertente de erro de interpretação e aplicação das normas jurídicas e de determinação da norma aplicável, nos termos do disposto no Artº. 674º., nº. 1 alínea a) e nº. 2 do Código de Processo Civil;

2ª. - Nos presentes Autos discute-se a questão de saber se a Interveniente Processual “DD” (“DD”), é ou não titular de direito de peticionar quantias pecuniárias da ora Recorrente CC, por via de sub-rogação legal, em virtude de pagamentos efectuados a AA;

3ª. - O sinistro rodoviário discutido nos presentes Autos ocorreu em Portugal, na E.N. 1, Freguesia de …., Concelho e Distrito de …, sendo que à data do acidente, AA residia na Suíça e encontrava-se de férias em Portugal;

4ª. - A “DD” requereu a sua intervenção nos presentes Autos, apresentando um articulado de intervenção espontânea no qual peticionava determinados valores da Ré CC, alegando que, em virtude do acidente provocado pelo condutor do veículo segurado na CC, havia liquidado ao Autor AA diversas quantias;

5ª. - A “DD” juntou aos Autos, como Doc. n.º 1 em anexo ao Articulado de Intervenção Espontânea uma Declaração do Departamento de Relações Internacionais do Instituto de Segurança Social Portuguesa, onde é referido que a “DD” “...foi designada organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais”;

6ª. - A CC alegou que a “DD” não teria legitimidade para peticionar quaisquer importâncias da CC, uma vez que o acidente “sub judice” não se poderia qualificar como acidente de trabalho, sendo tal Entidade - conforme constava do supra mencionado documento - o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais;

7ª. - A “DD” não juntou qualquer elemento documental que permitisse fazer prova de que seria também a entidade competente em termos de Segurança Social para prestar assistência aos seus beneficiários em caso de acidente ocorrido fora do contexto laboral, ou seja, em férias;

8ª. - Foi proferida Sentença em 1ª. Instância que absolveu a CC do Pedido formulado pela “DD”, sendo nesta referido que tal Entidade é o organismo de ligação de segurança social Suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, pelo que não se reportando o acidente dos autos a qualquer acidente de trabalho, não seria de reconhecer à interveniente DD o direito a ser reembolsada das quantias que pagou e tem vindo a pagar a AA;

9ª. - Após Recurso interposto pela “DD”, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu Acórdão revogando a parte decisória da Sentença proferida pela 1ª. Instância, sendo referido em tal Aresto que o Tribunal de 1ª. Instância deveria proceder a uma pesquisa sobre a existência ou inexistência de norma legal na Legislação Suíça onde se pudesse fundar o direito de sub-rogação alegado pela Interveniente nos presentes Autos;

10ª. - O Serviço Federal de Saúde Pública Suíço enviou um ofício aos presentes Autos contendo as informações solicitadas pelo Tribunal de Leiria, tendo sido ordenada a tradução do mesmo, por se encontrar redigido em Língua Francesa, sendo que a tradução de tal informação foi junta aos presentes Autos no dia 23 de Outubro de 2017, com a referência nº. 86…73 atribuída pelo sistema “Citius”, a fls. 1118 e 1119 dos mesmos;

11ª. - A Fls. 2 da tradução do documento emitido pelo Serviço Federal de Saúde Pública Suíço consta o seguinte:

“1 - De acordo com o Direito Suíço, e desde que o trabalhador labore pelo menos oito horas por semana junto do mesmo empregador, um acidente não profissional dá direito às prestações do seguro por acidentes segundo a LAA.

2 - Desde a verificação do evento indemnizável, a seguradora está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do assegurado e dos seus herdeiros contra qualquer terceiro responsável. Isto é, a seguradora por acidentes está no direito de reivindicar junto do terceiro responsável - ou da sua seguradora - o reembolso das quantias contratadas. Esta regulamentação aplica-se igualmente à EE, principal seguradora Suíça. Aplica-se também cumulativamente em caso de acidente rodoviário”;

12ª. - Com interesse para a determinação da norma jurídica aplicável, foi dado como provado na Douta Sentença proferida pelo Tribunal de Leiria que:

“1- No dia 29 de Novembro de 2003, pelas 17 horas e 30 minutos, na EN 1, ao Km 131,2, freguesia da …, concelho e distrito de …, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros com as matrículas ...-...-EO, ...-...-LS e ...-...-TQ. ”;

“16- O ligeiro de passageiros ...-...-TQ era propriedade dos autores, que o haviam adquirido e pago o preço e que detinham a sua direcção efectiva, circulando com o mesmo, ordenando reparações e revisões, pagando-as, bem como pagando imposto de selo e prémios de seguros, lavando e introduzindo combustível. ”;

“33- Na data referida em 1, o autor trabalhava na Suiça e exercia ali a profissão de …., residindo na Rue … 71, 1950 Sion, e trabalhando na empresa FF, Route de …. 41, 1950 Sion. ”.

“51- A interveniente DD é o organismo de ligação de segurança social suiço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

52- A interveniente assegura também os riscos decorrentes para os trabalhadores empregados na Suiça decorrentes de acidentes não profissionais, desde que tais trabalhadores trabalhem, pelo menos, oito horas por semana junto do mesmo empregador. ”;

13ª. - Foi proferida nova Sentença pelo Tribunal de Leiria, sendo nesta a CC absolvida do pedido formulado pela “DD”, constando da mesma a seguinte fundamentação: “Acresce que este direito sub-rogação legal encontra-se, igualmente previsto no artº 72º da Lei Geral de Seguros Sociais da Confederação Suíça, que prevê tal direito pelas prestações pagas à pessoa segura contra os terceiros responsáveis pelo facto danoso. No entanto, uma vez mais entendemos que não se encontra demonstrado que a interveniente tenha adquirido qualquer direito de sub-rogação por referência ao acidente dos autos. Com efeito, é consabido que a sub-rogação legal verifica-se quando um terceiro (sub-rogado) adquire os direitos do credor originário na justa medida em que tiver garantido o cumprimento da obrigação. O que se ignora é a que título foram efectuados os pagamentos reclamados pela DD, uma vez que não se encontra demonstrado que o autor na Suíça estivesse abrangido por um seguro com a cobertura do risco de acidentes não profissionais.

Na verdade, ficou provado que a DD é o organismo de ligação de segurança social Suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais e que assegura também os riscos decorrentes para os trabalhadores empregados na Suíça decorrentes de acidentes não profissionais, desde que tais trabalhadores trabalhem, pelo menos, oito horas por semana junto do mesmo empregador (cf factos 51 e 52).

Porém, o que não decorre dos autos, como refere a ré nas suas alegações, é que o autor se encontrasse nessas condições. Pois se é certo que se provou que trabalhava para a empresa FF, não se encontra demonstrado nos autos em que regime o fazia, designadamente se exercia actividade para este empregador ou qualquer outro, pelo menos oito horas por semana.

Naturalmente que não acreditamos, como refere a interveniente nas suas alegações, que os pagamentos efectuados por esta o tenham sido altruisticamente e sem razão de ser. A questão inultrapassável é que ignoramos se o autor estava coberto pelo seguro contra riscos de acidentes não profissionais e assim se os pagamentos efectuados têm ou não nexo causal com o acidente em causa nos autos. ”;

14ª. - A “DD” interpôs novo Recurso da Sentença proferida, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra proferido Acórdão, revogando a Sentença proferida pela 1ª. Instância e condenando a CC no pagamento das quantias peticionadas pela “DD” nos presentes Autos, com excepção do peticionado pela mesma relativamente a quantias a liquidar no futuro, sendo que, no entanto, o Tribunal da Relação de Coimbra não alterou os factos considerados como provados e como não provados constantes da segunda Sentença proferida pela 1ª. Instância;

15ª. - Consta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, a fls. 15 e 16 do mesmo, o seguinte: “O que realmente é importante é, pois, saber se existe a invocada sub-rogação legal face à legislação suíça e esse foi o esforço desenvolvido pela 1ª. instância após o anterior acórdão da Relação o ter determinado.

Nessa sequência, com prévio acionamento à Convenção Europeia de 1968 do Conselho da Europa sobre informação sobre a lei estrangeira, a respectiva Autoridade Suíça comunicou, sobre a matéria em apuramento e em discussão nos autos, o que consta do ofício a fls. 1118/1119 dos autos.

Com base no teor de tal ofício, onde se explica que o que resulta do artº. 1º. da Lei Relativa aos Seguros de Acidentes, o tribunal a quo deu como provado o facto 52.

Relembre-se que, tendo em conta, como já tínhamos referido no anterior acórdão, que não se demonstrou que o acidente dos autos se reportava a qualquer acidente de trabalho, era preciso apurar, ao invés, se a apelante deve prestar e presta assistência aos seus beneficiários em caso de acidente ocorrido noutras circunstâncias, por exemplo em férias ou noutra actividade pessoal e em que concreto condicionalismo.

Perante o aludido facto 52., não se tendo provado que o autor acidentado trabalhava, pelo menos, 8 horas por semana junto do mesmo empregador - o que é lógico, pois que a apelante nem sequer o alegou nos seus articulados - a sub-rogação legal prevista na legislação suíça no apontado artº. 72º. da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais não podia operar, por não verificado o mencionado circunstancialismo. Todavia, o referido ofício não se ficou por tal informação. Adicionalmente deu a conhecer que nos termos do Artº. 65º., alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária se prevê igualmente que o lesado pode intentar acção directa contra a seguradora por responsabilidade civil do automobilista, e uma vez que a seguradora por acidentes está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável, pode agir contra a seguradora de responsabilidade civil do automobilista, prevendo aliás essa possibilidade aquele acima indicado artº. 72º., nº. 4. Concluindo que esta regulamentação se aplica igualmente à Caixa Nacional Suíça de Seguros em caso de acidentes (EE) igualmente designada pelo acrónimo alemão “DD ”, que é a principal seguradora suíça, em caso de acidente rodoviário. Desta feita, perante a averiguação e determinação da Lei suíça aplicável ao caso concreto, pois estamos face a um acidente rodoviário, impõe-se concluir que a interveniente goza do direito de sub-rogação legal invocado. ”;

16ª. - O Tribunal da Relação entendeu que a norma jurídica da Legislação Suíça aplicável ao caso concreto seria o Artº. 65º. da Lei de Circulação Rodoviária;

17ª. - Salvo o devido respeito, a ora Recorrente discorda que tenha ficado demonstrado que assiste à “DD” um direito de sub-rogação no caso em apreço nos presentes Autos que lhe conferisse legitimidade para peticionar da CC as importâncias descritas no Requerimento de Intervenção Espontânea e sucessivas ampliações do pedido efectuadas ao longo do Processo;

18ª. - O supra identificado ofício enviado pelo Serviço Federal de Saúde Pública Suíço aos presentes Autos começa por referir o seguinte: “A lei relativa aos seguros de acidentes (LAA) prevê que o seguro de acidentes é gerado consoante as categorias de segurados, pela Caixa Nacional Suíça de seguros em caso de acidentes (EE), igualmente designada pelo acrónimo “DD” em alemão, e por outras seguradoras privadas. A EE é a principal seguradora de acidentes da Suíça.”; (sublinhado nosso)

19ª. - Tal como referido, a “DD” não é a única seguradora em caso de acidentes;

20ª. - Não resulta esclarecido por tal ofício qual o tipo de seguro que é referido, ou seja, se se trata de seguro de responsabilidade civil automóvel ou de seguro de acidente de trabalho;

21ª. - Não tendo sido feita alegação ou prova de que AA laborava, pelo menos, 8 horas por semana para a mesma Entidade Patronal, e tendo sido dado como provado que o acidente “sub judice” ocorreu fora do domínio dos acidentes de trabalho (acidente ocorrido em férias), não poderia o Tribunal dar como assente que, no caso concreto, a “DD” gozava de um direito de sub-rogação legal, ao abrigo do disposto no Artº. 72º. da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais;

22ª. - Tal questão foi apreciada pelo Tribunal da Relação no segundo Acórdão proferido, a fls. 15 e 16 do mesmo;

23ª. - Entende a ora Recorrente que o Artº. 65º. alínea 1 da Lei de Circulação Rodoviária Suíça diz respeito à Seguradora de acidentes rodoviários e não à “DD”, uma vez que não ficou demonstrado no caso “sub judice” que a “DD” tivesse obrigação legal de liquidar valores pecuniários a AA em virtude de um sinistro rodoviário ocorrido fora do contexto laboral;

24ª. - Não ficou também demonstrado nos presentes Autos que AA tivesse contratado com a “DD” qualquer outro seguro fora do domínio laboral;

25ª. - Só nesse caso poderia ser aplicado o disposto no Artº. 65º. Alínea 1 da Lei de Circulação Rodoviária Suíça, considerando-se a “DD” como a “seguradora por acidentes” referida no ponto 2 da informação prestada pelo Serviço Federal de Saúde Pública Suíço;

26ª. - Tal não ocorreu, tal como se pode verificar pela leitura dos factos dados como provados constantes da segunda Sentença proferida pela 1ª. Instância, os quais foram mantidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra;

27ª. - No Artº. 65º. Alínea 1 da Lei de Circulação Rodoviária Suíça é referida tramitação a observar na propositura da Acção relativa a sinistro rodoviário, tal como referido no esclarecimento prestado pelo Serviço Federal de Saúde Pública Suíço, a fls. 2 da tradução;

28ª. - Não se poderá considerar também que, nestes termos, a “DD” seria a “seguradora de acidentes” referida no Ponto 2 da informação prestada pelo Serviço Federal de Saúde Pública Suíço e referente à descrição do Artº. 65º. da Lei de Circulação Rodoviária Suíça, pois trata-se de uma informação genérica que não levou em conta os contornos do sinistro “sub judice”;

29ª. - Tal como referido na informação prestada pelo Serviço Federal de Saúde Pública Suíço, as prestações a cargo da “DD”, relativas a acidentes não laborais implicam que o beneficiário labore pelo menos oito horas por semana junto do mesmo empregador;

30ª. - Fora de tal âmbito não assistirá direito de receber quaisquer prestações em virtude da ocorrência de um sinistro rodoviário não laboral;

31ª. - Caso assim não fosse, e existisse sempre direito a receber prestações por parte da “DD”, quer nos casos de acidente rodoviário, quer nos casos de acidente de trabalho, a norma do Artº. 72º. da Lei Geral do Direito da Seguradoras Sociais relativa à exigência da prestação de trabalho durante, pelo menos 8 horas semanais junto da mesma Entidade, não teria qualquer efeito prático;

32ª. - O supra mencionado requisito de 8 horas de trabalho semanal constante do Artº. 72º. da Lei Geral do Direito da Seguradoras Sociais, seria sempre ultrapassável e em virtude de existir sempre direito a receber prestações pecuniárias liquidadas pela “DD” nos termos do disposto no Artº. 65 da Lei de Circulação Rodoviária Suíça;

33ª. - Foi dado como provado que a “DD” efectuou pagamentos a AA, não tendo o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra procedido à alteração da matéria considerada como provada ou como não provada no Douto Acórdão proferido;

34ª. - Na Sentença proferida em 1ª. Instância, não se concluiu que a “DD”, em virtude de tais pagamentos efectuados, fosse titular de um direito de sub-rogação legal relativamente à CC, no sentido de ter adquirido os direitos do credor originário na medida em que tivesse garantido o cumprimento da obrigação, e não se concluiu de tal forma, visto que não foram provados os requisitos da existência e titularidade de tal direito por parte da “DD”;

35ª. - Se a “DD” entendeu efectuar pagamentos a AA, tais pagamentos terão que ser vistos como uma liberalidade;

36ª. - Apenas a efectivação de tais pagamentos obrigatórios face à Lei fará nascer o direito de sub-rogação legal, o que não se verifica no caso “sub judice”, visto que não existe norma jurídica aplicável ao caso concreto que confira tal direito à “DD”;

37ª. - Os Tribunais Portugueses terão que verificar se se encontram preenchidos no caso concreto os requisitos de que depende a obrigatoriedade da “DD” efectuar pagamentos, visto que só a verificação do cumprimento de tais requisitos poderia motivar uma condenação fundada num direito de sub-rogação legal, o que, salvo o devido respeito, não ocorreu no caso “sub judice”;

38ª. - A norma jurídica a aplicar no presente caso deveria ser o Artº. 72º. da Lei Geral do Direito da Seguradoras Sociais, atento o facto de apenas constarem elementos documentais nos Autos que permitam classificar a “DD” como o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais. (Cfr. Declaração emitida pelo Departamento de Relações Internacionais do Instituto de Segurança Social Portuguesa anexa ao Articulado de Intervenção Espotânea apresentado pela “DD ”;

39ª. - Não sido feita prova de que a situação laboral do aqui Autor AA cumpria os requisitos exigidos pela Lei Suíça para serem atribuídas ao mesmo as prestações pecuniárias descritas pela “DD” nos Articulados apresentados nos presentes Autos, não poderá considerar-se que a “DD” fosse titular de direitos contra a ora Ré, a exercer por via de sub-rogação legal;

40ª. - Salvo o devido respeito, não se poderá entender que o disposto no Artº. 65º. da Lei de Circulação Rodoviária seja aplicável à actuação da “DD” no “sub judice”;

41ª. - O direito de sub-rogação alegado pela “DD” só poderia existir - por força da aplicação do disposto no Artº. 72º. da Lei Geral do Direito da Seguradoras Sociais - se tivesse sido alegado e provado que AA prestava trabalho na Suíça, durante, pelo menos, 8 horas semanais, junto da mesma Entidade Patronal, o que não aconteceu;

42ª. - Em consequência:

a)      face aos factos dados como provados, em especial os constantes dos números 1º., 16º., 33º., 51º. e 52º. descritos no segundo Acordão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra;

b)      em virtude não ter sido efectuada prova de que AA laborava, pelo menos, 8 horas para a mesma Entidade Patronal na Suíça;

c)      face à inaplicabilidade do disposto no Artº. 65º. alínea 1 da Lei de Circulação Rodoviária Suíça ao caso “sub judice”;

d)      e atenta a aplicação do Artº. 72º. da Lei Geral do Direito da Seguradoras Sociais, deverá ser revogado o Acordão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, sendo proferido Acórdão absolvendo a ora Recorrente CC relativamente à totalidade do Pedido formulado pela “DD” nos presentes Autos, em virtude da inexistência do direito de sub-rogação alegado pela “DD”, e assim se fazendo Justiça!

Termos em que, e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deve ser concedida a Revista, revogando-se o Acórdão recorrido com as legais consequências.”


A Recorrida/Interveniente/DD, apresentou contra alegações, tendo aduzido as seguintes conclusões:

“1. De facto, tal como em Portugal a Segurança Social presta assistência pecuniária aos seus beneficiários vítimas de acidentes, nomeadamente acidentes de viação, na Suíça tal atribuição compete à DD.

2. Nestes termos é evidente que atenta Lei Suíça, aliás de acordo com os princípios gerais do artigo 495º do C. Civil, cabe à DD direito de reembolso dos montantes despendidos.

3. O Tribunal recorrido entrou na 1ª Sentença na maior contradição, pois aceita apenas que a DD é o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais e considera provados os seguintes factos (pedimos desculpa por novamente reescrever os mesmos):

33 - Na data referida em 1, o autor trabalhava na Suíça e exercia ali a profissão de …, residindo na Rue …. 71, 1950 Sion, e trabalhando na empresa FF, Route de …. 41, 1950 Sion.

34 - Após ter sido comunicado à DD o acidente referido em 1, esta efectuou diversos pagamentos referentes a tratamentos médicos, baixa por incapacidade temporária, subsídio por alta incapacidade e, a partir de 05.01.2005, uma pensão referente a uma IPP de 26%.

35 - Em 31.03.2004 a DD pagou o montante de CHF 1.048,90 (€638,83) referente a GG, Sion Radiologia, Instituto de radiologia.

36 - Em 05.05.2004 a DD pagou o montante de CHF 173,50 (€105,67) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

37 - Em 06.05.2004 a DD pagou CHF 312,00 (€190,02) referente a II (….), Fisioterapeuta.

38 - Em 03.06.2004 a DD pagou CHF 374,50 (€228,09) referente a JJ, Sion, Ortopedista.

39 - Em 09.06.2006 a DD pagou CHF 62,15 (€37,85) referente a KK, Sion, médico.

40 - Em 24.06.2004 a DD pagou CHF 731,55 (€445,55) referente a LL.

41 - Em 30.06.2004 a DD pagou CHF 374,50 (€228,09) referente a JJ, Sion Ortopedista.

42 - Em 01.07.2004 a DD pagou CHF 238,45 (€145,23) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

43 - Em 28.06.2004 a DD pagou CHF 179,15 (€109,11) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

44 - Em 24.09.2004 a DD pagou CHF 106,55 (€64,89) referente a Credit Suisse, Sion, médico.

45 - Em 19.04.2005 a DD pagou CHF 188,85 (€115,02) referente a MM, Radiologia, Instituto de Radiologia.

46 - A DD pagou ao autor, a título de pensões diárias por incapacidade temporária profissional (ITP), no período de 02.12.2003 a 02.05.2004 e 19.05.2004 a 14.06.2004 a quantia global de € CHF 30,375,00 (€ 21.202,71).

47 - As pensões são pagas 12 vezes ao ano.

48 - Por força da IPP referida em 34, a DD pagou ao autor de Janeiro de 2005 a Novembro de 2013 a quantia de CHF 132.764,25.

49 - A DD pagou ao autor uma quantia a título de indemnização por danos morais no valor de CHF 10.680,00 (€6.504,65).

50 - Os valores referidos pagos pela DD ao autor foram transferidos para a conta bancária deste no Banque NN, 1950, Sion, nº 123…03.

4. Basta ver os factos provados supra para se verificar que a DD não é apenas o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, mas que cobriu os danos causados pelo acidente dos autos e pagou tais valores em virtude do mesmo.

5. De facto, pagou e pagou incapacidades temporárias, tratamentos médicos e paga pensões por causa do acidente……..como decorre à saciedade da leitura de alguma Jurisprudência dos Tribunais superiores já junta aos autos e dos factos provados.

6. A R alega em suma o seguinte:

O direito de sub-rogação alegado pela “DD” só poderia existir – por força da aplicação do disposto no Artº. 72º. da Lei Geral do Direito da Seguradoras Sociais – se tivesse sido alegado e provado que AA prestava trabalho na Suíça, durante, pelo menos, 8 horas semanais, junto da mesma Entidade Patronal, o que não aconteceu;

7. A DD alegou e provou mais que isso, a DD provou que o lesado tinha um vínculo permanente numa empresa de construção.

8. Em bom rigor a DD alegou mais. Citamos a PI:

Da Pensão da DD

81. A DD fixou a incapacidade do sinistrado em 05-06-2003 determinando uma IPP de 26 % com base num salário mensal de CHF 44.733,- e uma prestação anual de CHF 68328,-- , com a data efeitos de 05.01.2005 (doc. 2).

9. Na interpretação da norma a R cinge-se uma elemento das 8 horas.

10. E não tem em conta a expressão “pelo menos, 8 horas”.

11. Na alegação a R escreve “não se tendo provado que o autor acidentado trabalhava, pelo menos, 8 horas por semana junto do mesmo empregador - o que é lógico, pois que a apelante nem sequer o alegou nos seus articulados - a sub-rogação legal prevista na legislação suíça no apontado artº. 72º. da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais não podia operar, por não verificado o mencionado circunstancialismo. facto, na interpretação da norma está provado que o A trabalhava . “

12. Com o maior respeito, a A provou que o A trabalhava com um contrato efectivo para uma empresa e que auferia cerca de 50.000.00 € /ano.

13. A A provou um vínculo laboral efectivo e o escopo da alegada norma é de garantia, ou seja os trabalhadores efectivos estão cobertos e bem assim aqueles que trabalhem na Suíça mais de 8 horas por semana.

14. Ou seja, provando-se que há um vínculo laboral efectivo, não carece de prova o pelo menos 8 horas.

15. A R pretende fazer uma interpretação literal absurda, que nem sequer é literal e que não tem em conta nenhum dos outros elementos, sistemático, teleológico.

16. Viola a R claramente o artigo 9 do CC e os princípios gerais de interpretação e por isso não pode colher, nem revogar jurisprudência assente, até do STJ, sobre a DD…..

Atento o exposto, afigura-se-nos, que deve ser confirmado o Acórdão recorrido.”


Foram colhidos os vistos.


Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Recorrente/Ré/CC Insurance PLC, consiste em saber:

(1) Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, impor-se-á declarar, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, que a interveniente processual DD (“DD”), enquanto organismo da segurança social suíço, não é titular de direito, por via de sub-rogação legal, que lhe permita reclamar da Ré/CC Insurance PLC, qualquer quantia pecuniária (referentes a tratamentos médicos, pensões pagas durante o período de baixa do sinistrado, pensões pagas em virtude de ter sido fixada uma incapacidade permanente, e quantia paga a título de danos morais), paga ao sinistrado, AA, interveniente no ajuizado acidente de viação?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados.

“1 - No dia 29 de Novembro de 2003, pelas 17 horas e 30 minutos, na EN 1, ao Km 131,2, freguesia da …, concelho e distrito de …, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros com as matrículas ...-...-EO, ...-...-LS e ...-...-TQ.

2 - O local do acidente é uma recta com duas vias de trânsito no sentido Porto/Lisboa e uma no sentido oposto.

3 - As hemi-faixas de rodagem estão delimitadas entre si por uma linha dupla longitudinal contínua, sendo que as vias da hemi-faixa de rodagem do sentido Porto-Lisboa estão separadas por tracejado longitudinal descontínuo.

4 - O tempo estava bom.

5 - O veículo ligeiro LS era propriedade de OO e era por este conduzido.

6 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-...-EO pertencia e era conduzido por PP, que havia transferido a sua responsabilidade por danos causados a terceiros na circulação, para a ré CC, mediante contrato de seguro em vigor à data e titulado pela apólice 003008302.

7 - O acidente referido em 1 ocorre dentro da localidade e ao condutor do EO apresentara-se-lhe o sinal indicativo de que transitava dentro de localidade.

8 - O EO circulava no sentido Norte-Sul.

9 - A via, várias centenas de metros antes do local do acidente, atento o sentido de trânsito do EO é visivelmente ladeada por casas que a marginam de ambos os lados.

10 - A dado momento o EO abandona as vias de trânsito destinadas ao tráfego Norte-Sul, numa altura em que circulava a uma velocidade instantânea superior a 100 Km/hora, indo o seu condutor desatento ao tráfego que se processava para diante, sentido Norte-Sul.

11 - O EO pisa e transpõe as linhas longitudinais contínuas separadoras dos sentidos de trânsito e penetra dentro da via de trânsito destinada exclusivamente ao trânsito que se processava no sentido Sul-Norte, não havendo evidência de que tenha tentado travar ou retomar a trajectória correcta.

12 - Nessa precisa ocasião, circulava na via de trânsito destinada ao sentido Sul-Norte o ligeiro de passageiros LS.

13 - O condutor do LS surpreendido pelo aparecimento súbito, à sua frente, do EO desviou o veículo que conduzia para o lado direito, sentido Sul-Norte, tentando com a manobra evitar a colisão frontal e eminente.

14 - Não obstante, o LS ainda foi embatido na lateral esquerda junto à porta do condutor pela frente do EO.

15 - O EO, após ter colidido com o LS, rumou desgovernado no sentido Norte Sul, e foi ainda embater frontalmente no TQ, veículo este que também circulava no sentido Sul-Norte, à rectaguarda do LS, não sendo possível ao condutor do TQ fazer qualquer manobra que evitasse o embate.

16 - O ligeiro de passageiros ...-...-TQ era propriedade dos autores, que o haviam adquirido e pago o preço e que detinham a sua direcção efectiva, circulando com o mesmo, ordenando reparações e revisões, pagando-as, bem como pagando imposto de selo e prémios de seguros, lavando e introduzindo combustível.

17 - Na ocasião o TQ era conduzido pelo autor AA e a autora BB seguia no interior do veículo, no banco da frente ao lado do seu marido e com o cinto de segurança colocado.

18 - Actualmente, a autora apresenta vestígio cicatricial no dorso da mão, arredondado de cerca de dez por oito mm, junto ao quinto metacárpico e no membro inferior esquerdo duas cicatrizes no terço médio da face anterior da perna de vinte por cinco mm e de quinze por cinco mm, distando entre si cinco mm.

19 - O quatum doloris é quantificável em grau 4 numa escala de 1 a 7 e o dano estético quantificável num grau de 1 numa escala de 0 a 7.

20 - Após o acidente a autora foi transportada para o hospital de …, onde ficou internada no serviço de ortopedia até 05.12.2003, data em que teve alta para o domicílio com indicação de repouso e mobilização progressiva de acordo com sintomatologia dolorosa.

21 - A autora apresentava fractura dos 7º arco costal esquerdo e 10º e 11º arcos costais direitos e fractura vertebral e teve ferimentos na zona dorsal da mão esquerda e na zona da tíbia esquerda, sendo que também apresenta na coluna dorsal inferior e lombo sagrada discretas alterações de intensidade do sinal do prato superior de L2, com discreta deformação em cunha, em relação com antiga lesão traumática.

22 - A autora sofreu um período de incapacidade temporária geral total num período de 37 dias, esteve totalmente incapacitada para o trabalho por um período de 80 dias, tendo a data da consolidação das lesões ocorrido em 18.02.2004.

23 - Em consequência das lesões referidas em 21 a autora teve dores.

24 - Em consequência do acidente referido em 1 o autor teve traumatismo do hemitorax esquerdo e tíbio-társica e pé esquerdo de que resultou luxação tarso-metatarsica.

25 - No dia do acidente foi transportado para o hospital de …, onde ficou internado até 01-12.2003 tendo-lhe sido aplicada bota gessada à esquerda.

26 - Após a alta, o autor veio para o domicílio, onde permaneceu com uma incapacidade temporária geral total por um período de 31 dias, tendo-lhe sido retirado o gesso em 30.12.2003, sofreu uma incapacidade temporária geral parcial de 31.12.2003 a 30.06.2004 (183 dias) e uma incapacidade temporária profissional total num total de 214 dias.

27 - Em consequência das lesões referidas em 24, o autor teve que fazer fisioterapia e teve dores.

28 - Em consequência das lesões decorrentes do acidente, o autor apresenta área cicatricial eritematosa na face interna do terço distal da perna de 100x80 mm e cicatriz na face externa de 80x20 mm com as mesmas características, alterações tróficas do terço inferior da perna, edema residual do pé e rigidez das articulações médio társicas.

29 - Em consequência das mesmas lesões o pé esquerdo apresenta estreitamento articular escafo 1ª cunha e diástase da articulação Lisfranc entre o 1º e 2º metatarso, sendo portador de rigidez médiotarsica do pé esquerdo e dismorfia distal da perna esquerda.

30 - Em consequência das sequelas referidas em 29 há movimentos que lhe causam dor e usa meia elástica permanente na perna esquerda por frequente agravamento da insuficiência venosa com aparecimento de úlcera varicosa da perna.

31 - Em consequência das sequelas referidas em 29, o autor pode exercer a sua actividade profissional habitual, não obstante a mesma implicar um esforço suplementar.

32 - Em consequência do acidente o autor é portador de uma incapacidade permanente geral de 8 pontos.

33 - Na data referida em 1, o autor trabalhava na Suiça e exercia ali a profissão de …., residindo na Rue de … 71, 1950 Sion, e trabalhando na empresa FF, Route de … 41, 1950 Sion.

34 - Após ter sido comunicado à DD o acidente referido em 1, esta efectuou diversos pagamentos referentes a tratamentos médicos, baixa por incapacidade temporária, subsídio por alta incapacidade e, a partir de 05.01.2005, uma pensão referente a uma IPP de 26%.

35 - Em 31.03.2004 a DD pagou o montante de CHF 1.048,90 (€ 638,83) referente a GG, Sion Radiologia, Instituto de radiologia.

36 - Em 05. 05.2004 a DD pagou o montante de CHF 173,50 (€ 105,67) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

37 - Em 06.05.2004 a DD pagou CHF 312,00 (€ 190,02) referente a II (Conthey), Fisioterapeuta.

38 - Em 03.06.2004 a DD pagou CHF 374,50 (€ 228,09) referente a JJ, Sion, Ortopedista.

39 - Em 09.06.2006 a DD pagou CHF 62,15 (€ 37,85) referente a KK, Sion, médico.

40 - Em 24.06.2004 a DD pagou CHF 731,55 (€ 445,55) referente a LL.

41 - Em 30.06. 2004 a DD pagou CHF 374,50 (€ 228,09) referente a JJ, Sion Ortopedista.

42 - Em 01.07.2004 a DD pagou CHF 238,45 (€ 145,23) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

43 - Em 28.06.2004 a DD pagou CHF 179,15 (€ 109,11) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

44 - Em 24.09.2004 a DD pagou CHF 106,55 (€ 64,89) referente a Credit Suisse, Sion, médico.

45 - Em 19.04.2005 a DD pagou CHF 188,85 (€ 115,02) referente a MM, Radiologia, Instituto de Radiologia.

46 - A DD pagou ao autor, a título de pensões diárias por incapacidade temporária profissional (ITP), no período de 02.12.2003 a 02.05.2004 e 19.05.2004 a 14.06.2004 a quantia global de € CHF 30,375,00 (€ 21.202,71).

47 - As pensões são pagas 12 vezes ao ano.

48 - Por força da IPP referida em 34, a DD pagou ao autor de Janeiro de 2005 a Novembro de 2013 a quantia de CHF 132.764,25.

49 - A DD pagou ao autor uma quantia a título de indemnização por danos morais no valor de CHF 10.680,00 (€ 6.504,65).

50 - Os valores referidos pagos pela DD ao autor foram transferidos para a conta bancária deste no Banque NN, 1950, Sion, nº 123…03.

51 - A interveniente DD é o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

52 - A interveniente assegura também os riscos decorrentes para os trabalhadores empregados na Suíça decorrentes de acidentes não profissionais, desde que tais trabalhadores trabalhem, pelo menos, oito horas por semana junto do mesmo empregador.”


II. 3. Do Direito


O objecto da presente revista é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Ré/CC Insurance PLC, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, do Código de Processo Civil.


II. 3.1. Considerando a facticidade demonstrada, a subsunção jurídica da mesma, deverá ser diversa da sentenciada, concretamente, impor-se-á declarar, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, que a interveniente processual DD (“DD”), enquanto organismo da segurança social suíço, não é titular de direito, por via de sub-rogação legal, que lhe permita reclamar da Ré/CC Insurance PLC, qualquer quantia pecuniária (referentes a tratamentos médicos, pensões pagas durante o período de baixa do sinistrado, pensões pagas em virtude de ter sido fixada uma incapacidade permanente, e quantia paga a título de danos morais), paga ao sinistrado, AA, interveniente no ajuizado acidente de viação? (1)



Os litigantes não questionam a culpa na eclosão do acidente, aceitando-a, conformando-se, nesta parte, com o decidido nas Instâncias, onde se concluiu que, atenta a factualidade adquirida processualmente, demonstrado ficou a violação das regras estradais (estatuídas no nosso ordenamento jurídico, conforme decorre da aplicação do art.º 45º do Código Civil), por parte do condutor do veículo seguro na Ré/CC Insurance PLC, sendo-lhe, exclusivamente, imputada a culpa na produção do ajuizado acidente que determinou danos no sinistrado, AA, donde a vexata quaestio a dirimir, não se prende, com a dinâmica do acidente, com a qual as partes se conformam, mas com o direito arrogado pela interveniente processual, DD (“DD”), que peticiona o reembolso das quantias que pagou ao AA, em razão do sinistro em que se viu envolvido com o segurado da Ré/CC Insurance PLC.

Incontestada a assacada responsabilidade na eclosão do acidente, há que julgar da bondade do pedido da interveniente processual, DD (“DD”), ao reclamar, enquanto organismo da segurança social suíço (invocando direito estrangeiro), o reembolso atinente ao pagamento, a coberto da legislação Suíça, ao sinistrado, AA (por virtude de acidente de viação, sofrido pelo AA, em território português, causado por culpa exclusiva do segurado da Ré/CC Insurance PLC), das demonstradas quantias pecuniárias referentes a tratamentos médicos, pensões pagas durante o período de baixa do sinistrado, pensões pagas em virtude de ter sido fixada uma incapacidade permanente, e quantia paga a título de danos morais.

Ao ter sido invocado direito estrangeiro, importa ter presente, decorrer da Constituição da República Portuguesa, ao estatuir sobre direito internacional, que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” (n.º 4 do art.º 8º), estatuindo, por seu turno, o art.º 249º do Tratado C.E que os regulamentos do Conselho têm carácter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados Membros.

Conquanto a Suíça não seja um estado membro da União Europeia, convirá anotar, uma vez que está em causa nos presentes autos, a bondade do pedido da interveniente processual, DD (“DD”), enquanto organismo da segurança social suíço, invocando, para o efeito, a legislação suíça, reclamando da Ré/CC Insurance PLC., enquanto exclusiva responsável pelos danos ocorridos com o acidente articulado, o reembolso das quantias pecuniárias paga ao sinistrado, AA, que se viu envolvido no articulado acidente, ocorrido em território português, como consignado pelas Instâncias, que em 21 de Junho de 1999 foi firmado o Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados Membros e a Confederação Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas, incluindo os seus anexos e protocolos, bem como, a Acta Final com as declarações (adiante designado por Acordo), o qual foi ratificado pelo Decreto do Presidente da República 48/2000.

Neste particular, estabelece o art.º 8º do Acordo que as Partes Contratantes regulamentarão, nos termos do anexo II, a coordenação dos sistemas de segurança social, com o objectivo de assegurar, nomeadamente: “a) A igualdade de tratamento; b) A determinação da legislação aplicável; c) A totalização, no que se refere ao início e à manutenção do direito às prestações, bem como para o cálculo destas últimas, de todos os períodos considerados pelas diferentes legislações nacionais; d) O pagamento das prestações às pessoas que residem no território das Partes Contratantes; e) A assistência mútua e a cooperação administrativa entre as autoridades e as instituições.”

Daqui resulta que as partes contratantes acordaram aplicar entre elas, nos domínios da coordenação dos regimes de segurança social, os actos comunitários em vigor à data da sua celebração, entre os quais o Regulamento (CEE) 1408/71 do Conselho (entretanto revogado pelo Regulamento (CEE) 883/2004, mantendo-se, no entanto, em vigor, na parte respeitante ao Acordo com a Suíça sobre a Livre Circulação de Pessoas), relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da comunidade.

Assim, nos termos do art.º 93º n.º 1 do consignado Regulamento “se, por força da legislação de um Estado Membro, uma pessoa beneficiar de prestações em resultado de dano sofrido por factos ocorridos no território de outro Estado Membro, os eventuais direitos da instituição devedora contra o terceiro responsável pela reparação do dano são regulados do seguinte modo: a) Quando a instituição devedora estiver sub-rogada, por força da legislação por ela aplicada, nos direitos que o beneficiário detém contra o terceiro, essa sub-rogação é reconhecida por cada um dos estados membros; b) Quando a instituição devedora tiver um direito directo contra o terceiro, cada um dos estados membros reconhece esse direito.”

Ademais, conforme também consignado no aresto recorrido, “este direito de sub-rogação legal encontra-se, igualmente previsto no art.º 72º da Lei Geral de Seguros Sociais da Confederação Suíça, que prevê tal direito pelas prestações pagas à pessoa segura contra os terceiros responsáveis pelo facto danoso”.

Tudo visto, reconhecemos, à semelhança do consignado no acórdão a quo que, sendo a interveniente processual, DD (“DD”), um organismo da segurança social suíço e tendo pago as demonstradas quantias, ao sinistrado, AA, a coberto da legislação Suíça, será necessariamente ao abrigo desta legislação que terá que ser analisado o direito que a interveniente processual, DD (“DD”), pretende exercer, no caso sub iudice, a sub-rogação legal, conforme invocado.

Impondo-se decidir, como decorre do art.º 93º n.º 1 do consignado Regulamento, tendo em atenção o direito estrangeiro, o Tribunal recorrido, socorrendo-se da averiguação oficiosa, acerca do respectivo conhecimento e conteúdo, conforme decorre do direito substantivo civil (art.º 348º, n.º 1, 2ª parte, e n.º 2, do Código Civil), adiantou que o que é essencial, é saber se existe a invocada sub-rogação legal, face à legislação suíça, colhendo, a propósito, com prévio accionamento à Convenção Europeia de 1968, do Conselho da Europa, e por comunicação da respectiva autoridade suíça, toda a matéria em apuramento e em discussão nos autos, conforme consta do ofício a fls. 1118/1119 dos autos.

Relembremos a facticidade adquirida processualmente, e com utilidade, com referência ao conhecimento da invocada sub-rogação legal, face à legislação suíça, reconhecidamente, a legislação aplicável nesta matéria:

 “1- No dia 29 de Novembro de 2003, pelas 17 horas e 30 minutos, na EN 1, ao Km 131,2, freguesia da …., concelho e distrito de …, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes os veículos ligeiros com as matrículas ...-...-EO, ...-...-LS e ...-...-TQ.

5 - O veículo ligeiro LS era propriedade de OO e era por este conduzido.

6 - O veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-...-EO pertencia e era conduzido por PP, que havia transferido a sua responsabilidade por danos causados a terceiros na circulação, para a ré CC, mediante contrato de seguro em vigor à data e titulado pela apólice 003008302.

17 - Na ocasião o TQ era conduzido pelo autor José Carlos e a autora Maria Elisabete seguia no interior do veículo, no banco da frente ao lado do seu marido e com o cinto de segurança colocado.

33 - Na data referida em 1, o autor trabalhava na Suiça e exercia ali a profissão de …., residindo na Rue … 71, 1950 Sion, e trabalhando na empresa FF, Route de … 41, 1950 Sion.

34 - Após ter sido comunicado à DD o acidente referido em 1, esta efectuou diversos pagamentos referentes a tratamentos médicos, baixa por incapacidade temporária, subsídio por alta incapacidade e, a partir de 05.01.2005, uma pensão referente a uma IPP de 26%.

35 - Em 31.03.2004 a DD pagou o montante de CHF 1.048,90 (€ 638,83) referente a GG, Sion Radiologia, Instituto de radiologia.

36 - Em 05. 05.2004 a DD pagou o montante de CHF 173,50 (€ 105,67) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

37 - Em 06.05.2004 a DD pagou CHF 312,00 (€ 190,02) referente a II (Conthey), Fisioterapeuta.

38 - Em 03.06.2004 a DD pagou CHF 374,50 (€ 228,09) referente a JJ, Sion, Ortopedista.

39 - Em 09.06.2006 a DD pagou CHF 62,15 (€ 37,85) referente a KK, Sion, médico.

40 - Em 24.06.2004 a DD pagou CHF 731,55 (€ 445,55) referente a LL.

41 - Em 30.06. 2004 a DD pagou CHF 374,50 (€ 228,09) referente a Merio Nigro, Sion Ortopedista.

42 - Em 01.07.2004 a DD pagou CHF 238,45 (€ 145,23) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

43 - Em 28.06.2004 a DD pagou CHF 179,15 (€ 109,11) referente a HH, Genéve 17, Farmácia.

44 - Em 24.09.2004 a DD pagou CHF 106,55 (€ 64,89) referente a Credit Suisse, Sion, médico.

45 - Em 19.04.2005 a DD pagou CHF 188,85 (€ 115,02) referente a MM, Radiologia, Instituto de Radiologia.

46 - A DD pagou ao autor, a título de pensões diárias por incapacidade temporária profissional (ITP), no período de 02.12.2003 a 02.05.2004 e 19.05.2004 a 14.06.2004 a quantia global de € CHF 30,375,00 (€ 21.202,71).

47 - As pensões são pagas 12 vezes ao ano.

48 - Por força da IPP referida em 34, a DD pagou ao autor de Janeiro de 2005 a Novembro de 2013 a quantia de CHF 132.764,25.

49 - A DD pagou ao autor uma quantia a título de indemnização por danos morais no valor de CHF 10.680,00 (€ 6.504,65).

51 - A interveniente DD é o organismo de ligação de segurança social suíço em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

52 - A interveniente assegura também os riscos decorrentes para os trabalhadores empregados na Suíça decorrentes de acidentes não profissionais, desde que tais trabalhadores trabalhem, pelo menos, oito horas por semana junto do mesmo empregador.”

Por outro lado, impõe-se também consignar, a comunicação da autoridade suíça, constante do ofício junto a fls. 1118/1119 dos autos, acerca do conhecimento e conteúdo da invocada sub-rogação legal, na legislação suíça, a qual encerra a seguinte declaração:

“Dando seguimento ao seu pedido de informação do passado 8 de junho, vimos pela presente comunicar o seguinte.

A lei relativa aos seguros de acidentes (LAA) prevê que o seguro de acidentes é gerado, consoante as categorias de assegurados, pela Caixa nacional suíça de seguros em caso de acidentes (EE), igualmente designada pelo acrónimo "DD" em alemão, e por outras seguradoras privadas. A EE é a principal segurada de acidentes da Suíça.

O artigo 1º da lei relativa aos seguros de acidentes (LAA), prevê que todos os trabalhadores empregados na Suíça, estão obrigatoriamente assegurados para cobertura dos riscos de acidentes ou doença profissional. Caso trabalhem pelo menos oito horas por semana junto do mesmo empregador, estão igualmente assegurados contra os acidentes não profissionais. As prestações, recebidas em caso de acidente ou doença profissional, assim como em caso de acidente não profissional, tanto são prestações para tratamentos e reembolso de despesas (tratamentos médicos, despesas de transporte e de salvamento, ect ... ) como prestações em dinheiro (indemnizações diárias por perda de rendimento, subsidio de invalidez, indemnização por ofensa à integridade, ect ... ).

O artigo 72 da lei geral do direito das seguradoras sociais (PPGA) prevê que, desde da verificação do evento indemnizável, a seguradora é sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do assegurado e dos seus herdeiros contra qualquer terceiro responsável. A sub-rogação é transferida em pleno direito da integridade dos direitos da pessoa lesada ao devedor das prestações. As pretensões da pessoa assegurada e dos seus herdeiros passam assim, aquando do evento indemnizável, para as seguradoras sociais até ao montante das prestações legais. A EE está evidentemente igualmente submetida a esta disposição.

Notamos ainda que o artigo 65, alínea 1, da lei da circulação rodoviária (LCR) prevê igualmente que, dentro dos limites dos montantes previstos pelo contrato de seguro, o lesado pode intentar acção directa contra a seguradora por responsabilidade civil do automobilista. Uma vez que a seguradora por acidentes está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do assegurado e dos seus herdeiros contra o terceiro responsável, pode agir contra a seguradora de responsabilidade civil do automobilista. O artigo 72, alínea 4, LPGA prevê aliás expressamente essa possibilidade.

Dito isto, e para responder concretamente às suas perguntas, podemos confirmar o seguinte.

1) De acordo com o direito suíço e desde que o trabalhador labore pelo menos oito horas por semana junto do mesmo empregador, um acidente não profissional dá direito às prestações do seguro por acidentes segundo a LAA.

2) Desde a verificação do evento indemnizável, a seguradora está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do assegurado e dos seus herdeiros contra qualquer terceiro responsável, Isto é, a seguradora por acidentes está no direito de revindicar junto do terceiro responsável - ou da sua seguradora- o reembolso das quantias contratadas. Esta regulamentação aplica-se igualmente à EE, principal seguradora suíça. Aplica-se também cumulativamente em caso de acidente rodoviário.”

Sustentado na consignada averiguação oficiosa, acerca do conhecimento e conteúdo da invocada sub-rogação legal, na legislação suíça, vertida na comunicação da autoridade suíça, constante do ofício junto a fls. 1118/1119 dos autos, o Tribunal recorrido, discreteou, com pertinência, “Com base no teor de tal ofício, onde se explica o que resulta do art. 1º da Lei Relativa aos Seguros de Acidentes, o tribunal a quo deu como provado o facto 52. Relembre-se que, tendo em conta, como já tínhamos referido no anterior acórdão, que não se demonstrou que o acidente dos autos se reportava a qualquer acidente de trabalho, era preciso apurar, ao invés, se a apelante deve prestar e presta assistência aos seus beneficiários em caso de acidente ocorrido noutras circunstâncias, por exemplo em férias ou noutra actividade pessoal e em que concreto condicionalismo. Perante o aludido facto 52., não se tendo provado que o autor acidentado trabalhava, pelo menos, 8 horas por semana junto do mesmo empregador – o que é lógico, pois que a apelante nem sequer o alegou nos seus articulados -, a sub-rogação legal prevista na legislação suíça no apontado art. 72º da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais não podia operar, por não verificado o mencionado circunstancialismo.

Todavia, o referido ofício não se ficou por tal informação. Adicionalmente deu a conhecer que nos termos do art. 65º, alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária se prevê igualmente que o lesado pode intentar acção directa contra a seguradora por responsabilidade civil do automobilista, e uma vez que a seguradora por acidentes está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável, pode agir contra a seguradora de responsabilidade civil do automobilista, prevendo, aliás, essa possibilidade aquele acima indicado art. 72º, nº 4.

Concluindo que esta regulamentação se aplica igualmente à Caixa Nacional Suíça de Seguros em caso de Acidentes (EE), igualmente designada pelo acrónimo alemão “DD”, que é a principal seguradora suíça, em caso de acidente rodoviário.”

Tudo visto, rematou o Tribunal recorrido, sem quaisquer reservas, “Desta feita, perante a averiguação e determinação da Lei suíça aplicável ao caso concreto, pois estamos face a um acidente rodoviário, impõe-se concluir que a interveniente goza do direito de sub-rogação legal invocado.”

Este Tribunal ad quem não poderá deixar de interpretar, no seu contexto, a declaração consignada no ofício junto a fls. 1118/1119 dos autos, que versa sobre o conhecimento e conteúdo da invocada sub-rogação legal, prevenida na legislação suíça, concretamente sobre a sub-rogação legal prevista no art.º 72º da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais e art.º 65º, alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária, cuja possibilidade legal está prevenida no art.º 72º, alínea 4, da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais, fazendo apelo, para tanto, aos critérios interpretativos a que aludem os artºs. 236º e seguintes do Código Civil, com as necessárias adaptações, requeridas, quer pela natureza da “declaração” (comunicação da autoridade suíça, constante do ofício junto a fls. 1118/1119 dos autos, acerca do conhecimento e conteúdo da invocada sub-rogação legal, na legislação suíça) em causa, quer pela natureza dos próprios destinatários, sufragando o entendimento vertido no acórdão recorrido, donde, reconhecemos que, estando em causa um acidente rodoviário, e comprovada a circunstância de a interveniente processual, DD (“DD”), enquanto organismo da segurança social suíço, ter pago ao sinistrado, AA, interveniente no ajuizado acidente de viação, as apuradas quantias, referentes a tratamentos médicos, pensões pagas durante o período de baixa do sinistrado, pensões pagas em virtude de ter si do fixada uma incapacidade permanente, e quantia paga a título de danos morais, reconhecemos, dizíamos, ser a interveniente processual, DD (“DD”), titular do direito, por via de sub-rogação legal, decorrente do art.º 65º, alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária, que lhe permite reclamar da Ré/CC Insurance PLC, a demonstrada e apurada quantia pecuniária, paga ao sinistrado, AA, pois, como decorre do citado art.º 65º, alínea 1, da Lei de Circulação Rodoviária, cujos termos constam da comunicação suíça, junta a fls. 1118/1119 dos autos, o lesado (AA), pode intentar acção directa contra a seguradora por responsabilidade civil do automobilista (aqui Ré/CC Insurance PLC), e uma vez que a seguradora por acidentes (aqui interveniente processual DD (“DD”) não esquecendo que esta regulamentação se aplica à Caixa Nacional Suíça de Seguros em caso de Acidentes (EE), igualmente designada pelo acrónimo alemão “DD”, que é a principal seguradora suíça, em caso de acidente rodoviário), está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável, pode agir contra a seguradora de responsabilidade civil do automobilista (aqui Ré/CC Insurance PLC), cuja possibilidade está, de resto, prevenida no art.º 72º, alínea 4 da Lei Geral do Direito das Seguradoras Sociais.

Demonstrado, face ao direito suíço, nos termos consignados, que a seguradora suíça, DD (“DD”), interveniente processual nos presentes autos, goza de sub-rogação legal pelas quantias despendidas em favor do sinistrado, aqui Autor/AA, cidadão nacional, residente e empregado na Suíça, vítima de acidente de viação em Portugal, por culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré/CC Insurance PLC, este Tribunal ad quem, reconhece, confirmando o aresto proferido no Tribunal recorrido, que a seguradora suíça, DD (“DD”), interveniente processual nos presentes autos, tem o direito a exigir da Ré/CC Insurance PLC, tudo o que satisfez, enquanto organismo da segurança social suíço, ao sinistrado Autor/AA.

Sublinhamos, a este propósito, a resposta inequívoca da autoridade suíça, consignada na averiguação oficiosa, acerca do conhecimento e conteúdo da invocada sub-rogação legal, na legislação suíça, constante do ofício junto a fls. 1118/1119 dos autos, e que passamos a citar: “Desde a verificação do evento indemnizável, a seguradora está sub-rogada, até ao montante das prestações legais, nos direitos do assegurado e dos seus herdeiros contra qualquer terceiro responsável, Isto é, a seguradora por acidentes está no direito de revindicar junto do terceiro responsável - ou da sua seguradora - o reembolso das quantias contratadas. Esta regulamentação aplica-se igualmente à EE, principal seguradora suíça. Aplica-se também cumulativamente em caso de acidente rodoviário.” (sublinhado nosso), sem deixar de referenciar que “A lei relativa aos seguros de acidentes (LAA) prevê que o seguro de acidentes é gerado, consoante as categorias de assegurados, pela Caixa nacional suíça de seguros em caso de acidentes (EE), igualmente designada pelo acrónimo "DD" em alemão, e por outras seguradoras privadas. A EE é a principal segurada de acidentes da Suíça.” (sublinhado nosso)

Na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Recorrente/Ré/CC Insurance PLC, não reconhecemos à respectiva argumentação, virtualidade no sentido de alterar o acórdão recorrido.


IV. DECISÃO


Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se na íntegra o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente/Ré/CC Insurance PLC.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 11 de Abril de 2019


Oliveira Abreu (Relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira