Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B4379
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DIONÍSIO CORREIA
Descritores: PODER PATERNAL
ALIMENTOS
REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
TÍTULO EXECUTIVO
MAIORIDADE
Nº do Documento: SJ200301230043797
Data do Acordão: 01/23/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 5062/02
Data: 06/27/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
DIR MENORES.
DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 1877 ARTIGO 1878 ARTIGO 1879 ARTIGO 1880.
CPC95 ARTIGO 1412
Sumário : 1. A sentença que fixa alimentos na acção de regulação do poder paternal constitui título executivo até à maioridade ou a emancipação.
2. Com qualquer dessas circunstâncias, cessa o poder paternal e os deveres que integram o seu conteúdo, designadamente, o de alimentos.
3. Este dever pode continuar a recair sobre os pais se, à data da cessação do poder paternal, se verificarem os pressupostos do artigo 1880º, CC.
4. O título executivo por alimentos devidos a filho maior ou emancipado será, então, constituído pela sentença proferida na acção regulada no artigo 1492, CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. (1) "A" e (2) B interpõem recurso de agravo em 2ª instância do acórdão da Relação de 27.06.2002 que lhes negou provimento ao recurso de agravo do despacho proferido a 30.11.2001 pelo tribunal de 1ª instância o qual, por sua vez, na execução especial por alimentos por ambas intentada contra o ex-marido da primeira e pai da segunda, lhes indeferiu liminar e parcialmente o requerimento executivo - na parte relativa ao pedido de pagamento da pensão de alimentos mensal de 25.000$00, desde a data em que a B atingiu a maioridade (11.11.1996), por exceder os limites do título executivo - e declarou parte ilegítima a B.
As exequentes pediam as prestações vencidas de Setembro de 1990 a Novembro de 1996 (mês em que B completou 18 anos), no valor de 1.875.000$00, de Dezembro de 1996 a Setembro de 2001, no valor de 1.475.000$00 e juros de mora, desde o vencimento de cada prestação, computados em 1.723.640$00.
Pretendendo a revogação do acórdão, alegaram e concluíram:
"1ª: O dever dos pais proverem à educação dos filhos, definido no art. 35º 3 e 5 da CRP e no art. 1878º - 1 do Cód. Civil, só cessa, nos termos do subsequente art. 1879º, se os filhos estiverem em condições de suportar as respectivas despesas «pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos»;
2ª: Se, atingida a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional mantém-se a obrigação dos pais, definida no art. 1878º-1 do Cód. Civil, pelo tempo normalmente requerido para que se complete aquela formação e na medida em que for razoável exigir a obrigação.
3ª: Consequentemente, condenado o Agravado em acção de regulação do exercício do poder paternal a entregar à Agravante A a quantia mensal de 25.000$00 (euros 124,70) para sustento da Agravante B, o facto desta ter atingido a maioridade não fez extinguir automaticamente a pensão alimentar assim fixada;
4ª: A sentença que, na acção de regulação do exercício do poder paternal, fixou os alimentos à Agravante B, constitui título executivo contra o Agravado, pelo incumprimento deste, e enquanto não for requerida por este a extinção da obrigação;
5ª: Tem legitimidade para levar à execução a sentença condenatória quer uma quer outra Agravante, a Agravante B por direito próprio, e a Agravante A, por «indirecto» direito de representação.
6ª: Decidindo como decidiu, confirmando o despacho de indeferimento do Tribunal da 1ª Instância, o douto Acórdão agravado violou, entre outras, as seguintes disposições legais: art. 36º- 3 e 5 da CRP, arts. 1878º e 1880º e arts. 10º, 45º, 55º e 811º do C.P.C."

Não houve alegações do recorrido.
As questões a decidir são as seguintes:
1ª- Se a sentença que, em acção de regulação do exercício do poder paternal, fixou os alimentos a menor, vale como título executivo de alimentos após a sua maioridade
- Na hipótese afirmativa, se tanto a B como a mãe têm legitimidade para a execução.

2. Matéria de facto assente:
1. B nasceu em 11 de Novembro de 1978, sendo filha da exequente A e do executado C.
2. Por acordo na regulação do exercício paternal, homologado judicialmente por sentença de 4 de Junho de 1990, transitada em julgado, o executado ficou obrigado a contribuir mensalmente, com a quantia de 25.000$00, a título de alimentos à filha.
3. Nos termos daquela regulação, a quantia referida deveria ser entregue, directamente, à exequente A, por cheque ou transferência bancária, até ao dia 5 do mês a que respeitasse.
4. Em 11 de Novembro de 1993, face ao incumprimento do executado, a exequente A requereu, no âmbito do processo de regulação do exercício do poder paternal da B, que fossem tomadas providências adequadas ao cumprimento, o que foi considerado impossível por o pai residir, então, no Canadá, e não ter bens livres em Portugal.
5. B inscreveu-se na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, no curso de Psicologia, no ano lectivo de 1996/1997 e nos subsequentes anos lectivos, estando, no ano lectivo de 2000/2001, inscrita no 5º ano.
3. Enunciadas as questões a decidir, passa-se à sua apreciação.
1ª Se a sentença da regulação do poder paternal que fixou os alimentos da menor B constitui título executivo de alimentos depois da maioridade.
A 1ª instância entendeu que a manutenção da obrigação de sustentar os filhos menores, após a maioridade não opera automaticamente, dependendo da alegação e prova, a cargo do alimentando, da verificação dos pressupostos previstos no art. 1880º do CC. (1). No caso concreto não existia título executivo relativamente às pensões posteriores à maioridade, pois com esta se extinguira o dever de sustento por parte do executado, pai da B. Esta, por outro lado, não figurava como credora no título executivo, o que acarretava a sua ilegitimidade.
A Relação considerou que, verificando-se a situação tipificada no art. 1880º, o interessado, no caso de haver alimentos fixados, tem de requerer a sua alteração, nos termos gerais regulados no art. 2012º, através do meio processual previsto no art. 1412º, este do CPC; desta norma, aplicável apenas ao processo declarativo, não é possível concluir que, atingida a maioridade ou emancipação, a prestação de alimentos fixados não cessa imediatamente; mantendo-se embora a obrigação de os prestar por parte dos pais, nos termos do art. 1880º, para fazer valer o direito tem de ser intentada a acção declarativa, com observância do disposto no art. 1412º do CPC; com sentença então proferida, obtém-se o título executivo, que no caso vertente não existe; não existindo título executivo para os alimentos posteriores à maioridade, justifica-se o indeferimento liminar e fica prejudicada a questão da ilegitimidade da B.

Têm razão as instâncias.
Os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação - art. 1877º. O poder paternal abrange, além dos deveres de representação e de administração, o de os pais prestarem alimentos, provendo ao sustento dos filhos e assumindo as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação - art. 1878º.
Com a maioridade (aos 18 anos) ou a emancipação (pelo casamento) o filho fica habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens (arts. 130º, 132º, 133º, 1601º, a), 1604º, a) e 1612º), cessando o poder paternal e os deveres que integram o seu conteúdo.
Os pais ficam desobrigados das despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos menores na medida em que estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos - 1879º.
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, a obrigação de alimentos manter-se-á na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que se complete aquela formação - art. 1880º.
Mas a obrigação de alimentos a maiores ou emancipados tem de ser fixada na acção prevista no art. 1412º do CPC, mediante alegação e prova dos pressupostos constantes do art. 1880º: (a) não ter o requerente completado a sua formação profissional no momento da emancipação ou maioridade, (b) ser razoável exigir dos pais o seu cumprimento e (c) definição do tempo normalmente requerido para complemento da formação.
A sentença que fixa alimentos na acção de regulação do poder paternal constitui título executivo até à maioridade ou a emancipação, pois com qualquer destas cessa o poder paternal e os deveres que integram o seu conteúdo, designadamente o de alimentos. Este dever pode continuar a recair sobre os pais se, à data da cessação do poder paternal se verificarem os pressupostos do art. 1880º
O título executivo por alimentos a maiores ou emancipados será, então, constituído pela sentença proferida na acção regulada no art. 1412º do CPC, verificado o condicionalismo previsto no citado art. 1880º.
A sentença que, em acção de regulação do poder paternal, fixou os alimentos da B na situação de menor, não constituía, portanto, título executivo por alimentos após a sua maioridade.
Por isso, foi bem indeferido liminarmente o requerimento de execução por alimentos, relativamente às prestações posteriores à data em que a B atingiu a maioridade (11.11.1996), por exceder os limites do título executivo.

2ª- A legitimidade de B para a execução.
No requerimento executivo invocava-se: A tem legitimidade para exigir as prestações vencidas tanto durante a menoridade da filha como depois de esta ter atingido a maioridade; a ser entendido que carece de legitimidade quanto às últimas, tem-na a B.
A 1ª instância, considerando que a B não figurava como credora no título executivo, decidiu que ela era parte ilegítima para a "prossecução da presente execução", ou seja pelas prestações vencidas durante a menoridade, de acordo, aliás, com o entendimentos das exequentes.
A Relação, considerou prejudicado o conhecimento da questão da legitimidade face à solução dada quanto às prestações posteriores à maioridade, objecto de indeferimento liminar.
Sendo quanto a estas que vinha suscitada a ilegitimidade, é de confirmar o decidido pela Relação.
Decisão:
- Nega-se provimento ao agravo.
- Custas pelas recorrentes.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2003
Dionísio Correia,
Quirino Soares,
Neves Ribeiro.
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(1) Diploma a que respeitam os preceitos a citar sem outra indicação.