Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P2498
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: ACUMULAÇÃO DE CRIMES
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
PENA UNITÁRIA
LIMITE MÍNIMO DA PENA
Nº do Documento: SJ200407010024985
Data do Acordão: 07/01/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T J MAIA
Processo no Tribunal Recurso: 656/02
Data: 02/12/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Sumário : 1 - Na formulação de um cúmulo jurídico, sendo a maior das penas parcelares de 3 anos e 4 meses de prisão, nunca a pena única pode ser inferior a esta.
2 - Mas se a pena pelo crime de roubo qualificado consumado, p.p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do CP, em vez de ter sido fixada nesses 3 anos e 4 meses de prisão, o fosse no seu mínimo legal abstracto de 3 anos de prisão, a pena única poderia ter sido estabelecida (aparentemente) nesse limite mínimo, de acordo com o referido art.º 77.º, n.º 2, do CP.
3 - Mas, não é correcto de um ponto de vista técnico-jurídico, num cúmulo jurídico em que as penas parcelares fossem (como parece o recorrente pedir) de 3 anos, 1 ano e 4 meses, 1 ano, 10 meses e 8 meses de prisão, fixar a pena única em 3 anos de prisão, pois, sendo a pena mais elevada relativamente baixa, a compressão das restantes não pode nem deve ser total (isto é, somar-se a maior pena com zero do somatório das restantes penas, como se não houvesse outros crimes e outras condenações).
4 - Deste modo, não havendo uma atenuação especial das penas parcelares aplicadas ao arguido, a atenuação geral das mesmas (nos limites abstractos das molduras penais respectivas) nunca permitiria, com o uso de uma prudente e razoável técnica jurídica, que a pena única fosse fixada em 3 anos de prisão, como pede o recorrente, pois esse é o limite mínimo abstracto da pena mais grave e as outras penas somam 3 anos e 10 meses.
5 - Não sendo caso de se considerar uma atenuação especial das penas parcelares improcede manifestamente o recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. "A" e B foram julgados no Tribunal de Círculo da Maia, no âmbito do proc. n.º 656/02.0PBMAI do 5º Juízo da Comarca da Maia e, a final, condenados como co-autores de um crime de detenção ilegal de arma, na forma consumada, p.p. pelo art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, com as alterações da Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto, de um crime de roubo qualificado, na forma consumada, p.p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, p.p. pelos art.ºs 22.º, 23.º, 73.º, 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), e de um crime de roubo, p.p. pelo art.º 210.º, n.º 1, todos do CP:
- o A nas penas, respectivamente, de 7 (sete) meses de prisão, de 3 (três) anos de prisão, de 8 (oito) meses de prisão e de 1 (um) ano de prisão; em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 3 (três) anos de prisão, que se decidiu suspender a execução pelo período de cinco anos e subordinar tal suspensão ao cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, das seguintes regras de conduta: não acompanhar toxicodependentes; não frequentar lugares onde afluam toxicodependentes e apresentar-se ao técnico de reinserção social competente sempre que for convocado, sendo que, para este efeito a equipa do IRS competente deverá elaborar relatórios semestrais relativos ao comportamento do arguido;
- o B nas penas, respectivamente, de 8 (oito) meses de prisão, de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de 10 (dez) meses de prisão e de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; em cúmulo jurídico das penas parcelares aqui aplicadas e da pena que lhe foi aplicada nos autos de autos de processo comum singular nº 1546/01.9PGMTS do 4º Juízo Criminal de Matosinhos, nos termos dos artigos 77º e 78º do CP, na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
2. O Ministério Público junto do tribunal de 1ª instância, inconformado apenas no que diz respeito à pena aplicada ao B, recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões:
1- Os factos provados integram os elementos objectivos e subjectivo de vários crimes de roubo qualificado, de roubo simples e de detenção de arma cuja respectiva moldura penal aplicável não permite legalmente que ao arguido possa ser aplicada uma pena concreta e única inferior a 3 anos de prisão.
2- Todavia, o arguido confessou os factos, era primário na data em que os cometeu, tem tido desde então bom comportamento e tem feito um esforço sério de recuperação da sua toxicodependência, que foi uma das causas para o cometimento daqueles.
3- Acresce que o percurso de vida dele não tem sido nada fácil pois se pautou por deficiente aprendizagem escolar, prematura entrada no mundo laboral e no consumo de drogas e desemprego actual, circunstâncias essas geradores de condutas desajustadas.
4- A execução de uma pena efectiva de prisão não é pois necessária, proporcional e conveniente à socialização do arguido, não satisfaz as finalidades da punição e da prevenção e irá seguramente contribuir para a sua não reinserção social.
5- A consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido, os critérios legais de escolha da medida concreta da pena, aconselham a adopção de uma pena concreta e única não superior a 3 anos de prisão por forma a ser permitida a sua suspensão.
6- É pois essa pena única que deve agora ser aplicada com a sua suspensão por 5 anos subordinada ao cumprimento de várias obrigações, designadamente, de não acompanhar toxicodependentes e de sujeição à tutela do I.R.S. por forma à sua orientação e motivação para a adequação das suas condutas.
7- Fez-se do arguido um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro de tal forma que se concluiu que a simples ameaça da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
8- Foram pois violados por erro de interpretação o disposto nos artigos 40.° 1 e 2, 43.° 1, 50.° , 71.° e 77.° 2 do Código Penal.
9- Deve assim nessa medida ser revogado o douto acórdão recorrido fazendo-se dessa forma uma boa Justiça.
3. O arguido B não respondeu ao recurso e a Excm.ª P.G.A. neste Supremo promoveu o julgamento.
Todavia, o relator entendeu que o recurso era manifestamente improcedente, motivo pelo que o mandou à conferência.
4. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.

Os factos provados são os seguintes:
1 - No dia 1 de Julho de 2002, antes das 17 horas, os arguidos encontraram-se no café "Salão América Disco", sito em Gemunde, Maia e aí formaram o propósito de se deslocarem a qualquer um estabelecimento, a fim de daí retirarem o que encontrassem e lhes interessasse, utilizando para o efeito força e violência físicas e a pistola semi-automática, de calibre 6,35 mm Browning, de marca "Tanfoglio, modelo GT 28, com o respectivo carregador, apreendida e examinada a fls. 108 e 109, que estava na posse do arguido B.

2 - Tal arma de fogo resultou da adaptação clandestina a partir da arma original que era uma arma de alarme, de calibre nominal 8 mm e destinada a deflagrar munições de alarme, passando a disparar munições com projéctil e estava em condições de realizar disparos e em razoável estado de conservação.

3 - Na execução do combinado entre ambos, os arguidos fizeram-se transportar no motociclo, de matrícula PN, marca "Aprilia", modelo "RS 125", cor azul e vermelha, apreendido e examinado a fls. 102, conduzido pelo arguido A até ao quiosque denominado "Quiosque Lage", sito na Rua Manuel Gonçalves Lage, Águas Santas, Maia, pertença de C, idf. a fls. 35, onde chegaram pelas 17 horas do mesmo dia 1 de Julho de 2002.

4 - Em frente ao referido quiosque, os arguidos imobilizaram o PN, que continuou contudo com o motor a trabalhar. Enquanto o arguido A permanecia ao volante do motociclo, o arguido B dirigiu-se para o interior do "Quiosque Lage", onde entrou, empunhando a supra dita arma.

5 - Sempre de arma empunhada o arguido B dirigiu-se à referida C e disse-lhe: "Dá-me para cá o dinheiro, rápido".

6 - Como C respondeu que não possuía dinheiro, o arguido B disse-lhe "que se não entregasse o dinheiro que disparava a arma", ao mesmo tempo que com a mão esquerda lhe puxou violentamente os cabelos.

7 - Assim, C, contrariada e receando pela própria vida, retirou da gaveta da caixa registadora oitenta (80) Euros de que logo o mesmo arguido se apropriou.

8- Na posse dos oitenta (80) Euros o mesmo arguido, continuando a apontar a arma a C, dirigiu-se para o exterior, onde permanecia o arguido A, na posição inicial e em funções de vigilância.

9 - De seguida, os arguidos abandonaram o local levando a supra referida quantia que gastaram posteriormente em proveito comum, na compra de gasolina, alimentos e heroína que ambos consumiam.

10 - No dia 2 de Julho de 2002, os arguidos encontraram-se, tendo novamente planeado entre ambos efectuar qualquer roubo, pelo mesmo modo, a fim de repartirem entre si o produto respectivo.

11 - Assim, pelas 12h 50m deste último dia, da mesma forma, os arguidos fizeram-se transportar no referido motociclo, conduzido pelo arguido A, até ao estabelecimento comercial denominado "Minimercado ....., Lda.", sita na Rua Joaquim Pinto, nº ....., Senhora da Hora, pertença de D, idf a fls. 31.

12 - A cerca de sessenta (60) metros do referido estabelecimento, os arguidos imobilizaram o PN, que continuou contudo com o motor a trabalhar. Enquanto o arguido A permanecia ao volante do motociclo, o arguido B dirigiu-se para o interior do "Minimercado ....., Lda.", onde entrou, empunhando a supra dita arma.

13- Sempre de arma empunhada o arguido B dirigiu-se à referida D, e disse-lhe, encostando-lhe a arma à cabeça :-"Isto é um assalto".

14 - Receando pela própria vida, D, que segurava nas mãos um martelo de bola, com ele desferiu uma pancada no capacete que o arguido B trazia na cabeça, o que fez com que o mesmo abandonasse o local em fuga, juntamente com o arguido A, o qual havia permanecido no exterior do estabelecimento, na posição inicial e em funções de vigilância.

15 - No supra referido estabelecimento estavam todos os bens destinados à venda ao público, para além da quantia de duzentos e cinquenta (250) Euros, relativa ao apuro do negocio efectuado até essa hora, de que os arguidos não lograram apropriar-se, por circunstâncias alheias à sua vontade.

16 - Os arguidos circularam então por várias artérias de Matosinhos.

17 - Pelas 13h 15m, do dia 2 de Julho de 2002, os arguidos circulando com o referido motociclo, conduzido pelo arguido A, avistaram, na Rua de Sendim, Senhora da Hora, Matosinhos, junto a uma paragem de autocarro ali existente, E, idf a fls. 24, a qual estava encostada ao pilar da cobertura da paragem.

18 - Os arguidos, de comum acordo, formularam então o propósito de se apoderar de bens de que E fosse possuidora, se necessário com uso de violência.
19 - Os arguidos imobilizaram o PN nas proximidades da paragem do autocarro, que continuou contudo com o motor a trabalhar. Enquanto o arguido A permanecia ao volante do motociclo, o arguido B, apeando-se, dirigiu-se para E e, pela retaguarda, súbita e violentamente, puxou a saca preta, em plástico, que a mesma trazia num braço, sem que àquela fosse possível qualquer reacção ou resistência, a qual se viu obrigada a largar tal saca.
20 - Tal saca, de valor não concretamente apurado, continha no seu interior um ferro de engomar, da marca "Worten", no valor de vinte e cinco (25) Euros, um porta moedas, em matéria plástica, de cor branco e preto, no valor de doze Euros e cinquenta cêntimos (12,50), o qual continha duas notas de cinco (5) Euros e oitenta(80) cêntimos em moedas, fotocópias dos documentos pessoais de E - Bilhete de Identidade, cartão da Caixa de Previdência e cartão de Número de Contribuinte-, outros papéis, um (1) par de meias de descanso no valor de dez (10) Euros, sete (7) chaves, no valor de duzentos e cinquenta Euros (250), um lenço de seda e um telemóvel da marca "Ericsson", modelo A1018s e respectivo carregador, no valor de sessenta (60) Euros, contendo o carregamento de vinte (20) euros.
21 - Assim, todos estes bens foram subtraídos pelos arguidos, usando violência, à sua dona E.
22 - De seguida os arguidos abandonaram o local em fuga, acabando por abandonar a carteira, contendo as fotocópias dos documentos e as sete chaves, junto ao campo de jogos de Gatões, em Guifões, Matosinhos e o telemóvel e respectivo carregador, parte do ferro de engomar, o lenço de seda e o par de meias de descanso na Estrada da Circunvalação, Porto.
23 - Os bens acabados de referir foram posteriormente recuperados pela sua dona, após os arguidos terem sido perseguidos pela PSP que, no Bairro de S. João de Deus, Porto, os interceptou. Os arguidos tinham-se deslocado a este Bairro para, com a quantia subtraída a E, adquirirem produto estupefaciente
24 - Os arguidos, que actuaram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços, agiram de forma voluntária e consciente, com intenção de fazer seus os aludidos bens e quantias monetárias, de que se apoderaram, utilizando força e violência físicas contra C, D e E, utilizando ainda, contra as duas primeiras arma de fogo, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade de seus donos.
25 - Os arguidos não são, nem eram, à data dos factos, possuidores de licença necessária para o porte de qualquer arma.
26 - Sabiam os arguidos que aquela arma tinha sido alterada nas suas características, que não estava registada nem manifestada e que não podiam detê-la, nem usá-la, não obstante, quiseram actuar da forma descrita.
27 - Sabiam que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
28- Os arguidos confessaram os factos pelos quais estão acusados.
29 - O arguido A não tem averbada no seu certificado de registo criminal qualquer condenação.
30 - O arguido B não tinha antecedentes criminais à data dos factos.
31- Nos autos de processo comum singular n.º 1546/01.9PGMTS do 4º juízo do Tribunal Judicial de Matosinhos, por sentença proferida a 26-11-2003, transitada em julgado, relativa a factos praticados em 6-11-2001, o arguido B foi condenado como autor material de um crime de roubo da previsão do artigo 210º, n.º 1, C. Penal, na pena de 1 ano de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano e meio.
32 - O arguido A tem o 7º ano de escolaridade, e teve três repetições.
33- Após a conclusão do 7º ano começou a trabalhar com 16 anos em ventilação mecânica durante cerca de 4/5 anos.
34 - Depois foi trabalhar para uma empresa do pai onde se manteve a trabalhar durante cerca de 2 anos.
35 - Iniciou o consumo de estupefacientes com 17 anos e ao longo do tempo intensificou os consumos.
36 - A família do arguido é de condição sócio-económica modesta, o pai é técnico de electrónica e a mãe é operária fabril e tem um irmão que estuda.
37- À data dos factos o A estava sem trabalhar e tinha intensificado os consumos de droga.
38 - Fez um tratamento à toxicodependência com médico amigo da família e após ter tido contacto com o CAT
39- Desde há cerca de três meses que o arguido não consome drogas.
40- O arguido está a viver com os pais que o apoiam.
41- Está a trabalhar como metalúrgico na empresa Metalo Transformadora, Lda. auferindo o vencimento base de 440 euros, acrescido de subsídio de refeição.
42- Ajuda o pai na oficina que este tem em casa.
43- O arguido abandonou os antigos colegas.
44- A família do arguido, a qual, tem hábitos de trabalho, está-lhe a dar apoio.
45- O arguido B é oriundo de família de nível sócio-económico modesto.
46- O arguido terminou o 6º ano de escolaridade, abandonou a escola com 14 anos e foi trabalhar, iniciando a actividade laboral como padeiro/ pasteleiro, a qual desenvolveu durante cerca de dois anos.
47- Depois, e durante cerca de 1 ano, trabalhou como padeiro, passando a laborar como trolha.
48- À data dos factos estava desempregado
49- Iniciou-se no consumo de haxixe aos 14 anos, logo após abandonar a escola.
50 - Aos 18 anos começou a consumir outro tipo de drogas.
51 - Há cerca de 2 anos está a ser acompanhado pelo serviço de Psiquiatria do Hospital de S. João a fazer tratamento à toxicodependência, tendo tido diversas recaídas.
52- Os factos dos autos ocorreram no período de 2 anos referido no ponto anterior.
53- À data dos factos residia com a família , situação que se mantém.
54 - Os pais trabalham.
55 - O B não está a trabalhar e faz-se acompanhar por pessoas com hábitos idênticos aos dele.
É sempre de enaltecer quando o Ministério Público vem interpor recurso no interesse exclusivo da defesa, num esforço de alcançar o que considera a mais lídima Justiça.
Por isso, a nossa primeira consideração vai no sentido de louvar o Magistrado que subscreve o presente recurso e de incentivá-lo a, incansavelmente, prosseguir os interesses da verdade e do Direito.
Porém, com o devido respeito, o presente recurso não pode proceder, por razões que se afiguram aliás manifestas.
Senão, vejamos.
O recorrente cinge o recurso unicamente à questão da pena aplicada ao arguido B, pois conforma-se com a que foi determinada para o co-arguido A.
Acrescenta, ainda, que não deseja discutir a matéria de facto, pois os factos provados não lhe merecem qualquer crítica, quer de ordem formal, quer substancial. Efectivamente, os factos não padecem de qualquer vício e devem considerar-se definitivamente adquiridos.
Não concorda o recorrente, porém, com a pena única de 4 anos de prisão que foi imposta ao arguido B, pois, na sua opinião, o mesmo devia ser condenado na pena única de 3 anos de prisão, com execução suspensa por 5 anos e sujeição a determinados deveres.
Para isso, faz um veemente apelo à função ressocializadora das penas e acrescenta que a pena detentiva em nada irá beneficiar a reinserção desse arguido.
Compreende-se que venha lutar pela liberdade dum arguido jovem e que ainda não cumpriu pena de prisão. Contudo, todos os Magistrados têm de se mover no domínio dos factos provados e aplicando a estes a Lei vigente, não lhes competindo subverter as regras que o Poder Legislativo estabeleceu, por mera opção pessoal em matéria de política criminal. Qualquer cidadão pode discordar da aplicação da pena de prisão aos jovens, por descrença de que a reinserção social se alcance através da pena detentiva e nas condições duras dos nossos estabelecimentos prisionais, mas o Juiz tem de aplicá-la se ficarem reunidos os pressupostos legais que a impõem.
Ora, a primeira dificuldade legal que o recorrente não resolve na sua fundamentação é a de que o arguido B foi condenado nas penas parcelares de 3 anos e 4 meses de prisão, 1 ano e 4 meses de prisão, 10 meses de prisão e 8 meses de prisão. E no cúmulo jurídico efectuado pelo Tribunal recorrido foi levado em conta, ainda, a pena que lhe foi aplicada no 4º Juízo Criminal de Matosinhos, onde foi condenado em 1 ano de prisão, cuja execução foi suspensa por um ano e meio (1). Assim, face ao disposto no art.º 77.º, n.º 2, do CP, o limite mínimo da pena única resultante desse concurso é de 3 anos e 4 meses de prisão.
Deste modo, sem uma prévia redução das penas parcelares, que o recorrente expressamente não reclama, nunca poderia o arguido B ter sido condenado na pena única de 3 anos de prisão.
O recorrente afirma que "a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido, os critérios legais de escolha da medida concreta da pena, aconselham a adopção de uma pena concreta e única não superior a 3 anos de prisão por forma a ser permitida a sua suspensão" (conclusão 5ª).
Mas, em quase contradição, indica na sua primeira conclusão que "os factos provados integram os elementos objectivos e subjectivo de vários crimes de roubo qualificado, de roubo simples e de detenção de arma cuja respectiva moldura penal aplicável não permite legalmente que ao arguido possa ser aplicada uma pena concreta e única inferior a 3 anos de prisão".
Ora, por um lado, esta última afirmação não é verdadeira, pois a lei permite uma redução das penas para limites inferiores ao seu mínimo abstracto, caso estejam verificados os requisitos que permitem uma atenuação especial (art.ºs 72.º e 73.º do CP). O recorrente, contudo, não se atreve a reclamar uma atenuação especial das penas para o arguido B e já veremos adiante que, efectivamente, não tinha motivos para tal pedido de clemência.
Por outro lado, se a pena pelo crime de roubo qualificado consumado, p.p. pelo art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, al. f), do CP, em vez de ter sido fixada ao arguido B em 3 anos e 4 meses de prisão, fosse estabelecida no seu mínimo legal abstracto de 3 anos de prisão, a pena única poderia ter sido estabelecida (aparentemente) nesse limite mínimo, de acordo com o referido art.º 77.º, n.º 2, do CP.
Admitimos que terá sido esta a ideia do recorrente, já que o co-arguido A mereceu tal benesse do Colectivo (2).
Contudo, tal como a fixação de uma pena parcelar tem regras e não se torna arbitrário escolher a pena concreta entre um mínimo abstracto por vezes muito baixo e um máximo abstracto por vezes muito elevado, também a fixação da pena única, nos cúmulos jurídicos, tem idênticos critérios.
Já em anteriores Acórdãos temos dito que a respeito da fixação da pena única nos cúmulos jurídicos, aderimos inteiramente às considerações que se podem ler, entre outros, no Acórdão deste Supremo, de 9 de Maio de 2002, proc. n.º 1259/02-05 (3), pois tem o mérito de, não desvalorizando o papel decisivo do Juiz no doseamento da pena, não deixar a operação ao arbítrio da variação entre grandes números:
«A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (...) e tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes» (CP, art. 77.2), donde que o somatório das penas «menores» - a menos que a pena única seja fixada no seu máximo - deva sofrer, na sua adição à «maior», determinada «compressão»; ora, tudo estará em apurar, em cada caso, qual a compressão a imprimir ao somatório das penas menores (já que a pena «maior», constituindo o limite mínimo da pena única, é, naturalmente, intangível); numa primeira abordagem, haverá - como forma de dar ao juiz um terceiro termo de referência (dentro da enorme latitude conferida pelos outros dois: o limite mínimo e o limite máximo) - que desenhar, entre os extremos, um ponto que fixe, geometricamente, o «encontro» entre essas duas variáveis; na generalidade dos casos (conciliando a tendência da jurisprudência mais «permissiva» em somar à «maior» ¼ - ou menos - das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa adicionar metade - ou mais - das outras), esse ponto de convergência poderá achar-se, somando à pena «maior» 1/3 das «menores»; mas, em segunda linha, será razoável - atento o limite máximo de 25 anos fixado pelo art. 41. 2 e 3 do CP - que esse «factor de compressão» seja tanto maior quanto maior o somatório das penas «menores», pois que, de outro modo, tenderiam a fixar-se no máximo (ou muito próximo dele) penas únicas decorrentes de penas parcelares de valor consideravelmente diverso; é que, sem esse tratamento diversificado, seriam condenados, igualmente, em 25 anos de prisão tanto um criminoso que, para além de um crime punido com 20 anos de prisão, tivesse cometido outros punidos com um somatório de 15 anos de prisão, como outro relativamente a quem um crime punido com 24 anos de prisão emparceirasse com outros punidos, no total, com 30, 40 ou 50 anos de prisão; mas, se um limite mínimo elevado concita uma especial compressão das demais (compressão tanto maior, como já se viu, quanto maior o seu somatório), um limite mínimo baixo já consentirá, pois que mais afastado o limite «máximo dos máximos», que a compressão das outras consinta uma maior distensão».
Destas considerações, julgamos não ser correcto de um ponto de vista técnico-jurídico, num cúmulo jurídico em que as penas parcelares fossem (como parece o recorrente pedir para o arguido B) de 3 anos, 1 ano e 4 meses, 1 ano, 10 meses e 8 meses de prisão, fixar a pena única em 3 anos de prisão, pois, sendo a pena mais elevada relativamente baixa, a compressão das restantes não pode nem deve ser total (isto é, somar-se a maior pena com zero do somatório das restantes penas, como se não houvesse outros crimes e outras condenações). Mas, num cúmulo jurídico de uma pena de 20 anos de prisão e de outras quatro de 2 meses de prisão, não vemos qualquer obstáculo, antes pelo contrário, em que a pena única seja fixada nos ditos 20 anos de prisão, pois sendo a pena mais grave já de si muito elevada, a compressão das restantes, que são de diminutas dimensões e com reduzidíssimo relevo face à gravidade do crime principal, pode ser total.
Deste modo, não havendo uma atenuação especial das penas parcelares aplicadas ao arguido B, a atenuação geral das mesmas (nos limites abstractos das molduras penais respectivas) nunca permitiria, com o uso de uma prudente e razoável técnica jurídica, que a pena única fosse fixada em 3 anos de prisão, como pede o recorrente, pois esse é o limite mínimo abstracto da pena mais grave e as outras penas somam 3 anos e 10 meses.
Resta encarar a hipótese da atenuação especial das penas, não pedida pelo recorrente, mas que possibilitaria a aplicação de uma pena única de 3 anos de prisão.
"Conforme entendimento doutrinal perfilhado pelo Supremo, o funcionamento da atenuação especial da pena, como uma autêntica válvula de segurança do sistema, obedece a dois pressupostos essenciais, a saber:
- Diminuição acentuada da ilicitude e da culpa, necessidade da pena e, em geral, das exigências de prevenção;
- A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá considerar-se relevante para tal efeito, isto é, só poderá ter-se como acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação das circunstâncias atenuantes se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo" (cfr., entre muitos, o sumário do Ac. do STJ de 17/06/2004, proc. n.º 1407/04-5, relator Cons. Pereira Madeira).
Na verdade, se a maioria das penas abstractamente previstas na lei têm uma variação muito grande entre o mínimo e o máximo, quer dizer que o legislador já configurou, no estabelecimento da previsão do tipo criminal, as hipóteses menos graves e as mais graves, estabelecendo a pena adequada para uns e para outros, num leque muito variado de situações.
Por isso, a atenuação especial, prevista nos art.ºs 72.º e 73.º do CP, fazendo baixar o mínimo da pena para limite inferior ao previsto em abstracto, só se justifica naqueles casos, absolutamente excepcionais, que o legislador não terá configurado na sua previsão e que merecem um tratamento à parte, como válvula de segurança do sistema.
Ora, no caso do arguido B, tendo em atenção os factos provados, estamos muito longe de um caso que mereça um tratamento de excepção face aos casos que o legislador terá previsto quando estabeleceu para o roubo qualificado a pena abstracta de 3 a 15 anos de prisão.
Na verdade, a seu favor deve considerar-se que era na altura dos factos um jovem de 22 anos, oriundo de família de nível sócio-económico modesto, trabalhou na sua menoridade, entre os 14 e os 17 anos, como padeiro/ pasteleiro e depois trolha, é toxicodependente, confessou os factos, tem apoio familiar e não tinha nenhuma condenação anterior.
Mas, algumas destas atenuantes têm muito pouco relevo e apenas funcionam como atenuantes de carácter geral. Na verdade, o arguido abandonou a escola e não tem trabalho conhecido há cerca de 5 anos, o que, com a sua idade, demonstra desinteresse por uma actividade laboral. A sua família forçou-o a tratar a toxicodependência, mas foi no período em que era acompanhado no Serviço de Psiquiatria do Hospital de S. João que cometeu os crimes dos autos, pois teve diversas recaídas. Os progenitores já vêm "revelando algum desgaste com a situação" (relatório social de fls. 311). Na altura em que cometeu o primeiro crime destes autos já havia cometido um outro crime de roubo, pelo qual veio a ser condenado no Tribunal de Matosinhos. Por fim, não está provado que tenha bom comportamento, como indica o recorrente, antes que "não está a trabalhar e faz-se acompanhar por pessoas com hábitos idênticos aos dele", para além de lhe serem contabilizados 5 crimes (o concurso real de crimes é uma circunstância agravante).
Com este "quadro", que se não é negro é pelo menos cinzento-escuro, não vemos onde se possa apoiar uma atenuação especial das penas. Já a fixação das mesmas perto dos mínimos legais, como fez a 1ª instância, espelha uma benevolência que muitos não teriam em situação semelhante.
É preciso não perder de vista que em dois dos casos o arguido B efectuou os roubos com o uso de uma arma de fogo que, mesmo que não estivesse municiada, causa enorme alarme e é potenciadora de situações de extrema violência, física e psicológica. Por outro lado, se é certo que os dois arguidos actuaram em comunhão de esforços, não se pode esquecer que era o B que avançava com a arma e que com ela intimidava as vítimas, enquanto o outro esperava no motociclo, o que demonstra uma determinação e um destemor por parte do recorrente muito maior que no outro.
Para além desta diferença entre o modo de actuar do B e do A, provou-se que este último, desde a data dos crimes, fez um tratamento à toxicodependência com médico amigo da família e após ter tido contacto com o CAT, desde há cerca de três meses que não consome drogas, está a viver com os pais que o apoiam, está a trabalhar como metalúrgico na empresa Metalo Transformadora, Lda. auferindo o vencimento base de 440 euros, acrescido de subsídio de refeição, ajuda o pai na oficina que este tem em casa e abandonou os antigos colegas.
Estas situações factuais, extremamente positivas para o A e, comparativamente, negativas para o B, justificam inteiramente a diferença de tratamento que ao nível das penas foi feita entre o A e o B.
Não vemos, pois, como pode o recorrente pedir para o arguido B um tratamento igual ao do A, a não ser que baseado numa percepção subjectiva da personalidade daquele, mas que não encontrou reflexo nos factos provados.
Por isso, não temos dúvida em considerar que o presente recurso improcede e, de resto, de modo ostensivo.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente.
Não há lugar a tributação.
Notifique.

Lisboa, 1 de Julho de 2004
Santos Carvalho
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
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(1) Sendo que o recorrente concorda inteiramente com a interpretação legal que permitiu que se efectuasse o cúmulo jurídico com uma pena suspensa De resto, este Supremo Tribunal já adoptou idêntico critério, designadamente, no Ac. STJ de 1993-01-07, in CJSTJ, 1993, I, 162.
(2) Ao A, condenado nas penas parcelares de 3 anos, 1 ano, 8 meses e 7 meses de prisão, foi-lhe aplicada, em cúmulo jurídico, a pena única de 3 anos de prisão, o que é juridicamente possível, mas tecnicamente incorrecto. O mesmo resultado prático devia ter sido obtido após uma atenuação especial das penas parcelares, no seu caso inteiramente justificável.
(3) Relator Conselheiro Carmona da Mota.