Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
118/13.0TBSTR.E1.S1
Nº Convencional: 7º SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
PARTE VENCIDA
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA DO AUTOR BB; CONCEDIDA A REVISTA DO AUTOR AA.
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PARTES DO PROCESSO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / LEGITIMIDADE PARA RECORRER.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Almedina, 1982, 98.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil III, 16.
- Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 380.
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, 19.
- Teresa Magalhães e Diogo Pinto da Costa, “Avaliação do dano na pessoa em sede de Direito. Perspectivas actuais”, Revista da Faculdade de Direito do Porto, 427, 442 e 443.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 562.º, 564.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 30.º, 631.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30.11.2006 E DE 31.01.2007, PROCESSOS N.º 3622/06, 2.ª SECÇÃO, E N.º 4301/06, 6.ª SECÇÃO, RESPECTIVAMENTE.
-DE 10.10.2012, PROC. N.º 632/2001.G1.S1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A legitimidade ad recursum relativamente às partes principais determina-se pela utilidade da procedência do recurso em função do prejuízo causado por uma decisão desfavorável ao recorrente.

II - A expressão “tenha ficado vencido” usada no art. 631.º, n.º 1, do CPC, deve interpretar-se com o sentido de que pode recorrer a parte principal que tenha ficado “afectada ou prejudicada” pela decisão e que a pretenda impugnar para tribunal hierarquicamente superior, não se confundindo o conceito de legitimidade para efeito de recurso com a noção de legitimidade processual a que se refere o art. 30.º do CPC.

III - Tendo o acórdão recorrido em relação ao co-autor dado parcial provimento à apelação e modificado a sentença proferida na 1.ª instância, reduzindo o quantum indemnizatório naquela arbitrado para o ressarcir do dano patrimonial futuro, com base na alteração do montante do salário a considerar no cálculo daquela indemnização, não se está perante uma mera correcção de valor mas perante uma modificação nos critérios do cálculo da indemnização, não existindo dupla conforme impeditiva do recurso de revista.

IV - O dano resultante da perda ou diminuição da capacidade de ganho – dano que corresponde ao efeito, temporário ou definitivo, de uma lesão sofrida pelo ofendido que se revela impeditiva da obtenção normal de proventos no futuro como contrapartida do seu trabalho – constitui um dano corporal que tem natureza patrimonial e que deverá ser ressarcido a título de dano futuro, tratando-se de uma das vertentes do dano biológico.

V - O valor da retribuição mínima mensal constituirá a base de cálculo nas situações em que o sinistrado tem formação indiferenciada e não desempenha actividade profissional geradora de proventos concretos ou exerce actividade não remunerada (v.g. tarefas domésticas), que, tendo embora um valor económico, não é concretamente quantificável.

VI - No caso, apesar do autor não ter sofrido uma real diminuição da capacidade de ganho, porquanto à data do acidente tinha 21 anos de idade e estudava condução de obra e desenho técnico, uma vez que as sequelas sofridas em consequência do acidente o impossibilitam de prosseguir os seus estudos e o posterior exercício da correspondente actividade profissional, a indemnização a atribuir deve ter por base de cálculo o salário que, previsivelmente e com razoabilidade, viria a receber no exercício da actividade profissional correspondente à sua formação técnico-profissional e não a retribuição mínima nacional.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



        I. Relatório:

AA e BB, instauraram contra CC, e DD, S.A., acção declarativa com processo ordinário, pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 277,397,90, a título de danos patrimoniais e, bem assim de danos não patrimoniais sofrido pelo primeiro autor, acrescida de juros.

Alegaram, em suma, que no dia 26/6/2009, pelas 18.40 h, na Rua …, em …, Santarém, ocorreu um acidente de viação entre o motociclo com a matrícula ...-BV-... conduzido pelo autor AA e propriedade do autor BB, que seguia também no mesmo, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula HA-…J, conduzido pelo réu CC, seguro na segunda ré, o qual ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel. Em consequência os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais

Concluíram pedindo a condenação dos réus no pagamento da quantia global de € 194.705,63, acrescida de juros.

Contestou a ré DD, S.A., alegando que o pedido formulado pelos autores se situa no âmbito da cobertura do seguro de responsabilidade civil automóvel obrigatório, o que determina a ilegitimidade para a causa do primeiro réu, e que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do motociclo.

Defendeu-se o réu CC excepcionando a sua ilegitimidade, em virtude de o pedido se situar no âmbito da cobertura do seguro, e a prescrição do direito dos autores por terem decorrido mais de três anos entre a data do acidente e a sua citação para a acção. Impugnou ainda a facticidade alegada pelos autores, atribuindo a culpa da produção do acidente ocorreu ao condutor do motociclo.


No despacho saneador foi julgada procedente a excepção da prescrição relativamente ao réu CC e foi o mesmo absolvido do pedido, julgando-se prejudicado o conhecimento da excepção da ilegitimidade.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:

“(…) considera-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

1 - condena-se a Ré DD, S.A a pagar:

a) Ao autor AA:

- a quantia de € 8.186,06 (oito mil cento e oitenta e seis euros e seis cêntimos) a título de dano materiais acrescido de juros, à taxa legal em vigor, contados desde a citação até integral pagamento;

- a quantia de € 108.000,00 (cento e oito mil euros) a título de danos patrimoniais, acrescido de juros á taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento;

- a quantia de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento;

b) Ao Autor BB:

- a quantia de €3.010,44, (três mil e dez euros e quarenta e quatro cêntimos) título de danos materiais, acrescido de juros contados desde a citação até integral pagamento.

2- Absolve-se a Ré DD, S.A,. dos restantes pedidos peticionados pelos Autores AA e BB”.


Desta sentença apelou a ré DD, S.A..

O Tribunal da Relação proferiu acórdão, em 2 de Junho de 2016, no qual deu parcial procedência à apelação e alterou a decisão recorrida, condenando a ré DD, S.A., a pagar ao autor AA a quantia de € 60.000,00 a título de dano futuro e mantendo-a em tudo o mais.


Inconformados, recorreram de revista os autores AA e BB.

Na alegação apresentada aduziram a seguinte síntese conclusiva:

«1 - Relativamente ao acórdão recorrido importa referir que o mesmo apenas veio alterar a forma de cálculo para apurar o valor da indemnização.

2 - Porém, não obstante referir a utilização reiterada desta fórmula pelos Tribunais Superiores procedeu à sua alteração, para a fórmula requerida, obviamente, pela Ré/Seguradora, uma vez que lhe era mais favorável.

3 - Ora, na sentença da 1ª instância não houve qualquer dificuldade em considerar uma remuneração para proceder ao cálculo da indemnização, uma vez que fundamentou devidamente a fls. 28 invocando os dados da PORDATA onde se verifica que no ano de 2011 a remuneração base média mensal dos trabalhadores por conta de outrem com as qualificações do ora recorrente era de €905,10 (novecentos e cinco euros e dez cêntimos).

4 - Desta forma, não se entende tanto no recurso da ora recorrida como no acórdão recorrido a razão do desconhecimento de onde a sentença proferida pela 1ª instância "foi buscar para efeitos de cálculo o salário médio de €905,10" e a inexistência de qualquer informação para fixar uma remuneração para efeitos de calculo de remuneração.

5 - Não se diga que, em razão da utilização de uma fórmula mais simples, o ora recorrente irá receber menos cerca de €48.000,00 (quarenta e oito mil euros), o que, provavelmente, para alguns, será coisa pouca para um rapaz que à data do acidente tinha 19 anos e que fica com lesões para o resto da sua vida e consequentemente com menos qualidade de vida.

6 - Acresce que, o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora apenas vem alterar o tipo de fórmula para cálculo da indemnização, sem olhar sequer à apreciação da prova que o Tribunal da 1ª Instância fez para apurar os valores a que chegou.

7 - Entende o recorrente que o facto de se alegar que: "A fórmula usada pela Ré é bem mais simples" do que as usadas reiteradamente pelos Tribunais Superiores não é fundamento para alterar uma decisão que julgou, analisou e fundamentou uma acção onde são postas em causa lesões, tratamentos e sequelas gravíssimas sofridas pelo ora recorrente que terá de viver com elas até ao fim da sua vida.

8 - Aliás, quanto à questão das lesões e sequelas nem a ora recorrida nem o acórdão recorrido puseram em causa as mesmas pelo que, sempre se dirá que a indemnização a fixar tem de o ser em função do grau de incapacidade resultante das lesões e sua gravidade nos termos do disposto no artigo 8º n°3 e 564° n°1 ambos do Código Civil.

9 - Acresce que, considera o ora recorrente que face à vasta jurisprudência e à tentativa reiterada dos Tribunais Superiores uniformizarem as decisões, não é conveniente alterar-se de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos, que não deve perder-se de vista a realidade económica do País sendo que, cada vez mais deverá existir uma actualização progressiva das indemnizações de forma gradual o que, na realidade, os Tribunais Superiores têm vindo a fazer, nos termos do disposto no artigo 8o n°3 do Código Civil.

10 - Ora, o recorrente terminou o curso de técnico de construção civil e conforme demonstrado e provado na sentença de 1ª Instância as suas lesões não lhe permitem jamais desempenhar a mesma actividade laboral e/ou funções razão pela qual, a consequência directa da perda da capacidade de ganho traduz um prejuízo funcional com reflexos na vida pessoal daquele.

11 - Acresce que, conforme dispõe o artigo 8º n°3 do Código Civil "nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito".

12 - Não obstante o acórdão recorrido fazer referência à norma supra referida, não entende o recorrente a decisão de ter alterado a sentença da 1ª Instância alegando inclusive: "a sentença recorrida fez uso de uma fórmula introduzida (...)" "reiterada em muitas outras decisões dos tribunais superiores (...)".

13 - Ora, entende o recorrente e não querendo torna-se repetitivo que o que está aqui em causa é a aplicação da Lei e não o que é mais simples.

14 - Assim, verifica-se a violação dos artigos 8º n° 3 e 564° n°1 e 2, ambos do Código Civil.

15 - Termos em que, deverá a sentença proferida em 1ª Instância ser mantida in Totum e consequentemente ser o douto acórdão recorrido revogado verificando-se restitutio in integrum».


      A ré contra-alegou, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:

«A - O Recorrente BB é parte ilegítima neste Recurso nos termos dos artigos 631º, nº1, do CPC e 30º do mesmo diploma legal.

Porquanto,

B - O dano futuro apenas diz respeito ao Recorrente AA e nunca ao Recorrente BB, que é portanto, parte ilegítima neste Recurso.

C - O Recurso de Revista é processualmente inadmissível de acordo com os requisitos fixados no artigo 671º, do CPC.

D - A interposição deste Recurso viola a regra da dupla conforme.

E - O NCPC consolidou a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui uma garantia generalizada, sendo o foco colocado no conteúdo material dos Acórdãos da Relação que conheçam efectivamente do mérito da causa como regra essencial de admissibilidade do recurso de revista.

F - Permanece em vigência a regra da dupla conforme que afasta a possibilidade de recurso nos casos em que o Tribunal da Relação venha confirmar a decisão da lã Instância sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.

G - O caso em análise comporta uma situação flagrante de dupla conforme.

H - O Tribunal limita-se a corrigir o valor indemnizatório atribuído.

I - A sua decisão não tem carácter inovatório, material ou de mérito sendo a fundamentação usada no seu essencial a mesma quando comparada com aquela que consta da sentença da 1ª Instância.

J - Na rectificação do cálculo indemnizatório não procedeu a Relação a uma qualquer valoração jurídica alternativa e nova, sendo o percurso trilhado na sua fundamentação o mesmo.

K - Os juízos normativos e valorativos efectuados pelas Instâncias coincidem e ambas as decisões condenam o Contra-Alegante pelos mesmos danos.

L - O recurso de revista carece de uma generalizada falta de fundamento conforme se deixou nestas Contra-Alegações.

M - Bem andou a decisão da Relação ao levar todos os factos de relevo em consideração e em proceder ao cálculo de indemnização de dano futuro com base em valores que se situam próximos do ordenado mínimo nacional.

N - Deve ser mantida na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora».


Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


III. Fundamentação:

De facto:

Vêm provados os seguintes factos:

1. No dia 26 de Junho de 2009, cerca das 18h 40m, na Rua …, localidade de …, concelho de Santarém, ocorreu um embate entre um motociclo ...-BV-... pertencente ao 2º Autor BB e conduzido pelo 1º Autor AA e o veículo automóvel ligeiro de passageiros conduzido por CC.

2. O local referido em 2.1.1. é uma recta com grande visibilidade, marginada por diversas edificações.

3. Era dia, estava bom tempo e não havia nuvens.

4. O piso da via estava seco e em bom estado de conservação.

5. A via tem largura total de 6,5m, tem duas hemi-faixas de rodagem e entronca pelo lado esquerdo, atento o sentido Santarém-Torres Novas, com a Rua …, que dá acesso à localidade de Chã de Baixo.

6. Tem dois sentidos de marcha, delimitados por um traço contínuo no eixo da via, o qual é descontínuo na zona onde entronca com a referida Rua ….

7. O motociclo ...-BV-... circulava pela hemi-faixa direita da via, atento o sentido Santarém – Torres Novas.

8. (…) a velocidade não concretamente apurada mas superior a 50 km/h.

9. O veículo HA – ...J estava estacionado no mesmo sentido entre a estrada e o passeio em frente ao café “O EE”.

10. O condutor do referido veículo pretendia iniciar a marcha e virar logo à esquerda no entroncamento na Rua … em direcção a Chã de Baixo.

11. Saiu do estacionamento avançando obliquamente para o entroncamento, e entrou na hemi-faixa de rodagem, interceptando a trajectória do motociclo ...-BV-....

12. O qual ainda tentou desviar-se para a esquerda, não conseguindo, contudo, evitar o embate na parte da frente lateral esquerdo do veículo automóvel.

13. O condutor do veículo ...-BV-... não accionou o sinal de mudança de direcção, nem olhou para o espelho retrovisor para se certificar se vinha alguma viatura no mesmo sentido.

14. Não vinha qualquer viatura em sentido contrário.

15. O embate já ocorreu na hemi-faixa esquerda, junto ao eixo da via.

16. Com a violência do embate o condutor do motociclo e ora 1º Autor foi projectado no solo, tendo ficado imobilizado na berma da estrada.

2.1.17. Foi assistido no local pelo INEM e transportado para o Hospital Distrital de Santarém.

18. Face à gravidade das lesões foi transferido para o hospital de Santa Maria em Lisboa.

19. Em consequência do embate e posterior projecção ao solo, o 1º Autor AA sofreu as seguintes lesões:

- Fractura apófise odontóide (cominutiva tipo 2);

- Fractura subluxação C6-C7 com fractura pedículo direito de C7 monoparésia do membro superior direito.

20. Esteve internado no Hospital de Santa Maria até 10/07/2009.

21. Até 06/07/2009 permaneceu com tração esquelética (compasso craniano com 7Kg).

22. Em 06/07/2009 foi submetido a intervenção cirúrgica, onde foram efectuados os seguintes procedimentos:

- artrodese posterior C1-C2;

- descompressão e raiz C6 direito

- artrodese posterior

23. Foi transferido novamente para o Hospital de Santarém em 10/07/2009, para iniciar reabilitação, tendo estado internado até 22/07/2009.

24. Em 04/01/2010 foi internado para remoção de material ao nível C1-C2, tendo tido alta em 08/01/2010.

25. Após alta manteve seguimento em consulta externa de Ortopedia no Hospital de Santa Maria até 18/03/2011.

26. Fez tratamentos de fisioterapia até Junho de 2011, num total de 77 tratamentos.

27. Foi submetido a exame médico-legal em 31/10/2012, na sociedade “FF – Gestão, Consultadoria e Serviços Médicos Lda.”, que emitiu relatório do qual se extrai o seguinte:

27.1. À data do exame verificam-se as seguintes queixas:

1. A nível funcional, compreendendo este nível as alterações das capacidades físicas ou mentais:

- Postura, deslocamentos e transferências: marcha normal;

- Manipulação e preensão: ligeira tetania quando tenta fazer pinça com mão direita e diminuição de força no membro superior direito;

- Comunicação: sem alterações;

- Cognição e afectividade: sem alterações major;

- Controlo de esfíncteres: sem alterações;

- Sexualidade e procriação: sem alterações referidas;

- Fenómenos dolorosos: dor esporádica referida a região cervical;

- Outras queixas a nível funcional: refere alteração de sensibilidade (no sentido da diminuição) no hemicorpo direito

2. A nível situacional, compreendendo este nível a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efectuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de factores pessoais e do meio, refere:

- Actos da vida diária: dificuldade ligeira na condução de veículos, evicção de actividades constantes de programa pedagógico do seu curso que exijam esforço como seja subida a andaimes;

- Vida afectiva, social e familiar: refere limitação na continuação das actividades físicas praticadas anteriormente e que faziam parte das suas actividades de lazer (futebol, ski, bicicleta);

- Vida profissional ou de formação: evicção de actividades constantes de programa pedagógico do seu curso que exijam esforço como seja subida a andaimes; prevê a necessidade de alteração de curso; tinha planos a longo prazo que incluíam a actividade anteriormente desenvolvida.

27.2. Do exame resultaram apuradas as seguintes lesões/sequelas:

- Pescoço: mobilidade geral limitada; flexão-extensão ao nível da charneira cervico-dorsal (movimento feito à custa de apenas segmentos superiores da referida coluna o que limita todo o arco a cerca de 509); inclinação lateral de cerca de 309 para cada lado; rotação de cerca de 152 para a esquerda e 302 para a direita; cicatriz quelóide na região cervical posterior, na linha média com 22 cm comprimento e 2 cm largura;

- Ráquis: sem alterações;

- Tórax: sem alterações

- Abdómen: sem alterações;

- Períneo: sem alterações;

- Membro superior direito: ligeira tetania quando inicia pinça com a mão;

diminuição de força em relação ao lado contra-lateral, mas mantendo um grau 4 (a força da contracção muscular já consegue vencer a resistência do examinador);

- Membro superior esquerdo: refere alteração de sensibilidade térmica;

- Membro inferior direito: sem alterações;

- Membro inferior esquerdo: refere alteração de sensibilidade térmica;

27.3. Resulta do referido relatório que:

Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática e o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões.

27.4. O tipo de traumatismo sofrido (choque frontal da motorizada com projecção) foi de um grau de gravidade elevado e as sequelas que apresenta actualmente, dificultam a manutenção das actividades realizadas previamente, no âmbito da sua formação profissional.

27.5. Dada a imobilidade verificada ao nível da charneira cervico-dorsal, é previsível a médio longo prazo, a evolução artrósica em níveis superiores da coluna vertebral com concomitante agravamento de episódios de dor e de limitação da mobilidade.

27.6. A data de consolidação das lesões é fixável em 30/06/2011 (data em que finalizou tratamentos de fisioterapia).

27.7. No âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes:

- O período de Incapacidade Temporária Geral Total é fixável em 197 dias (de 26/06/2009 a 08/01/2010);

- O período de Incapacidade Temporária Geral Parcial é fixável em 535 dias (de 09/01/2010 a 30/06/2011 - finalização de tratamentos de fisioterapia);

- A Incapacidade Temporária Profissional Total (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional), fixável num período de 262 dias (26/06/2009 a 14/03/2010);

A Incapacidade Temporária Profissional Parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível à vítima desenvolver a sua actividade profissional, ainda que com certas limitações), fixável num período de 368 dias (15/03/2010 a 18/03/2011);

Quantum doloris grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta tratar-se de uma vítima de acidente grave de que resultaram sequelas, que se traduziram em perda imediata de autonomia motora.

27.8. Com base na avaliação retirada da Tabela, mas considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas não afectarem o examinado em termos de autonomia e independência, mas serem causa de limitação física, propõe-se uma Incapacidade Permanente Geral fixável em 17 pontos, a partir da data de consolidação médico-legal das lesões.

27.9. O dano futuro (correspondente ao agravamento das sequelas, que com elevada probabilidade se irá registar, e que se pode traduzir num aumento da incapacidade permanente geral), sendo de valorizar mobilidade de charneira cervicodorsal onde ainda tem material de osteossíntese condicionante de anquilose entre as vértebras C6 e Dl e não é de prever a melhoria da mobilidade a este nível com a remoção deste material. Objectivada diminuição de força muscular do membro superior direito (membro dominante), em relação a membro superior contra-lateral, e ligeiríssima atrofia muscular de região escapular direita, a que se atribui um valor de 10 pontos.

27.10. O rebate profissional das sequelas resultantes são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.

27.11. O Dano Estético (correspondente à repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem em relação a si próprio e perante os outros), fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a cicatriz quelóide na região cervical;

27.12. O Prejuízo de Afirmação Pessoal (correspondente à impossibilidade estrita e específica para a vítima de se dedicar a certas actividades culturais, desportivas ou de lazer, praticadas previamente ao evento responsável pelas sequelas e que representavam, para esta, um amplo espaço de realização pessoal), fixável no grau 4, numa escala de cinco graus de gravidade crescente, tendo em conta que abandonou a actividade praticada previamente e não lhe é possível retomar nem essas nem outras que impliquem esforços acrescidos ou possam exigir movimentos mais rápidos.

27.13. As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, tal como o desenho técnico.

28. No início do internamento no Hospital de Santarém e no Hospital de Santa Maria, apresentava-se dependente na realização das suas actividades de vida diárias.

29. Em consequência do acidente o 1º Autor ficou impossibilitado de continuar o estágio iniciado em 8 de Junho e com duração prevista até 21 de Agosto.

30. A mãe do Autor obteve 264 dias de baixa junto do Centro de Saúde, a fim de prestar assistência ao mesmo.

31. Em consequência do embate o motociclo, sofreu estragos cuja reparação orça em €3.319,14, sendo que o preço de elaboração do orçamento foi de €30,00, quanto a esta suportada pelo 2º Autor.

32. À data mencionada em 1. a responsabilidade pelos danos causados a terceiros em virtude da circulação do veículo HA-146J, tinha sido assumida pela Ré DD, S.A, mediante contrato de seguro titulado pela Apólice nº ….


De direito:

1. Sustenta a recorrida que recorrente BB carece de legitimidade para recorrer, nos termos do disposto nos artigos 631º nº 1 e 30º do Código de Processo Civil, uma vez que o cálculo do dano futuro, única questão que nele é colocada, apenas diz respeito ao recorrente AA.

Defende ainda que o presente recurso de revista é processualmente inadmissível de acordo com os requisitos fixados no artigo 671º do citado código por violar a regra da dupla conforme, posto que o Tribunal da Relação se limitou a corrigir o valor indemnizatório atribuído, sendo a fundamentação usada no seu essencial a mesma quando comparada com aquela que consta da sentença da 1ª instância.

        Apreciando:

De harmonia com o estabelecido no artigo 631º do Código de Processo Civil os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido ou por quem tenha sido directa e efectivamente prejudicado pela decisão, ainda que não seja parte na causa ou seja apenas parte acessória.

Parte principal é quem demanda ou é demandado, quem no processo sustente um interesse próprio. Na definição de Anselmo de Castro, partes são as pessoas que requerem e as pessoas contra quem se requer a providência judiciária a que tende a acção, conceito meramente formal que abstrai da efectiva existência e titularidade do direito a tutelar (in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, Almedina, 1982, pág. 98).

A legitimidade ad recursum relativamente às partes principais, única que aqui releva, determina-se pela utilidade da procedência do recurso em função do prejuízo causado por uma decisão desfavorável ao recorrente. Só a parte que viu rejeitada, total ou parcialmente, a sua pretensão em juízo pode interpor recurso, cingindo-se este, em caso de decaimento parcial, à concreta parte da decisão em que a sua pretensão naufragou.

A expressão «tenha ficado vencido» usada no preceito em análise deve interpretar-se com o sentido de que pode recorrer a parte principal que tenha ficado «afectada ou prejudicada» pela decisão e que a pretenda impugnar para tribunal hierarquicamente superior, não se confundindo o conceito de legitimidade para efeito de recurso com a noção de legitimidade processual a que refere o artigo 30º do Código de Processo Civil, (cfr. neste sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil III, pág. 16, e Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág.19).

No caso vertente, o recurso tem unicamente por objecto o segmento do acórdão recorrido que alterou, reduzindo-a, a indemnização arbitrada ao recorrente AA a título de reparação do dano patrimonial futuro resultante do acidente de viação.

Esta decisão, que consubstancia sem dúvida um prejuízo para este autor, não se reflectiu, ainda que indirectamente, no decidido quanto ao autor BB, não lhe causando, consequentemente, qualquer prejuízo. Na verdade, a sentença da 1ª instância no segmento em que apreciou o pedido deste recorrente, manteve-se intocada na Relação.

Não podendo considerar-se o autor BB parte vencida em face do decidido no acórdão recorrido, falta-lhe legitimidade para o impugnar, motivo por que se não admite o recurso de revista por si interposto.


No que tange à alegada dupla conformidade de decisões impeditiva da admissibilidade do recurso de revista interposto por AA, pode adiantar-se, desde já, que não assiste razão à recorrida.

Com efeito, o acórdão sob censura deu parcial provimento à apelação e modificou a sentença proferida na 1ª instância, reduzindo o quantum indemnizatório naquela arbitrado para o ressarcir do dano patrimonial futuro, com base na alteração do montante do salário a considerar no cálculo daquela indemnização.

Ao contrário do que defende a recorrida, não se está perante uma mera correcção de valor, mas perante uma modificação nos critérios do cálculo da indemnização, questão que se revela essencial na economia do processo.

Na verdade, resolvida a questão da culpa na produção do acidente e verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a definição dos critérios que devem presidir à fixação do valor indemnizatório reveste, seguramente, a natureza de questão essencial.

E quanto a esta concreta e relevante questão as instâncias divergiram claramente, podendo afirmar-se sem dificuldade que, no caso, existem decisão e fundamentação essencialmente diferentes no que tange ao segmento relativo à determinação do dano patrimonial futuro a indemnizar.

Termos em que, inexistindo, neste particular, dupla conformidade nas decisões das instâncias, é o recurso interposto pelo autor AA admissível, do mesmo se passando a conhecer.


2. Convergiram as instâncias, com a aceitação das partes, quer quanto à verificação, no caso vertente, dos pressupostos da responsabilidade civil aquiliana ou extracontratuais enunciados no artigo 483º do Código Civil, quer na fixação da proporção da culpa de cada um dos condutores dos veículos intervenientes no acidente.

Com efeito, tendo-se concluído pela existência de concorrência de culpas de ambos os condutores na ocorrência do acidente, graduaram-se as respectivas culpas, fixando-se em 90% a do condutor da viatura ligeira de passageiros a que respeita o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a ré, ora recorrida, e do qual advém a sua obrigação de indemnizar, e em 10% a do autor AA, condutor do motociclo.

A questão de mérito a apreciar e decidir prende-se, tão-somente, com a justeza dos critérios utilizados pelo Tribunal da Relação para a determinação da indemnização por danos futuros fixada, concretamente do montante do salário mensal a considerar.

O artigo 562º do Código Civil consagra o princípio geral de que a reparação do dano “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. No cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado – teoria da diferença –.

Como é sabido, a obrigação de indemnizar não se restringe aos danos já verificados, impondo o n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil que sejam tidos em conta os danos futuros desde que previsíveis, isto é, os danos certos – porque redundam no desenvolvimento de um dano actual – ou, pelo menos, suficientemente prováveis ou razoavelmente prognosticáveis (cfr. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, pág. 380).

O que permite afirmar que a previsibilidade pressuposta na ressarcibilidade dos danos futuros assenta na probabilidade e na verosimilhança daqueles.

Concentremo-nos, portanto, no dano resultante da perda ou diminuição da capacidade de ganho, dano que corresponde ao efeito, temporário ou definitivo, de uma lesão sofrida pelo ofendido que se revela impeditiva da obtenção normal de proventos no futuro como contrapartida do seu trabalho.

Não suscita controvérsia, na doutrina e na jurisprudência, a categorização desse dano como um dano corporal – causado por uma lesão hétero-infligida que atinge a anatomia e a fisiologia do indivíduo e cujas repercussões podem não se cingir ao campo biológico –, futuro – na medida em que projecta em sequelas que se agravarão com o avançar dos tempos – e previsível – por corresponder à “evolução lógica, habitual e normal do quadro clínico constitutivo da sequela” (cfr. Teresa Magalhães e Diogo Pinto da Costa, “Avaliação do dano na pessoa em sede de Direito. Perspectivas actuais”, in Revista da Faculdade de Direito do Porto, págs. 427, 442 e 443).

Assim caracterizado, é pacífico afirmar que tal dano tem natureza patrimonial e deverá ser ressarcido a título de dano futuro. Trata-se de uma das vertentes do dano biológico, que se restringe à perda total ou parcial da capacidade de ganho em função da actividade profissional que, previsivelmente, o lesado poderia desenvolver e de que ficou privado (lucro cessante), em virtude da incapacidade que lhe sobreveio em resultado das lesões físicas que sofreu no acidente (cfr., entre muitos outros, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 10.10.2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1, acessível em www.dgsi/jstj.pt):

Volvendo ao caso dos autos, temos a considerar a seguinte facticidade relevante para a decisão da questão em análise:

- Dada a imobilidade verificada ao nível da charneira cervico-dorsal, é previsível a médio longo prazo, a evolução artrósica em níveis superiores da coluna vertebral com concomitante agravamento de episódios de dor e de limitação da mobilidade.

- Com base na avaliação retirada da Tabela, mas considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas não afectarem o examinado em termos de autonomia e independência, mas serem causa de limitação física, atribui-se uma Incapacidade Permanente Geral fixável em 17 pontos, a partir da data de consolidação médico-legal das lesões.

- O dano correspondente ao agravamento das sequelas, que com elevada probabilidade se irá registar, pode traduzir-se num aumento da incapacidade permanente geral, sendo de valorizar mobilidade de charneira cervico-dorsal onde ainda tem material de osteossíntese condicionante de anquilose entre as vértebras C6 e Dl, não sendo de prever a melhoria da mobilidade a este nível com a remoção deste material.

- Objectivada diminuição de força muscular do membro superior direito (membro dominante), em relação a membro superior contra-lateral, e ligeiríssima atrofia muscular de região escapular direita, a que se atribui um valor de 10 pontos.

- As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, tal como o desenho técnico.

- As sequelas apresentadas actualmente dificultam a manutenção das actividades realizadas previamente, no âmbito da sua formação profissional.

Sendo inquestionável o direito do autor AA a uma indemnização de cariz patrimonial pela perda de capacidade de ganho futura, no que convergem as instâncias.

Como se referiu, a divergência centra-se unicamente no valor do salário mensal a considerar como base de cálculo – retribuição mínima mensal ou o salário que o autor presumivelmente viria a auferir se tivesse concluído a sua formação –, posto que, quanto a todos os demais parâmetros, as instâncias tiveram entendimento idêntico.

Com efeito, o Tribunal da Relação teve por boa a fórmula de cálculo usada na sentença da 1ª instância, bem como os critérios utilizados, salvo no que tange ao valor do salário mensal a ter em conta. Entendeu, neste particular, que seria de atender ao montante da retribuição mínima mensal reportada ao ano de 2011, fixando o valor da retribuição anual do autor em € 1.883,30 (€ 485,00 x 14 meses x 27% de IPG), por ter resultado apenas provado que o autor em consequência do acidente ficou impossibilitado de continuar o estágio e inexistirem quaisquer elementos susceptíveis de permitir conjecturar o seu desempenho profissional futuro.

E, retomando a fórmula utilizada naquela sentença, encontrou o valor de € 49.935, 72 72 [em que P = 1.833,30; N = 56, i=0.03; 1/i = 33.3333; 1+i =1,03; (1+i)^n = 5.234613; (1+i)^-n = 0.191036]. Este seria, segundo o acórdão recorrido, o capital que permitiria ao autor Nuno realizar anualmente 27%% da remuneração anual de € 6.790,00 (€485,00 x 14 meses) e que se esgotaria ao fim de 56 anos da sua previsível vida.

No entanto, fixou a indemnização em € 60.000,00 com base no entendimento de que o capital encontrado «não contempla algumas variáveis relevantes, como o nível remuneratório futuro do 1º A., a evolução provável da sua situação profissional ou o acerto da evolução da inflação, por isso que, corrigindo aquele montante com recurso à equidade e por forma a espelhar estas variáveis, bem como a proporção da culpa que foi atribuída ao 1º A. na produção do acidente».

Propendemos para a solução encontrada na sentença da 1ª instância.

O valor da retribuição mínima mensal constituirá a base de cálculo nas situações em que o sinistrado tem formação indiferenciada e não desempenha actividade profissional geradora de proventos concretos ou exerce actividade não remunerada (v.g. tarefas domésticas), que, tendo embora um valor económico, não é concretamente quantificável.

Ficciona-se, então, como valor a atender o equivalente ao salário mínimo para efeitos de cálculo da indemnização.

No caso, o autor AA era à data do acidente um jovem com 21 anos, estudava condução de obra e desenho técnico, sendo que as sequelas das lesões sofridas em resultado do acidente são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, ou seja, impossibilitaram-no de prosseguir os estudos para conclusão dos estudos e posterior exercício da correspondente actividade profissional, embora tais sequelas sejam compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, tal como o desenho técnico.

Este Supremo Tribunal de Justiça tem decidido em casos paralelos, ou seja, quando o lesado não desempenha qualquer actividade profissional remunerada, como acontece se for ainda estudante, que terá de fazer-se uma projecção futura com base na formação que tem ou poderia, razoável e previsivelmente, vir a ter se não tivesse corrido o acidente (cfr. neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2006 e de 31.01.2007, proferidos nas revistas nº 3622/06-2ª secção e nº 4301/06-6ª secção, respectivamente).

A indemnização por danos futuros deve assentar no salário equivalente às funções que o lesado viria a desempenhar de acordo com formação de condução de obra e desenho técnico que poderia vir a desempenhar no futuro se não tivesse ficado impedido de concluir os seus estudos e a sua condição física após o acidente lhe permitisse um tal desempenho.

Só desta forma se reconstituirá a situação que previsivelmente existiria, não fora o acidente causador do dano, e compensará o lesado pela relevante restrição na actividade profissional a desenvolver e correspondente redução de oportunidades susceptíveis de lhe proporcionar acréscimo de rendimentos.

O que significa que, apesar de o autor não ter sofrido uma real diminuição da capacidade de ganho, porquanto na data do acidente era estudante, a indemnização a atribuir deverá ter por base de cálculo o salário que, previsivelmente e com razoabilidade, viria a receber no exercício da actividade profissional correspondente à sua formação técnico-profissional e não retribuição mínima nacional.

No cômputo da indemnização não pode esquecer-se ainda que as sequelas das lesões sofridas pelo autor não estão estabilizadas, porquanto resultou provado que irão agravar-se com limitação da mobilidade devido à evolução artrósica em níveis superiores da coluna vertebral dada a imobilidade verificada ao nível da charneira cervico-dorsal.

Temos, assim, por adequado o salário médio mensal de € 905,10 [indicado pela Prodata na internet] considerado na sentença da 1ª instância.

     Neste contexto, com base nesse salário mensal (€ 905,10) e tomando por referência a fórmula de cálculo utilizada pelas instâncias, a qual constitui um ponto de partida para a quantificação da indemnização – num esforço de concretização de critérios que reduza indesejáveis discrepâncias –, mas não dispensa a intervenção da equidade como elemento corrector, tem-se por equitativo e adequado manter a indemnização no montante de € 108.000,00 atribuída na sentença da 1ª instância ao autor AA para o ressarcir do dano patrimonial futuro, valor correspondente à proporção da culpa do segurado da ré (90%) na produção do acidente.


      III. Decisão:

       Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em:

a) não admitir o recurso de revista interposto pelo autor BB por carecer de legitimidade para impugnar o acórdão sob censura;

b) conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido, se condena ré DD, S.A., a pagar ao autor AA indemnização no montante de € 108.000,00, a título de danos patrimoniais futuros, como decidido na sentença proferida na 1ª instância.

 Custas pela recorrida.


Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Nunes Ribeiro