Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1323/21.0T8PTG-A.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ARRENDAMENTO RURAL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO
DÍVIDA
EXECUÇÃO
RENDA
PAGAMENTO
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. [cfr. artigo 33.º do DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que estabelece o Novo Regime do Arrendamento Rural (NRAR)].

II. Porém, quando, antes da execução, o arrendatário / executado tenha proposto acção declarativa impugnando aquela comunicação, produz-se alguma incerteza quanto à existência do direito de crédito invocado pelo senhorio / exequente.

III. Assim, a acção declarativa proposta pelo arrendatário constitui causa prejudicial que justifica a suspensão dos embargos em curso, devendo estes aguardar a decisão que venha a ser proferida naquela acção, a qual determinará o desfecho dos embargos.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrido: BB

1. BB deduziu o posição, por embargos de executado, à execução que lhe move AA, invocando a “não existência ou inexequibilidade” do título dado à execução, visto a notificação judicial avulsa que integra o título dado à execução ter sido impugnada na acção declarativa que identifica, a excepção de litispendência e/ou causa prejudicial, em face do pedido reconvencional deduzido pelo aqui exequente/embargado naquela acção, e, no mais, impugnado a obrigação exequenda.

Concluiu pedindo a procedência dos embargos, a suspensão da execução nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC e a condenação do embargado como litigante de má-fé.

2. O exequente/embargado contestou, pedindo, além do mais, o prosseguimento da execução e a suspensão dos embargos com base em causa prejudicial ou, caso assim se não entenda, pediu a sua absolvição da instância por litispendência.

3. Entendendo-se que a matéria de excepção já tinha sido suficientemente debatida pelas partes nos articulados, e que a audiência prévia apenas se destinava aos fins indicados nas als. a) e b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC, ex vi artigo 732º, n.º 2, do mesmo código, dispensou-se a realização da mesma e proferiu-se despacho saneador, no qual se decidiu:

“… julgam-se procedentes os embargos, com a consequente extinção da acção executiva apensa”.

4. Inconformado, apelou o exequente/embargado.

5. O Exmo. Relator Desembargador do Tribunal da Relação de Évora proferiu o seguinte despacho:

(…) verificando-se da análise preliminar dos autos, que o tribunal poderá vir a pronunciar-se sobre questão prévia, consistente na falta ou insuficiência de título, conducente à rejeição da execução, nos termos dos artigos 729º, alínea a), e 726º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil – questão que, além de ter sido invocada nos embargos é do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 734º do mesmo código –, sob o entendimento de que o exequente, não obstante o teor da norma do n.º 2 do artigo 33º do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, não dispunha de título executivo bastante, porquanto a formação do título complexo resultante desta norma pressupõe que a comunicação do valor das rendas em falta ao arrendatário, aqui operada por notificação judicial avulsa, se tenha consolidado na ordem jurídica e nela produza os seus efeitos úteis normais, o que não terá sucedido no caso por via da sua impugnação na acção de proc. n.º 82/20...., em cumprimento do contraditório, determina-se a notificação das partes para, querendo, em dez dias, se pronunciarem sobre esta questão.

6. Em resposta, o exequente/embargado alegou, em síntese, que o contrato de arrendamento, acompanhado na notificação judicial avulsa, nos termos dos artigos 33º, n.º 2, e 26º do Novo Regime do Arrendamento Rural, constitui título executivo, não estando a sua exequibilidade dependente da não impugnação da notificação, e o executado/embargante pronunciou-se no sentido da inexistência de título executivo.

7. Em sequência, o Tribunal da Relação de Évora proferiu Acórdão em que se decidiu:

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida que julgou extinta a execução”.

8. Ainda inconformado, recorre o embargado para este Supremo Tribunal, pedindo, subsidiariamente, revista excepcional.

Conclui assim as suas alegações:

A. A fundamentação jurídica propugnada pela Relação é essencialmente diferente daquela defendida pela 1.ª Instância, dado que as referidas decisões se fundam em institutos claramente distintos e totalmente autónomos entre si – a saber, no primeiro caso, a existência de litispendência, e no segundo, a própria falta de título executivo – pelo que não ocorre a dupla conforme vertida no n.º 3 do artigo 671º do CPC, e, em consequência, deve o presente recurso de revista ser admitido.

B. Mesmo que assim não se entendesse, o presente recurso sempre deveria ser admitido como de revista excepcional porquanto sempre estaria em causa “(…) uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;(…) - 672.º, n.º 1, a) do CPC.

C. A importância da questão a decidir se projecta para além da situação concreta em análise, dada a sua potencial relevância para inúmeros casos de títulos executivos extrajudiciais, que, a vingar a tese do Tribunal Recorrido, passam a poder perder força executiva com muito maior facilidade, assim se minando a certeza e segurança jurídica dos operadores jurídicos.

D. A certeza e segurança dos operadores jurídicos torna necessária a apreciação da questão aqui tratada, também por não se conhecerem decisões judiciais que tenham versado sobre ela, sendo patente o seu ineditismo ou, pelo menos, escasso tratamento na jurisprudência, nomeadamente a dos tribunais superiores.

E. Mostra-se, portanto, de toda a conveniência que sobre tal questão recaia pronúncia do órgão jurisdicional que tem por missão principal apreciar questões de direito.

F. E sempre seria da maior importância esclarecer a questão aqui tratada, uma vez que cumpre saber se é lícito ao intérprete e aplicador do direito defender uma solução -como faz o Tribunal a quo - que não encontra no texto legal um mínimo de correspondência.

G. Deve ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de revista excepcional, uma tese – a preconizada pelo Tribunal da Relação no caso em apreço – que poderá anular a força executiva de vários dos títulos executivos legalmente consagrados como tal, e abalar as bases de todo o sistema processual executivo, alterando a força das acções executivas e, em particular, frustrando o regime próprio da oposição à execução.

H. Urge tornar claro o porquê de a formação do título executivo estar condicionada à inexistência – até quando? - de uma acção de impugnação onde se discute o direito de cobrar as rendas, e ao próprio desfecho de tal acção.

I. A tese do Tribunal da Relação de Évora - “(…) para que haja formação de título exequível é necessário que a comunicação da obrigação constante do título complexo em causa, veiculada pela notificação prevista na lei, se tenha consolidado na ordem jurídica e alcançado o seu efeito útil normal, o que pressupõe que não tenha sido impugnada a obrigação de pagamento ou a eficácia dessa comunicação, anteriormente à instauração da acção executiva.” - não tem qualquer respaldo na lei.

J. O nº 2 do art. 33º do RJAR não contém qualquer requisito de “não impugnação” – muito menos de uma não impugnação num determinado prazo – da comunicação do valor das rendas em dívida, para que esta seja, em conjunto com o contrato de arrendamento, título executivo para uma execução para pagamento de quantia certa.

K. Se a intenção do legislador fosse fazer depender a força executiva da comunicação do valor das rendas em dívida de uma “consolidação” vinda da sua não impugnação, tê-lo-ia prescrito expressamente, incluindo com indicação do facto consolidante ou extintivo e de um prazo para a sua produção, tal como fez, com carácter excepcional, nas situações, bem delimitadas, da denúncia ou oposição à renovação do contrato de arrendamento rural (cfr. artigo 30º, nº 4 do RJAR), as quais nem sequer comungam com a presente notificação judicial avulsa a justificação por incumprimento da outra parte da relação locatícia, que esta indubitavelmente tem.

L. É, pois, também por um simples argumento a contrario, que se conclui que a comunicação do valor das rendas em dívida não está sujeita a nenhum “prazo de prova” ou algo semelhante para que tenha força executiva para efeito de pagamento de quantia certa.

M. Caberia perguntar: a partir de quando é que uma notificação judicial avulsa com comunicação de resolução por falta de pagamento de rendas poderá “consolidar-se” como título executivo para instauração da execução para pagamento de quantia certa, com vista à obtenção do pagamento das rendas? Quanto tempo terá de se esperar? A lei não estabelece qualquer prazo para o efeito! Nem o nº 2 do art. 33º do RJAR nem qualquer outra norma.   

N. Se se considerasse que basta que a acção “de impugnação” da comunicação seja proposta antes da instauração da execução para que já se considere “não consolidada” a comunicação como título executivo, então tudo dependeria de saber quem foi mais rápido a actuar: quem “ganhar a corrida” da propositura de acções judiciais obtém a posição favorável quanto à existência de título.

O. A formação de um título executivo, cujos requisitos são determinados pela lei, não poderia ficar dependente de tão volúvel critério, nem a segurança jurídica dos intervenientes ser determinada por não aleatória bitola.

P. Nada a autoriza a interpretação de que o título aqui dado à execução, formado nos precisos termos do Novo Regime do Arrendamento Rural, não é título executivo pela mera constatação de que foi proposta uma acção de impugnação, ainda que anterior à instauração da execução, quando nada na lei refere que a formação do título executivo poderá ser condicionada por uma acção de impugnação prévia à instauração de uma acção executiva, onde se discuta o direito de cobrar as rendas.

Q. Isso não impede que o título – sem que lhe seja negada a existência – possa ser atacado na substância.

R. Foi precisamente para isso que o legislador previu, expressamente, que dentro do litígio executório, exista uma fase em que é possível ainda discutir a relação jurídica que está na base do título dado à execução: a fase da oposição à execução.

S. A decisão do Tribunal a quo merece censura, porquanto pretende tornar imediatamente inexequível um título que a que a lei confere força executiva sem que exista qualquer decisão que o invalide.

T. Inverte, assim, os termos com que o legislador perspectiva toda esta questão, e que passam pelo reconhecimento do valor específico de um título executivo, que não pode ser inutilizado só porque o executado se lembrou de o pôr em causa perante um tribunal.

U. Admitir-se a possibilidade de fazer depender a formação do título executivo de uma fase ulterior, não prevista na lei, constituiria uma machada em todo o regime processual da execução: em particular, frustra completamente o regime da oposição à execução, e as especiais cautelas com que este revesta a possibilidade, sequer, de a execução ficar suspensa, e sobretudo a regra de que a título formalmente válido só pode retirar-se a força executiva depois de uma decisão judicial que o decrete (precisamente no apenso de oposição à execução).

V. A tese do Tribunal da Relação de Évora improcede também por não respeitar o critério hermenêutico básico estabelecido no artigo 9º, nº 2 do Código Civil: Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

W. O acórdão viola, portanto, os artigos que conferem força executiva à comunicação da resolução do contrato de arrendamento juntamente com o próprio contrato (art. 703.º, n.º 1, alínea d) do CPC, art. 10º, nº 4, 5 e 6 do CPC e art. 33.º, n.º 2 do Novo Regime do Arrendamento Rural), e também todo o regime processual executivo instituído no Código de Processo Civil, nomeadamente o regime da Oposição à Execução e em particular o seu artigo 733º”.

9. O embargante apresentou contra-alegações, onde conclui:

1.ª – Bem “andou” o Tribunal “a quo” quando decidiu que o AA não tem título executivo próprio que lhe permitisse proceder à Execução, uma vez que o alegado “título” que o Apelante dizia ter não estava consolidado na ordem jurídica como tal.

2.ª – Bem “andou” o Tribunal “a quo” quando decidiu que a formação do título está condicionada ao desfecho da Acção Proc. n.º 82/20...., ainda pendente.

3.ª – No “fundo” bem decidiu o Tribunal “a quo” quando deliberou que o Recorrente/Embargado não tem título executivo e, como tal, manteve a Decisão proferida pela 1.ª Instância que julgou extinta a execução.

4.ª – O comportamento processual do Recorrente AA propondo execução em juízo em 02/12/2021 quando bem sabia que há mais de 1 ano (desde 24/09/2020), no âmbito do Proc. n.º 82/20...., onde apresentou Pedido Reconvencional com objecto igual/idêntico em substância, se anda (continua a andar) a discutir/dirimir a matéria/composto fáctico subjacente à execução que ilícita e ilegalmente e sem título propôs em 02/12/2021, consubstância litigância de má-fé. Pelo que,

5.ª – O Recorrente AA deverá ser condenado como litigante de má-fé em multa e a indemnizar o Recorrido BB nos termos e para os efeitos do estabelecido nos artsº 542º e 543º, do C.P.C., a liquidar em execução de Sentença; o qual se requer.

6.ª – A Decisão/Deliberação proferida pelo Tribunal da Relação de Évora (T.R.E.), deverá manter-se na íntegra. Com efeito,

7.ª – Deverá ser proferido douto Acórdão que, mantendo a Decisão/Deliberação proferida pelo T.R.E., julgue extinta a Execução com o fundamento na inexistência de título executivo”.

10. Foi proferido despacho no Tribunal da Relação de Évora, com o seguinte teor:

AA, embargado nos pressentes autos, notificado do acórdão desta Relação de 25/01/2023, que julgou improcedente o recurso de apelação e manteve a decisão da 1.ª instância, que julgou extinta a execução, veio, nos termos dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 637.º, 638.º. º, n.º 1, 639.º, 671.º, n.º 3, 674.º, n.º 1, a), 675.º, n.º 1, 676.º, todos do Código de Processo Civil, interpor recurso de Revista e, subsidiariamente, recurso de Revista Excepcional, nos termos do artigo 672º, n.º, 1, alínea a), do mesmo código.

Porque o recorrente tem legitimidade, está em tempo, e o acórdão é susceptível de recurso em face do disposto no n.º 1 e 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, posto que, não obstante ter mantido a decisão de extinção da execução proferida pela 1ª instância, adoptou fundamentação diversa, admite-se o recurso como de REVISTA (dita normal ou ordinária), com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

Notifique e remeta os autos ao STJ, com cópia do acórdão recorrido em formato word, que agora disponibilizo”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se o Tribunal recorrido, ao julgar extinta a execução por falta ou insuficiência de título executivo, ofendeu alguma disposição legal.


*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

O Tribunal a quo considerou com interesse para a decisão as ocorrências processuais referidas no relatório do Acórdão recorrido (e reproduzidas no presente relatório) e ainda as seguintes, apuradas dos presentes autos e da consulta ao processo de execução:

1) O exequente instaurou a execução a que se reportam os presentes embargos em 02/12/2021, para pagamento da quantia de € 75.571,94, referindo no requerimento executivo:

«Título executivo nos termos do art. 33º, nº 2 do Regime Jurídico do Arrendamento Rural, D.L. nº 294/2009, de 13 de Outubro.

Os factos constam do título executivo, formado pelo Contrato de Arrendamento e pela Notificação Judicial Avulsa pela qual foi comunicada a resolução do contrato, com o valor das rendas em dívida.»

2) Juntou o contrato e cópia da notificação judicial avulsa, na qual, na qualidade de senhorio, comunica o valor das rendas em dívida e “dá por resolvido, com efeitos imediatos, o contrato de exploração florestal celebrado entre as partes em 1 de Dezembro de 2010”, pedindo a entrega do prédio.

3) O requerido foi notificado desta comunicação em 03/09/2020; e

4) O aqui executado instaurou, em 24/09/2020, contra o exequente e seus filhos, acção declarativa de condenação, com processo comum, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, Juízo Central Cível ... – Juiz ..., Proc. n.º 82/20...., na qual impugna os fundamento da referida notificação e pede, além do mais, que seja “declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito jurídico ou outro a resolução do contrato de exploração florestal efectuada, ilícita e ilegalmente, através da notificação avulsa …”, e que declare não são devidos quaisquer montantes a título de rendas.

5) Nesta acção, os RR. apresentaram contestação e deduziram reconvenção, pedindo:

(i) Ser declarada a resolução válida e eficaz do contrato de arrendamento florestal celebrado entre o Primeiro Réu e sua mulher em 1 de Dezembro de 2010; Primeiro Réu, representado pelo seu acompanhante ora Segundo Réu, totalmente devoluto e livre de pessoas e bens;

(ii) Ser declarado o dever de restituição do imóvel arrendado ao ora Primeiro Réu desde o dia 3 de Setembro de 2020, e ordenado o seu despejo, condenando-se o Autor a devolvê-lo ao Primeiro Réu, representado pelo seu acompanhante ora Segundo Réu, totalmente devoluto e livre de pessoas e bens;

(iii) Ser declarado que o Autor não podia praticar quaisquer actos permitidos pelo contrato de arrendamento florestal, em particular os previstos nas suas cláusulas 5ª e 7ª desde o dia 3 de Setembro de 2020, e ser condenado o Autor a abster-se de praticar tais actos, nomeadamente qualquer corte de árvores;

(iv) Ser condenado o Autor a pagar ao Primeiro Réu a quantia de 68.572,00 € - ou, caso se considere aplicável o acordo denominado “Alteração a Contrato de Arrendamento Florestal” subscrito em 1 de Março de 2016, a quantia de 68.000,00 €, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano desde as datas de vencimento de cada uma das rendas anuais de 2017, 2018, 2019 e 2020, até integral pagamento;

(v) Ser condenado o Autor a pagar ao Primeiro Réu o valor anual correspondente ao dobro da renda contratual, calculado em termos proporcionais ao tempo que decorrer desde 3 de Setembro de 2020 até à restituição efectiva do arrendado, e que actualmente se computa em 14.090.14 € (ou 13.972,60 € caso se considere aplicável o valor de renda anual de 17.000,00 € referido no acordo de alteração subscrito em 1 de Março de 2016).»

O DIREITO

No despacho saneador conclui-se:

Ora, cotejadas as causas de pedir e respectivos pedidos expendidos na acção declarativa e na instância executiva, conclui o Tribunal que se verifica uma identidade nestes domínios, porquanto, nas duas instâncias, os embargados / reconvintes pugnam pela condenação do embargante / reconvindo no pagamento das rendas alegadamente em atraso com base no inadimplemento e subsequente resolução contratual.

Por seu turno, nos termos do disposto no art. 582.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.C., a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como tal a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.

Neste conspecto, verifica-se que a acção declarativa em análise foi instaurada em 26-10-2020 (data da citação do réu AA), ao passo que a acção executiva em crise foi proposta em Janeiro deste ano.

Em harmonia com o previsto no art. 576.º, n.º 2, do C.P.C., «as excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal».

Assim, face aos fundamentos supra enunciados, deverá a excepção da litispendência proceder, com a consequente extinção da acção executiva apensa, por força do disposto no n.º 4 do art. 732.º do C.P.C

Por conseguinte, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º. n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º, todos do C.P.C., julgam-se procedentes os embargos, com a consequente extinção da acção executiva apensa”.

Enquanto isto, no Acórdão recorrido começa por dizer-se:

Considerando o teor das conclusões apresentadas e a questão prévia suscitada, importa decidir se o exequente dispõe de título exequível e, na afirmativa, se deve ou não ser declarada extinta a execução por litispendência”.

Diz-se adiante:

Na decisão recorrida, julgaram-se procedentes os embargos de executado, sob o entendimento da “admissibilidade, em abstracto, da excepção de litispendência entre a acção declarativa e executiva”, e concluiu-se que, no caso, “… cotejadas as causas de pedir e respectivos pedidos expendidos na acção declarativa e na instância executiva, … se verifica uma identidade nestes domínios, porquanto, nas duas instâncias, os embargados/reconvintes pugnam pela condenação do embargante/reconvindo no pagamento das rendas alegadamente em atraso com base no inadimplemento e subsequente resolução contratual”.

Diz-se ainda:

Como se vê das alegações, o exequente/recorrente discorda deste entendimento, em síntese, sustentado estar munido de título executivo, e que “pela sua diferente natureza e objectivos não pode existir uma relação de litispendência entre uma acção declarativa (na qual se visa a declaração de um direito) e uma acção executiva (que visa apenas a execução a um direito previamente declarado ou reconhecido), além do mais por falta de identidade de pedidos.”

Porém, como se referiu, suscita-se a questão prévia enunciada pelo relator, no sentido de se apreciar se o exequente dispõe de título executivo bastante, resultante do facto de a validade e feitos da notificação judicial avulsa que formalmente integra o título executivo não se ter consolidado na ordem jurídica, por terem sido impugnados os fundamentos dessa notificação, na qual, além do mais, o exequente indicou o valor das rendas em dívida, que se peticionam na execução, e que fundaram o pedido de resolução do contrato e entrega do prédio veiculados por aquela notificação.

Em suma, a questão que se suscitou como “questão prévia” mais não é do que a da falta de exequibilidade do título, questão esta que o executado também suscitou nos embargos”.

E por fim:

“(…) para que haja formação de título exequível é necessário que a comunicação da obrigação constante do título complexo em causa, veiculada pela notificação prevista na lei, se tenha consolidado na ordem jurídica e alcançado o seu efeito útil normal, o que pressupõe que não tenha sido impugnada a obrigação de pagamento ou a eficácia dessa comunicação, anteriormente à instauração da acção executiva.

Ora, decorrendo a obrigação de pagamento das rendas da existência do contrato e, no caso, da comunicação efectuada por notificação judicial avulsa, e não podendo o arrendatário deduzir oposição à notificação, por não estar expressamente prevista no Novo Regime do Arrendamento Rural e o Código de Processo civil não a admitir (cf. artigo 257º, n.º 1), devem os notificados exercer os direitos respectivos nas acções próprias.

E a acção de impugnação em causa é meio idóneo para se impugnar a existência da obrigação, a validade e efeitos da notificação que incorpora o título.

Deste modo, se assim é, tendo sido previamente instaurada a competente acção de impugnação, a qual prossegue os seus termos, na qual se discute a validade e existência da obrigação exequenda comunicada pela dita notificação, que integra o título dado à execução, entende-se que a notificação não produziu os seus efeitos uteis normais que subjazem à formação do título e, por conseguinte, não estava o exequente munido de título exequível bastante à data da instauração da execução.

É que, em face da instauração da acção de impugnação o direito à cobrança das rendas tornou-se incerto, sendo objecto do litígio a dirimir na acção.

E, no caso, bem sabia o exequente da acção de impugnação, pois a mesma já tinha sido instaurada há mais de um ano à data da presente execução, sendo certo que nela deduziu pedido reconvencional, onde pede o reconhecimento da obrigação a que se reporta a notificação que incorpora o título dado à execução, o que evidencia a falta de certeza quanto à existência da obrigação exequenda.

Assim, a formação do título executivo está condicionada ao desfecho da referida acção de impugnação, que se encontrava pendente à data da instauração da execução.

Deste modo, improcede a apelação e, embora com diferente fundamentação da constante da decisão dos embargos, mantém-se a decisão recorrida, que julgou extinta a execução, ficando prejudicado o conhecimento da questão suscitada no recurso”.

Breve nota sobre a admissibilidade da revista

A primeira conclusão a retirar do que fica exposto acima diz respeito à admissibilidade do recurso.

É visível que não há dupla conforme dado que o Acórdão recorrido faz apelo a “fundamentação essencialmente diferente”, não se verificando, portanto, a situação que é referida no artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

O presente recurso deve, assim, ser admitido, como revista normal.

Do objecto do recurso

Decorre ainda do acima descrito que o Tribunal recorrido entendeu que não existia título executivo bastante para a presente execução.

Explicou o Tribunal que a formação do título executivo a que se refere a norma do n.º 2 do artigo 33.º do DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro, pressupõe que a comunicação do valor das rendas em falta ao arrendatário (operada por notificação judicial avulsa) esteja consolidada na ordem jurídica e nela produza os seus efeitos úteis normais; ora, segundo o Tribunal, isto não sucedia in casu, por via da sua impugnação na acção declarativa de condenação do Proc. 82/20.....

Recorde-se que esta acção foi proposta pelo executado, em 24.09.2020, contra o exequente e seus filhos e que nela o executado impugna os fundamento da notificação e pede que seja “declarada nula ou anulada e sem nenhum efeito jurídico ou outro a resolução do contrato de exploração florestal efectuada, ilícita e ilegalmente, através da notificação avulsa …”, e que não são devidos quaisquer montantes a título de rendas.

Ao raciocínio do Tribunal recorrido contrapõe o recorrente, entre outras coisas:

J. O nº 2 do art. 33º do RJAR não contém qualquer requisito de “não impugnação” – muito menos de uma não impugnação num determinado prazo – da comunicação do valor das rendas em dívida, para que esta seja, em conjunto com o contrato de arrendamento, título executivo para uma execução para pagamento de quantia certa.

K. Se a intenção do legislador fosse fazer depender a força executiva da comunicação do valor das rendas em dívida de uma “consolidação” vinda da sua não impugnação, tê-lo-ia prescrito expressamente, incluindo com indicação do facto consolidante ou extintivo e de um prazo para a sua produção, tal como fez, com carácter excepcional, nas situações, bem delimitadas, da denúncia ou oposição à renovação do contrato de arrendamento rural (cfr. artigo 30º, nº 4 do RJAR), as quais nem sequer comungam com a presente notificação judicial avulsa a justificação por incumprimento da outra parte da relação locatícia, que esta indubitavelmente tem.

L. É, pois, também por um simples argumento a contrario, que se conclui que a comunicação do valor das rendas em dívida não está sujeita a nenhum “prazo de prova” ou algo semelhante para que tenha força executiva para efeito de pagamento de quantia certa.

(…)

P. Nada a autoriza a interpretação de que o título aqui dado à execução, formado nos precisos termos do Novo Regime do Arrendamento Rural, não é título executivo pela mera constatação de que foi proposta uma acção de impugnação, ainda que anterior à instauração da execução, quando nada na lei refere que a formação do título executivo poderá ser condicionada por uma acção de impugnação prévia à instauração de uma acção executiva, onde se discuta o direito de cobrar as rendas.

(…)

V. A tese do Tribunal da Relação de Évora improcede também por não respeitar o critério hermenêutico básico estabelecido no artigo 9º, nº 2 do Código Civil: Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

W. O acórdão viola, portanto, os artigos que conferem força executiva à comunicação da resolução do contrato de arrendamento juntamente com o próprio contrato (art. 703.º, n.º 1, alínea d) do CPC, art. 10º, nº 4, 5 e 6 do CPC e art. 33.º, n.º 2 do Novo Regime do Arrendamento Rural), e também todo o regime processual executivo instituído no Código de Processo Civil, nomeadamente o regime da Oposição à Execução e em particular o seu artigo 733º”.

Aprecie-se.

Não há dúvidas de que, como alega o recorrente, o contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida. Isto vale tanto para o arrendamento urbano [cfr. artigo 14.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU)][1] como para o arrendamento rural [cfr. artigo 33.º do DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro, que estabelece o Novo Regime do Arrendamento Rural (NRAR)].

Dispõe-se, precisamente, no artigo 33.º do NRAR:

1- Não sendo o prédio desocupado na data devida por lei ou por convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa, o contrato de arrendamento, acompanhado dos comprovativos das comunicações previstas no presente decreto-lei, relativos à cessação do contrato de arrendamento.

2 - O contrato de arrendamento constitui título executivo para a acção de pagamento da renda, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida”.

A norma do artigo 33.º do NRAR é uma norma (especial) que regula a situação (especial) em que o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, serve de base à execução.

Apesar do seu carácter especial, podem ser convocados para a interpretação do artigo 33.º do NRAR alguns dos princípios e regras gerais que regulam os títulos executivos. O título referido no artigo 33.º do NRAR (bem como no artigo 14º-A do NRAU) é uma espécie de título executivo – um título executivo avulso que se integra no grupo previsto na al. d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC dos “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.

Significa isto, para os efeitos que agora interessam, que não é necessário que a norma preveja expressamente as qualidades do título executivo (cfr., em sentido contrário, conclusão K), porque as disposições gerais que regem esta matéria são aplicáveis aos casos (especiais) em que a base da execução é o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.

Do disposto nos artigos 703.º e s. do CPC resulta, acima de tudo, que o título executivo tem de ser apto a desempenhar uma função: conceder um direito à execução e atribuir exequibilidade a uma pretensão material.

A propósito desta função, a que chama “constitutiva”, explica Teixeira de Sousa que “[o] título executivo cumpre uma função constitutiva, dado que nenhuma execução é admissível sem título executivo (nulla executio sine titulo). Esta função constitutiva do título executivo atribui a exequibilidade a uma pretensão material e possibilita o exercício do direito de execução, permitindo que a correspondente prestação seja realizada através das medidas coactivas e coercivas impostas ao executado pelo tribunal[2].

Além desta função, o título executivo desempenha ainda uma função delimitadora (em conformidade com o artigo 10.º, n.º 3, do CPC, fixa o fim e os limites da execução) bem como uma função certificadora (sendo um documento, o título executivo é susceptível de certificar o direito de crédito invocado pelo exequente). Esta última função tem visível importância prática: não seria admissível que fosse atendida a pretensão de qualquer sujeito que invocasse a titularidade de um direito de crédito, pela mera invocação da titularidade desse direito.

É verdade que o título executivo não dá – nunca dá – a garantia absoluta de que o exequente é titular do direito mas oferece a “segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar[3]. O fundamento para a exigência do título executivo é, em suma, o facto de ele gerar a convicção da existência provável do direito material.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa enaltecem esta virtualidade do título executivo, deixando, não obstante, muito claro que o juiz não está dispensado de fazer uma análise mais cuidada nos termos do artigo 726.º do CPC. Merecem destaque as seguintes passagens:

Por regra, o título executivo deve ser autossuficiente (…), correspondendo à necessidade de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação (…).

Sem grandes reservas, podemos dizer que o título executivo, além de ser condição necessária, é tendencialmente condição suficiente da ação executiva (…).

Com uma acentuada latitude no que concerne à probabilidade da existência das situações subjetivas e objetivas neles configuradas, a afirmação legal da exequibilidade de determinados documentos conduz a um juízo de presunção acerca de tais situações, até que, por via dos embargos do executado, seja apurada a ocorrência de factos impeditivos, extintivos ou modificativos do pretenso direito de crédito.

Foram impostos alguns limites à autossuficiência do título executivo, como resulta do art. 726.º (…)[4].

Voltando ao caso em apreço, verifica-se que o senhorio / exequente / embargado / ora recorrente procedeu à notificação (notificação judicial avulsa) do arrendatário / executado / embargante / ora recorrido, comunicando a este, nos termos do artigo 33.º, n.º 2, do NRAR, a resolução do contrato de arrendamento e os montantes que considerava em dívida a título de rendas (cfr. facto provado 2).

O arrendatário, notificado em 3.09.2020 (cfr. facto provado 3), não se conformou com tal iniciativa e instaurou, logo em 24.09.2020, contra o senhorio, acção declarativa de condenação, na qual impugna os fundamentos da referida notificação e pede, além do mais, que se declare que não são devidos quaisquer montantes a título de rendas (cfr. facto provado 4). O senhorio apresentou reconvenção na qual pede, designadamente, a condenação do arrendatário no pagamento das rendas em dívida (cfr. facto provado 5).

Posteriormente a tudo isto, em 2.12.2021, o exequente instaurou a execução a que se reportam os presentes embargos para pagamento do montante respeitante às rendas em dívida (cfr. facto provado 1).

A factualidade permite compreender bem o problema suscitado. Ele é, em poucas palavras, o seguinte: o exequente apresentou um título que preenche, formalmente, os requisitos impostos pela lei e, portanto, deve ser apto a desempenhar a função certificadora do direito invocado.

Como se acentua no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2014 (Proc. 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1), ainda que referindo-se à norma antecessora do artigo 14.º-A do NRAU, o título executivo aqui em causa tem natureza complexa. Diz-se aí:

I - O art. 15.º, n.º 2, do NRAU, conjugado com o art. 46.º, n.º 1, al. d), do CPC, confere força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.

II - A comunicação ao arrendatário, a que alude o art. 15.º, n.º 2, do NRAU, funciona como requisito complementar de exequibilidade do título.

III - O título executivo referido em I, tendo natureza complexa, integra dois elementos: (i) o contrato onde a obrigação foi constituída; (ii) a demonstração da realização da comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida”.

É de notar que os títulos executivos complexos como este, criado pela legislação do arrendamento, têm como característica especial um certo “aligeiramento” da sua função certificadora, havendo como que uma presunção de que a comunicação especificada da pretensão pelo credor é suficiente para demonstrar a probabilidade da existência do direito.

Voltando ao caso dos autos, recorde-se que, antes da execução e logo que recebeu a notificação judicial avulsa, o executado propôs acção declarativa contestando a existência e o valor da dívida que viria, mais tarde, a ser a obrigação exequenda.

Tendo o arrendatário tido conhecimento do alegado valor em dívida por notificação judicial, esta acção era o único meio / o meio adequado para o arrendatário manifestar a sua oposição (cfr. artigo 257.º do CPC).

Como diz Miguel Teixeira de Sousa, a comunicação é realizada ao arrendatário porque é ele quem “está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição[5].

É inegável, contudo, que a impugnação daquela comunicação, anterior à execução, é um facto susceptível de gerar alguma incerteza quanto à existência do direito de crédito invocado pelo exequente.

Usando outras palavras, mas não menos claras, o Tribunal recorrido explicou que “em face da instauração da acção de impugnação o direito à cobrança das rendas tornou-se incerto, sendo objecto do litígio a dirimir na acção.

E, no caso, bem sabia o exequente da acção de impugnação, pois a mesma já tinha sido instaurada há mais de um ano à data da presente execução, sendo certo que nela deduziu pedido reconvencional, onde pede o reconhecimento da obrigação a que se reporta a notificação que incorpora o título dado à execução, o que evidencia a falta de certeza quanto à existência da obrigação exequenda (…)”.

Aderindo, na globalidade, a estas considerações do Tribunal recorrido, afigura-se, contudo, que existe uma solução (mais) adequada e proporcional à necessidade de respeitar o condicionamento a que, por força da (daquela) acção prejudicial, ficam sujeitos os presentes embargos, qual seja a da sua suspensão.

Quer dizer: a acção declarativa proposta pelo arrendatário constitui causa prejudicial que justifica a suspensão dos embargos, devendo estes aguardar a decisão que venha a ser proferida naquela acção, a qual determinará o desfecho dos embargos.

Naturalmente, haverá ainda que equacionar a hipótese de a suspensão dos embargos se repercutir no curso da execução; já não cabe, porém, a este Supremo Tribunal apreciar estes efeitos mas sim às instâncias.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se, na procedência do recurso, revogar o Acórdão recorrido, determinando que:

1.º) os embargos fiquem suspensos até à decisão da acção prejudicial; e

2.º) as instâncias apreciem o efeito dos embargos na execução em face da posição ora tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça.


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Custas pelo vencido a final.


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Lisboa, 22 de Junho de 2023

Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

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[1] Cfr. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 26.11.2014 (Proc. 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1), de 10.11.2020 (Proc. 51/18.9T8BGC-A.G1.S1), de 17.11.2020 (Proc.3794/18.3T8SNT-A.L1.S1), de 21.06.2022 (Proc. 9443/20.2T8SNT-A.L1.S1) e de 20.05.2021 (Proc. 8520/20.4T8PRT-B.P1.S1). A situação do arrendamento urbano é, de facto, a mais comum mas as considerações tecidas sobre a matéria nestes acórdãos são válidas, mutatis mutandis, para os casos de arrendamento rural.
[2] Cfr. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume II, Lisboa, AAFDL, 2022, p. 551.
[3] A expressão é usada por José Lebre de Freitas (A acção executiva à luz do código revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 32). Como explica o A., o título executivo é um pressuposto “que lhe (ao direito) confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva” (ob. cit., p. 25). Cfr. também Germano Marques da Silva, Curso de processo civil executivo — Acção executiva singular, comum e especial, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1995, p. 166: “(…) toda a execução tem por base um título executivo que é um meio legal de demonstração da existência do direito do exequente, um meio de prova, prova legal e sintética, do direito do exequente (…). Aparentemente, por isso, na acção executiva, diferentemente do que se passa na acção declarativa, a actuação coercitiva do tribunal pressupõe a existência do respectivo direito substantivo. Só na aparência, porém, porque a existência do título executivo não importa necessariamente a existência do direito de que o exequente se arroga”.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, pp. 70-71.
[5] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in: António Menezes Cordeiro (coord.), Leis do arrendamento urbano anotadas, Coimbra, Almedina, 2014, p. 406.