Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19/04.2TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SAMPAIO GOMES
Descritores: TAP
LOCAL DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 06/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - SENTENÇA - RECURSOS
Doutrina: - Mota Pinto, Teoria Geral, pág. 445.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 661.º, N.º2, 713.º, N.º2, 726.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6/02/1997, BMJ 464, PÁGS. 481-490;
-DE 28/04/2010, PROC. 182/07.0MAI.S1.
Sumário :
I - Tratando-se de um contrato de trabalho em que estavam estipuladas concretamente as funções a desempenhar pelo trabalhador e se consignou o local onde tais funções iriam ser levadas a efeito – Lisboa – a transferência do trabalhador, com o acordo deste e concedida através de despacho da empregadora com os dizeres: “Informa-se que o Sr. (…) irá para o Porto por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente”, assume a natureza de temporária.

II - Sendo uma transferência temporária, quer o trabalhador, quer o empregador pode pôr-lhe fim, mediante uma declaração de vontade nesse sentido.

III - Resultando provado que o A. suportou despesas concretas, objectivamente relacionadas com as suas deslocações em serviço e transporte em veículo próprio, e que a R. paga tais despesas aos seus tripulantes na situação do A., o apuramento do montante concreto das mesmas terá de ser, necessariamente, levado a cabo em posterior liquidação, nos termos do disposto no art. 661.º, n.º 2 do CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

                                                      I
1.

AA, instaurou acção de processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra TAP - Air Portugal, SA, com sede no Aeroporto de Lisboa, pedindo que:

1) se declare a base do Porto como a base do Autor, desde que para aí foi transferido em 30 de Julho de 1990;

2) se condene a Ré ao pagamento de todos os subsídios e encargos que o Autor teve que suportar e irá suportar, pelas suas deslocações a partir da base da cidade do Porto, desde fins de 1999, data em que deixaram de ser pagos, num total de € 80.142,00 (oitenta mil cento e catorze euros);

3) se condene a Ré ao pagamento da quantia de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;

4) se condene a Ré ao pagamento da quantia de € 3.300,00 (três mil e trezentos euros) a título de ajudas de custo complementares ou "per diam";

5) se condene a Ré a facultar o gozo de todas as folgas em atraso ou proceder ao seu pagamento de acordo com as normas legais;

6) se condene a Ré ao pagamento de € 150,00 (cento e cinquenta euros) por cada dia de atraso no cumprimento, a partir da sentença e até à sua execução, a título de sanção pecuniária compulsória.

7) se condene a Ré a pagar todos os valores acrescidos de juros legais vencidos e vincendos.

            Para o efeito alega:

- Que foi admitido nos quadros da Ré em 2 de Fevereiro de 1972, tendo desde essa data diversas residências em Lisboa.
            - A 30 de Julho de 1990, foi transferido para a base que a empresa tem no Porto onde passou, desde logo, a ser pago pelos encargos e ajudas de custo nas suas deslocações para os voos a começar e a acabar fora desta base, nomeadamente em Lisboa, quando aqui se deslocava.
            - Aquando da solicitação da Ré para saber se aceitava mudar de equipamento o Autor impôs como condição a manutenção da base no Porto, ao que a Ré nada opôs.                              
            - Aquando da sua nomeação para frequentar o 17° Curso de Qualificação e Comando do avião Airbus-310, o Autor impôs a mesma condição, o que não mereceu qualquer reparo da Ré.
            - Aquando da largada neste avião, o que veio a acontecer em 19 de Dezembro de 1999, a Ré passou a utilizar o Autor numa situação ambígua que nunca esclareceu, apesar das solicitações e pedidos por este feitos quanto à definição do seu local de trabalho e quanto à não atribuição de subsídios nas suas deslocações em trabalho para fora da base.  
            - A certa altura foi-lhe transmitido que era estranho o Autor considerar que a sua base era no Porto uma vez que não existia qualquer documentação que desse suporte à sua pretensão, passando a considerar a Ré que a base do Autor era Lisboa. Tal situação originou que a Ré não mais pagasse ao Autor subsídios, alojamento, quer no Porto, quer em Lisboa, despesas que o Autor tem suportado até à presente data, o que se traduz numa efectiva redução do vencimento.
- Para além dos danos patrimoniais, o Autor viu degradar-se a sua vida e a vida familiar, e que se traduzem em danos não patrimoniais que incumbe à Ré compensar.

A acção foi contestada pela Ré, e após audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

«Julgo parcialmente procedente por provada a acção intentada por AA e, consequentemente, condeno a Ré TAP – Air Portugal, SA :

 a) no que respeita às despesas com as deslocações do Porto para Lisboa e de Lisboa para o Porto, no período de 1 de Janeiro de 2000 a 5 de Dezembro de 2002, em quantia a liquidar em execução de sentença;

b) no que respeita ao subsídio para transporte em veículo próprio, devido no período de 1 de Janeiro de 2000 a 5 de Dezembro de 2002, em quantia a liquidar em execução de sentença;

c) pagar a quantia de € 6.148,64 (seis mil cento e quarenta e oito euros e sessenta e quatro cêntimos), a título das ajudas de custo complementares;

d) na sanção pecuniária compulsória, diária, a quantia de € 100,00 (cem euros) a contar desde o trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento; e

e) declarado que até 5 de Dezembro de 2002 o Autor teve, a título temporário, como base, a base do Porto.»

No demais foi a Ré absolvida.

2.

 Autor e Ré, inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este decidido:

«Face ao exposto, julgam-se parcialmente procedentes os recursos interpostos e em consequência altera-se a sentença nos termos a seguir referidos:

- “Declara-se a base do Porto como o local de trabalho do autor, desde que para aí foi transferido em 30 de Julho de 1990 e até 9 de Julho de 2005, data da cessação do contrato com a sua reforma”;

- Condena-se a ré a pagar ao autor todos os encargos e ajudas de custo nas suas deslocações para os voos e serviços a começar e a acabar em Lisboa, a que se alude nos factos nºs 17 e 18, da matéria de facto, conforme condições prévias estabelecidas no documento de fls.52, cujo montante deverá ser liquidado em execução de sentença. Sendo ainda devidos juros de mora desde a data dos respectivos vencimentos à taxa legal;

- Absolve-se a ré dos restantes pedidos.» 

É contra aquela decisão do Tribunal da Relação que a ré agora se insurge, em sede de recurso de revista, ao abrigo das conclusões seguintes:

«1.          Pertencendo desde a sua admissão à base de Lisboa, a deslocação do Recorrido para a base do Porto foi feita por consenso das partes, a título precário, por períodos de 12 meses, renováveis, podendo qualquer das partes, por isso, pôr-lhe fim por simples declaração de vontade, opondo-se a nova renovação.

2.            Sendo por consenso das partes, não configura transferência nem lhe são aplicáveis as normas do art. 24.° nem as do art. 22.° da LCT (mesmo que nestas se veja a possibilidade de um jus variandi geográfico): não se trata do exercício de um jus do empregador.

3.            A premissa do Acórdão recorrido de que, em virtude de transferência (temporária) do local de trabalho do Recorrido este teve de alterar também a sua residência para o Porto, merecendo assim tutela em nome de um princípio de estabilidade geográfica, não colhe no presente caso e envolve erro de julgamento grosseiro, pois o que se provou foi que o Recorrido mudou a sua residência no Porto quando tinha local de trabalho em Lisboa e cerca de dois anos antes de ser por consenso e a título precário afecto à base do Porto.

4.            O facto de o Recorrido ter fixado residência no Porto quando tinha local de trabalho em Lisboa e cerca de dois anos antes de ser afecto à base do Porto demonstra como, para o Recorrido, era irrelevante o local de trabalho para aquele efeito, que portanto não é merecedor de qualquer tutela jurídica específica.

5.            Não foi a Recorrente que entendeu transferir o Recorrido para a base de Lisboa em finais de 1999, início de 2000.

6.            A Recorrente apresentou proposta contratual ao Recorrido, no sentido de ser nomeado para frequência de Curso de Qualificação e Comando em equipamento que operava apenas a partir da base de Lisboa, proposta essa que o Recorrido, podendo recusar, veio a aceitar.

7.            Como aceitou também o Recorrido que, pelo menos durante cerca de um semestre, lhe tivesse a Recorrente deixado de pagar os abonos a que apenas teria direito se continuasse a pertencer à base do Porto, aceitando ainda os abonos que apenas lhe eram pagos por ter passado a ser considerado afecto à base de Lisboa.

8.            Em idêntica situação à dos autos decidiu já esse Supremo Tribunal (Acórdão de 12 de novembro de 2009 relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro PINTO HESPANHOL) que a aceitação de nomeação para a frequência de Curso de Qualificação e Comando de equipamento que opera em base geograficamente diferente daquela em que o trabalhador está colocado e a subsequente largada como comandante desse equipamento, equivale a aceitação tácita de alteração de local de trabalho.

9.            E que, por isso, havendo acordo das partes, esse acordo prevalece sobre o regime legal de tutela da estabilidade do local de trabalho, razão pela qual o previsto nos artigos 315.° a 317.° do Código do Trabalho, e por maioria de razão, prevalecerá também sobre as regras da LCT, contidas no art. 22.° daquele diploma e que, por analogia se aplicavam à época ao jus variandi geográfico.

10.          Tendo as partes acordado que de 12 em 12 meses dependesse de consenso a manutenção precária do Recorrido na base do Porto, tal acordo prevalece sobre eventual normativo legal aplicável.

11.          A aceitação tácita da alteração do seu local de trabalho de volta para a base de Lisboa, prevalece igualmente sobre os normativos legais aplicáveis e considerações que dos mesmos se retirem, nomeadamente no que respeita ao decurso de tempo entre a transferência temporária para a base do Porto e o regresso do Recorrido à base de Lisboa, tendo o acórdão recorrido violado o art. 406.° do Código Civil.

12.          Mesmo que assim não fosse e no caso de se entender que a aceitação tácita do regresso à base de Lisboa, pelo Recorrido, não ocorreu: se o trabalhador, estando na base do Porto, aceitou passar a estar afecto a equipamento da base de Lisboa, então está preenchida a fattispecie normativa do art. 24.° da LCT (parte final): ocorre mudança de estabelecimento que legitíma ao empregador decisão de unilateralmente o transferir, mesmo contra a sua vontade; e

13.          Pretender o trabalhador, nas circunstâncias que se provaram, exercer o seu direito à estabilidade do local de trabalho, mantendo-se afecto a local de trabalho geograficamente distante daquele em que opera o seu equipamento, e cobrando do empregador os encargos com as deslocações entre ambos esses locais, então ocorre clamoroso abuso de direito, de conhecimento oficioso.

14.          A colocação precária do Recorrido na base do Porto deve julgar-se terminada, e o Recorrido regressado à base de Lisboa, sua «Escala-Mãe», a partir de 1 de janeiro de 2000, por ter sido nessa data que a Recorrente manifestou, tacitamente, a correspondente vontade, por ter a partir desse momento deixado de pagar ao Recorrido as despesas e abonos que até aí pagava pelas deslocações que ele fazia enquanto piloto afecto à base do Porto, passando, ao invés, a pagar-lhe as despesas e abonos que lhe seriam devidas enquanto piloto afecto à base de Lisboa,

15.          Pagamentos estes que o Recorrido aceitou e apenas passou a devolver a partir de Agosto de 2001, já depois de ter recebido declarações verbais (em 28 de abril de 2001) e escritas (em 7 de maio de 2001) das quais resultava inequivocamente que a Recorrente já o considerava novamente afecto à base de Lisboa.

16.          Deve pois ser definitivamente julgado que a situação de deslocação temporária do Recorrido na base do Porto terminou em 1 de janeiro de 2000.

17.          Viola o disposto nos arts. 264.°, 467.°, n.° 1, al. d), 471.° e 661.°, n.° 2, todos do Código de Processo Civil, e 342.° do Código Civil, a decisão que condena a Recorrente em quantias a liquidar em execução de sentença, já que a falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade são consequência de deficiente acatamento dos ónus de alegação e prova do Recorrido na ação declarativa, sendo certo que, no caso dos autos, todos os acontecimentos relevantes para os pedidos ocorreram antes da acção declarativa ter sido proposta e o Recorrido tinha, então, ao seu dispor, todos os elementos para fazer a prova dos factos por si articulados.

18.          Se a prova fracassou ou o ónus de alegação foi deficientemente acatado, a lei não permite às partes que vão à procura de melhor prova para, numa segunda oportunidade, virem conseguir o objecto e a quantidade pensados mas não alegados ou provados no momento e local próprios.

19.          Não podia a Recorrente ser condenada no pagamento de encargos e ajudas de custo nas deslocações do Recorrido para os voos e serviços a começar e a acabar em Lisboa, pois que o correspondente pedido era inequivocamente genérico, sendo certo que os pedidos deste tipo apenas são admitidos nos casos taxativa e excecionalmente previstos no n.° 1 do art. 471.° do Código de Processo Civil, não estando preenchidos os seus pressupostos.

20.          A Recorrente deveria ter sido absolvida da instância nessa parte, por se tratar de exceção dilatória atípica.

21.          Mesmo que a recorrente algo devesse ao Recorrido, não haveria mora antes da citação, por falta de interpelação da Recorrente, que não tinha como saber como, quando e quanto de encargos incorria aquele nas suas deslocações.

22.          E mesmo com a citação, não há mora por se tratar de créditos ilíquidos, não sendo a falta de liquidez imputável à Recorrente.

Termina, propugnando que «deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e devendo a Recorrente ser absolvida do pedido (ou da instância, na parte alegada).» (Texto escrito conforme Acordo Ortográfico).

O recorrido contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ª Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia “proceder apenas parcialmente, revogando-se, deste modo o Acórdão da Relação para passar a vigorar, de novo, a decisão da 1ª instância”.

Houve resposta a tal parecer por parte da Ré/recorrente, concluindo nos mesmos termos das alegações.

Também o Autor/recorrido respondeu, concluindo pela improcedência da revista.

3.

No caso vertente, as questões suscitadas são as seguintes:

- saber se a base do Porto era, ou não, o local de trabalho do autor, desde 30 de Julho de 1990 até 9 de Julho de 2005, data da cessação do contrato por reforma deste.

- saber se há fundamento legal para a condenação da ré no pagamento de determinadas quantias, mesmo que em sede de liquidação de sentença.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.


                                                                  II


Foram considerados provados os seguintes factos
:

1.O Autor foi admitido como trabalhador da Ré em 8 de Fevereiro de 1972, tendo ficado afecto à base de Lisboa.

2. Onde se manteve até ir para a base do Porto, em 30 de Julho de 1990.

3. A fls. 22 foi junta cópia do despacho proferido em 30 de Julho de 1990 pelo Director do Pessoal Navegante Técnico da Ré, com o seguinte teor: "Informa-se que o Sr. Cte AA irá para o Porto por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente (...) „

4. Desde a data da sua admissão na Ré, o Autor teve as seguintes residências: a)até 1974, no Edifício …, …tº, na P…; b)até 1976, na urbanização …, Lote …° Dto., em L…;c) até 1978, na Avenida do …, …, …., em L… (D).

5. A partir de 30 de Julho de 1990, o Autor passou a ser pago pelos encargos e ajudas de custo nas suas deslocações para os voos a começar e a acabar fora da base do Porto, nomeadamente em Lisboa, quando aqui se deslocava em serviço.

6. Em 8 de Outubro de 1999, o Autor foi nomeado para frequentar o 17° Curso de Qualificação e Comando no avião Airbus — 310, o qual teve início em Lisboa, em 25 de Outubro de 1999.

7. Durante a frequência do Curso do Avião Airbus – 310 referido em F) continuaram a ser pagos ao Autor todos os encargos devidos à sua condição de trabalhador pertencente à base do Porto, tais como, alojamento, transportes, ajudas de custo.

8. Em 28 de Abril de 2001, o Autor foi contactado telefonicamente pelo DOV, que lhe transmitiu que era estranho o Autor continuar a considerar-se na Base do Porto, tendo o Autor respondido que, por um lado aguardava resposta à sua exposição e por outro não tinha recebido qualquer comunicação de transferência.

9. Em 3 de Maio de 2001, o Chefe dos Serviços de Escalas e Planeamento da Ré vem responder que não existe qualquer documentação que dê suporte à pretensão apresentada pelo Autor, conforme documento junto por cópia a fls. 29, cuja resposta foi dada por intermédio do documento junto por cópia a fls. 30, que ficou sem resposta.

10. Em 16 de Maio de 2001, o Autor recebeu uma carta do DOV, com o teor de fls. 31.

11. Em 31 de Janeiro de 2002, pelo documento junto por cópia a fls. 38, o Autor fez nova exposição ao DOV, à qual não obteve resposta.

12. O Autor devolveu todas as ajudas que a Ré lhe entregou, nos voos programados a partir do Porto, sempre que a Ré considerou que o Porto já não era base do Autor, reembolsos que a Ré recebeu sem qualquer reparo (Doc. Fls. 39 a 42).

13. Em Agosto de 2000, a Ré enviou o documento junto por cópia a fls. 43 para o Autor destinado à base do Porto.

14. O Autor, por intermédio de mandatário, remeteu carta datada de 19 de Julho de 2002, junta por cópia a fls. 47 a 49, dirigida à Administração da Ré.

15. A Ré respondeu a tal missiva através da carta junta por cópia a fls. 50 e 51, com o seguinte teor:

 "1. O Senhor Cte AA foi admitido na TAP, categoria de Oficial Piloto, em 1974, com local de trabalho na base de Lisboa.

2. Em 1990 foi colocado temporariamente, por período mínimo de doze meses, renovável anualmente, na base do Porto, afecto ao equipamento que operava a partir desta base; esta colocação temporária assentou em manifestação voluntária do tripulante e em acordo com a Empresa.

3. Em finais de 1999, o Sr. Cte AA foi nomeado para o Curso de Qualificação e Comando em A-310.

4. O Sr. Ct. AA aceitou essa nomeação, frequentou o referido curso com aproveitamento e foi largado como Comandante de A-310 no início do ano de 2000.

5. Dado que o equipamento A-310 só operava a partir da base de Lisboa, tem-se por claro e inquestionável que com a vinda ao Curso e com a largada no equipamento A-310 se operou o regresso do Sr. Cte AA ao local de trabalho correspondente, aliás o local de trabalho inicialmente fixado no contrato de trabalho, cessando a sua colaboração temporária na base do Porto.

6. A residência/domicílio comunicada pelo Sr. Cte AA à Empresa é, pelo menos desde Dezembro de 1988 (data muito anterior à da sua colocação temporária na base do Porto), a actualmente conhecida, ou seja, na R. …, …, em Vila ....

    Face ao apurado, não vemos que colha qualquer fundamento o que vem exposto, designadamente a respeito da clareza ou da legalidade da situação do Sr. Cte AA. A respeito, observamos:

a) O Sr. Cte AA foi admitido para a base de Lisboa, a que sempre pertenceu e pertence, nunca tendo existido a mudança contratual desse local de trabalho.

b) A residência do trabalhador não vincula nem é juridicamente condicionada pelo local de trabalho que o mesmo assume perante a Empresa; aliás, como V. Exa sabe, a Empresa não tem legitimidade nem o direito de determinar sobre o local de residência dos seus trabalhadores.    

c) Não conseguimos localizar nenhuma das "variadíssimas cartas à Empresa" referidas por V. Exa, nas quais terá solicitado esclarecimento ou legalização da situação. (...)" (P).

16. Entre 30 de Julho de 1999 e até ao fim do curso do avião A-310, a Ré pagou todas as despesas nas deslocações do Autor para fora do Porto, conforme as condições pré-‑estabelecidas no documento junto por cópia a fls. 52, efectuado em resposta às perguntas formuladas pelo Autor, no documento junto por cópia a fls. 53 (Q).

17. 0 Autor reside em Vila ..., na Rua ..., ….

18. Os voos e serviços efectuados pelo Autor, até 30 de Junho de 2003 (inclusive), num total de 42 meses, realizados a partir de Lisboa ou em Lisboa, foram os seguintes: 1.Serviços de voo:

a) para Abidjam: 2 no ano de 2000, num total de 2;

b) para Atenas: 1 no ano de 2000, num total de 1;

c) para Boston, 3 no ano de 2000, num total de 3;

d) para Caracas: 1 no ano de 2000; 10 no ano de 2001; 5 no ano de 2002; 1 no ano de 2003, num total de 17;

e) para Dakar: 2 no ano de 2000; 1 no ano de 2001; 1 no ano de 2002, num total de 4;

f) para Newark: 6 no ano de 2000; 11 no ano de 2001; 1 no ano de 2002; 4 no ano de 2003, num total de 22;

g)para Funchal: 2 no ano de 2002, num total de 2;

h)para Frankfurt: 3 no ano de 2002; 3 no ano de 2003, num total de 6;

i)para Fortaleza: 1 no ano de 2001; 1 no ano de 2002; 3 no ano de 2003, num total de 5;

j) para Nova Iorque: 5 no ano de 2000; 1 no ano de 2001; 2 no ano de 2002;

l) para Londres: 5 no ano de 2000; 7 no ano de 2001; 7 no ano de 2002; 1 no ano de 2003, num total de 20;

m) para Lyon: 1 no ano de 2000, num total de 1;

n) para Orly: 11 no ano de 2000; 2 no ano de 2001; 8 no ano de 2002; 2 no ano de 2003, num total de 23;

o )para Recife: 10 no ano de 2000; 5 no ano de 2001; 10 no ano de 2002; 5 no ano de 2003, num total de 30;

p) para Sal: 5 no ano de 2000; 11 no ano de 2001; 8 no ano de 2002; 4 no ano de 2003, num total de 28;

q) para São Salvador: 2 no ano de 2001; 8 no ano de 2002; 2 no ano de 2003, num total de 12;

r) para Terceira: 8 no ano de 2000; 6 no ano de 2001; 7 no ano de 2002; 3 no ano de 2003, num total de 24.

2.Serviços de terra em Lisboa:

a) Assistência no aeroporto: 2 em 2001, num total de 2;

b) treino CRM: 1 em 2000, num total de 1;

c) junta médica: 2 em 2000; 2 em 2001; 2 em 2002; 1 em 2003, num total de 7; d) refrescamento: 1 em 2001; 2 em 2002; 4 em 2003, num total de 7; e)treino VACBI: 1 em 2000, num total de 1 (S).

19. a) os dois voos efectuados para Abidjam, realizaram-se a 17 de Março e 27 de Junho de 2000;

b) o voo efectuado para Atenas, realizou-se em 25 de Agosto de 2000;

c) os três voos efectuados para Boston, realizaram-se em 21 de Fevereiro, 19 de Maio e 7 de Julho de 2000;

d) os 17 voos efectuados para Caracas, realizaram-se em 2 de Dezembro de 2000, 7 de Janeiro, 14 de Janeiro, 5 de Março, 27 de Maio, 1 de Julho, 16 de Julho, 5 de Agosto, 23 de Agosto, 31 de Agosto, 20 de Dezembro de 2001, 7 de Abril, 19 de Abril, 26 de Abril, 8 de Setembro de 2002 e 4 de Abril de 2003;

e) os quatro voos para Dackar, realizaram-se em 15 de Janeiro, 15 de Junho de 2000, 16 de Fevereiro de 2001 e 24 de Junho de 2002;

f) os vinte voos para Londres, efectuaram-se em 12 de Janeiro, 1 de Abril, 12 de Maio, 24 de Agosto, 14 de Novembro de 2000, 13 de Janeiro, 21 de Março, 3 de Abril, 21 de Agosto, 14 de Setembro, 17 de Setembro, 27 de Dezembro de 2001, 7 de Fevereiro, 23 de Julho, 6 de Setembro, 15 de Setembro, 4 de Outubro, 20 de Outubro e 21 de Outubro de 2002;

g) o voo para Lyon, realizou-se em 11 de Março de 2000;

h) os vinte voos para Paris (Orly), realizaram-se em 5 de Janeiro, 18 de Janeiro, 22 de Janeiro, 12 de Fevereiro, 19 de Julho, 5 de Agosto, 18 de Setembro, 29 de Outubro, 4 de Novembro, 17 de Novembro, 11 de Dezembro de 2000, 4 de Outubro, 26 de Dezembro de 2001, 5 de Fevereiro, 8 de Março, 21 de Julho, 5 de Outubro, 30 de Outubro, 26 de Novembro, 8 de Dezembro de 2002, 19 de Fevereiro e 30 de Junho de 2003;

i) os 30 voos para o Recife, realizaram-se em 25 de Março, 8 de Abril, 27 de Abril, 6 de Junho, 24 de Julho, 9 de Agosto, 12 de Setembro, 20 de Setembro, 30 de Outubro, 24 de Dezembro de 2000, 30 de Janeiro, 7 de Maio, 24 de Junho, 21 de Agosto, 23 de Outubro de 2001, 11 de Janeiro, 1 de Abril, 16 de Junho, 25 de Julho, 30 de Julho, 4 de Agosto, 26 de Agosto, 29 de Setembro, 6 de Outubro, 13 de Outubro de 2002, 24 de Janeiro, 20 de Fevereiro, 10 de Março, 3 de Maio e 25 de Junho de 2003;

j)os 28 voos ao SAL, realizaram-se a 4 de Maio, 19 de Agosto, 5 de Novembro, 17 de Dezembro, 29 de Dezembro de 2000, 28 de Janeiro, 26 de Março, 28 de Abril, 19 de Maio, 5 de Junho, 10 de Agosto, 27 de Setembro, 2 de Outubro, 30 de Outubro, 12 de Novembro, 17 de Dezembro de 2001, 19 de Janeiro, 24 de Fevereiro, 16 de Março, 21 de Março, 7 de Maio, 1 de Julho, 30 de Agosto, 4 de Novembro de 2002, 30 de Janeiro, 30 de Março, 11 de Abril e 27 de Abril de 2003;

k)os 12 voos a São Salvador da Baía, realizaram-se a 22 de Janeiro, 4 de Abril de 2001, 8 de Fevereiro, 1 de Junho, 13 de Julho, 10 de Agosto, 17 de Agosto, 16 de Setembro, 23 de Outubro, 20 de Novembro de 2002, 17 de Janeiro e 3 de Março de 2003;

1) os 24 voos à Terceira, realizaram-se em 1 de Janeiro, 7 de Janeiro, 5 de Julho, 23 de Julho, 6 de Agosto, 11 de Novembro, 30 de Novembro, 16 de Dezembro de 2000, 2 de Janeiro, 11 de Março, 2 de Abril, 25 de Julho, 2 de Agosto, 9 de Novembro de 2001, 17 de Fevereiro, 22 de Junho, 23 de Junho, 20 de Julho, 19 de Outubro, 6 de Dezembro, 7 de Dezembro de 2002, 25 de Fevereiro, 20 de Abril e 26 de Abril de 2003;

m) as duas assistências no aeroporto de Lisboa efectuaram-se em 5 e 6 de Janeiro de 2001;

n) o treino de CRM (cockpit research management) realizou-se em Lisboa, em 10 e 11 de Janeiro de 2000;

o) as sete juntas médicas aeronáuticas, realizaram-se em Lisboa em 17 de Maio, 13 de Novembro de 2000, 18 de Maio, 16 de Novembro de 2001, 6 de Maio, 11 de Novembro de 2002 e 30 de Maio de 2003;

p)os sete refrescamentos, realizaram-se em Lisboa em 9 de Fevereiro de 2001, 16 de Janeiro, 17 de Janeiro de 2002, 13 de Janeiro, 14 de Janeiro, 16 de Junho e 17 de Junho de 2003;

q) o treino VACBI, realizou-se em Lisboa em 17 e 18 de Agosto de 2000.

20. Entre 1978 e, pelo menos, até Dezembro de 1988, o Autor residiu na Rua Dr. ..., n° …, …° dto, Lisboa.

21. Em 25 de Julho de 1997, tendo-lhe sido solicitado pela Ré no programa periódico de consultas, o Autor apôs a seguinte declaração no documento junto por cópia a fls. 23 "Pretendo manter-me no presente equipamento (B-737) até e se tiver acesso ao longo curso. Todavia aceito a passagem a outro equipamento se a Companhia assim o entender, sempre em qualquer dos casos, na qualidade de piloto residente na base do Porto.

22. A Ré nunca respondeu ou fez qualquer reparo a tal condição.

23. Como Comandante de B-737, o Autor poderia ter ido para Comandante de A-320.

24. A largada do Autor no avião Airbus-310 aconteceu em 19 de Dezembro de 1999.

25. Em 27 de Novembro de 2000, o Autor fez uma exposição ao DOV — Director de Operações de Voo da Ré, a pedir um esclarecimento sobre a falta de atribuição dos subsídios nas deslocações em trabalho para fora da base, conforme documento junto por cópia a fls.

26. Em 5 de Janeiro de 2001, o Autor contactou pessoalmente o DOV, Sr. Comandante BB, o qual foi informado de que se constava que queriam transferir o Autor para a base de Lisboa e também de que tinha recebido uma carta datada de 22 de Dezembro de 2000 dum serviço não identificado da TAP que lhe pedia "um esclarecimento detalhado da situação sobre a exposição que havia sido feita em 27 de Novembro de 2000, a fim de poderem analisar e enviar um esclarecimento completo".

27. Em 6 de Janeiro de 2001, o Autor expôs informalmente o assunto ao DPNT — Director do Pessoal Navegante Técnico, Sr. Comandante CC.

28. Em 22 de Janeiro de 2001, o Autor entregou uma exposição ao DOV — Sr. Comandante BB, a pedido deste, onde expôs os factos e pediu as ajudas de custo em falta.

29. Em 22 de Abril de 2001, o Autor solicitou por escrito ao SEP — Serviços de Escalas e Planeamento a correcção sobre o facto de estar a ser escalado como extra-crew para a base do Porto, nos termos constantes do documento junto por cópia a fls 26.

30. Em 16 de Maio de 2001, o Autor apresentou outra exposição ao DOV, de que foi junta cópia a fls 32 a 36.

31. Em 31 de Agosto de 2001, o Autor foi contactado pelo DPNT e Coordenador da base do Porto, Comandante DD, o qual lhe pediu a colaboração para a elaboração de uma proposta de regulamentação de bases, tendo argumentado que fazia este pedido ao Autor, pelo facto de ser o piloto mais antigo da base do Porto.

32. Em 25 de Setembro de 2001, foi enviada documentação sobre a base do Porto ao Sr. Coordenador desta base, conforme tinha sido requerido na sequência do pedido de colaboração, a qual foi acompanhada pela carta reproduzida a fls. 37.

33. Desde o fim do curso do avião A-310, a Ré, sem o acordo do Autor, deixou de lhe pagar os encargos com despesas e ajudas de custo nas suas deslocações a Lisboa.

34. Questionado pela Ré, o Autor em 27 de Janeiro de 2001, consignou na declaração de fls. 44 "Pretendo manter-me no presente equipamento (A-310). Todavia aceito a passagem a outro equipamento, se a Companhia assim o entender, sempre, em qualquer dos casos, na qualidade de piloto residente na base do Porto.

35. A Ré não fez qualquer reparo a tal condição.

36. Desde 1 de Janeiro de 2000, o Autor deixou de receber ajudas de custo para as deslocações em serviço, bem como o pagamento das despesas de transporte fora da base, alojamento e alimentação e pernoita, nas deslocações em serviço.

37. Desde finais de 1999, o Autor deslocou-se em número de vezes não concretamente apurado, trezentos quilómetros para iniciar o seu trabalho e outros trezentos para chegar a casa, com o esclarecimento de que em algumas dessas vezes o terá feito de carro e outras de avião.

38. O Autor, em número de vezes não concretamente apurado, suportou despesas relacionadas com deslocações do Porto a Lisboa para se apresentar nos voos que começam nesta cidade.

39. O Autor vive no Porto com a família.

40. O Autor gasta aproximadamente seis horas, quando feitas de automóvel, a percorrer a distância de trezentos quilómetros, entre Porto e Lisboa.

41. OAutor foi eleito representante dos pilotos naquela base.

42. A Ré paga todas as despesas com deslocações em serviço aos restantes pilotos e trabalhadores da Ré colocados na base do Porto.

43. O valor devido a título de ajudas de custo complementares aos trabalhadores da Ré resulta do Acordo de Empresa.

44. O pagamento dos subsídios é feito com qualquer tripulante da base do Porto ou de Lisboa, quando se desloca em serviço para fora da base ou quando se inicia um voo fora da mesma.

45. Em Dezembro de 1988, o Autor comunicou à Ré que passava a ter a sua residência na morada referida em R) .

46.0 Autor foi colocado no Porto, em 30 de Janeiro de 1990, no âmbito e nos termos referidos no documento de fls. 52, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido.

     47. A Ré não impõe aos seus pilotos que residam na localidade da base a que estão afectos ou próximo dela.

     48. O Autor não era obrigado a aceitar a nomeação para a frequência do referido curso.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

1ª questão:

No articulado inicial, é pedido que «se declare a base do Porto como a base do Autor, desde que para aí foi transferido em 30 de Julho de 1990», com todos os direitos e deveres inerentes, o que, naturalmente, pressupunha considerar-se que a sua transferência para a base do Porto se mostra definitiva, não aceitando o A. qualquer alteração a esta situação.

A ré defende, por sua vez, que a transferência do autor da base de Lisboa para a do Porto decorreu com a aceitação do A., tratando-se de uma situação de deslocação temporária do Recorrido na base do Porto e que terminou em 1 de janeiro de 2000.

Numa palavra: Para o Autor a sua transferência para a base do Porto mostra-se definitiva não aceitando aquele qualquer alteração a esta situação; por sua vez, a Ré entende que aquela transferência o foi por um período mínimo de doze meses, renovável por iguais períodos de tempo, pelo que seria temporária.

A sentença da 1ª instância entendeu, assim decidindo, que o local de trabalho do autor na base do Porto, se manteve apenas até 5 de Dezembro de 2002, data em que considerou que a ré comunicou ao autor que não pretendia manter a situação de transferência temporária do autor para a base do Porto, iniciada em 30 de Julho de 1990.

O Tribunal da Relação, por sua vez, pronunciou-se no sentido de “ser declarada a base do Porto como seu local de trabalho desde que para aí foi transferido, em 30 de Julho de 1990 até Julho de 2005, data da cessação do contrato com a sua reforma”.

O acórdão recorrido, a este propósito, aduziu a seguinte fundamentação:

« [D]a matéria de facto resultou apurado que:

- O autor foi admitido como trabalhador da ré em 8 de Fevereiro de 1972, tendo ficado afecto à base de Lisboa, onde se manteve até ir para a base do Porto, em 30 de Julho de 1990, o que veio a suceder por determinação da ré constante do despacho proferido em 30 de Julho de 1990, pelo Director do Pessoal Navegante Técnico da Ré, com o seguinte teor: "Informa-se que o Sr. Cte AA irá para o Porto por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente (...) – (factos nºs 1 a 3).

- O autor permaneceu na base do Porto sem qualquer vicissitude, até 28 de Abril de 2001, data em foi contactado telefonicamente pelo DOV, que lhe transmitiu que era estranho o autor continuar a considerar-se na base do Porto, tendo o autor respondido que, por um lado aguardava resposta à sua exposição e por outro não tinha recebido qualquer comunicação de transferência – facto n.º8.

Na verdade, o local de trabalho que corresponde ao sítio onde o trabalhador deve prestar a actividade para que foi contratado, trata-se de um instituto com vários desenvolvimentos no direito laboral, desempenhando uma função delimitadora relativamente à subordinação jurídica na sua dimensão espacial. Com efeito, logo no início do contrato, o local de trabalho começa por ser definido pela entidade empregadora, estando porém subjacente em várias outras questões, sendo uma das mais significativas a propósito das transferências, que é a de saber se a entidade empregadora pode, ou não, unilateralmente transferir o trabalhador do local de trabalho, questão ligada ao princípio da estabilidade do local do trabalho tão presente no regime da LCT que vigorava na altura dos factos.

                Com efeito, ao abrigo da LCT, a transferência definitiva do trabalhador para outro local de trabalho era uma excepção à proibição geral prevista no art. 21º n.º1 e) da LCT, pois só era permitida, nos termos do nº 1 do art.º 24 da LCT que dispõe: - se não causar prejuízo sério ao trabalhador; - ou se resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço.

Tal dispositivo reconhece, ainda no seu n.º 2, ao trabalhador, a possibilidade de se opor à transferência, rescindido o contrato e recebendo uma indemnização, sendo que a essa indemnização a entidade empregadora pode opor-se, demonstrando que a transferência não casou prejuízo sério ao trabalhador. Com os regimes do Código de 2003 e o Código vigente, este instituto foi substancialmente alterado, regimes que não são contudo aplicáveis ao caso. 

                Mas diverso da transferência definitiva é a deslocação meramente temporária do trabalhador, ao abrigo do ius variandi, a que a jurisprudência denominou de ius variandi geográfico, obtido por interpretação extensiva do art.º22 da LCT, no sentido de que se ao trabalhador podem ser exigidos serviços não incluídos no contrato de trabalho também o poderão, por maioria de razão, ser requeridos serviços fora do local do previsto, vide Acórdão do STJ de 11.11.97, processo n.º 97S064, acessível na internet, in dgsi.

Todavia, o ius variandi possível através de uma declaração unilateral do empregador ao trabalhador, tem sempre uma natureza temporária que no âmbito do art.º 22 n.º 5 da LCT, já com a redacção introduzida pela Lei n.º21/96, tinha como referência de transitoriedade o prazo de 6 meses (prazo que o CT/2003 veio consignar, expressamente, no seu art.º 316 n.º2 e que o código vigente clarificou n.º3 do art.º194)      

                No caso em apreço, resultou provado que o autor foi admitido para trabalhar na ré, em 8 de Fevereiro de 1972, tendo ficado afecto à base de Lisboa, o que significa que no contrato de admissão tinha sido acordado como local de trabalho a base de Lisboa. Porém, por uma declaração unilateral da ré, proferida em 30 de Julho de 1990, foi determinada a transferência do autor para a base do Porto, com a mera indicação de que seria por um período de 12 meses renovável anualmente.

No entanto, os anos foram passando com o autor sempre a trabalhar a partir da base no Porto, tendo acabado por aí fixar residência, onde tem a família. Mas, em 28 de Abril de 2001, ou seja 11 anos depois, a ré entendeu que afinal o autor deveria regressar à base de Lisboa, pois passaria a partir de então a operar um airbus 310, o que teria de fazer a partir da Lisboa.

Ora, dos referidos factos, se terá de concluir que a denominada transferência temporária, que a ré alegou ter sido determinada em 30 de Julho de 1990, não pode ser qualificada como tal, pois não é razoável aceitar que ao fim de 11 anos a transferência do autor de Lisboa para o Porto possa ser considerada como uma transferência temporária; neste sentido ver Acórdão do STJ de 10-05.1995, in internet, dgsi.  Com efeito, dado o muito tempo que decorreu, só podemos concluir que a transferência do autor para o Porto, em 30 de Julho de 1990, consubstancia uma transferência definitiva, aceite pelo autor, da qual decorre que o seu local de trabalho passou a ser a base do Porto. Sendo certo que também foi assim que a ré o passou entender, pois resultou provado que, em Agosto de 2001, o autor foi contactado pelo DPNT e Coordenador da base do Porto, Comandante DD, que lhe pediu a colaboração para a elaboração de uma proposta de regulamentação das bases, tendo argumentado que lhe fazia este pedido pelo facto de ser o piloto mais antigo da base do Porto, resultando ainda provado que o autor foi eleito representante dos pilotos naquela base (factos 31 e 41).

                Deste modo, a ré não tinha o direito a transferir, unilateralmente, o autor da base do Porto para a base de Lisboa, pois o local de trabalho deste passou, pela decorrência do tempo, a ser a base do Porto e já não a base de Lisboa.

Ora, considerando que o autor continuava ao serviço da ré na base do Porto, ter-se-á de considerar que a ré deveria continuar a pagar ao autor todas as despesas nas suas deslocações para fora do Porto, conforme condições prévias estabelecidas no documento de fls. 52, junto com a petição inicial (facto n.º16), onde expressamente consta que as ajudas de custo para os tripulantes da base do Porto são as que estão em vigor para Lisboa.

Assim sendo, afigura-se-nos que o autor/recorrente tem razão quanto a esta 1ª questão, no sentido de que seja declarada a base do Porto como seu local de trabalho desde que para aí foi transferido, em 30 de Julho de 1990 até Julho de 2005, data da cessação do contrato com a sua reforma.»              

Antecipando a solução, diremos que discordamos da decisão do acórdão recorrido.

Vejamos:

 É de primordial importância, antes de mais, saber se na vigência do contrato celebrado entre A. e Ré, houve alterações no que diz respeito ao local de trabalho, passando o Autor a ter a sua base na cidade do Porto, e se tal alteração da base era definitiva ou temporária.

Demonstrou-se que o Autor foi admitido como trabalhador da Ré em 8 de Fevereiro de 1972, tendo ficado afecto à base de Lisboa, onde se manteve até 30 de Julho de 1990.

Assim como se demonstrou que, em Dezembro de 1988, o Autor comunicou à Ré que passava a ter a sua residência na morada referida em R) (pontos 17 e 45 da matéria de facto); e que a Ré não impõe aos seus pilotos que residam na localidade da base a que estão afectos ou próximo dela (ponto 47).            

Acontece que, em 30 de Julho de 1990, pelo Director do Pessoal Navegante Técnico da Ré, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Informa-se que o Sr. Cte AA irá para o Porto por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente (...)” (pontos 3 e 46), sendo que a partir dessa data, o Autor passou a ser pago pelos encargos e ajudas de custo nas suas deslocações para os voos a começar e a acabar fora da base do Porto, nomeadamente em Lisboa, quando aí se deslocava em serviço (facto nº 5).

Não estando em causa a legalidade da transferência do Autor da base de Lisboa para a do Porto, uma vez que esta terá tido a aceitação do Autor, já o seu carácter definitivo ou temporário o estará.

Como acima se referiu, “a transferência do Autor para a base do Porto, foi por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente ( … )”.

Que natureza assume, então, tal transferência?

Reportando-nos aos factos assentes (ponto 3), na parte em que é decidido pela Ré que o Autor “[…]irá para o Porto por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente”, importa fazer chamamento ao que se dispõe no artº 236º do Cód. Civil quanto ao sentido da declaração da Ré.

Nos termos do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

 O significado daquela norma é no sentido de que a interpretação da declaração negocial deve, em princípio, fazer-se no sentido propugnado pela teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a interpretação deve ser entendida não com um sentido subjectivo, obtido pela indagação da verdadeira intenção do declarante, mas antes com um sentido objectivo, que decorre do sentido que lhe atribuiria um declaratário razoável colocado na posição concreta do declaratário efectivo.

Conforme explica Mota Pinto, em Teoria Geral, pág. 445, ‘releva pois o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer’

No Ac. do STJ de 6.02.97, BMJ 464, pag. 481-490, manda-se ‘atender a todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, terá tomado em conta’.

Quanto ao referido despacho da Ré, proferido em 30 de Julho de 1990, é manifesto estar demonstrado que o Autor conhecia a vontade real do declarante (nº 2 do art. 236º do C. Civil), e como tal o sentido da declaração transcrita no referido despacho do Director do Pessoal Navegante Técnico da Ré. Isto é, que o A. “ia para o Porto por um período mínimo de 12 meses, renovável anualmente”.

E a ser assim, desnecessário seria seguir a regra de interpretação prevista no nº 1 do art. 236º do mesmo Código.

Contudo, atentas as várias solicitações de esclarecimento pelo A., e as “condições” que foi opondo, nomeadamente para a utilização de outro equipamento, e o nenhum reparo feito pela Ré (pontos 34 e 35 da matéria de facto), qualquer declaratário normal, e agora, a Ré, deveria ter concluído que o A. se considerava, para todos os efeitos, a operar sempre a partir do Porto, enquanto lhe não fosse comunicado o fim da transferência, fosse qual fosse o equipamento que passasse a dirigir.

Então, aqui sim, há que seguir a regra de interpretação a que se refere o nº 1 do citado artº 236º, ao conjugar a comunicação ao A. relativa à transferência para a base do Porto e a carta de Julho de 2003 (ponto 15 da matéria de facto).

E aplicando os ensinamentos supra referidos ao caso concreto, entendemos que o sentido que objectivamente um trabalhador com a formação e conhecimentos do Autor, colocado na sua real posição e considerando os factos assentes, poderia retirar da referida carta (ponto 15) e o despacho de 30 de Julho de 1990 (ponto 3), lidos no seu conjunto, era o de que o A., “pertencendo à base de Lisboa”, e tendo sido transferido para a do Porto, temporariamente, poderia, mediante comunicação da Ré, como a carta ora em causa (de Julho de 2003), regressar à Base de Lisboa.

O que aqui releva, para efeitos de se saber qual o sentido daquele despacho, não é a intenção subjectiva do declarante, mas antes o sentido que um declaratário razoável colocado na posição concreta do declaratário efectivo lhe possa atribuir.

E o sentido que um declaratário normal, colocado na real posição do A. poderia atribuir ao conteúdo de tal despacho era que a Ré apenas deu o seu consentimento à permanência do A. com base no Porto, temporariamente.

Mesmo que, no que ora releva, o artº 236º do Código Civil se não reportasse, como se reporta, a um «declaratário normal», perfilha-se o entendimento de que, in casu, tratando‑se de um contrato de natureza laboral, em que releva o estabelecimento do local de trabalho, mesmo para quem fosse versado nesta matéria não deixaria de considerar que o local base, constituía aquele a que acima fizemos referência, isto é, Lisboa.

Neste ponto, não podemos esquecer que se tratava de um contrato de trabalho em que estavam estipuladas concretamente as funções a desempenhar pelo Autor, e se consignou o local onde tais funções iriam ser levadas a efeito.

Nenhum equívoco podia suscitar no A. já que a transferência consubstanciada através do despacho referido era do interesse do A., pois este fixara a sua residência no Porto (mais propriamente em V.N. de Gaia) em 1988, ainda antes daquela transferência, tal como comunicara à Ré

Ora, como flui da matéria que ficou provada, daí resulta que o autor tinha, nas condições em que se encontrava aquando da transferência para o Porto, sabido da vontade da ré tal como resultou apurada e decorre do poto 3., isto, a temporalidade da transferência.

Conclui-se, pois, que o A. aceitou tal transferência, entendida como temporária.

Para consubstanciar as conclusões que acaba de tirar-se, apreciemos a conduta quer do A. quer da Ré.

No tocante ao Autor, apurou-se que: 

-em 8 de Outubro de 1999, o Autor foi nomeado para frequentar o 17° Curso de Qualificação e Comando no avião Airbus-310, o qual teve início em Lisboa, e durante a frequência desse Curso, continuaram a ser-lhe pagos todos os encargos devidos à sua condição de trabalhador pertencente à base do Porto;

-aceita a passagem a outro equipamento se a Companhia/Ré assim o entender, sempre em qualquer dos casos, na qualidade de piloto residente na base do Porto;

- finda a participação neste Curso, a largada do Autor no avião Airbus- 310 ocorreu em 19 de Dezembro de 1999;

         -de 27 de Novembro de 2000 a 16 de Maio de 2001 o Autor fez várias exposições ao DOV - Director de Operações de Voo da Ré, e contactou o mesmo pessoalmente, a pedir esclarecimentos sobre a falta de atribuição dos subsídios nas deslocações em trabalho para fora da base, ou sobre a sua situação quanto a “transferência” para Lisboa, ou a pedir ajudas de custo em falta, ou sobre o facto de estar a ser escalado como extra-crew para a base do Porto, tudo como resulta da factualidade provada sob os pontos 25 a 30.

Ora, desta conduta do Autor, a saber, das diversas declarações por ele emitidas, a insistência em que nunca pretendeu pôr fim à situação de piloto da base do Porto, resulta que aí pretendeu permanecer mesmo que tal permanência contendesse com a sua promoção.

Quanto à Ré, importa saber se conseguiu demonstrar ter emitido declaração tendente à não renovação da transferência do Autor para a base do Porto.

Dos factos sob os pontos 21 e 22 da matéria de facto provada, conclui-se que nessa altura, 25 de Julho de 1997, não foi, pela Ré, posto fim à transferência do Autor.

Após o final do curso do avião A-310, mais propriamente, desde 1 de Janeiro de 2000, a Ré, sem o acordo do Autor, deixou de lhe pagar os encargos com despesas e ajudas de Custo nas suas deslocações bem como o pagamento das despesas de transporte fora da base, alojamento e alimentação e pernoita, nas deslocações em serviço.

Mas se deixou de fazer tais pagamentos, em Agosto de 2000 (ponto 13) a Ré enviou o documento junto por cópia a fls. 43 para o Autor destinado à base do Porto, podendo inferir-se daqui que o considerava ainda sediado na base do Porto.

Sobre as exposições e contactos do Autor ao DOV, acima referenciadas, a Ré  manteve silêncio não emitindo qualquer declaração expressa da qual o Autor pudesse concluir que era posto fim à sua transferência para a base do Porto.

Tal como se diz na sentença da 1ª instância, da factualidade ínsita sob os pontos 8 a 12 resulta que apenas a partir de 28 de Abril de 2001 a Ré começa a dar sinais de que entende que o Autor não pertence à base do Porto mas sem nunca o comunicar expressamente.

Em 31 de Agosto de 2001, o Autor foi contactado pelo DPNT e Coordenador da base do Porto, o qual lhe pediu a colaboração para a elaboração de uma proposta de regulamentação de bases, tendo argumentado que fazia este pedido ao Autor, pelo facto de ser o piloto mais antigo da base do Porto (facto 31).

Ou seja, apesar de começar a dar sinais ao Autor de que o considerava um piloto com base em Lisboa, ainda assim, a 31 de Agosto de 2001, a Ré, através do DPNT pede a colaboração do Autor, a título de piloto mais antigo da base do Porto.

 Nesta conformidade, até àquela data a Ré não havia ainda posto fim à situação de transferência temporária do Autor para a base do Porto.

Quando o Autor, por intermédio de mandatário, remeteu carta datada de 19 de Julho de 2002, junta por cópia a fls. 47 a 49, dirigida à Administração da Ré (14) veio a Ré responder através da carta junta por cópia a fls. 50 e 51, datada de 5 de Dezembro de 2002, com o teor constante do ponto 15 da factualidade provada.

Ora, entende-se que apenas nesta data – 5 de Dezembro de 2002 – e com a comunicação atrás referida, a Ré vem declarar que não pretende manter a situação de transferência temporária do Autor para a base do Porto.

Conclui-se, assim, que:

- o Autor foi transferido, a título temporário para a base do Porto, situação a que qualquer das partes – Autor ou Ré – poderia pôr fim, mediante uma declaração de vontade;

- apenas se pode declarar que a base do Porto foi a base do Autor, a título temporário, até 5 de Dezembro de 2002, data em que terminou por via de comunicação expressa da Ré.


       Procedem, assim, as conclusões 1) a 13) do recurso, improcedendo as conclusões 14) a 16) no tocante a dever considerar-se que a situação de deslocação temporária do Recorrido na base do Porto terminou em 1 de Janeiro de 2000, com os fundamentos supra expostos.

       2ª questão:
      

       Prende-se, tal questão (conclusões 17 a 22), com a condenação da ré no pagamento, mesmo que em sede de liquidação de sentença, de todos os subsídios e encargos que o autor teve que suportar pelas suas deslocações a partir da base da cidade do Porto, desde fins de 1999, data em que deixaram de ser pagos.

Relativamente a este pedido, a 1ª instância condenou a ré apenas no pagamento das despesas com as deslocações do Porto para Lisboa e de Lisboa para o Porto, no período de 1 de Janeiro de 2000 a 5 de Dezembro de 2002, em quantia a liquidar em execução de sentença.

O Acórdão recorrido, confirma a obrigação do pagamento de tais subsídios e encargos, pressupondo-se que até à data em que considerou ter terminado a transferência do Autor para a base do Porto, que considerou definitiva, e reconheceu ser em 9 de Julho de 2005, data da cessação do contrato com a sua reforma.

A recorrente, nesta parte, alega a violação do disposto nos arts. 264.°, 467.°, n.° 1, al. d), 471.° e 661.°, n.° 2, todos do Código de Processo Civil, e 342.° do Código Civil.

Isto é, invoca a violação do princípio do dispositivo, de onde decorre que é as partes que compete alegar e provar a factualidade que sustenta a sua pretensão, não podendo o tribunal substituir-se às mesmas; a falta de exposição de factos e as razões de direito que servem de fundamento a tal pretensão; a formulação de pedido genérico relativamente ao pagamento dos encargos e subsídios em causa; e por fim põe em causa a condenação nos termos do nº 2 do artº 661º do Código de Processo Civil.

Nesta parte, o Acórdão recorrido exarou o seguinte:

«[R]esultou provado que:

- A partir de 30 de Julho de 1990, o autor passou a ser pago pelos encargos e ajudas de custo nas suas deslocações para os voos a começar e a acabar fora da base do Porto, nomeadamente em Lisboa, quando aqui se deslocava em serviço (facto n.º5)

- Entre 30 de Julho de 1999 e até ao fim do curso do avião A-310, a ré pagou todas as despesas nas deslocações do autor para fora do Porto, conforme as condições pré-estabelecidas no documento junto por cópia a fls. 52, efectuado em resposta às perguntas formuladas pelo Autor, no documento junto por cópia a fls. 53 (facto n.º 16).

- Desde 1 de Janeiro de 2000, o Autor deixou de receber ajudas de custo para as deslocações em serviço, bem como o pagamento das despesas de transporte fora da base, alojamento e alimentação e pernoita, nas deslocações em serviço (facto n.º 36).

 Todavia, como acima se referiu, por força do autor manter o seu local de trabalho na base do Porto, a ré deveria ter continuado a pagar ao autor todas as despesas nas suas deslocações para fora do Porto, conforme condições prévias estabelecidas no documento de fls. 52, junto com a petição inicial, como o fez de Julho de 1999 até ao fim do curso de Avião A-310, Janeiro de 2000 (facto n.º16). Sendo certo que resultou provado que os voos e serviços efectuados pelo autor, nessas condições, até 30 de Junho de 2003, num total de 42 meses, realizadas a partir de Lisboa, ou em Lisboa foram conforme os factos dados como provados nos nºs 18 e 19.

Assim, deverá a ré proceder ao pagamento das ajudas de custo e demais encargos para deslocações em serviço, tal como o fez de Julho de 1990 a Janeiro de 2000, relativamente aos voos e serviços que se apuraram o autor ter realizado a partir de Lisboa ou em Lisboa, descritos nos factos 18 e 19, cujo montante o tribunal não pode liquidar, não porque não saiba quais aos voos e serviços em causa, que resultaram provados, mas porque não resultaram apurados os montantes devidos a título de ajudas de custo e demais encargos que vinham sendo pagos ao autor a esse título mas que as partes terão de ter conhecimento.

Deste modo, os pedidos formulados sobre esta matéria procedem no sentido de se considerar que o autor tem direito ao pagamento de todos os encargos e ajudas de custo nas suas deslocações para os voos e serviços a começar e a acabar em Lisboa, a que se aludem os factos 17 e 18, pagos conforme condições prévias estabelecidas no documento de fls. 52, cujo montante deverá ser liquidado em execução.»

Não merece reparo o Acórdão recorrido, neste segmento, sufragando-se tal entendimento, salvaguardando o supra decidido quanto ao limite temporal em que se justifica o pagamento, isto é, até ao termo da transferência temporária do A. para a base do Porto.
Quanto à invocada falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade por deficiente acatamento dos ónus de alegação e prova do Recorrido na acção declarativa, e a ser genérico o pedido formulado, não assiste razão à recorrente/Ré.

Como bem se refere no parecer da Exª Procuradora-Geral Adjunta, face ao que ficou provado sob os pontos 17, 18, 37, 38, 39, 40, 43 e 44, verifica-se que o Autor logrou provar que suportou despesas concretas, objectivamente relacionadas com as suas deslocações em serviço e transporte em veículo próprio, entre Porto e Lisboa e que a Ré paga tais despesas aos seus tripulantes na situação do Autor.
Apenas não logrou provar o montante exacto das referidas despesas.
Assim, o apuramento do montante a pagar a tal título, pela Ré, terá de ser necessariamente levado a cabo em posterior liquidação, nos termos do artº 661º, nº2 do Código de Processo Civil, e tal como foi decidido pela 1ª instância (als. a) e b) da decisão), sendo que, no caso, está fixado o objecto da condenação, restando fixar apenas a “quantidade”.
“Só a completa inconcludência probatória da existência do direito é que conduziria à improcedência da acção, justificando-se que se profira condenação ilíquida, perante a mera ausência de elementos suficientes para determinar o montante em dívida”.[1]

Improcedem, assim, as conclusões 17) a 20) das conclusões da revista.

O n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do preceituado nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, quanto ao pagamento de juros de mora, e tal como vem alegado nas conclusões 21) e 22), não há que apreciar tal questão, já que fica prejudicada pela apreciação feita relativamente à 1ª questão, que conduz a ser repristinada a decisão da 1ª instância, e onde não se verificou condenação àquele título.

                                               I I I

Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido, repristinando-se a decisão da 1ª instância.

Custas, nas instâncias e na revista, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo suportadas, provisoriamente, em partes iguais, no que respeita à condenação em posterior liquidação da sentença.

Lisboa, 5 de Junho de 2012

Sampaio Gomes (Relator)

António Leones Dantas

Pinto Hespanhol

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[1] Cfr. a  propósito desta questão,  Ac. da 4ª secção deste STJ, de 28/04/2010, Proc. 182/07.0MAI.S1 Relator:Vasques Dinis.