Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
64/13.7T2SNS.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTO IDÓNEO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 09/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DO CONTRATO / REDUÇÃO TEMPORÁRIA DO PERÍODO NORMAL DE TRABALHO OU SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR FACTO RESPEITANTE AO EMPREGADOR / SITUAÇÕES DE CRISE EMPRESARIAL / PROCEDIMENTO DE INFORMAÇÃO E NEGOCIAÇÃO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª Edição, p. 111;
- João Baptista Machado, Tutela da confiança e ‘venire contra factum proprium’, 1991, p. 416;
- João Melo Franco, Herlander Antunes Martins, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Almedina, 2.ª Edição, p. 17 e 18;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 247;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 422.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.ºS 4 E 5, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E D), 640.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2, ALÍNEA B) E 663.º, N.º 2.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 337.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ, 386º/446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º/382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III/156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II/143;
- DE 11-12-2013, PROCESSO N.º 629/10.9TTBRG.P2.S1;
- DE 26-10-2017, PROCESSO N.º N.º 196/12.9TTBRR.L2.S1.
Sumário :

I - Tendo o acórdão recorrido consignado os elementos suficientes para fundamentar a decisão proferida e não sendo omitida pronúncia sobre qualquer das questões que haviam sido submetidas pela recorrente à sua apreciação, embora sem apreciar todos os argumentos apresentados, não enferma das nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. b) e d) do CPC.

II - Em sede de reapreciação da prova e tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação, o que importa é que a Relação forme a sua própria convicção com base nos meios de prova indicados pelas partes ou oficiosamente investigados (art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. b) do CPC), devendo fundamentar a decisão tomada (art. 607º, nºs 4 e 5 e 663º, nº 2, do CPC).

III – A vinculação relativa ao meio de prova do crédito correspondente ao pagamento de trabalho suplementar vencido há mais de cinco anos, como estabelecido no art. 337º, nº 2, do CT, limita-se à necessidade do documento e não ao seu valor e idoneidade como meio de prova.

IV - Para que a inércia, omissão ou não-exercício do direito por um período prolongado configure, quando o mesmo é exercido, abuso de direito na modalidade especial do ‘venire contra factum proprium’, não basta o mero decurso do tempo, sendo necessário que se verifiquem outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada/legítima situação de confiança da contraparte.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA e BB propuseram a presente ação comum emergente de contrato de trabalho contra CC, LDA, pedindo que, na procedência da mesma, fosse a R. condenada:

- A reconhecer a licitude e justa causa da resolução do contrato de trabalho efetuada por iniciativa dos trabalhadores (AA.) e a pagar-lhes a indemnização legal fixada em 45 dias de remuneração base (€ 1.710,00) por cada ano de antiguidade;

- A pagar-lhes a retribuição pelo trabalho prestado em período de descanso semanal entre 11 de fevereiro de 2002 a 30 de abril de 2012, acrescido do acréscimo remuneratório de 100%;

- A pagar-lhes a compensação retributiva por não lhes ter sido concedido o descanso compensatório pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal;

- A pagar-lhes as diuturnidades a que têm direito por força da CCT aplicável;

- A pagar-lhes a retribuição correspondente às férias e o subsídio de férias vencidos em 1 de janeiro de 2012;

- A pagar-lhes a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato até 30 de Abril de 2012;

- A pagar-lhes o prémio de quantidade de leite do mês de Abril de 2012;

- A pagar-lhes os juros de mora sobre as quantias liquidadas.

Para o efeito alegaram que a A. foi admitida ao serviço da R. por contrato de trabalho a termo certo com efeitos desde 11 de fevereiro de 2002, com a categoria profissional de ..., e o A. admitido em 1 de agosto de 2002, como ..., trabalhando ininterruptamente até 30 de abril de 2012, data em que resolveram, com justa causa, os contratos de trabalho celebrados com a R., porquanto esta deixou de lhes pagar o prémio de quantidade de leite no valor mensal de € 310,00 desde 1.04.2012; nunca lhes pagou as diuturnidades a que tinham direito; os seus períodos de trabalho eram de 40 horas semanais mas trabalhavam onze dias seguidos, oito horas diárias, de 3ª feira ao domingo seguinte, folgando três dias seguidos, de sábado a segunda-feira subsequentes; nunca lhes foi proporcionado qualquer descanso compensatório pelo trabalho prestado em dias de descanso, nem lhes foi paga qualquer retribuição pelo trabalho que prestaram nesses dias.

Frustrada a conciliação, contestou a R., alegando que, por força da atividade que explora, está dispensada de encerrar o funcionamento um dia completo por semana. A A. não prestava oito horas de trabalho diárias durante onze dias consecutivos, tinha um regime de horário livre e prestava uma média de 40 horas semanais. Era a única ... responsável pela vacaria e gozava inicialmente um dia e meio de descanso (sábado à tarde e domingo), tendo sido a pedido dos AA. que os mesmos passaram a gozar três dias consecutivos de descanso (de sábado a segunda-feira), depois de trabalharem onze dias seguidos, podendo alterar os mesmos para quando entendessem desde que a sua substituição estivesse assegurada. Enquanto exerceu o cargo de chefia, a A. não tinha horário previamente fixado, gerindo-o de acordo com as necessidades da exploração e era ela, como chefe geral da vacaria, que orientava os horários dos outros trabalhadores, comunicava as respetivas faltas e o trabalho suplementar prestado, incluindo o seu e o do seu companheiro, ora A. e atribuía os descansos compensatórios devidos, que sempre foram pagos e gozados.

Conclui que não existe qualquer fundamento legal para os AA. terem resolvido os contratos de trabalho, sendo que quanto ao trabalho suplementar alegadamente não pago, aos descansos compensatórios que se invocam como não gozados, uma vez que são reclamados desde 11 de fevereiro de 2002 a março de 2012, à data da resolução já se mostravam decorridos trinta dias após o seu conhecimento pelo que se verifica a caducidade da resolução dos contratos de trabalho.

Peticionou a condenação dos AA. como litigantes de má-fé, em multa e indemnização, e deduziu pedido reconvencional pela inexistência de justa causa na resolução face ao disposto no artigo 401º do CT, que liquida individualmente em € 3.420,00, que compensou quando procedeu ao pagamento aos AA. das quantias devidas pela cessação do contrato (proporcionais de férias e de subsídio de férias e de subsídio de Natal de 2012, férias e subsídio de férias vencidos em janeiro de 2012), reconhecendo-se devedora a cada um dos AA., da quantia de € 162,70, que os mesmos não quiseram receber.

Responderam os AA., alegando que os factos constitutivos da resolução são continuados e mantinham-se à data da cessação do contrato, pelo que não há qualquer caducidade de resolução, sendo infundado o pedido de condenação como litigantes de má-fé e bem assim o pedido reconvencional deduzido e compensação operada pela R.

Saneados os autos, relegando-se o conhecimento das exceções para final, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo:

«Em conformidade com os fundamentos expostos decido:

Julgar procedente a acção e em consequência:

a) Declarar a justa causa na resolução do contrato de trabalho promovida pelos AA. com efeitos desde 30.04.2012 e:

A) Condenar a R. CC, Lda a pagar-lhes a indemnização legal que se fixa em 30 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade, para a A. BB em € 10.758,42 (dez mil, setecentos e cinquenta e oito euros e quarenta e dois cêntimos) e para o A. AA em € 9.692,38, (nove mil, seiscentos e noventa e dois euros e trinta e oito euros) - tendo em consideração a retribuição base mensal de € 2.020,00 acrescida de € 20,50 de diuturnidades do A. e de € 50,10 de diuturnidades da A.)[.]

B) Condenar a R. a pagar à A. a quantia ilíquida de € 6.172,11 (seis mil, cento e setenta e dois euros e onze cêntimos) de retribuição de férias e subsídio de férias e de proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal e ao A. a quantia ilíquida de € 6.104,77 (seis mil, cento e quatro euros e setenta e sete cêntimos) [.]

C) Condeno a R. a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 310,00 (trezentos e dez euros) devida pela parte da remuneração não paga no mês de Abril de 2012.

D) Condeno a R. a pagar à A. a título de diuturnidades a quantia global de € 1.286,50 (mil, duzentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos) e ao A. a quantia de € 1.248,00 (mil, duzentos e quarenta e oito euros).

E) Condeno a R. a pagar aos AA. a quantia que se vier a liquidar em incidente próprio pelas horas de trabalho suplementar que se apurarem que os mesmos prestaram aos sábados e aos Domingos no período compreendido quanto ao A. entre 1.08.2007 e quanto à A. entre 11.02.2007 a 30.04.2012, excluídos os períodos provados de ausência ao trabalho.

F) Condeno a R. a pagar aos AA. juros de mora sobre as quantias referidas à taxa legal, vencidos quanto à fixada em A) desde a citação da R., quanto à fixada em B) e C) desde 30 de Abril de 2012 e quanto à fixada em D) e a que se vier a fixar em E) desde a data do respectivo vencimento do mês a que dizem respeito.

G) Condeno a R. nas custas devidas em juízo.»

Inconformada, a Ré apelou impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto, tendo os AA. recorrido subordinadamente, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Pelo exposto,

I- julga-se improcedente o recurso da R.;

II- julga-se procedente o recurso subordinado dos AA. em função do que se altera a al. E) da decisão que passa a ter a seguinte redacção:

E) Condeno a R. a pagar aos AA. a quantia que se vier a liquidar em incidente próprio pelas horas de trabalho suplementar que se apurarem que os mesmos prestaram aos sábados e aos Domingos no período compreendido quanto ao A. entre 1.08.2002 e quanto à A. entre 11.02.2002 a 30.04.2012, excluídos os períodos provados de ausência ao trabalho.

Custas, na totalidade, pela R.»

Desta deliberação recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, arguindo também a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Os recorridos contra-alegaram.

O Tribunal da Relação deliberou julgar improcedente a invocada nulidade do acórdão.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência parcial da revista, tendo considerado inexistir justa causa de resolução dos contratos.

Notificadas, as partes não responderam.

Tendo-se considerado que, no caso de se julgarem não verificadas as arguidas nulidades, existirá dupla conforme relativamente à exceção da caducidade e que, decidindo-se que o acórdão recorrido não violou o disposto nos arts. 640º e 662º do CPC, relativamente à reapreciação da prova, igualmente ocorrerá a mesma situação quanto à questão da justa causa de resolução dos contratos, foram as partes notificadas para se pronunciarem.

Apenas a recorrente o fez invocando que não há dupla conforme porquanto não existe sobreposição de decisões quanto à caducidade e relativamente à justa causa, pese embora os AA. tenham invocado diversos fundamentos, a Relação limitou a sua apreciação ao não pagamento das diuturnidades.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

I - No presente recurso a recorrente entende que o Tribunal da Relação de Évora violou normas de direito adjetivo no que concerne, quer à apreciação da impugnação da decisão proferida pela 1ª Instância, nomeadamente aquelas previstas nos artigos 640.º e 662.º do NCPC, quer no que concerne à falta de reapreciação de, pelo menos, uma das questões jurídicas que lhe foi suscitada: a reapreciação da perentória de caducidade invocada pela recorrente. É, hoje, entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça que sempre que seja imputado ao Acórdão da Relação a violação de normas de direito adjetivo, tal circunstância impede desde logo que se entenda que existe dupla conformidade relativamente a reapreciação da matéria de facto ou de direito. Pelo exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, nos termos do disposto nos artigos 671.º n.º 1 e 3 do NCPC ex vi artigo 81.º n.º 5 do CPT é admissível o presente recurso quanto à reanálise das matérias supra citadas.

II - A questão jurídica suscitada pela recorrente relativamente à existência ou não de abuso de direito por parte dos recorridos aquando da sua rescisão, com alegação de justa causa, do contrato de trabalho, com todos os efeitos que daí derivam para a condenação efetuada à recorrente em sede de indemnização por esta rescisão, apenas foi apreciada pelo Tribunal a quo e não pelo Tribunal de 1.ª Instância, o qual nada referiu relativamente a este ponto.

Assim sendo, na esteira da douta jurisprudência existente relativamente à existência de dupla conforme, constatamos que, relativamente a esta questão jurídica a apreciar inexiste dupla conforme, porquanto, como se disse, tal questão não teve qualquer apreciação por parte do Tribunal da 1.ª Instância, sendo assim, também quanto a esta matéria [é] admissível o presente recurso de revista, nos termos do disposto no 671.º n.º 1 e 3, do NCPC ex vi artigo 81.º n.º 5 do CPT.

III - A recorrente, nas suas alegações, relativamente à matéria de Direito solicitou ao Tribunal a quo que reapreciasse as seguintes cinco questões. Contudo, desde logo, é possível constatar que o Tribunal a quo não apreciou, tal como lhe tinha sido solicitado, a questão de se saber qual o regime jurídico aplicável ao caso sub judice e, consequentemente, qual o seu efeito no horário de trabalho dos recorridos, no, alegado, trabalho suplementar solicitado pelos mesmos e no descanso compensatório deste, tudo isto com consequências para a boa decisão da caso sub judice.

Pelo exposto, o Tribunal a quo ao omitir o seu dever de pronúncia, relativamente a estas questões que lhe foram suscitadas pela recorrente, violou o disposto no artigo 608.º n.º 2 ex vi artigo 666º, todos do NCPC o que, consequentemente, determina a nulidade do douto acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

IV - Como é sabido a legislação processual estatui o direito do recorrente de ter um duplo grau de jurisdição, quer relativamente à apreciação da matéria de facto, quer relativamente à apreciação jurídica das questões que são levadas a pleito. Compete, assim, ao Tribunal da Relação analisar toda a prova requerida, formando a sua própria convicção, que deverá fundamentar devidamente. Conforme resulta das presentes alegações o acórdão recorrido pouco ou nada refere quanto à análise da prova cuja reapreciação se solicitou e raras vezes toma uma posição própria relativamente aos factos cuja reapreciação lhe foi pedida. Efetivamente, a reapreciação da prova que compete à Relação, deve ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da Ia instância em matéria de facto.

V - Tendo a recorrente indicado os depoimentos em que funda a sua pretensão de alteração da matéria de facto, tendo inclusivamente transcrito o teor desses testemunhos, caberia ao tribunal proceder a uma análise e observação deles e de outros elementos probatórios, para formar a sua própria convicção, indicando, com o detalhe possível, as razões e elementos de tal convencimento. Ou seja, deveria o Tribunal a quo realizar um exame crítico, concreto e pontual dos meios de prova invocados pela recorrente. Deveria inclusivamente, se o considerar necessário, de forma oficiosa, atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

VI - Da análise do douto acórdão recorrido resulta um incumprimento generalizado do dever de reapreciação da prova - o qual por vezes até culmina, efetivamente, com a omissão de pronúncia.

VII - No que concerne ao facto n.º 8 consta-se que o Tribunal a quo nada diz sobre a reapreciação da prova que seria a análise do teor dos documentos indicados pela recorrente, pois em vez de apreciar a prova e discordar, fundamentadamente, ou não da posição da recorrente, parte da premissa de que "O que está provado é a remuneração base" para concluir que o facto não está mal redigido. O Tribunal a quo nem analisou os documentos apontados pela recorrente, os quais são a única prova nos autos sobre tais factos. Das duas uma: ou os documentos foram valorados e nesse caso teria o Tribunal a quo de dizer as razões pelas quais se afasta do que é referido nos recibos em causa – o que não é referido pelo Tribunal a quo - ou este entende que tais recibos não são aptos a tal prova e, nesse sentido, o facto em causa - facto n.º 8 - teria se ser considerado não provado, já que o mesmo assenta, exclusivamente, nos aludidos recibos.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá o mesmo [ser] considerado nulo, nulidade esta que, aqui, expressamente se invoca.

VIII - Relativamente à reanálise do facto n.º 9, o Tribunal a quo, mais uma vez, não reapreciou, como era sua obrigação, nenhuma da prova cuja reapreciação foi solicitada, não tendo analisado o teor de quaisquer declarações que a recorrente indicou - depoimentos, não contraditados, das testemunhas - Dr. DD, Senhor EE, Senhor Arq. FF.

Ora, salvo o devido e merecido respeito, o Tribunal a quo nada diz, pois, em vez de apreciar a prova e discordar, fundamentadamente, ou não, da posição da recorrente, transcreve o mero parágrafo referido na douta sentença - da qual se recorria - e afirma que, assim sendo, nada há a alterar.

A resposta dada pelo Tribunal a quo neste, e noutros factos, é vaga, imprecisa e não é legítima, porquanto com a sua argumentação furta-se a formar a sua opinião convicção, não reapreciando, como devia, as provas que lhe foram apresentadas e nas quais assentou a parte impugnada da decisão.

Efetivamente, como é sabido, ao Tribunal a quo exige-se uma tomada de posição própria sobre os factos dados como provados ou a provar.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente, se invoca.

IX - Já relativamente à apreciação do facto n.º 23 a recorrente por não concordar com o que resultava provado relativamente a este facto no que concerne às expressões "(...) em número de horas não concretamente apurado,  mas sempre superior a 40 horas semanais" entendeu recorrer do mesmo, demonstrando, de forma aritmética, que o Tribunal de 1.ª Instância se tinha enganado nas contas.

O Tribunal a quo, mais uma vez, furtou-se à análise da prova requerida - como era seu ónus - em vez analisar o teor da mesma, tenta afastar a sua apreciação dizendo que tal documento não serve para definir o tempo de trabalho, dizendo logo de seguida, exatamente, o contrário isto é que o mesmo demonstra o tempo de trabalho. O que é certo é que o Tribunal a quo não apreciou o teor dos únicos documentos que serviram de base à sua decisão.

Ainda que, por hipótese, se viesse a entender que o Tribunal a quo entendeu que os documentos indicados pela recorrente não deverão ser valorados, ainda assim tal conclusão contradiz, claramente, a fundamentação da 1.ª Instância porquanto esta apenas baseia a prova do trabalho de valor superior a 40 horas nos exatos mesmos recibos que o Tribunal a quo considera nada valerem para o efeito. Isto é, ou o Tribunal a quo considera que os recibos de nada valem para a prova do tempo do trabalho e dá como não provado o facto dos recorridos não trabalharem mais de 40 horas mensais - já que o ónus da prova é destes - ou considera tais recibos válidos e, efetuando o devido cálculo aritmético, verifica, claramente, que estes não trabalhavam mais de 40 horas mensais, sendo que, qualquer um dos raciocínios lógicos tem sempre como conclusão o facto de ser expurgando do facto provado n.º 23 a alusão a que os recorridos efetuavam mais de 40 horas mensais de trabalho.

Assim sendo, afirmando o Tribunal a quo - numa das duas interpretações que se poderão retirar da sua "fundamentação" que tais documentos - recibos - demonstram o tempo de trabalho, dúvidas não temos que quanto a este ponto o douto acórdão é nulo, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 c) do NCPC ex vi artigo 666.º n.º 1 NCPC, porquanto se tal acontece a fundamentação da douta decisão é contrária com a mesma, já que se se admite que tais documentos são aptos a demonstrar o tempo de trabalho e se da análise dos mesmos resulta que os recorridos nunca fizeram mais de 40 horas de trabalho mensais, ter-se-ia de responder afirmativamente à pretensão da recorrente, expurgando do segmento decisório que os recorridos faziam mais de 40 horas semanais.

X - Mas não é só, já que a recorrente nas suas alegações referiu quanto a este facto n.º 23 que, tal como já tinha referido nas contestações por si apresentadas, que resulta do disposto no 337.º n.º 2 do Código do Trabalho, que o trabalho suplementar prestado pelos recorridos no período anterior aos 5 anos após estes terem apresentado a presente ação em juízo - no dia 7 de fevereiro de 2013 - só poderia vir a ser comprovado através de um documento idóneo.

Ora, relativamente a este ponto, mais uma vez, o Tribunal a quo olvidou reapreciar este facto com base nesta alegação, não tendo quanto à mesma dito uma única palavra. Não reapreciou, nem sequer tentou fundamentar qualquer decisão relativamente a este ponto.

Até porque, se o Tribunal a quo entender que os recibos de vencimento nada valem para efeitos de prova de tempo de trabalho, como bem se compreenderá, terá, obviamente, se considerar tais recibos como documentos não idóneos e por isso teria de considerar, para efeitos do disposto no artigo 337.º n.º 2 do Código de Trabalho que não existiu qualquer trabalho superior a 40 horas - trabalho suplementar - por parte dos recorridos até 7 de fevereiro de 2008.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 615.º n.º 1 c) ex vi artigo 666.º n.º 1, 640.º e 662.º, todos do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente se invoca.

XI - No que concerne à reanálise do facto n.º 29 a recorrente, por não concordar com a redação do facto provado n.º 29, impugnou o mesmo com base nos documentos juntos aos autos, mormente o documento 2 das contestações apresentadas - recibos de vencimento.

O Tribunal a quo entendeu não reapreciar o facto n.º 29 afirmando que a expressão que a recorrente pretendia colocar no aludido facto é conclusiva - que não é - pelo que não apreciou qualquer prova relativamente a este facto como era sua obrigação. Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta esta que, aqui, expressamente se invoca.

XII - Relativamente à reanálise do facto n.º 33 a recorrente, por não concordar com a redação deste artigo solicitou ao Tribunal a quo a reapreciação de tal facto, com base no próprio depoimento de parte da recorrida que referiu aos 8 minutos de 37 segundos, no seu depoimento, que tal facto teria ocorrido dia 21 ou 22 de março de 2012, inexistindo qualquer outra prova em contrário sobre tal facto.

Acontece que, o Tribunal a quo entendeu não reapreciar tal matéria com fundamento que se a aposição nos factos provados do dia 21 ou 22 de março nada serviria porquanto continuaria a ser uma data indeterminada, pelo que entendeu, de modo próprio e à revelia do disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC não reapreciar tal facto.

Ora, como é compreensível para qualquer bonus pater famil[as] não é igual dizer-se que um facto ocorreu numa data indeterminada no mês de março ou que tal facto ocorreu entre o dia 21 e de 22 de março, tendo tal apreciação por parte do Tribunal a quo influência na análise da caducidade do direito dos recorridos de rescindirem, com justa causa, o seu contrato de trabalho.

Pelo exposto, o douto acórdão violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente se invoca.

XIII - Já relativamente à reapreciação do facto n.º 34 a recorrente, por não concordar com o que resultava provado neste facto alertou o Tribunal a quo prova testemunhal constante dos autos era clara quanto a este facto, já que as duas testemunhas presentes aquando dessa discussão referiram este facto claramente, sendo as testemunhas: Dr. DD e Senhor Arq. FF. Acontece que, mais uma vez, o Tribunal a quo, sem qualquer justificação, não faz qualquer análise da prova cuja reapreciação é solicitada pela recorrente, limitando-se a dizer que embora a sentença refira tal expressão o Tribunal de 1.ª Instância não teria ficado tão convencido disso, razão pela qual não teria aposto tal expressão nos factos provados.

Ora, como é sabido e tal como supra já tivemos oportunidade de referir com mais profundidade, o que se pretende quando se pretende efetuar a reapreciação da prova é saber qual é a posição do Tribunal a quo quanto a essa reapreciação e não saber qual é a posição da sentença da qual já se recorre.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente, se invoca.

XIV - No que concerne ao facto n.º 35 a recorrente, por não concordar, com o que  resultava provado neste facto, solicitou ao Tribunal a quo a sua reapreciação, já que entendia que do teor da discussão a que alude o facto n.º 34 e tal como resultava já dos depoimentos das testemunhas Dr. DD e Senhor Arq. FF, demonstrava-‑se, sem qualquer dúvida, que durante essa discussão o Arq. FF teria informado que a recorrida deixaria de exercer as funções de chefia, sendo que isso mesmo já se depreendia do teor da douta sentença da qual se recorreu.

Acontece que, o Tribunal a quo, embora refira que o depoimento da testemunha - que não indica qual é - vai no sentido defendido pela recorrente, acaba por não tirar qualquer conclusão disso, não alterando a matéria de facto provada e não procedendo, como era sua obrigação, à reapreciação da prova, não se pronunciando sobre uma questão que lhe foi suscitada, o que, de per se, é fundamento da nulidade do douto acórdão de que, ora, se recorre, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 d) ex vi artigo 666.º n.º 1, todos do NCPC.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 615.º n.º 1 d) ex vi artigo 666.º n.º 1, 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente, se invoca.

XV - Já relativamente à reanálise do facto n.º 38 a recorrente, por não concordar, com o que resultava provado neste facto, solicitou ao Tribunal a quo a sua reapreciação.

O Tribunal a quo terá feito tal reapreciação, já que concluí que "Assim, altera-se em conformidade o n.º 38".

Contudo, por tal não ser referido no douto acórdão recorrido, desconhece-se os moldes em que tal alteração terá sido efetuada, já que do rol dos factos provados que resultam a reapreciação da prova e que constam das páginas 13 a 22 do douto acórdão, não resulta que o facto n.º 38 tenha sofrido qualquer alteração, mantendo-se o mesmo na redação inicial. Tal situação poderá, contudo, dever-se a lapso, o que à cautela se admite.

Contudo não pode a recorrente deixar de dizer que tal reapreciação, embora supostamente realizada não consta dos autos, pelo que, à cautela, entende que tal reapreciação não foi efetuada, o que determinada a nulidade do douto acórdão por essa mesma razão, nos termos do disposto nos artigos 615.º n.º 1 d) ex vi artigo 666.º n.º 1 e 640.º e 662.º, todos do NCPC.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 615.º n.º 1 d) ex vi artigo 666.º n.º 1, 640.º e 662.º, todos do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente, se invoca.

XVI - No que concerne à reanálise do facto n.º 40 a recorrente por não concordar com que resultava provado relativamente a este facto entendeu recorrer do mesmo, demonstrando, que tal facto deveria ser reapreciado à luz, quer à luz do depoimento de parte da recorrida que, claramente, o afirmou, quer da prova que a recorrente tinha referido relativamente ao facto n.º 23 e da qual se conclui que não existiu qualquer trabalho para além das 40h semanais.

O Tribunal a quo, mais uma vez, não faz a reapreciação da prova solicitada, não apreciando os depoimentos referidos pela recorrente, limitando-se a apreciar o que a recorrida tinha dito em sede de depoimento de parte.

A verdade é que competia ao Tribunal reapreciar todos os elementos de prova cuja reapreciação foi solicitada pela recorrente para poder tomar, com consciência, uma decisão relativamente a este facto, o que este, salvo melhor opinião, não fez, não analisando nenhum dos depoimentos das testemunhas indicadas pela recorrente.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 640.º e 662.º do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente, se invoca.

XVII - A recorrente solicitou, ainda, ao Tribunal a quo a reapreciação do facto constante do ponto 13 das suas alegações, por não concordar com a decisão relativamente a este facto.

O Tribunal a quo terá feito tal reapreciação, já que conclui o seguinte: "o mais que se podia dar como provado, e quanto a este aspeto, é que os AA. assinaram os recibos onde consta aquela declaração”. Contudo, tal alteração da matéria de facto, cujos moldes concretos se desconhecem, não consta do rol dos factos provados que resultam a reapreciação da prova e que constam das páginas 13 a 22 do douto acórdão. Tal situação poderá, contudo, dever-se a lapso, contudo, à cautela, não pode a recorrente deixar de dizer que tal reapreciação, embora supostamente realizada, não consta dos autos, razão pela temos de concluir que o Tribunal a quo não apreciou a questão que lhe foi suscitada, o que determinada a nulidade da douta decisão violação do disposto nos artigos 615.º n.º 1 d) ex vi artigo 666.º n.º 1, 640.º e 662.º, todos do NCPC, nulidade esta que, aqui, expressamente se invoca.

XVIII - A recorrente solicitou, ainda, ao Tribunal a quo a reapreciação do facto constante do ponto 14 das suas alegações. A recorrente, por não concordar com a decisão relativamente a este facto, solicitou ao Tribunal a quo a sua reapreciação à luz do depoimento da testemunha GG. De facto, o Tribunal a quo refere que do depoimento da testemunha em causa resulta que o A., aqui recorrido, disse ao Arq. FF que não ia aceitar ficar com quaisquer cargos de chefia na R., discordando, apenas, da parte em que é referido pela recorrente, "por solidariedade com a A.", já que entendeu tal facto como sendo uma "recusa por desafio.". Ora, não há dúvidas para o Tribunal a quo que tal facto - "Que o A. tivesse dito a FF que não ia aceitar ficar com quaisquer cargos de chefia na R.” - ocorreu, aceitando-se que este até entenda tal facto como sendo por desafio, contudo, face a tal posição sempre teria este de considerar como provado o seguinte facto que não questiona: "Que o A. tivesse dito a FF que não ia aceitar ficar com quaisquer cargos de chefia na R., por solidariedade com a A." já que tal facto, independente da razão pela qual ocorreu poderá revestir relevância quanto a apreciação dos fundamentos da justa causa da rescisão por parte do recorrido. De facto, o Tribunal a quo ao não tomar uma decisão sobre o aditamento ao rol dos factos provados do facto supra referido, ainda que expurgando a menção "por solidariedade com a A", violou a sua obrigação de pronunciar-se sobre as questões que devia apreciar, bem como, concretamente, deixou de reapreciar a matéria de facto, em violação do disposto nos artigos 615.º n.º 1 e), 640.º e 662.º do NCPC ex vi artigo 666.º n.º 1 do NCPC.

Pelo exposto, a douto acórdão violou o disposto nos artigos 615.º n.º 1, 640.º e 662.º ex vi artigo 666.º n.º 1, todos do NCPC e, em consequência, deverá ser considerado nulo o acórdão recorrido, nulidade esta que, aqui, expressamente se invoca.

XIX - Como já se teve oportunidade de referir supra a recorrente entende que o Tribunal a quo não reapreciou, tal como era sua obrigação, a questão suscitada pela recorrente nas suas alegações de recurso relativa à exceção de caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho pelos recorridos, com todos os efeitos que tal falta de reapreciação tem em todo o segmento decisório, mormente no que concerne à apreciação da justa causa de cessação do contrato de trabalho por parte dos recorridos.

No que concerne a esta questão jurídica - relativa à caducidade - entende-se, tal como já ocorria relativamente à análise da reapreciação da matéria de facto que o Tribunal não exerceu o seu dever de reapreciar esta questão jurídica, apenas o tendo feito de forma meramente formal, pois, concretamente, para além de um conjunto de citações da douta sentença apenas é referido no douto acórdão de forma inovatória o seguinte: "Assim, improcede esta exceção."

Olvidou, assim, o Tribunal a quo analisar as diversas questões (3) que lhe foram suscitadas nesta sede pela recorrente, as quais representam os diversos factos que, alegadamente, fundamentam a, alegada, justa causa dos recorrentes na rescisão dos seus contratos, factos estes que devem ser analisados um a um e não ser objeto de uma citação generalizada que nada diz, em concreto, relativamente aos mesmos. Ao agir como agiu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 608.º n.º 2 ex vi artigo 666.° do NCPC o que determina a nulidade do douto acórdão recorrido.

XX - A questão da existência ou não de abuso de direito por parte dos recorridos aquando da sua rescisão com justa causa do contrato de trabalho, tal como supra já foi referido, apenas foi apreciada pelo Tribunal a quo e não pelo Tribunal de 1.ª Instância, o qual nada referiu relativamente a este ponto.

XXI - A esta questão […] o Tribunal a quo respondeu, lapidarmente, de forma negativa. Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não fez a correta interpretação do disposto no artigo 334.º do Código Civil, já que o mesmo, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo não tem em vista analisar se o trabalhador tem ou não um direito que tem possibilidade de exercer, mas sim perceber se tal direito é exercido de forma abusiva ou não.

É que o Tribunal a quo, na sua sempre douta fundamentação, parece esquecer-se que a, alegada violação dos direitos por parte da recorrente e que na ótica do Tribunal da Relação fundamentam a justa causa da rescisão - que são, exclusivamente, as diuturnidades - ocorria desde, pelo menos, fevereiro de 2007 - vide facto provado n.º 43 -sendo que o que se questiona é porque razão é que os recorridos só passados 5 anos é que se lembraram de exercer o seu direito a rescindir contratualmente com fundamento no não pagamento das diuturnidades.

XXII - De facto, como tem sido decidido pela mais avisada jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nos casos em que são devidas prestações mensais a título de diuturnidades e pagamento de trabalho suplementar ou em dia de descanso compensatório o suplementar, caducam, a cada mês, o direito de, com fundamento nos mesmos, os trabalhadores virem resolver o seu contrato de trabalho com a alegação de justa causa.

XXIII                - Considerando o Tribunal a quo considera que a justa causa alegada pelos recorridos está justificada pelo não pagamento das diuturnidades que seriam devidas, pelo menos, desde fevereiro de 2007, temos, igualmente, de concluir que a inação dos recorridos relativamente à falta de pagamento desta retribuição ao longo de cinco anos criou, obviamente, na recorrente a perceção de que tal facto não seria fundamento para qualquer rescisão contratual, tanto mais que, como se disse, nunca os recorridos solicitaram à recorrente o pagamento dessas mesmas diuturnidades que, agora, lhes dizem ser devidas.

XXIV               - De referir que na esteira do recente douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça a falta de pagamento pontual de uma parte diminuta da retribuição não é fundamento para a rescisão com justa causa por parte de um trabalhador, já que para se atender à mesma sempre teria de resultar provado que esse mesmo não pagamento teve reflexos na vida do trabalhador, colocando-‑o numa situação de absoluta carência de meios económicos e que tal facto gerou transtornos sérios ou consequências nefastas para a sua vida pessoal e familiar de forma a que tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

XXV - Ora, palmilhando os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente a retribuição base dos recorridos na posição do mesmo, no ano de 2007 -ano em que, alegadamente, seriam devidas as primeiras diuturnidades - ser de € 1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros) e o facto das diuturnidades devidas nunca terem sido superiores a € 20,50 mensais, temos de concluir que as mesmas representavam no orçamento mensal dos recorridos a ínfima quantia percentagem de 1,22% (um virgula vinte e dois porcento).

Face ao exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, constitui abuso de direito a alegação dos recorridos de pretenderem rescindir o seu contrato de trabalho com fundamento no não pagamento de 1,22% da sua retribuição, facto este que ocorreu durante cinco anos, sem que os recorridos, por alguma vez, tenham interpelado a recorrente para o pagamento desses mesmos valores, já que com a sua atuação os recorrentes excedem claramente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social económico do direito que exerceram.

Pelo exposto, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil.

XXVI - De igual forma, embora o Tribunal a quo não tenha feito alusão a que tais factos seriam fundamento da rescisão contratual efetuada pelos recorrentes, à cautela sempre se dirá que pelas mesmas razões supra citadas não podem os recorridos pegar em 10 anos de relação laboral e dar início a um processo de queixas com base em comportamentos que ocorrerem ao longo dos anos, tendo, inclusive, já cessado à data em resolverem o seu contrato de trabalho - o suposto mas nem sequer provado - exercício de trabalho suplementar.

Conforme resulta provado dos autos os recorridos, ao longo de dez extensos anos e até finais de março de 2012, nunca interpelaram a recorrente para o pagamento de um cêntimo que fosse que estivesse em falta relativo ao seu contrato de trabalho, nunca alegaram a falta de pagamento de diuturnidades as quais, na sua ótica e tal como resulta do facto provado n.º 43 já seriam devidas há, pelo menos 5 anos, nunca solicitaram descansos compensatórios, nada, pura e simplesmente, nada.

Resultou, igualmente, provado - factos n.ºs 18 e 22.º - que os recorridos acumulavam funções, que aceitaram e acordaram o horário de trabalho que tinham, o qual, inclusive geriam com bem entendessem - facto n.º 23.º[.]

Resultou provado - facto n.º 25 - que competia à recorrida informar os escritórios sobre as faltas dadas de cada trabalhador, as horas de trabalho suplementar que faziam -incluindo as suas e as do recorrido - bem como competia à recorrida atribuir os descansos compensatórios a todos os trabalhadores da vacaria.

Ora, como é bom de ver os recorridos queixam-se de não lhes terem sido pagas horas de trabalho suplementar e descansos compensatórios que eram da responsabilidade da recorrida anotar e comunicar à recorrente. O que nunca fizeram, incompreensivelmente. Face ao supra exposto, temos de concluir que os recorridos atuam, mais uma vez, em abuso de direito, quando fundamentam a sua resolução do contrato de trabalho em factos que eram da sua responsabilidade comunicar - e que nunca comunicaram - sendo, igualmente, certo que esperaram, nada mais nada menos de, 10 anos para invocarem os mesmos.

Os recorridos formularam as seguintes conclusões:

1ª - Quanto à admissibilidade do recurso interposto, a Ré interpõe o presente recurso com incidência em várias matérias sobre as quais existe uma dupla conforme, nomeadamente quanto ao regime jurídico aplicável e à sua aplicação nos presentes autos, pelo que, de acordo com a jurisprudência invocada pela mesma e salvo melhor opinião, a ser admissível o presente recurso, o mesmo apenas poderia ter como objecto as concretas decisões relativas a cada um dos pontos da matéria de facto, constantes do douto acórdão recorrido.

2ª - Quanto ao[s] factos nºs 8 e 9, a Ré, pretendendo imputar uma omissão de fundamentação no douto acórdão a respeito deste facto, omite ela própria a fundamentação do acórdão a este respeita,  porquanto o mesmo explica claramente as razões pelas quais não é possível obter as considerações que a mesma pretende acerca da remuneração base.

3ª - Quanto ao facto nº 23, mais uma vez pretende a Ré considerar que o alegado facto de sujeitar os Autores, com a assinatura dos respectivos recibos de vencimento, a uma declaração sobre os direitos dos mesmos que visasse eliminar quaisquer dívidas para com estes, relativas a todo o período de trabalho anterior, o que o douto acórdão explica e fundamenta não ser possível, nomeadamente não servindo tal declaração para aferir o tempo trabalhado.

4ª - Quanto ao facto nº 29, como bem acautelou o douto acórdão recorrido, o que a Ré pretende é que o mesmo passe a ter uma redacção sujeita a interpretação da própria, de acordo com os entendimentos deste que se manifestaram errados ao longo do processo, bem se tendo decidido que tal não é admissível, o que não carece da análise da quaisquer outros argumentos relativos à prova produzida.

5ª - Quanto ao facto nº 33, a verdade é que as consequências que a Ré pretende retirar da sua alteração estão prejudicadas pelas considerações da douta sentença recorrida, já transitadas em julgado, acerca da caducidade, pelo que, de facto, como resulta do douto acórdão recorrido, para os presentes autos a data apontada pela Ré é tão indeterminada como a que resultou provada.

6ª - Quanto ao facto nº 34, como bem se refere no douto acórdão recorrido, trata- se de facto cuja prova resultou da livre convicção da Meritíssima Juíza em 1ª instância, sendo certo que não foi sequer alegado pela Ré nos termos em que esta pretende que tal facto seja consignado, pelo que improcede a argumentação da mesma a este respeito.

7ª - Quanto ao facto nº 35, a fundamentação do douto acórdão confirma a convicção do tribunal a quo em função da prova produzida, pelo que improcede a argumentação da Ré a respeito do mesmo.

8ª - Quanto ao facto nº 40, reitera-se aqui o alegado relativamente ao facto nº 23.

9ª - Quanto ao resto, todo o recurso interposto pela Ré trata de matéria que foi objecto de duas decisões conformes e cuja apreciação, salvo melhor opinião, não é admissível na presente sede, sendo certo que imputa ao acórdão recorrido omissões em que o mesmo não incorreu, nomeadamente quanto à caducidade do direito dos Autores.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a 2 ações comuns emergentes de contrato de trabalho intentadas em 06/02/2013, que acabaram por ser apensadas.

O acórdão recorrido foi proferido em 14/09/2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de outubro, entrada em vigor em 1 de janeiro de 2010.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão é nulo;

2 – Se o acórdão recorrido violou, em sede de reapreciação da prova, o disposto nos artigos 640.º e 662.º do CPC.

3 – Se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que não caducou o direito a resolver os contratos de trabalho com base na falta de pagamento das diuturnidades;

4 - Se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que a falta de tal pagamento era consubstanciadora de justa causa para a resolução dos contratos de trabalho pelos AA;

5 - Se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que os AA. não agiram em abuso de direito.

5 - FUNDAMENTAÇÃO

5.1 – QUESTÃO PRÉVIA

Invoca a recorrente que a Relação apesar de ter alterado a decisão da 1ª instância relativamente ao facto nº 38, não introduziu no elenco dos factos provados a nova redação, admitindo que tal poderá ter sido devido a lapso.

A 1ª instância dera como provado o seguinte:

«Mais lhes foram retiradas as chaves do veículo da empresa que utilizavam, passando os AA. a ter de se descolar apeados na exploração.»

A Relação, apreciando a impugnação deduzida, decidiu:

«Em relação ao carro, deu-se por provado que os AA. ficaram apeados. Cremos que a este respeito, e dúvidas não havendo que os AA. ficaram sem as chaves do carro, apenas podemos afirmar o que foi alegado na p.i.: passaram a deslocar-se pelos seus meios (art.º 35.º), não querendo isto dizer que tivessem ficado privados da utilização do carro da R.. Este é um dos meios que os AA. podiam usar. Assim, altera-se em conformidade o n.º 38».

Como daqui se vê, a alteração decidida confinou-se ao termo “apeados” que foi substituído pela expressão “pelos seus meios”.

Em consequência, no acórdão e no elenco dos factos provados, o facto 38º passou a ter a seguinte redação:

«Mais lhes foram retiradas as chaves do veículo da empresa que utilizavam, passando os AA. a ter de se descolar pelos seus meios na exploração.»

 É, assim, patente a inexistência de qualquer lapso na consignação do facto nº 38º.

5.2 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

1º A A. foi admitida ao serviço da R., por contrato de trabalho a termo certo, com efeitos desde 11 de Fevereiro de 2002 a 10 de Agosto de 2002, para exercer funções como ..., nas instalações da R. sitas na Herdade do ..., ..., tendo-se então estipulado que a A. “prestaria um horário de 40 horas semanais distribuídas de forma flexível, consoante os horários inerentes à função que ocupa” e que a R. poderia “ (…) fixar horário seguido, bem como alterar o horário de trabalho quando o interesse da empresa o exigir (...), com a retribuição base mensal de € 1.050,00, acrescida de € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho prestado. (vide doc. de fls. 27 e 27v do apenso A).

2º O A. foi admitido ao serviço da R., por contrato de trabalho a termo certo, com efeitos desde 1 de Agosto de 2002 a 31 de Janeiro de 2003, para exercer funções como …, nas instalações da R. sitas na Herdade do ..., ..., tendo-se então estipulado que a A. “prestaria um horário de 40 horas semanais distribuídas de forma flexível, consoante os horários inerentes à função que ocupa” e que a R. poderia “ (...) fixar horário seguido, bem como alterar o horário de trabalho quando o interesse da empresa o exigir (...), com a retribuição base mensal de € 1.050,00, acrescida de € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho prestado. (vide doc. De fls. 26 e 26v do I Vol. dos autos principais).

3º Os AA. continuaram a desempenhar funções ao serviço da R. de forma ininterrupta e até ao dia 30 de Abril de 2012, data em que comunicaram à R. a resolução do respectivo contrato, por carta recebida no mesmo dia, o seguinte:

“... estava obrigada a cumprir um período normal de trabalho semanal de 40 horas.

Porém desde a data da admissão até ao final do mês de Março de 2012, a empresa sempre impôs à trabalhadora o cumprimento de um horário de trabalho de 11 dias consecutivos de prestação trabalho, com um período diário muitas vezes superior a 8 horas de trabalho, seguido de 3 dias de descanso, violando assim a obrigação de conceder um período de descanso em cada semana, sendo certo que jamais lhe pagou, por esse facto, qualquer retribuição correspondente a trabalho suplementar ou a trabalho prestado em dias de descanso semanal, concedendo-lhe apenas um dia de descanso compensatório no termo de 11 dias consecutivos de trabalho.

A empresa jamais pagou à trabalhadora as diuturnidades a que esta tem direito nos termos da convenção colectiva de trabalho aplicável.

(...)

A trabalhadora vinha exercendo, desde a data da admissão, funções de chefia dos demais trabalhadores da empresa, embora nunca lhe tivesse sido paga qualquer retribuição complementar pelo exercício dessas funções, que a trabalhadora acumulava com as funções próprias da sua categoria de ....

A trabalhadora e o seu marido sempre utilizaram, a título permanente, nas suas deslocações em serviço no interior e no exterior da herdade, bem como nas deslocações pessoais no interior e exterior da herdade, nomeadamente para as deslocações entre a sua residência e os locais onde exercem funções, bem como para deslocações de carácter particular às povoações da região, uma viatura automóvel que lhes foi entregue para esse efeito.

No princípio do corrente mês de Abril, a trabalhadora foi informada pelo gerente da empresa de que iriam ser atribuídos aumentos salariais a dois trabalhadores da empresa.

Por considerar que esses aumentos eram discriminatórios, quer em relação a si própria e ao seu marido, quer em relação a uma outra trabalhadora, manifestou ao gerente a sua discordância dessa discriminação, tendo reclamado a atribuição de actualização salarial a uma outra trabalhadora mais antiga, bem como a si própria e ao seu marido, bem como o cumprimento do contrato nas matérias acima mencionadas em relação às quais o mesmo não vinha sendo cumprido.

Reclamou, igualmente, o pagamento do trabalho suplementar sistematicamente prestado em dias normais de trabalho, especialmente para assistência ao parto das vacas, predominantemente em trabalho nocturno, correspondentes a esse trabalho suplementar.

Alguns dias depois o gerente informou-a e ao seu marido de que:

a) Deixaria de exercer funções de chefia que vinha exercendo desde o início e passaria a exercer unicamente as funções técnicas correspondentes à categoria de ...;

b) Ficaria, bem como o seu marido, privados, a partir daí, do uso do veículo da empresa que lhe estava distribuído, passando a deslocar-se pelos seus meios;

c) Ficariam privados a partir daí do subsídio denominado prémio de quantidade de leite, no montante mensal de € 310,00, que vinham auferindo desde há vários anos;

d) A empresa não reconhecia o direito ao pagamento de trabalho prestado em períodos de descanso semanal e à concessão dos respectivos descansos compensatórios;

e) A empresa não reconhecia o direito ao pagamento de qualquer retribuição a título de diuturnidades, uma vez que, alegadamente, as diuturnidades estavam integradas na retribuição que vinham auferindo;

f) Passariam a cumprir um horário de trabalho de 2ª a sábado às 12 horas, mas a empresa não pagaria qualquer remuneração correspondente ao trabalho prestado em período de trabalho semanal;

g) A empresa não reconhecia o direito ao pagamento do trabalho suplementar prestado em dias normais de trabalho, nem à concessão dos respectivos descansos compensatórios.

A empresa concretizou todas as alterações e manteve as recusas acima mencionadas.

Acresce que a empresa, em algumas situações, não dispõe de condições mínimas de higiene, segurança e saúde no trabalho, não obstante as reiteradas chamadas de atenção para esse facto.

Tal comportamento da empresa integra a previsão do disposto nas alíneas a), b), d), e) e f) do nº 2 do artigo 394º do CT, constituindo pela sua gravidade e consequências, justa causa de resolução do contrato de trabalho (...)

Termos em que resolve o contrato com efeitos imediatos (…), reclamando o pagamento das seguintes prestações (...)”. – ( vide fls. 28 a 32 do apenso A em tudo idêntica à do A. junta a fls. 27 a 31 do Vol. I dos autos principais).

4º A R. respondeu os AA. através de carta subscrita pelo seu advogado, datada de 17 de Maio de 2012 e recepcionada por estes, informando que as quantias em dívida pela cessação do respectivo contrato estavam disponíveis para pagamento nas instalações da R. – vide doc. de fls. 348 a 350 do II vol. dos autos principais e de fls. 351 a 353 do II vol. do apenso A).

5º A R. deduziu no valor devido aos AA. a título de férias, subsídio de férias, proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal vencidos até 30 de Abril de 2012, a quantia individual de € 3420,00 por indemnização por falta de aviso prévio na cessação do contrato dos AA., não tendo a quantia remanescente liquidada para cada um dos AA. em € 162,70, sido por estes levantada – cfr. recibos de fls. 358 do II vol. do apenso A e de fls. 354 do II vol. dos autos principais.

6º A R. tem como actividade comercial principal a exploração agro-pecuária e a comercialização de produtos agro-pecuários tendo sido constituída em 29.06.1999 – fls. 213 e ss do II vol. dos autos principais.

7º Essa exploração da Herdade do ..., em ..., não encerra o funcionamento, produzindo leite para venda todos os dias.

8º A partir de 1 de Janeiro de 2003 a 31 de Dezembro de 2003 a retribuição base dos AA. passou a ser de € 1.225,00, sendo de € 1600,00 desde então até 31 de Dezembro de 2004, de € 1640,00 até 31 de Dezembro de 2005, de € 1680,00 até 31 de Dezembro de 2007 e desde 1 de Janeiro de 2008 até ao final do contrato de € 1.710,00.

9º Desde 1 de Abril de 2005 que os AA. passaram a auferir um acréscimo remuneratório denominado como Prémio de Quantidade de leite, no montante de € 300,00, que passou a ser de € 310,00 a partir de Janeiro de 2008, auferido catorze vezes por ano, o qual foi unicamente atribuído às chefias da exploração.

10º Os AA. não trabalharam onze dias no ano de 2002 por estarem em gozo de férias, em período não apurado.

11º A A. não trabalhou, por estar em gozo de férias:

De 1.09.2003 a 30.10.2003

De 1.07.2004 a 30.07.2004

De 1.07.2005 a 31.07.2005

De 22.12.2006 a 31.12.2006

De 1.01.2007 a 28.01.2007

De 1.07.2008 a 31.08.2008

De 1.07.2009 a 31.07.2009

De 1.08.2010 a 31.08.2010

De 1.08.2011 a 31.08.2011.

12º A A. não trabalhou, por estar de baixa por doença entre: 10.07.2006 e 31.07.2006, de 9.09.2007 a 4.11.2007, de 6.04.2009 a 30.04.2009.

13º A A. não trabalhou, por estar de licença de maternidade entre:

1.08.2006 e 31.10.2006 e entre 16.01.2010 a 15.05.2010. (vide doc. de fls. 250 do apenso B, I vol.).

14º O A. não trabalhou, por estar em gozo de férias, nos seguintes períodos:

De 1.09.2003 a 30.09.2003

De 1.07.2004 a 30.07.2004

De 1.07.2005 a 31.07.2005

De 1.07.2006 a 31.07.2006

De 1.08.2007 a 31.08.2007

De 1.07.2008 a 31.07.2008

De 1.07.2009 a 31.07.2009

De 1.08.2010 a 31.08.2010

De 1.08.2011 a 31.08.2011.

15º O A. não trabalhou por estar de baixa por doença entre 5.11.2008 a 8.12.2006 e entre 3.11.2010 e 19.11.2010.

16º O A. não trabalhou por estar em gozo de licença parental entre 1.08.2006 a 22.08.2006 e entre 18.01.2010 a 22.01.2010, de 25.03.2010 a 29.03.2010, de 1.05.2010 a 31.05.2010, de 1.06.2010 a 14.06.2010 (fls. 352 do II vol. dos autos principais).

17º Os AA. não gozaram férias no ano de 2012.

18º Desde o início das suas funções que o A. ficou responsável pela sala de ordenhas e a A. poucos meses depois de iniciar funções para a R., passou a ser a Chefe geral da vacaria.

19º Os AA., assim como o seu agregado familiar, habitavam numa residência cedida pela R., situada na Herdade onde trabalhavam.

20º Os AA. trabalhavam onze dias consecutivos, de Terça a Sexta-feira, folgando de Sábado a Segunda-feira.

21º Quando foi admitida a A. trabalhava de Segunda a Sábado de manhã, folgando o período da tarde de Sábado e o Domingo, horário que cumpriu por período não apurado, sendo que já praticava o referido em 20º quando o A. entrou ao serviço da R.

22º O horário que os AA. cumpriam foi aceite pelos mesmos.

23º Os AA. praticavam um horário diário que geriam em conformidade com as necessidades da exploração, em número de horas não concretamente apurado, mas sempre superior a 40 horas semanais.

24º O A. como chefe da sala de ordenha estava incumbido de gerir o trabalho dos outros trabalhadores dessa sala, reportando perante a A., enquanto chefe geral da vacaria.

25º Era da responsabilidade da A., informar a escriturária HH, que trabalhava nos escritórios da exploração, sobre: as faltas dadas pelos trabalhadores, incluindo as suas e as do seu marido, quais as horas de trabalho suplementar de cada um dos trabalhadores, incluindo as suas e as do A.

26º A R. pagava aos AA. como “remuneração hora extra a 100%” os dias feriados em que os mesmos trabalhavam.

27º Os AA. assinaram todos os recibos de vencimento emitidos pela R., tendo-lhe sido pagos todos os valores nos mesmos discriminados.

28º Pelo facto de praticarem o horário referido e de trabalharem aos Sábados e aos Domingos a R. não lhes pagou qualquer acréscimo salarial e nem lhes proporcionou qualquer dia de descanso suplementar remunerado.

29º Desde Abril de 2004 que os recibos de vencimento dos AA. passaram a mencionar uma rubrica de remuneração normal + diuturnidades, sem discriminar as respectivas parcelas.

30º Os AA. sempre utilizaram um veículo cedido pela R. para as suas deslocações em serviço e que estava à sua guarda e na disponibilidade dos mesmos, apesar de ser também partilhado por outros trabalhadores da R., que eram pelos AA. transportados.

31º A A., enquanto responsável pela vacaria da R., não estava subordinada a qualquer outro trabalhador, mas reportava ao então gerente da vacaria da R., o … FF.

32º A A. era a responsável por atribuir os descansos compensatórios a todos os trabalhadores da vacaria.

33º Em data não apurada do mês de Março de 2012 a A. interpelou o então gerente da R. FF quanto a aumentos salariais que deveriam ser efectuados relativamente a certos trabalhadores.

34º Nessa sequência gerou-se uma discussão entre ambos, tendo a A. reclamado para si e para o marido aumentos salariais, mais referindo que o trabalho que os AA. prestavam não era pago, nem compensado de acordo com a lei e que os mesmos prestavam trabalho suplementar e trabalho nocturno jamais remunerado, para assistência ao parto de vacas, sendo que as diuturnidades a que tinham direito também nunca foram processadas, o que não teve aceitação do referido gerente, que referiu que a próxima pessoa a ser aumentada seria o Eng. II mas não os AA.

35º Dias depois, FF decidiu que a A. deixaria de exercer as funções de chefia tendo, alguns dias depois, informado a mesma que passaria a cumprir o horário de 2ª às 12h de sábado, sem qualquer acréscimo remuneratório.

36º FF convidou o A. para substituir a mulher naquelas funções de chefia, o que este viria a declinar.

37º No entanto o novo horário referido foi também imposto ao A., que assim como a A. deixou no mês de Abril de 2012, de auferir o designado prémio mensal de € 310,00 que até então lhes era pago.

38º Mais lhes foram retiradas as chaves do veículo da empresa que utilizavam, passando os AA. a ter de se descolar pelos seus meios na exploração.

39º Os AA. passaram a estar subordinados ao Eng. II.

40º Desde que foram admitidos ao serviço da R. e até 31 de Março de 2012, os AA. trabalharam a solicitação da R., aos sábados e aos Domingos, com excepção dos dias correspondentes às suas folgas e dos períodos de férias e demais ausências ao trabalho, nos termos referidos, prestando em tais dias para a R. um número de horas de trabalho não concretamente apurado, sem que a R. lhes atribuísse qualquer outro período de descanso, nada aos AA. tendo pago para além da retribuição mensal descrita, por tais horas prestadas.

41º No período compreendido entre 1 de Abril a 30 de Abril de 2012, os AA. trabalharam quatro sábados, até 12h00, num número de horas não apurado, sem que a R. lhes tivesse pago qualquer acréscimo salarial.

42º Às relações laborais dos trabalhadores da R. é aplicável a CCT celebrada entre a Associação dos Agricultores de Évora e outras (BTE nº 29 de 8.08.2002, por força da PE publicada no BTE 45/2002).

43º De 11.02.2007 a 31.12.2008 a A. deveria ter auferido a primeira diuturnidade mensal no valor de € 17,00, sendo de 1.01.2009 a 19.08.2011 no valor de € 20,00 e a partir de 20.08.2011, no valor de € 20,50, completando a segunda diuturnidade em 11.02.2012.

44º De 1.08.2007 a 31.12.2008 o A. deveria ter auferido a primeira diuturnidade mensal no valor de € 17,00, sendo de 1.01.2009 a 19.08.2011 no valor de € 20,00 e a partir de 20.08.2011, no valor de € 20,50.

5.3 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

5.3.1 – Se o acórdão é nulo.

Na tese da recorrente as nulidades arguidas consistem no facto da Relação não se ter pronunciado sobre o regime jurídico aplicável, ter incumprido o dever de reapreciação da prova e não ter apreciado a exceção da caducidade do direito à resolução do contrato.

Nas alegações que produziu na apelação consigna a recorrente: “Como bem refere o Tribunal a quo, na sua douta sentença, é aplicável in casu o contrato coletivo de trabalho, celebrado entre a Associação dos Agricultores de Évora e outras, que consta do BTE n.º 29, de 08-08-2002, por força da Portaria de Extensão publicada no BTE n.º 45/2002, com as subsequentes revisões, doravante, simplesmente, designado por CCT”.

Daqui se vê que a recorrente aceitou a decisão da 1ª instância no tocante ao regime jurídico aplicável, questionando apenas o horário de trabalho dos AA., defendendo que “estavam sujeitos a um horário especial de trabalho em regime livre, não estando, consequentemente obrigados a cumprir os períodos normais de trabalho a que faz alusão a cláusula 20.ª do CCT”, não tendo, por consequência, prestado qualquer trabalho suplementar, nem era devido qualquer descanso compensatório. Alega ainda ter pago aos AA. as diuturnidades devidas.

Daqui conclui pela inexistência de justa causa de resolução dos contratos.

No acórdão recorrido a Relação indica como questões a decidir:

«- excepção de caducidade do direito à resolução do contrato de trabalho pelos recorridos[;]

- o regime jurídico aplicável in casu  - página 75 a 76[;]

- da justa causa, ou falta dela, da resolução do contrato de trabalho por iniciativa dos recorridos[;] 

- do abuso do direito[;]

- da indemnização devida à recorrente por parte dos recorridos pela resolução do contrato de trabalho em justa causa.»

E acrescentou: «Por uma questão de clareza na exposição, consideraremos de início apenas três problemas elencados em primeiro, terceiro e quarto.»

Relativamente à segunda questão «o regime jurídico aplicável in casu», depois de se debruçar sobre aqueles «três problemas», e de ter concluído que o direito de resolução dos contratos não tinha caducado, que o não pagamento das diuturnidades constituía, por si só, justa causa de resolução do contrato e que os AA. não agiram em abuso de direito, consignou-se no acórdão recorrido: «Em relação ao segundo problema, a recorrente coloca-o para justificar que não existe justa causa de resolução. Daí a análise que faz às diuturnidades, descanso complementar e trabalho suplementar para concluir que nenhuma destas situações pode integrar a dita justa causa.

Mas acima já se disse o que havia a dizer.»

Vê-se, assim que o tribunal “a quo” não omitiu pronúncia sobre a questão do regime jurídico aplicável.

Relativamente à omissão do dever de reapreciação da prova, importa referir que a Relação não estava obrigada a pronunciar-se e a tomar posição sobre todos os argumentos invocados pela recorrente. Como resulta dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2, do CPC, a Relação apenas tinha que apreciar as questões colocadas ou seja, a impugnação de todos e cada um dos factos que a apelante entendia mal julgados, criando a sua própria convicção, em consonância ou não com a pretensão e alegação da recorrente, não estando, sequer, adstrita aos meios de prova indicados por esta (art. 640º, nº 2, al. b) do CPC).

A recorrente impugnou a decisão da 1ª instância relativamente aos factos provados nºs 8, 9, 23, 29, 30, 33, 34, 35, 37, 38, 40, 41, bem como quanto aos factos não provados nºs 13, 14 e 15.

Como se vê do acórdão recorrido, a Relação pronunciou-se expressamente sobre todos e cada um desses factos impugnados, ainda que não enfrentando, como não tinha que enfrentar, todos os argumentos da recorrente, tendo mantido a decisão da 1ª instância com exceção do facto 38, como referenciámos em sede de “questão prévia”.

É assim, claro, que não se verifica a apontada omissão de pronúncia.

Invoca finalmente a recorrente que o tribunal “a quo”, não apreciou a exceção da caducidade do direito à resolução do contrato.

Consignou-se no acórdão recorrido: “Diga-se, desde já, que concordamos com o decidido na 1.ª instância.

Transcreve-se este trecho da sentença:

«A excepção peremptória da caducidade invocada não se verificava, porque os factos consubstanciadores da justa causa invocada são factos continuados, que se mantinham na data em que foi cessado o contrato, pelo que a contagem do mencionado prazo de caducidade, apenas se iniciaria após o termo do comportamento infractor.

«Em face da factualidade assente, constata-se que, desde o início do respectivo vínculo laboral com a R. até à data da cessação do vínculo laboral, por iniciativa dos trabalhadores a R. nunca lhes pagou qualquer acréscimo salarial pelas horas de trabalho prestadas aos sábados e aos Domingos, nem lhes concedeu os correspondentes descansos compensatórios, sendo que não lhes pagou qualquer quantia a título de diuturnidades, que se venceu desde que os autores perfizeram cinco anos de antiguidade».

Cita, entre outros em abono desta tese, o ac. da Relação de Coimbra, de 13 de Dezembro de 2012, a que se pode acrescentar o da mesma Relação, de 10 de Fevereiro de 2011.

Neste último pode ler-se o seguinte:

«Tratando-se de um facto continuado, se se mantiver a omissão de pagamento da retribuição, então o tal prazo de trinta dias sobre o conhecimento dos factos que a fundamentaram (a que se refere o nº 1 do artº 442º do Código do Trabalho) só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução (v. a este propósito Ac. Rel. Évora de 21-3-1995, in BMJ 445-641 e Pedro R. Martinez, Direito do Trabalho, 2.ª edição, pag. 986, a propósito do artigo 34° nº 2 do DL 64-A/89; e, ainda, Albino Mendes Batista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª ed., pags. 35 e 36)».

Assim, improcede esta excepção.

Para além de reproduzir dois parágrafos da sentença da 1ª instância acrescentou parte do texto do acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Fevereiro de 2011.

Estabelece o art. 663º, nº 5 do CPC: “Quando a Relação entender que a questão a decidir é simples, pode o acórdão limitar-se à parte decisória, precedida de fundamentação sumária do julgado…”.

Não há assim dúvida que a Relação apreciou a questão da caducidade, indo até além do exigido no transcrito preceito.

5.3.2 – Se o acórdão recorrido violou, em sede de reapreciação da prova, o disposto nos artigos 640.º e 662.º do CPC.

A recorrente reedita a este propósito, no essencial, os argumentos que alinhara em sede de arguição das nulidades, invocando agora a violação do disposto nos arts. 640º e 662º do CPC.

Nos termos do art. 674º, nº 1, al. b) do CPC, a revista pode ter por fundamento a violação ou errada aplicação da lei de processo.

Estabelece o art. 640º do CPC:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Dispõe, por seu turno, o art. 662º, nº 1, do CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Como é referido na “exposição dos motivos” da Lei 41/2013 de 26.06 “…cuidou-se de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios…, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material.

Em sede de reapreciação da prova e tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação, o que importa é que a Relação forme a sua própria convicção com base nos meios de prova indicados pelas partes ou oficiosamente investigados (art. 640º, nº 1, al. b) e nº 2, al. b) do CPC), devendo, obviamente, fundamentar a decisão tomada (art. 607º, nºs 4 e 5 e 663º, nº 2, do CPC).

Vejamos então se a Relação procedeu ou não à reapreciação da prova formando a sua própria convicção.

Facto nº 8:

Vinha provado: “8º A partir de 1 de Janeiro de 2003 a 31 de Dezembro de 2003 a retribuição base dos AA. passou a ser de € 1.225,00, sendo de € 1600,00 desde então até 31 de Dezembro de 2004, de € 1640,00 até 31 de Dezembro de 2005, de € 1680,00 até 31 de Dezembro de 2007 e desde 1 de Janeiro de 2008 até ao final do contrato de € 1.710,00.”

Invocou a recorrente nas alegações da apelação que nenhuma das testemunhas se pronunciou sobre esta matéria sendo a única prova existente a documental, mais concretamente os recibos de vencimento.

Referiu a Relação:

«Em relação ao primeiro ponto, parece-nos que a recorrente pretende realçar a separação da retribuição base da acrescida das diuturnidades. Ao lado de uma remuneração base existem outras parcelas que com ela se não confunde. O que está provado é a remuneração base, não sendo correcto querer nesta incluir as diuturnidades, como parece ser o intuito da recorrente. Podemos, pois, dizer que os AA. auferiam uma determinada remuneração base (cujos valores, aliás, não estão em questão) a que acrescem as diuturnidades. Não vemos, assim, que o facto esteja mal redigido. Por isso se mantém.»

Resulta daqui que a Relação, embora não o tendo referido expressamente, analisou os documentos em causa e extraiu a sua própria conclusão ainda que coincidente com a da 1ª instância.

Facto nº 9:

Vinha provado que “Desde 1 de Abril de 2005 que os AA. passaram a auferir um acréscimo remuneratório denominado como Prémio de Quantidade de leite, no montante de € 300,00, que passou a ser de € 310,00 a partir de Janeiro de 2008, auferido catorze vezes em cada mês do ano, o qual foi unicamente atribuído às chefias da exploração.

Pretendia a recorrente que o facto fosse alterado e dado como provado que: “Desde 1 de Abril de 2005 que os AA. passaram a auferir um acréscimo remuneratório, variável,  denominado como Prémio de Quantidade de leite, cujo no montante máximo era de € 300,00, que passou a ser de € 310,00 a partir de Janeiro de 2008, auferido mensalmente, catorze vezes por ano, o qual foi unicamente atribuído às chefias da exploração.

 Daqui se vê que as alterações pretendidas limitavam-se à introdução das expressões “cujo no montante máximo” e “auferido mensalmente, catorze vezes por ano”.

Consignou-se no acórdão recorrido:

«Quanto ao segundo, a impugnação refere-se à expressão «catorze vezes em cada mês do ano» quando o que se quer dizer é catorze vezes por ano. Será corrigido este lapso. Refere-se também ao carácter variável desse prémio no sentido de que, sendo variável (por ter um valor máximo; é a alteração que a recorrente pretende), não integra a remuneração. Se integra ou não a remuneração será outro problema. Para já não há dúvidas que ele era pago mensalmente, e também com os subsídios de férias e de Natal, e que tinha um valor certo (o indicado). Como se escreve na sentença, «para além de tal valor pago mensalmente nunca ter sofrido nenhuma variação, caso tal prémio fosse mesmo variável e pago como prémio então não se percebe porque a R. também o pagava aos AA. catorze vezes por ano». Assim, não podemos afirmar que ele fosse variável, que não era, ou que tivesse um teto máximo, que também não tinha uma vez que era um valor certo.»

É certo que não se refere terem sido ponderados os depoimentos indicados, os quais foram reproduzidos pela recorrente na alegação de recurso; porém, o legislador apenas impõe que a Relação forme a sua própria convicção e a fundamente, e não que aprecie todos os argumentos aduzidos.

Facto nº 23:

23º Os AA. praticavam um horário diário que geriam em conformidade com as necessidades da exploração, em número de horas não concretamente apurado, mas sempre superior a 40 horas semanais.”

A 1ª instância fundamentou a sua decisão nos documentos juntos aos autos em especial nos recibos de vencimento. A discordância da recorrente manifestada nas alegações da apelação assentava em diversa valoração desses mesmos documentos.

A 1ª instância fundamentou a sua decisão quanto a este facto nos seguintes termos:

«O Tribunal deu particular relevância aos elementos fácticos que foi possível extrairmos dos recibos de vencimento juntos pelos AA. e pela R.

Com efeito todos os recibos emitidos pela R. durante o período de trabalho dos AA. foram possíveis de analisar e dos mesmos resulta que aos AA. desde o início do contrato eram pagos todos os meses vinte e seis dias de subsídio de alimentação.

Para além disso dos mesmos recibos se extrai e em todos que aos AA. eram sempre pagos 173,333 horas de trabalho mensal. Daqui resulta que trabalhando os AA. onze dias seguidos e folgando de Sábado a Segunda, nos vinte e quatro dias em regra que trabalhariam por mês, tal corresponde a uma média semanal de mais de 40 horas, de 43,33325.

E dos mesmos recibos extrai-se de igual foram inequívoca que as únicas horas de trabalho pagas aos autores de forma diversa coincidem com horas de trabalho prestado em dias feriados, oito ou dezasseis, correspondentes a um ou dois dias feriados nacionais então vigentes e o municipal de ... em 24 de Junho.

Daqui no entanto não se extrai que os AA. prestassem naquele regime de trabalho oito horas de trabalho por cada dia, até porque os AA. face às funções que na vacaria desempenhavam geriam as necessidades da mesma e consoante estas, poderia haver dias em que trabalhassem de noite, nomeadamente para assistir os partos das vacas e outros em que tal não sucedia que pudessem regressar a casa mais cedo depois de dadas as instruções de trabalho aos demais trabalhadores, até porque, residindo na própria Herdade, estariam, como estavam, sempre disponíveis, sendo apenas revezados nas suas folgas pelo Engenheiro II, também ele residente em habitação sita na mesma herdade.

E se é certo que era a A. enquanto chefe da vacaria quem remetia para processamento, os horários praticados pelos trabalhadores, incluindo as horas extra prestadas, a A. saberia que nada adiantaria efectuar tal registo quanto às suas horas e bem assim às do marido, pois que a R. não as pagaria, como nunca pagou, nem demonstrou ter pago trabalho prestado pelos AA. aos sábados e aos domingos de forma diversa da remuneração normalmente auferida pelos mesmos.

Conforme se referiu, daqueles recibos conclui-se isso mesmo independentemente do mês e, excepção feita aos meses com feriados, a R. nunca pagou aos AA. trabalho prestado em dias não úteis de forma diversa do que o trabalho prestado em dias úteis e tal omissão não se deve ao facto de a A. não ter registado tal trabalho pois era do conhecimento da R. qual o horário de trabalho praticado pelos AA., que foi aliás concertado com estes, em consonância com os seus interesses familiares e com as necessidades da exploração.

Aliás os AA. não reclamavam horário diverso, mas que a R. lhes pagasse os dias que efectivamente trabalhavam e que incluíam sábados e domingos, para além de também reclamarem dias de descanso por tal trabalho que a R. também não lhes proporcionou, bastando para tanto analisar que a R. limita-se a alegar que os AA. gozaram todos os dias de descanso compensatórios a que tinham direito e que sempre pagou todo o trabalho incluindo o suplementar prestado, mas não diz, nem provou, que dias foram esses e que trabalho afinal (suplementar, que reconhece ter sido prestado) pagou.

E a tal não serve a alegação de que se os AA. não gozaram os dias de descanso foi porque a A. não os concedeu a si nem ao marido, é porque a A. não era gerente da R. e reportava hierarquicamente a este, à data ao Arquitecto FF, pelo que se ela e o marido se dessem ao luxo de compensar como queriam os dias em que trabalhavam, estamos certos de que tal implicaria o encerramento da exploração, até porque apenas eram substituídos pelo Engenheiro II Fernandes.

Os AA. invocam é certo créditos laborais por trabalho prestado e devido há mais de cinco anos mas são os próprios recibos que a R. juntou aos autos que demonstram e não se diga que para tanto não são o documento idóneo a que alude o artigo 337º, nº 2 do CT, que o trabalho prestado pelos AA. durante a vigência do contrato aos sábados e aos domingos era todo pago como se fosse um dia normal de trabalho e sem qualquer acréscimo remuneratório, incumbindo assim à R. provar que o pagou, como alegou e que concedeu aos AA. os dias de descanso compensatórios de tal trabalho, o que não demonstrou.»

Consta do acórdão recorrido:

«O ponto n.º 23 tem o seguinte teor:

Os AA. praticavam um horário diário que geriam em conformidade com as necessidades da exploração, em número de horas não concretamente apurado, mas sempre superior a 40 horas semanais.

A recorrente entende que tal não pode ser provado pois que os AA. não trabalhavam mais de 40 horas. Argumenta que existe um erro de cálculo no raciocínio exposto na sentença e que os próprios recibos o confirmam uma vez que nestes se declara que nada mais têm a receber.

Este meio de prova não serve para definir o tempo de trabalho. Por um lado, ele prova só (e por vezes, muitas, nem isso) o pagamento; por outro ele não estatui, demonstra o tempo de trabalho.

Assim, nada se altera.»

Daqui resulta, com clareza, que foram analisados e valorados, em termos probatórios, os documentos em causa.

Invoca a recorrente que, como estabelecido no art. 337º, nº 2, do CT, o crédito correspondente ao pagamento de trabalho suplementar vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo sendo que o tribunal “a quo” ignorou esta questão.

É certo que o referido preceito impõe a prova do trabalho suplementar vencido há mais de cinco anos por documento idóneo. Não define, todavia o que se considera documento idóneo, deixando assim à livre apreciação do julgador a idoneidade probatória do documento. A vinculação relativa ao meio de prova limita-se à apresentação do documento e não ao seu valor e idoneidade como meio de prova.

Assim, estando, como estamos, no domínio da prova de livre apreciação, exceto quanto à necessidade de documento, a valoração que as instâncias, para tal efeito, fizeram dos recibos de vencimento e respetiva idoneidade probatória, extravasa os poderes sindicantes deste Supremo Tribunal.  

Com efeito, nos termos do art. 674º, nº 3 do CPC: “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Facto nº 29º:

A 1ª instância julgara provado que “Desde Abril de 2004 que os recibos de vencimento dos AA. passaram a mencionar uma rubrica de remuneração normal + diuturnidades, sem discriminar as respectivas parcelas e sem que tal se reflectisse em qualquer aumento da retribuição global.

Discordando, pretendia a recorrente que se considerasse provado e se acrescentasse “sendo que a partir de janeiro de 2005 tal rubrica passou a representar um aumento da retribuição global dos recorridos”.

A Relação entendeu ser a pretendida expressão conclusiva e indeferiu a pretensão da recorrente.

Rebela-se agora a recorrente, em sede de revista, referindo que se a pretendida expressão é conclusiva também o é a que consta “e sem que tal se reflectisse em qualquer aumento da retribuição global”, pelo que a Relação «sempre teria de expurgar do decidido no ponto 29 da matéria de facto a expressão, que teria sempre de ser interpretada como conclusiva, “e sem que tal se reflectisse em qualquer aumento da retribuição global”».

E foi o que a Relação fez tendo considerado que «[t]anto uma como a outra expressão são conclusivas pelo que se não devem dar por provadas. Assim, ficará a constar apenas a parte inicial», em consequência do que, e como consta do elenco dos factos provados, o nº 29 passou a ter a seguinte redação: «Desde Abril de 2004 que os recibos de vencimento dos AA. passaram a mencionar uma rubrica de remuneração normal + diuturnidades, sem discriminar as respectivas parcelas».

Facto nº 33:

Tendo a 1ª instância considerado provado que “[e]m data não apurada do mês de Março de 2012 a A. interpelou o então gerente da R. FF quanto a aumentos salariais que deveriam ser efectuados relativamente a certos trabalhadores”, pretendia a recorrente que fosse julgado provado que a referida interpelação ocorreu do dia 21 ou 22 de março.

A Relação indeferiu tal pretensão nos seguintes termos:

«Em relação ao n.º 33, o problema tem que ver com a data concreta da discussão havida entre a A. e o gerente da R. O tribunal deu por provado que foi em data indeterminada de Março; a R. defende que foi em 21 ou 22 desse mês. Continua a ser uma data indeterminada.

Por isso, mantém-se como está.»

Discorda a recorrente, alegando que para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de resolução, exercido no dia 30 de abril, não é indiferente considerar-se provado que a discussão ocorreu no dia 21 ou 22 do mês de março, data em que se iniciaria o prazo de caducidade, ou em data indeterminada desse mês, caso em que o referido prazo apenas se iniciaria no dia 1 de abril.

E, efetivamente, assim seria se o motivo da resolução dos contratos tivesse sido aquela discussão. Porém, como se vê da missiva que remeteram à recorrente, os AA invocaram como causa de resolução o não pagamento do trabalho suplementar, do trabalho prestado em dia de descanso semanal, das diuturnidades, do complemento de chefia, a retirada do veículo, o não aumento da retribuição à semelhança do que se propunha fazer para outros trabalhadores, o facto de ter deixado de exercer as funções de chefia com o consequente corte do subsídio denominado “prémio da quantidade de leite” e a alteração unilateral dos horários de trabalho.

Como se vê dos factos provados a A. deixou de exercer as funções de chefia dias depois da aludida discussão (facto 35º); a alteração do horário e o corte do referido prémio ocorreu no mês de abril (facto 37º) e trabalharam aos sábados até 30 de abril de 2012 sem que lhes tivesse sido pago qualquer acréscimo salarial (factos 40º e 41º).

Embora a Relação se tenha escusado de apreciar os meios de prova indicados com vista à alteração do facto, torna-se evidente que, para efeitos de contagem do prazo de caducidade a data da discussão carecia de relevância, motivo pelo qual não merece censura o decidido.

Facto 34º:

34º Nessa sequência gerou-se uma discussão entre ambos, tendo a A. reclamado para si e para o marido aumentos salariais, mais referindo que o trabalho que os AA. prestavam não era pago, nem compensado de acordo com a lei e que os mesmos prestavam trabalho suplementar e trabalho nocturno jamais remunerado, para assistência ao parto de vacas, sendo que as diuturnidades a que tinham direito também nunca foram processadas, o que não teve aceitação do referido gerente, que referiu que a próxima pessoa a ser aumentada seria o Eng. II mas não os AA.”

Pretendia a recorrente que se aditasse a expressão «mais referindo que andavam a ser roubados pelo Arq. FF em dois dias de folga».

A Relação escusou-se de o fazer, tendo considerado que, embora a 1ª instância o tenha referido na sentença, não o considerou provado «o que significa que a prova não foi assim tão convincente nesse sentido», para além de que «na descrição que a recorrente faz desta discussão em parte alguma se alega que a A. tenha dito aquilo (cfr. art.ºs 51.º a 63.º da nova contestação)».

Como atrás referimos, a recorrente transcreveu nas suas alegações as passagens dos depoimentos que pretendia ver reapreciados, sendo certo que o Tribunal da Relação assinalou que se tratava de um facto que não fora alegado.

Termos em que não merece censura o decidido.

Facto 35º:

35º Dias depois, FF decidiu que a A. deixaria de exercer as funções de chefia tendo, alguns dias depois, informado a mesma que passaria a cumprir o horário de 2ª às 12h de sábado, sem qualquer acréscimo remuneratório.”

Consta do acórdão: «Concordamos pois que o depoimento da testemunha nomeada não vai no sentido de logo no momento da discussão ter decidido o horário; tal ocorreu depois. Mas não se altera quanto à acumulação de funções de chefia

Vinha provado que “Dias depois, FF decidiu que a A. deixaria de exercer as funções de chefia e que passaria a cumprir o horário de 2ª às 12h de sábado, sem qualquer acréscimo remuneratório.” A Relação alterou o facto tendo o mesmo passado a ter a seguinte redação: “Dias depois, FF decidiu que a A. deixaria de exercer as funções de chefia tendo, alguns dias depois, informado a mesma que passaria a cumprir o horário de 2ª às 12h de sábado, sem qualquer acréscimo remuneratório” (sublinhado nosso).

É, assim, patente que a Relação apreciou o depoimento da testemunha indicado, tendo inclusive alterado o facto em causa.

Facto 38º:

Sobre esta questão nos pronunciámos já em sede de questão prévia.

Facto nº 40º:

40º Desde que foram admitidos ao serviço da R. e até 31 de Março de 2012, os AA. trabalharam a solicitação da R., aos sábados e aos Domingos, com excepção dos dias correspondentes às suas folgas e dos períodos de férias e demais ausências ao trabalho, nos termos referidos, prestando em tais dias para a R. um número de horas de trabalho não concretamente apurado, sem que a R. lhes atribuísse qualquer outro período de descanso, nada aos AA. tendo pago para além da retribuição mensal descrita, por tais horas prestadas.”

Relativamente a este facto, nas alegações da apelação a recorrente não indica qualquer meio de prova que deva ser reapreciado, limitando-se a argumentar no sentido da adição da expressão “por acordo com”, tendo por base o que invocara a propósito da pretendida alteração ao facto 23º.

A Relação indeferiu a pretensão nos seguintes termos: «A recorrente, baseando-se na sua própria alegação a respeito do facto n.º 23 (o horário), entende que se deve acrescentar a expressão «por acordo» e retirar tudo o que segue depois da palavra «referidos».

O n.º 23 manteve-se pelo que também aqui nada se altera uma vez que é aquele o único argumento.»

Já atrás referimos que a Relação, na apreciação da impugnação ao facto nº 23º, não violou o disposto nos arts. 640º e 662º do CPC.

Facto não provado nº 13º:

Refere a recorrente nas alegações da revista: «A recorrente por não concordar com a decisão relativamente a este facto, solicitou ao Tribunal a quo a sua reapreciação. O Tribunal terá feito tal reapreciação, já que conclui o seguinte: “o mais que se podia dar como provado, e quanto a este aspecto, é que os AA. assinaram recibos onde consta aquela declaração”. Contudo, tal alteração da matéria de facto, cujos moldes concretos se desconhecem, não consta do rol dos factos provados que resultam a reapreciação da prova e que constam das páginas 13 a 22 do douto acórdão.

E admite que tal omissão poderá dever-se a lapso.

Mas não se verifica qualquer lapso. A Relação não refere alterar o facto dando-o como provado. Limita-se a argumentar que “o mais que se podia dar como provado, e quanto a este aspecto, é que os AA. assinaram recibos onde consta aquela declaração”.

Seja como for, consta do facto provado nº 27º que “Os AA. assinaram todos os recibos de vencimento emitidos pela R., tendo-lhe sido pagos todos os valores nos mesmos discriminados”. Ora se nos recibos consta a declaração em causa e os AA os assinaram, como está provado, é óbvio que os AA. assinaram recibos onde consta aquela declaração.

Mais referiu a Relação: «…alega que resulta provado dos recibos de vencimento assinados pelos recorridos e que constam como documentos 2 das contestações apresentadas, nos quais consta que estes receberam as referidas diuturnidades e nos quais estes declaram, a partir de agosto de 2007, que “Declaro ainda, que até à presente, nada mais me é devido, a qualquer título, nomeadamente subsídio de refeição, trabalho suplementar, entre outros”, fazendo, assim, expressa menção de que nada, rigorosamente nada, lhes é devido, conforme resulta provado do facto n.º 27.

Esta declaração consta do recibo e é tão vasta que acaba por não valer nada dada a utilização da expressão «entre outros». Além disso, trata-se de uma declaração a que se adere sem possibilidade de recusar.

Por isso, entendemos demasiado frágil como prova os recibos para que se dê por provado que os AA. sempre declararam que a R. nada lhes deve…».

Não se mostra, por conseguinte, violado o estabelecido nos arts. 640º e 662º do CPC.

Facto não provado nº 14º:

A recorrente pretendia que se julgasse provado “que o A. tivesse dito a FF que não ia aceitar ficar com quaisquer cargos de chefia da R., por solidariedade com a A.”, tendo por base o depoimento da testemunha GG.

Consta do acórdão recorrido: «a recorrente pretende que o mesmo se dê por provado com base no depoimento da testemunha GG. No entanto, o depoimento desta testemunha tem um sentido diferente, melhor dizendo, dá um sentido diferente à declaração que a recorrente quer que seja imputada ao A.. Com efeito, a recorrente defende que o A. recusou qualquer cargo de chefia por solidariedade para com a sua mulher mas o que a testemunha dá a esta frase é um outro sentido: uma recusa por desafio.

A intenção subjacente à frase é bem diferente num caso e noutro sendo que a recorrente pede é se dê por provada uma intenção ou uma motivação diferente daquela que a testemunha referiu.

Assim, mantém-se como está.»

Não há a menor dúvida de que a Relação reapreciou a prova e criou a sua própria convicção, cumprindo assim o estabelecido nos arts. 640º e 662º do CPC.

Estabelece o art. 674º, nº 3 do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

«Ao nível da decisão da matéria de facto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art.º 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da percepção e formulação do respectivo juízo de facto» ([5]).

Como refere Teixeira de Sousa ([6]) «O tribunal de revista está vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido… Como consequência desta vinculação à matéria de facto apurada nas instâncias, o Supremo está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria de facto… Estas vinculações implicam que o Supremo não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e uma proibição de a alterar conduzem necessariamente à impossibilidade (e também à desnecessidade) de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudente convicção das instâncias sobre a prova produzida pelas partes… A impossibilidade de conhecimento de matéria de facto pelo Supremo envolve igualmente a inadmissibilidade de controlo por este tribunal dos poderes inquisitórios ou instrutórios atribuídos às instâncias».

A pretendida alteração na decisão sobre a matéria de facto assentava exclusivamente na discordância sobre a valoração que a Relação fez da prova gravada e dos documentos particulares juntos aos autos.

Estamos assim no âmbito da prova de livre apreciação, matéria que escapa aos poderes sindicantes deste Supremo Tribunal.

5.3.3 – Se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que não caducou o direito a resolver os contratos de trabalho com base na falta de pagamento das diuturnidades.

Como vimos, a Relação confirmou o decidido pela 1ª instância relativamente à invocada exceção da caducidade, e fê-lo sem fundamentação diversa.

Verifica-se, assim uma situação de dupla conforme, impeditiva do conhecimento da questão por este tribunal (art. 671º, nº 3, do CPC).

5.3.4 - Se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que a falta de tal pagamento das diuturnidades era consubstanciadora de justa causa para a resolução dos contratos de trabalho pelos AA.

A 1ª instância considerou que o facto da R. não ter proporcionado aos AA quaisquer dias de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dias de descanso, nem lhes ter pago qualquer acréscimo remuneratório, não lhes ter pago as diuturnidades a que tinham direito, tê-los despromovido dos cargos de chefia passando a ficar subordinados a trabalhador com menor antiguidade e ter-lhes retirado a quantia mensal de € 310,00, constituiu justa causa de resolução, pelos AA., dos respetivos contratos.

A Relação entendeu que «o não pagamento das diuturnidades é suficiente para integrar a justa causa».

Temos assim duas decisões conformes, conformidade que não é afastada pelo facto da Relação ter limitado a sua pronúncia ao não pagamento das diuturnidades.

Por conseguinte também quanto à questão da justa causa de resolução não é admissível a revista (art. 671º, nº 3, do CPC).

5.3.5 - Se o Tribunal da Relação decidiu bem ao considerar que os AA. não agiram em abuso de direito.

Nas alegações na apelação invocou a recorrente que o facto de os AA., “ao longo de dez extensos anos e até finais de março de 2012”, nunca a terem interpelado para pagar as diuturnidades e trabalho suplementar e nunca terem reclamado a concessão dos descansos compensatórios, só o tendo feito aquando da resolução dos contratos e para fundamentar a justa causa, constitui abuso de direito.

Pronunciando-se sobre esta questão, referiu a Relação:

«A recorrente defende existir abuso de direito.

Pode-se responder a isto com uma pergunta: de que outra forma poderiam os AA. ver os seus direitos realizados? Na óptica da recorrente, parece que teriam simplesmente que tolerar tudo o que lhes fosse feito pois que a fazer algo diferente (no caso, resolver os contratos) seria um exercício ilegítimo do seu direito. Direito este, note-se, que é um direito de defesa; o trabalhador defende-se da lesão que sofre afirmando que não trabalha mais para aquela entidade patronal.

Não vemos que haja, seja de que maneira, for, abuso de direito.»

Contra o assim decidido rebela-se a recorrente alegando que “constitui abuso de direito a alegação dos recorridos de pretenderem rescindir o seu contrato de trabalho com fundamento no não pagamento de 1,22% da sua retribuição, facto este que ocorreu durante cinco anos, sem que os recorridos, por alguma vez, tenham interpelado a recorrente para o pagamento desses mesmos valores…

[Q]ueixam-se de não lhes terem sido pagas horas de trabalho suplementar e descansos compensatórios que eram da responsabilidade da recorrida anotar e comunicar à recorrente. O que nunca fizeram, incompreensivelmente. Face ao supra exposto, temos de concluir que os recorridos atuam, mais uma vez, em abuso de direito, quando fundamentam a sua resolução do contrato de trabalho em factos que eram da sua responsabilidade comunicar - e que nunca comunicaram - sendo, igualmente, certo que esperaram, nada mais nada menos de, 10 anos para invocarem os mesmos.

Vejamos.

Estabelece o art. 334º do Código Civil que “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Abuso de direito – a) é um dos expedientes técnicos ditados pela consciência jurídica para obtemperar a situações em que um preceito legal, certo e justo para as situações normais, venha a revelar-se injusto na sua aplicação a uma hipótese concreta, por virtude das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. B) Ocorrerá esta figura quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento da justiça dominante na comunidade social…

São as seguintes as concepções que procuram precisar a essência do abuso de direito: 1 – a teoria subjectiva…, 2- a teoria objectiva… 3 – e uma teoria intermédia…

O nosso legislador (C. Civ. 1966) aceitou a concepção objectiva. Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que o acto se mostre contrário, mas exige-se que o titular do direito tenha excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício([7]).

Uma das modalidades do abuso de direito é o “venire contra factum proprium”.

 São pressupostos desta modalidade do abuso de direito ([8]):

1 – A existência de uma situação objetiva de confiança;

2 – O investimento de confiança e irreversibilidade desse investimento;

3 – A boa fé da contraparte que confiou.

Está provado que os AA. entraram ao serviço da recorrente em 2002 e que nunca lhes foram pagas quaisquer quantias referentes ao trabalho suplementar, que sempre fizeram; que nunca lhes foi concedido qualquer dia de descanso compensatório nem pago qualquer acréscimo pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal; e que nunca lhes foi paga qualquer quantia a título de diuturnidades.

Por outro lado, não vem provado que em data anterior à discussão ocorrida em Março de 2012, os AA. alguma vez tenham exigido o pagamento daquelas quantias.

Refere-se no acórdão desta secção de 11/12/2013, proc. 629/10.9TTBRG.P2.S1 (Fernandes da Silva), «[a] inacção, inércia ou omissão do exercício de um direito por parte do seu titular, durante um mais ou menos longo lapso de tempo, constitui um dos elementos da modalidade do abuso do direito na vertente da proibição do ‘venire contra factum proprium’, apelidada pela doutrina, na expressão original alemã, de ‘Verwirkung’ (apud Baptista Machado, ‘Tutela da Confiança’…in ‘Obra Dispersa’, I, pg. 421/ss., também referido no Acórdão da Relação do Porto de 10.4.2003, C.J., tomo II/2003, pg. 197) ou de supressio, na terminologia introduzida por Menezes Cordeiro.

Reflectindo sobre o instituto em causa (estudo da origem, evolução, consolidação dogmática e regime, a que dedica o parágrafo 34.º do Volume V do seu ‘Tratado de Direito Civil’, na edição da 2.ª reimpressão, Almedina, 2011, que acompanhamos de perto), Menezes Cordeiro sustenta que, sendo embora variável o quantum de tempo necessário para concretizar a supressio, o mesmo há de ser sempre inferior ao da prescrição, por óbvias razões, mas equivalente ao período, decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo julgador, já não será de esperar o exercício do direito atingido.

Nesta abordagem, buscando a afinação do conceito à luz do vector tempo, consigna o insigne autor que …a supressio não pode ser, apenas, uma questão de decurso do tempo, sob pena de atingir, sem vantagens, a natureza plena da caducidade e da prescrição.

Além disso, remata, traduzindo-se a supressio numa omissão – a que falta, por isso, a precisão do positivo factum proprium – a sua caracterização demanda a verificação de outros elementos complementares (circunstâncias colaterais, ibidem, pg. 323) que, para além do não-exercício prolongado do direito, melhor alicercem a confiança do beneficiário, a saber: uma situação de confiança; uma justificação para essa confiança (baseada na conduta circunstancial do titular do direito, a contraparte convence-se, justificadamente, que o direito já não será exercido); um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente (a contraparte, convicta e movida por essa confiança, tomou medidas ou passou a actuar em conformidade, causando-lhe ora o exercício tardio do direito maiores desvantagens do que o seu exercício atempado. A omissão do titular do direito, por via desse nexo de imputação da confiança, constituiu-se assim numa situação que torna, ética e socialmente aceitável/ajustado, o seu sacrifício).

Relembrado este condicionalismo hermenêutico, melhor se acederá ora à solução que temos por consentânea.

Mais de que saber, com rigor, se a analisada modalidade (supressio) do abuso do direito tem aplicação ou não em matérias/direitos sujeitos a prescrição – …a resposta, não obstante, já resulta do sobredito –, importará analisar se o exercício do direito em causa, à luz dos dilucidados contornos circunstanciais, afronta, de modo clamoroso ou gritante, os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, na compreensão de que lhes corresponde um comportamento honesto, leal, diligente, que não frustre o fim prosseguido pelo contrato e/ou defraude os legítimos interesses ou expectativas da parte contrária.»

Perante os factos provados, temos como único facto suscetível de fundamentar o abuso de direito, o não vir provado que antes de março de 2012 os AA tenham interpelado a recorrente para pagar aquelas quantias. Porém, esta inércia, desacompanhada de outras circunstâncias, é manifestamente insuficiente para caracterizar o abuso de direito na referida modalidade.

Aliás, os AA., para além daquele inadimplemento, invocaram como fundamento da resolução o facto de terem deixado de exercer as funções de chefia, a privação do uso do veículo, o corte do “prémio de quantidade de leite” e a alteração unilateral dos horários de trabalho, o que ocorreu em Abril de 2012, ou seja, quando resolveram os contratos.

Perante este quadro factual, é manifesto que os AA., ao resolverem os contratos, não excederam os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

6 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 5.09.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco


___________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Ac. desta 4ª Secção de 26.10.2017, proc. n.º 196/12.9TTBRR.L2.S1 (Ana Luísa Geraldes) e subscrito pelos aqui relator e 1º Adjunto.
[6] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 422.
[7] João Melo Franco, Herlander Antunes Martins, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos, Almedina, 2ª edição, págs. 17 e 18.
[8] João Baptista Machado, Tutela da confiança e ‘venire contra factum proprium’, obra dispersa, 1991, pág. 416.