Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
067211
Nº Convencional: JSTJ00002956
Relator: MIGUEL CAEIRO
Descritores: RECURSO
INDEMNIZAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PUBLICA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197907240672111
Data do Acordão: 07/24/1979
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1979-11-03, PÁG. 2793 A 2794 - BMJ Nº 289 ANO 1979 PÁG. 135
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC CIV. DIR ADM.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 462 ARTIGO 463 N3 A ARTIGO 765 ARTIGO 766 N3 ARTIGO 770.
DL 845/76 DE 1976/12/11
DL 323/77 DE 1977/08/08.
L 2030 DE 1948/06/22 ARTIGO 14 N3.
D 37758 DE 1950/02/27 ARTIGO 23 ARTIGO 31 PAR2.
L 2065 DE 1953/06/03 ARTIGO 1 ARTIGO 2 ARTIGO 8.
D 43587 DE 1961/04/08 ARTIGO 41 N3.
DL 71/76 DE 1976/01/27 ARTIGO 41 N1 ARTIGO 53 N1 ARTIGO 56 N1 ARTIGO 57 N2 ARTIGO 58 N5 ARTIGO 80 N4 ARTIGO 91 E.
CEXP76 ARTIGO 45 N3 D ARTIGO 48 N1 ARTIGO 49 N1 ARTIGO 59 N1 ARTIGO 83 N4 ARTIGO 93 N1 E G ARTIGO 111 ARTIGO 116 N3.
LOTJ77 ARTIGO 16 ARTIGO 20 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1974/05/28 IN BMJ N237 PAG171.
ACÓRDÃO STJ PROC67010 DE 1977/11/17.
ACÓRDÃO STJ PROC66912 DE 1977/11/30.
Sumário :
E susceptivel de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, o acordão da Relação que em processo de expropriação por utilidade publica julgue sobre a forma de pagamento da indemnização fixada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Pleno, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:

Baseado no artigo 770 do Codigo de Processo Civil, o Excelentissimo representante do Ministerio Publico interpos recurso para Tribunal Pleno do acordão de 30 de Novembro de 1977, alegando que esta em oposição com o acordão de 17 do mesmo mes e ano.
Baseia a oposição em o acordão recorrido ter julgado que e admissivel recurso para este Supremo Tribunal das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação em processo de expropriação por utilidade publica sobre o pagamento, em prestações, da indemnização, e o acordão de 17 de Novembro de 1977 ter julgado que nesses processos so e admissivel recurso ate a Relação, ainda que se trate de conhecer daquele pagamento.
Apos cumprimento do disposto nos artigos 765 e 766 daquele Codigo, foi proferido o acordão de folhas 22, em que preliminarmente se reconheceu existir a invocada oposição. Considerou-se, para o efeito, que aqueles acordãos, proferidos no dominio da mesma legislação -
- o Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n. 323/77, de 8 de Agosto -, se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito: se e admissivel recurso de acordão da Relação para este Supremo Tribunal em processos de expropriação por utilidade publica, no que se refere ao pagamento da indemnização fixada, nomeadamente em prestações.
Enquanto no acordão de 17 de Novembro de 1977 se decidiu não ser admissivel esse recurso, no acordão recorrido julgou-se a sua admissibilidade.
O digno magistrado recorrente alegou a folhas 26 e seguintes, entendendo que o conflito de jurisprudencia deve ser decidido no sentido de que o referido recurso e admissivel, se o valor do pedido de pagamento em prestações da indemnização fixada exceder a alçada do Tribunal da Relação.
Apos os vistos legais, cumpre conhecer do recurso.
I - Em face do disposto no artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, o acordão que reconheça a existencia da oposição não impede que o Tribunal Pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.
Pronunciando-se sobre esta questão preliminar, reconhece este Supremo Tribunal a manifesta oposição de julgados, proferidos no dominio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito: possibilidade ou impossibilidade de recurso para este Supremo Tribunal do acordão da Relação sobre a forma de pagamento da indemnização fixada em processo de expropriação por utilidade publica.
Esta-se assim perante conflito de jurisprudencia que cumpre resolver.
II - Da evolução legislativa nesta materia extraem-se alguns elementos uteis para interpretação da lei vigente.
O artigo 14, n. 3, da Lei n. 2030, de 22 de Junho de 1948, limitava-se a preceituar que do resultado da arbitragem haveria recurso para o Tribunal da comarca de situação dos bens, de harmonia com as disposições legais em vigor.
No Decreto n. 37758, de 27 de Fevereiro de 1950, que regulamentou essa Lei, permitia-se recorrer, para o juiz de direito da comarca, da decisão dos arbitros que fixassem o montante da indemnização a pagar pelo expropriante (artigo 23). Todavia, da decisão do juiz não havia recurso, sendo-lhe apenas aplicaveis as disposicões sobre vicios e reforma da sentença (paragrafo 2 do artigo 31).
A Lei n. 2063, de 3 de Junho de 1953, veio, porem, consagrar um regime amplo em materia de recursos.
Com efeito, as decisões do juiz de direito proferidas na fase anterior ao recurso de arbitragem ou na pendencia do recurso para ele interposto da decisão dos arbitros, admitiam recurso para os tribunais superiores, de harmonia com as regras gerais das alçadas (artigos 1 e 2).
Por sua vez, das decisões de arbitros ou de outras entidades que fixem indemnizações recorria-se para o juiz de direito da comarca, e da decisão deste para os tribunais superiores (artigo 8).
Este regime foi mantido pelo Regulamento das Expropriações aprovado pelo Decreto n. 43587, de 8 de Abril de 1961, que no artigo 41, n. 3, com remissão expressa para o artigo 8 acabado de citar, permite recorrer para os Tribunais superiores da decisão do juiz que, em recurso da decisão arbitral, fixe o montante das indemnizações a pagar pelo expropriante.
III - Esta ampla possibilidade de recurso ate ao Supremo Tribunal de Justiça sobre o "quantum" indemnizatorio, apenas restringida pelas alçadas, suscitou o debatido problema de qualificar a decisão arbitral como um verdadeiro julgamento, ou como simples arbitramento, e, por consequencia, a admissibilidade de quatro graus de jurisdição como desvio ao sistema geral de recursos.
A orientação dominante na jurisprudencia deste Supremo Tribunal firmou-se no sentido de que no processo de expropriação o julgamento dos arbitros constitui uma verdadeira decisão (veja-se, por todos, o acordão de 8 de Maio de 1974, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 237, pagina 171).
Reconhecia-se assim a existencia daqueles quatro graus de jurisdição.
Mas este desvio ao sistema geral foi corrigido pelo Decreto-Lei n. 71/76, de 27 Janeiro, em cujo artigo 41, n. 1, no capitulo da expropriação litigiosa, se admite recurso para os Tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas, da arbitragem que tenha fixado o valor global da indemnização.
Preceitua o segundo periodo desse n. 1:
"Não havera, porem, recurso das decisões da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça".
O mesmo principio se encontra afirmado nos artigos
56, n. 1, e 80, n. 4.
O alcance desta limitação e esclarecido no relatorio do diploma nos seguintes termos:
"Ao estabelecer-se a arbitragem com recurso para os Tribunais, exclui-se o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois não se justificaria a existencia de quatro graus de jurisdição".
Ficou por esta forma reconhecida a natureza jurisdicional da arbitragem - o artigo 53, n. 1, regula a forma de "julgamento pelos arbitros" -, funcionando os Tribunais de comarca como segunda instancia.
Dai a irrecorribilidade do acordão da Relação quanto ao valor da indemnização.
Tambem se admitiu so ate a Relação das decisões do juiz sobre irregularidades cometidas na constituição ou funcionamento da arbitragem, e sobre o pedido de expropriação total (artigos 57, n. 2, e 58, n. 5).
Mas e de notar que todas essas decisões recorriveis ate a Relação tem por objecto o valor da indemnização, ou actos anteriores a fixação desse valor e com possivel influencia nele.
Na fase posterior, designadamente quanto a forma de pagamento da indemnização ja fixada, materia constante de outro Titulo; admite-se no artigo 91, alinea e), sem qualquer restrição, recurso da decisão final sobre o pedido de pagamento em prestações ou modo de as satisfazer.
Compreende-se aqui a falta de referencia a recurso so ate a Relação, porque a decisão e proferida em primeira instancia pelo juiz da comarca, não havendo ate ao Supremo Tribunal de Justiça mais de tres graus de jurisdição.
IV - No Codigo das Expropriações vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro), adoptou-se orientação identica a do referido Decreto-Lei n. 71/76, e em certos aspectos mais ampla. Na verdade, em dois casos o recurso e admitido so ate ao Tribunal da Relação: a) Das decisões judiciais fixando o valor da indemnização em recurso das decisões arbitrais (artigos 49, n. 1,
59, n. 1, e 83, n. 4); b) Das decisões sobre o valor da reversão de bens expropriados proferidas pelo juiz da comarca em recurso da decisão dos arbitros (artigos 111 e seguintes, especialmente 116, n. 3).
Para alem destes casos, em que manifestamente se quis afastar a possibilidade de quatro graus de jurisdição, em alguns outros não se encontram normas a admitir ou a restringir o recurso.
Assim e que o artigo 48, n. 1, manda reger o incidente da habilitação de herdeiros pelas normas aplicaveis do Codigo de Processo Civil; e o artigo 45, n. 3, alinea d), quanto ao incidente de partilha da indemnização, manda aplicar os termos posteriores aos articulados do processo ordinario ou sumario, consoante o valor do direito reclamado.
Mas ja em relação as decisões sobre o pedido de pagamento da indemnização em prestações, o recurso e expressamente admitido, e sem restrições. Com efeito, o artigo 93, n. 1, manda aplicar no caso o processo sumario, com algumas especialidades, de entre as quais se destaca a alinea e): a decisão das reclamações contra o questionario so pode ser impugnada "no recurso que se interpuser da decisão final sobre o pedido".
Desde que esta sentença (ut alinea g)), e recorrivel, tem por objecto materia estranha ao montante da indemnização e, alem disso, e proferida pelo juiz da comarca, não havia lugar a restabelecer os tres graus de jurisdição, que assim resultam da aplicação do regime geral.
Aquele artigo 93, que constitui apoio para a tese da inadmissibilidade do recurso, e afinal confirmativo de que a decisão sobre a forma de pagamento da indemnização e recorrivel ate ao Supremo Tribunal de Justiça, em aplicação do principio geral de tres graus de jurisdição, apenas limitado pelo valor da causa (artigos 16 e 20, n. 1, da Lei Organica dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n. 82/77, de 6 de Dezembro, e artigo 462 do Codigo de Processo Civil).
Não importa que se apliquem os termos do processo sumario, embora modificados, porque para o efeito ha que atender o valor do pedido, e em face deste se determinara a recorribilidade da sentença sobre o pedido de pagamento da indemnização em prestações.
Sendo especial o processo de expropriação, e nele seguindo termos o pedido de apreciação do direito aquele pagamento, o regime de recursos sera, na falta de norma expressa em contrario, o estabelecido no artigo 463, n. 3, alinea a), do Codigo de Processo Civil, que, não obstante mandar aplicar o regime do processo sumario, admite excepcionalmente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça se o valor da causa exceder a alçada da Relação.
Conclui-se, assim, que nesta materia de pagamento das indemnizações, regulada em Capitulo a parte quer da fixação da indemnização quer da reversão dos bens expropriados, não podem aplicar-se as disposições limitativas do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as quais, alias, se limitaram a reintegrar o principio de tres graus de jurisdição.

Aplica-las neste caso importaria criar aberrantemente um regime excepcional de dois graus de jurisdição, que so disposição expressa de lei poderia aplicar.
Bem decidiu, pois, o acordão recorrido em admitir o recurso.
V - Pelos fundamentos expostos, acorda-se em resolver o conflito de jurisprudencia pela formulação do seguinte assento:
E susceptivel de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, o acordão da Relação que em processo de expropriação por utilidade publica julgue sobre a forma de pagamento da indemnização fixada.
Sem custas.

Lisboa, 24 de Julho de 1979

Miguel Caeiro (Relator)-Oliveira Carvalho- Bruto da Costa-
- Santos Vitor - Ferreira da Costa - Hernani de Lencastre-
- Adriano Vera Jardim - João Moura - Rodrigues Bastos -
- Daniel Ferreira - Abel de Campos - Eduardo Botelho de Sousa - Costa Soares - Artur Moreira da Fonseca - Alberto Alves Pinto - Antonio Furtado dos Santos - Octavio Dias Garcia - João Ferreira do Vale - Henrique da Rocha Ferreira - Manuel Alves Peixoto - Rui de Matos Corte Real-
- Antonio de Melo Bandeira - Augusto de Azevedo Ferreira.