Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2881/07.8TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MELO LIMA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
QUESTÃO NOVA
TRABALHO SUPLEMENTAR
RETRIBUIÇÕES EM DÍVIDA
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DE TRABALHO / TRABALHO SUPLEMENTAR - RETRIBUIÇÃO E OUTRAS ATRIBUIÇÕES PATRIMONIAIS / CUMPRIMENTO - CESSAÇÃO DO CONTRATO / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR / RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - CUSTAS - RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 527.º, 635.º, N.º4.
CÓDIGO DO TRABALHO, APROVADO PELA LEI N.º 99/2003 DE 27 DE AGOSTO (CT/2003): - ARTIGOS 197.º, N.º1, 204.º, 269.º, N.ºS 1, 3 E 4, 384.º, ALÍNEA C), 396.º, N.º2, 441.º, 443.º.
LEI N.º 35/2004, DE 29 DE JULHO: - ARTIGO 189.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 09.07.2014, PROC. N.º 2127/07.9TTLSB.L1.S1; DE 12.09.2013, PROC. 381/12.3TTLSB.L1.S1 E DE 02.12.2013, PROC. 1445/08.3TTPRT.P1.S1.
-DE 11.07.2012, PROFERIDO NA REVISTA N.º 7/07.7TTBRG.P2.S1, COM SUMÁRIO DISPONÍVEL NO BOLETIM DE SUMÁRIOS NA PÁGINA DA INTERNET DO STJ – WWW.STJ.PT .
-DE 14.05.2014, PROFERIDO NA REVISTA N.º 990/09.7TTMTS.P1.S1, COM SUMÁRIO DISPONÍVEL NO BOLETIM DE SUMÁRIOS EM WWW.STJ.PT .
-DE 20.06.2012, PROC. 650/10.7TTSTB.L1.S1; DE 02.04.2014, PROC. 612/09.7TTSTS.P1.S1.
-DE 25.03.2009, NO ÂMBITO DA REVISTA N.º 3767/08, SUMÁRIO DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. Os recursos destinam-se a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas pelo que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça emitir pronúncia sobre questões que apenas no âmbito da Revista foram suscitadas.

2. Invocando justa causa subjetiva, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo demonstrar, de igual passo, a existência do nexo de causalidade entre aquele comportamento e a inexigibilidade para o trabalhador na manutenção do vínculo.

3. Não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reação à violação dos deveres laborais.

4. O vencimento da obrigação de pagamento da retribuição referente a trabalho suplementar não está dependente de qualquer interpelação por parte do trabalhador, ocorrendo logo que seja prestado o trabalho, ficando o empregador constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - RELATÓRIO
1. AA instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, 2.ª Secção, ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra “BB, Lda.” e “CC, SA”, pedindo:
a) Que seja declarado que a resolução do contrato de trabalho que efetuou o foi com justa causa;
b) Que sejam as RR. condenadas, solidariamente, no pagamento:
i) € 7.500,00, correspondente à indemnização pela resolução do contrato;
ii) € 6.862,83, correspondente ao trabalho suplementar efetuado e não pago;
iii) € 1.997,17, correspondente ao descanso compensatório por trabalho suplementar não concedido ao A.;
iv) € 461,54, correspondente à remuneração de Janeiro de 2007;
v) € 5.000,00, correspondente a férias e subsídio de férias vencidas em Janeiro de 2007;
vi) € 1.109,58, correspondente a subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho efetuado em 2007.
vii) Deduzindo a estes valores a quantia de € 2.218,71 entregue pela R., em 28.02.07, e
viii) Acrescidos dos juros vencidos, no montante de € 394,95, contados desde a data da resolução do contrato e dos vincendos até final pagamento;
ix) Bem como nas custas do processo e procuradoria condigna.

2. Alegou, em síntese:
· Foi admitido, em 07.03.2005, pela R. BB para exercer as funções de “Consultor em Infraestruturas”, mediante o pagamento da retribuição mensal de € 2.500,00, com o horário de trabalho de segunda a sexta-feira, das 9 às 18 Horas, com um intervalo das 13 às 14 Horas;
· Posteriormente, a R. BB foi cindida, na modalidade de cisão-fusão por incorporação, mediante transferência de património para a R. CC, tendo o A. continuado a exercer as suas funções sob ordens e instruções da R. BB e adstrito à equipa que prestava serviços e assistência à cliente desta  - DD;
· No âmbito dessas funções, por causa da assistência técnica permanente à DD, mediante determinação da R., prestou trabalho suplementar, que quantificou, nos anos de 2005 e 2006, o qual não lhe foi pago pela R., nem lhe foi concedido o correspondente descanso compensatório, mesmo após várias reclamações, verbais e escritas, do A. junto da R., no sentido de obter tal pagamento;
· Atenta essa falta, culposa, de pagamento, tornou-se impossível manter o contrato de trabalho pelo que resolveu o mesmo, com justa causa, em 23.01.2007, o que não foi aceite pela R.

3. As RR. apresentaram contestação, alegando, em síntese, que a R. BB procedeu ao pagamento ao A. dos créditos à data da cessação do contrato de trabalho, correspondentes à retribuição de Janeiro de 2007, às férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.07 e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano da cessação do contrato. Impugnaram a realização de trabalho suplementar por parte do A., porquanto a R. BB nunca autorizou, nunca ordenou tal trabalho, nem o A. alguma vez o demonstrou, apesar de ter sido solicitado para tanto, concluindo, por isso, pela inexistência de justa causa para a resolução do contrato por parte do A.
4. O A. respondeu à matéria da exceção, referindo que a R. BB não lhe pagou a totalidade dos créditos, mas apenas € 2.218,71 e descontou € 2.500,00, a título de falta de “aviso prévio”.

5. Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a regularidade e validade da instância e dispensada a seleção da matéria de facto.

6. Realizada a audiência de discussão e julgamento e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação procedente por provada e, em consequência,

6.1 Condenar, solidariamente, as RR. a pagar ao A. :
«a) A quantia de 20 dias de retribuição - €1.666,66 por cada ano ou fração de antiguidade do Autor nas Rés, neste caso, desde 7/3/2005, até ao trânsito em julgado da sentença, a título de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho, quantia acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até pagamento integral.
b) A quantia de € 6.862,83 (seis mil oitocentos e sessenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), a título de trabalho suplementar;
c) A retribuição das Horas e dos dias de descanso compensatório relativos às Horas de trabalho suplementar comprovadas no ponto 21.º dos factos provados, e computada, tal retribuição, nos termos do art.º 202.º, n.ºs 1 e 3 do CT2003;
d) A quantia de €2.500 (dois mil e quinhentos euros), indevidamente retida pela Ré BB;
e) As quantias dos pontos b), c), e d) vencem juros de mora à taxa legal de 4% desde 23/1/2007 até pagamento integral.
6.2 Absolver o A. do pedido formulado pelas RR.»

7. Inconformadas com o assim decidido, as RR. interpuseram recurso de apelação, arguindo a nulidade da sentença e contestando o sentido decisório alcançado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, mediante acórdão de fls. 893-937, decidido:
«Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º, 713.º e 715.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, no seguinte:
a) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação BB, LDA e EE, SA (anterior CC – …, SA) no que concerne às nulidades de sentença pelas mesmas arguidas, declarando-se a nulidade da sentença no que toca à parte da alínea a) da sua parte decisória (indemnização fixada até ao seu trânsito em julgado);
b) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação BB, LDA e EE, SA (anterior CC – …, SA), na sua vertente fáctica, determinando-se, nessa sequência, a alteração do Ponto 21, nos moldes constantes da fundamentação do Acórdão;
c) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação BB, LDA e EE, SA (anterior CC – …, SA), na sua vertente jurídica, por força da alteração do Ponto 21 da Factualidade dada como Provada, condenando-se as mesmas a pagar ao Autor a quantia de € 4.393,02, a título de trabalho suplementar executado entre 3/4/2006 (inclusive) e 28/12/2006 (inclusive), relegando-se a quantificação do trabalho suplementar prestado pelo Autor no ano de 2005 e entre 1 de Janeiro e 2 de Abril de 2006, para o incidente de liquidação previsto nos artigos 661.º, n.º 2 e 378.º e seguintes do Código de Processo Civil (nova redação da alínea b da parte decisória da sentença recorrida); 
d) Relativamente ao trabalho suplementar prestado no ano de 2005 e entre 1 de janeiro e 2 de Abril de 2006, só se começarão a vencer juros de mora à taxa legal após a notificação do valor judicialmente estabelecido no incidente previsto nos artigos 661.º, n.º 2 e 378.º e seguintes do Código de Processo Civil e até ao seu pagamento integral (alteração parcial da alínea e da parte decisória da sentença impugnada) 
e) Em julgar procedente o recurso de apelação subordinado interposto por AA, nessa medida se alterando a sentença impugnada, ficando as Rés BB, LDA e EE, SA (anterior CC – …, SA) condenadas, em termos solidários, a pagar a indemnização no valor único de € 7.500,00 (€ 2.500,00 x 3 meses), nos termos do artigo 443.º do Código do Trabalho de 2003, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até pagamento integral (nova redação da alínea a) da parte decisória da sentença recorrida);
f) Em manter a sentença recorrida no demais decidido, referindo-se agora a alínea c) da sua parte decisória não somente ao trabalho suplementar dado como provado no Ponto 21, mas também ao demais trabalho suplementar cuja quantificação se relegou para incidente de liquidação (2.ª parte da supra alínea c)]. 
                
Custas da ação e do recurso de Apelação das Rés na proporção do seu decaimento, que se fixa, provisoriamente, em 1/10 para o Autor e em 9/10 para as Rés, recaindo as do recurso subordinado unicamente sobre as Apeladas - artigo 446.º, número 1, do Código de Processo Civil.».

8. Mantendo-se inconformadas com o assim ajuizado, as RR. apresentaram Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, cujas alegações remataram com a seguinte formulação conclusiva:
«1) As Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal a quo relativamente ao ponto 21 da matéria de facto;
2) O Tribunal a quo decidiu dar como provada (a) realização de trabalho suplementar nos termos do ponto 21 da matéria de facto com base em documentos particulares enviados de terceiros para o Recorrido e dos quais não resulta qualquer evidência de que o Recorrido se tenha deslocado naqueles dias e Horas às instalações da cliente DD e muito menos a duração de qualquer intervenção que tenha sido realizada pelo Recorrido;
3) A reapreciação deste concreto ponto da matéria de facto, infelizmente, por restrições legais não pode ser objeto do presente recurso, embora devesse sê-lo por questões de justiça material e segurança jurídica;
4) O presente recurso circunscreve-se à parte em que: (i) julga improcedente a Apelação e confirma a sentença proferida em primeira instância, na parte que declara a justa causa da resolução do contrato de trabalho e condena as Recorrentes no reembolso da quantia de € 2.500,00; (ii) julga procedente o recurso subordinado e condena as Recorrentes no pagamento solidário de uma indemnização no valor de € 7.500,00; (iii) condena as Recorrentes, em custas da ação e do recurso de Apelação, na proporção 9/10;
5) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou a lei substantiva, porquanto não fez a melhor interpretação e aplicação do Direito aos factos - artigo 674°., n°. 1, alínea a) do CPC;
6) O caso dos autos não configura uma situação de falta culposa de pagamento pontual da retribuição, quer mediante recurso ao regime específico previsto no artigo 441° do Código do Trabalho, quer por aplicação do regime geral previsto no artigo 799° do Código Civil;
7) O Recorrido foi integrado no projeto da cliente das Recorrentes, DD, projeto que foi executado nas instalações da própria cliente e sem supervisão direta das Recorrentes (cfr. ponto 5, 11, 13 e 30 dos factos assentes);
8) As Recorrentes solicitaram ao Recorrido que efetuasse um levantamento do trabalho realizado fora de Horas, validado pela cliente DD, porquanto era a cliente quem solicitava diretamente ao Recorrido a realização desse trabalho (cfr. ponto 27 dos factos assentes);
9) O Recorrido não procedeu à entrega de nenhum levamento de trabalho realizado fO... de Horas junto da cliente DD e esta, quando confrontada pelas Recorrentes, negou a realização de qualquer trabalho realizado pelo Recorrido. (cfr. pontos 28 e 29 dos factos assentes);
10) O Recorrido estava obrigado a fazer um registo de trabalho suplementar após a solicitação expressa das Recorrentes, como resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 189.° do Código do Trabalho de 2003 ("atividade realizada no exterior da empresa"), o que não fez;
11) As Recorrentes podiam legalmente recusar o pagamento do trabalho suplementar enquanto (o) Recorrido não cumprisse a obrigação (a) que estava adstrito, ou seja, a de comunicar às Recorrentes os dias e Horas em que alegadamente prestou trabalho suplementar solicitado diretamente pela cliente DD - artigo 428.º, n.º 1 do Código Civil;
12) O Recorrido não cumpriu a obrigação a que estava adstrito – prevista nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 189.º do Código do Trabalho de 2003 – e, nessa medida, a obrigação de pagamento que pretensamente impendia sobre as Recorrentes não se venceu, por não ser exigível;
13) Os dias e Horas em que o Recorrido alegadamente realizou trabalho suplementar no âmbito do projeto da cliente DD apenas foram comunicados às Recorrentes na carta de resolução do contrato de trabalho;
14) Os documentos com base nos quais o Tribunal a quo sustentou a realização de trabalho suplementar pelo Recorrido apenas foram apresentados às Recorrentes em juízo;
15) À data da resolução do contrato de trabalho promovido pelo Recorrido, ainda não tinha ocorrido o vencimento de qualquer obrigação de pagamento a título de trabalho suplementar, ou seja, os Recorrentes ainda não se encontravam em mora;
16) E tanto assim é que, em ambas as instâncias, as Recorrentes foram condenadas em pagamento de juros de mora sobre quantias líquidas referentes a retribuição por trabalho suplementar e descanso compensatório apenas a partir da data de cessação do contrato de trabalho;
17) A determinação do quantum estava dependente do cumprimento de uma obrigação do Recorrido, na medida em (que) o trabalho suplementar foi executado fora das instalações das Recorrentes e as Recorrentes solicitaram expressamente ao Recorrido a entrega de um levantamento do trabalho suplementar visado pela cliente DD;
18) A prestação reclamada pelo Recorrido nos presentes era inexigível e ilíquida;
19) Há mora do Recorrido, porquanto este não cumpriu os atos necessários para que as Recorrentes pudessem cumprir a sua obrigação – artigo 813.º, in fine, do Código Civil.
20) O Recorrido não podia resolver o contrato de trabalho invocando justa causa nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003, porquanto a obrigação de pagamento não se encontrava vencida, e, consequentemente, não se se prolongou pelo período de 60 dias.
21) Face à factualidade provada nos autos, foi ilidida a presunção de culpa que recaía sobre as Recorrentes nos termos do disposto do artigo 799.º do Código Civil;
22) O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 441.º, n.º 2, alínea a), 364.º, n.º 2 do Código do Trabalho, artigo 308.º, n.º 1 da Lei n° 35/2004, de 29 de Julho, e artigo 799.º do Código Civil, ao decidir que o Recorrido resolveu o contrato de trabalho com justa causa com fundamento na falta culposa de pagamento pontual das retribuições;
23) O Recorrido, na carta de resolução do contrato e nos presentes autos, limitou-se a invocar a violação do artigo 441.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho, sem alegar e provar quaisquer factos dos quais resulte que, em consequência da alegada realização de trabalho suplementar, excedeu os períodos normais de trabalho diários e/ou semanais, e/ou que não foi possível gozar os descansos diários e semanais;
24) O ónus da prova sobre os factos que consubstanciam a pretensa violação de garantias legais ou convencionais cabia ao Recorrido;
25) O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 441.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho e 342.º, n.º 1 do Código Civil, ao concluir que a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada pelo Recorrido se fundamenta também na violação de garantias legais do trabalhador;
26) Nos termos do n.º 1 do artigo 442.º do Código do Trabalho de 2003 não basta fazer uma indicação vaga de um comportamento ilícito ou a reprodução dos normativos violados, sendo necessário que o trabalhador especifique na comunicação de resolução do contrato os factos concretos em que se baseia;
27) Apenas os factos indicados na carta de resolução do contrato de trabalho podem ser alegados como causa de pedir na ação que o trabalhador vier a intentar contra o empregador e apenas sobre estes o Tribunal pode decidir o pleito;
28) A comunicação de resolução do contrato de trabalho dos autos não contém quaisquer factos dos quais resulte a lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do Recorrido;
29) O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 441.º, n.º 2, alínea e) e o artigo 442.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 ao decidir que o contrato de trabalho foi resolvido com justa causa com fundamento na lesão de interesses patrimoniais sérios do Recorrido;
30) Não se encontrava vencida, à data da cessação do contrato de trabalho, nenhuma obrigação das Recorrentes, relativa à prestação de trabalho suplementar, susceptível de integrar a alínea a) do n.º 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho;
31) Não se verifica o elemento objetivo previsto nas alíneas b) e e) do n.º, 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho, por não terem sido alegados, nem provados, factos que consubstanciem a violação de garantias legais do trabalhador ou a lesão de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
32) A falta de pagamento do trabalho suplementar, alegadamente prestado pelo Recorrido, não pode ser imputada às Recorrentes, a título de culpa;
33) A factualidade com base na qual o Tribunal a quo concluiu que o comportamento das Recorrentes tornou imediata e praticamente impossível a relação de trabalho e que não era exigível ao Recorrido a manutenção do contrato de trabalho, não tem qualquer suporte na factualidade assente nos autos;
34) O Recorrido não alegou nos autos, nem provou, que a falta de pagamento da quantia que reclama a título de prestação de trabalho suplementar e de descansos compensatórios, lhe causou transtornos financeiros, de tal forma que houvesse necessidade de suprir tal falta através de outros rendimentos, contrariamente ao que concluiu o Tribunal a quo;
35) Não resulta dos autos que, por força do trabalho suplementar prestado, o Recorrido tivesse (sido) sujeito a um "ritmo imprevisto e atribulado de prestação de trabalho ao longo de 1 ano e meio".
36) Não resulta da prova produzida nos autos nenhum comportamento ilícito e culposo das Recorrentes que, pela sua gravidade e consequências, tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
37) O Recorrido rescindiu o contrato de trabalho sem justa causa;
38) Ao declarar a justa causa de resolução do contrato de trabalho dos autos e ao julgar procedente o recurso subordinado interposto pelo Recorrido, Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 441.º, 396.º, n.º 2 e 443.º, todos do Código do Trabalho de 2003;
39) Deve ser reconhecido o crédito das Recorrentes no valor de € 2.500,00, referente à inobservância do aviso prévio, sob pena de violação do disposto no artigo 446.º do Código do Trabalho.
40) Atento o peticionado nos autos e os termos do Acórdão recorrido, as Recorrentes apenas decaíram 7/10 do valor total da ação, pelo que decidindo, ainda que provisoriamente, pela condenação em 9/10, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do C.P.C.».

Terminam, pedindo que seja «dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo na parte respeitante à declaração de justa causa de resolução do contrato de trabalho, à procedência do recurso subordinado, à devolução da quantia de € 2.500,00 e à condenação em custas e substituído por outro que absolva as Recorrentes dos pedidos contra si formulados».

8. O A. apresentou contra-alegações à revista das RR., sustentando a inadmissibilidade desta sob a justificação de o valor da acção ser inferior ao valor da alçada da Relação à data da interposição da mesma e, relativamente aos fundamentos da revista, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

9. Admitido recurso, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, formulou parecer, conforme fls. 1087-1093, pronunciando-se no sentido de ser negada a revista, sendo de manter, integralmente, a decisão recorrida concluindo do seguinte modo:

a) «O trabalho suplementar, imposto a um ritmo imprevisto e atribulado, realizado durante mais de um ano, totalizando uma dívida de € 4.393,02, a que acrescem prestações ainda não quantificadas relativa ao ano de 2005 e parte de 2006 (até 2 de abril), com significativa expressão pecuniária e correspondente prejuízo patrimonial sério para o trabalhador, tudo tendo sido reclamado, e que a entidade patronal não satisfez, numa reiterada omissão temporal de mais de um ano, constitui justa causa para o trabalhador resolver validamente o contrato de trabalho, por não ser exigível a sua manutenção»;
b) «A proporção de condenação em custas na acção e no recurso interposto pela Rés no acórdão recorrido, mostra-se adequada, tendo em conta o princípio da causalidade de quem a elas deu causa e à sucumbência, princípios enformadores do regime em vigor.».

10. A este parecer apenas as RR. ofereceram resposta, sustentando que no mesmo não se emitiu pronúncia sobre a aplicabilidade da exceção do não cumprimento (art. 428.º CC) – se as recorrentes podiam legalmente recusar o pagamento do trabalho suplementar enquanto o recorrido não lhes comunicasse os dias e as Horas em que alegadamente prestou o trabalho suplementar - nem sobre o não vencimento da obrigação do pagamento de tais valores ou concretização dos factos pressupostos à resolução do contrato, mantendo, pois, a posição sustentada na revista.

11. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.

II Delimitação objetiva do recurso.

1. Na 4ª Conclusão, as RR. delimitam, expressamente, a presente revista à parte em que «(i) julga improcedente a Apelação e confirma a sentença proferida em primeira instância na parte que declara a justa causa da resolução do contrato de trabalho e condena as Recorrentes no reembolso da quantia de € 2.500,00; (ii) julga procedente o recurso subordinado e condena as Recorrentes no pagamento solidário de uma indemnização no valor de € 7.500,00 e (iii) condena as Recorrentes, em custas da ação e do recurso de Apelação, na proporção 9/10».
No entanto, nas conclusões 11ª a 19ª, invocam as RR. a exceção de não cumprimento, prevista no art. 428.º, n.º 1 do CC, sustentando que competia, primeiro, ao A. cumprir a sua obrigação de comunicação dos dias e Horas em que prestou trabalho suplementar mas, como assim não o fez, estaria “justificado” o não pagamento do trabalho suplementar por parte das RR., tornando-se a prestação reclamada nos presentes autos,  inexigível e ilíquida.
Por outro lado, nas conclusões 23.ª a 28.ª, as RR. alegam uma questão formal, reportada à insuficiência do escrito resolutório, sustentando que o A. se limitou «a invocar a violação do artigo 441.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho, sem alegar e provar quaisquer factos dos quais resulte  que, em consequência da alegada realização de trabalho suplementar, excedeu os períodos normais de trabalho diários e/ou semanais, e/ou que não foi possível gozar os descansos diários e semanais», sendo que «não basta fazer uma indicação vaga de um comportamento ilícito ou a reprodução dos normativos violados, sendo necessário que o trabalhador especifique na comunicação de resolução do contrato os factos concretos em que se baseia».

O..., estas questões não foram suscitadas atempadamente.
Vale dizer: não foram colocadas, pelas RR, à apreciação, quer na 1.ª instância, quer no âmbito do recurso de apelação que interpuseram da sentença ali proferida.

Efetivamente, no âmbito da apelação as RR., para além de arguirem a nulidade da sentença e impugnarem determinados pontos da matéria de facto provada na sentença – questões que foram decididas pela Relação e que não são já suscetíveis de reapreciação por este Supremo Tribunal de Justiça –, apenas impugnaram a decisão de mérito alcançada quanto à existência da justa causa invocada para a resolução do contrato (existência de trabalho suplementar efetuado pelo A. e o seu não pagamento por parte das RR.) e, subordinadamente, manifestaram a sua divergência relativamente ao recurso do A., quanto à fixação dos concretos dias de retribuição a atender para a fixação da indemnização prevista no art. 443.º do CT/2003.
E foi sobre estas questões que, em apreciação «do ponto de vista jurídico» o Tribunal da Relação emitiu pronúncia, como expressamente o referiu a fls. 926 e 927 do acórdão recorrido.  
Consabidamente, os recursos destinam-se a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que perante eles não foram equacionadas pelo que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça emitir pronúncia sobre tais questões quando só no âmbito da Revista foram suscitadas. ([1])
Entendendo as RR. dever colocar em apreciação tais questões ao Tribunal, deveriam tê-lo feito no momento processual adequado, mormente no articulado de contestação que apresentaram nos autos, determinando que a pronúncia do Tribunal sobre as mesmas viesse a incidir.
Manifestamente, porém, assim não procederam.
Razão por que, de tais questões, não se tomará conhecimento.

2. Inexistindo, outrossim, temáticas de conhecimento oficioso que cumpra conhecer, em face das conclusões das alegações, as questões em apreço na presente revista traduzem-se em saber:
· Da (in)existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho efetuada pelo A.;
· Da condenação das RR. no pagamento da indemnização no montante de € 7.500,00;
· Da condenação das RR. em custas na proporção de 9/10.

III Fundamentação de facto.

As instâncias deram como provados os seguintes factos:           
1. O A. foi admitido pela R. BB como seu trabalhador, em 07-03-2005, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, para desempenhar as funções de Consultor em Infraestruturas, por conta e sob a autoridade e direção da R.
2. O A. auferia a retribuição mensal de € 2.500,00.
3. E estava sujeito ao seguinte horário de trabalho:
a. De 2.ª a 6.ª feira;
b. Das 09H00 às 13H00;
c. Das 14H00 às 18H00.
4. A R. BB foi cindida, na modalidade cisão-fusão por incorporação, mediante a transferência do património cindido da sociedade “BB, LDA” para a sociedade “CC, SA”, cisão essa que foi registada na Conservatória do Registo Comercial da Lisboa, mediante a apresentação 32, de 27-04-2007.
5. Desde o início do contrato de trabalho, o A. foi integrado no “P…”, numa equipa que prestava serviços ao cliente da R. BB, DD – …, SA., de acordo com a proposta técnica junta a fls. 200 e segs. que se dá por reproduzida, e que veio a ser aceite pela DD, com início em 8 de Março de 2005 e duração até Junho de 2007.
6. No âmbito do referido projeto, competia à R. BB acompanhar as equipas da DD, prestando serviços na área da Infraestrutura Técnica, para aí administrar máquinas com o sistema operativo ..., várias máquinas com A..., e um outro conjunto delas em H..., administrar a solução de backups dessas máquinas, com a aplicação de V..., as infraestruturas tecnológicas, Robots, redes de comunicação, aplicações, base de dados O... e I..., apoiar as equipas de desenvolvimento e produção e efetuar o suporte de 2.ª linha da operação DD.
7. Essa prestação de serviços era realizada, por parte da Ré, por um “responsável de entidade” (Manager FF) a quem incumbia a gestão, o seguimento e a coordenação geral do P... e de um Engenheiro consultor, o A.
8. O A., na qualidade de consultor de infraestruturas, passou a apoiar tecnicamente a DD ao nível da administração de sistemas e backups do complexo sistema informático desta empresa interbancária.
9. No âmbito das suas funções, o A. reportava aos colabodores da R., Sr. FF (Manager) e a Sra. D. GG (Consulting Manager), que acompanhava(m) o trabalho dos consultores deslocados nos clientes.
10. No âmbito das suas tarefas, inicialmente a R. BB ordenou ao A. que prestasse assistência técnica diária à DD, nas respetivas instalações e dentro do seu horário de trabalho.
11. Porém, iniciada a prestação do trabalho, o Autor passou a ser chamado frequentemente, pois a assistência à DD exigia intervenção 24 H por dia, 7 dias por semana, em caso de avaria, erros graves nas aplicações, nas bases de dados e nos backups ou urgência, atendendo as respetivas chamadas e deslocando-se o A. às respetivas instalações, fora do horário referido em 3., quando tal fosse solicitado pela cliente.
12. Essa assistência fora do horário referido em 3., em regime de prevenção à DD, era prestada pelo A. e, caso não fosse possível localizar o A., por qualquer motivo, a DD contactava outro técnico de prevenção, Eng.º HH.
13. O A. deslocava-se às instalações da Cliente DD, sempre que esta o solicitasse, quer através da Divisão de Operação, quer através do Diretor de Serviço da DD, Eng.º II, ou do Coordenador de DIT-SD, Eng.º JJ.
14. Para melhor contacto com o Autor e realização de chamadas em regime de urgência, a DD entregou ao A.r o telemóvel com o n.º …, com o conhecimento e anuência dos responsáveis da R. BB.
15. A R. BB tinha conhecimento dessas chamadas de urgência da cliente e do trabalho realizado.
16. O A. enviava à R. relatórios de atividade contendo a descrição dos problemas detetados e dos trabalhos realizados.
17. Realizado o trabalho/despiste do problema da rede Multibanco, era efetuada a confirmação da resolução do problema através de telefonema dirigido à divisão de operação e respondido o E-mail do Diretor de Serviço da DD, Eng.º II ou do Coordenador do DIT-SD, Eng.º JJ.
18. A R. BB não procedeu ao pagamento do trabalho do A. prestado fora do horário referido em 3.
19. O Autor reclamou por escrito, junto dos responsáveis da R. BB, o pagamento de tais horas aos responsáveis diretos, Sr. FF (Manager) e a Sra. D. GG (Consulting Manager), bem como nas reuniões periódicas de acompanhamento e avaliação.
20. A R. BB não elaborou qualquer registo do trabalho do A. fora do horário referido em 3.
21. Assim, ao longo do ano de 2005 e no ano de 2006, até 2/4/2006, o A. realizou horas de trabalho suplementar não concretamente apuradas, tendo ainda no ano de 2006 e desde 3/4/2006, executado as seguintes horas que, igualmente, não foram remuneradas (facto com a redacção atribuída pela Relação):

DataDia de descanso ou feriadoHorade início do trabalho suplementarDuraçãoTotal
03/04/2006Não23:382 Horas€ 46,87
04/04/2006Não23:202 Horas€ 46,87
05/04/2006Não02:402 Horas€ 46,87
05/04/2006Não05:532 Horas€ 46,87
05/04/2006Não23:312 Horas€ 46,87
06/04/2006Não07:082 Horas€ 46,87
09/04/2006Sim21:492 Horas€ 57,68
16/04/2006Sim23:092 Horas€ 57,68
19/04/2006Não23:302 Horas€ 46,87
23/04/2006Sim13:092 Horas€ 57,68
03/05/2006Não06:362 Horas€ 46,87
05/05/2006Não06:552 Horas€ 46,87
09/05/2006Não03:572 Horas€ 46,87
09/05/2006Não06:522 Horas€ 46,87
10/05/2006Não01:032 Horas€ 46,87
10/05/2006Não06:292 Horas€ 46,87
11/05/2006Não00:202 Horas€ 46,87
12/05/2006Não00:372 Horas€ 46,87
19/05/2006Não04:592 Horas€ 46,87
21/05/2006Sim02:452 Horas€ 57,68
21/05/2006Sim18:382 Horas€ 57,68
25/05/2006Não00:342 Horas€ 46,87
26/05/2006Não01:002 Horas€ 46,87
28/05/2006Não00:352 Horas€ 57,68
03/06/2006Sim03:172 Horas€ 57,68
05/06/2006Não07:251,5 Horas€ 34,25
06/06/2006Não01:142 Horas€ 46,87
13/06/2006Não19:342 Horas€ 46,87
04/07/2006Não07:391,5 Horas€ 34,25
10/07/2006Não00:572 Horas€ 46,87
10/07/2006Não20:592 Horas€ 46,87
14/07/2006Dia de férias22:252 Horas€ 46,87
17/07/2006Dia de férias06:191,5 Horas€ 34,25
22/08/2006Não01:472 Horas€ 46,87
24/08/2006Não06:462 Horas€ 46,87
27/08/2006Dia de férias00:242 Horas€ 46,87
27/08/2006Dia de férias22:542 Horas€ 46,87
01/09/2006Dia de férias06:462 Horas€ 46,87
03/09/2006Sim00:202 Horas€ 57,68
04/09/2006Não00:422 Horas€ 46,87
05/09/2006Não06:222 Horas€ 46,87
07/09/2006Não00:372 Horas€ 46,87
08/09/2006Não00:122 Horas€ 46,87
16/09/2006Sim12:292 Horas€ 57,68
17/09/2006Sim00:362 Horas€ 57,68
24/09/2006Sim00:352 Horas€ 57,68
24/09/2006Sim06:262 Horas€ 57,68
24/09/2006Sim10:522 Horas€ 57,68
03/10/2006Não00:342 Horas€ 46,87
10/10/2006Não00:592 Horas€ 46,87
11/10/2006Não00:492 Horas€ 46,87
11/10/2006Não07:301,5 Horas€ 34,25
12/10/2006Não00:122 Horas€ 46,87
15/10/2006Sim04:502 Horas€ 57,68
15/10/2006Sim12:572 Horas€ 57,68
16/10/2006Não20:302 Horas€ 46,87
16/10/2006Não22:382 Horas€ 46,87
19/10/2006Não06:292 Horas€ 46,87
22/10/2006Sim09:532 Horas€ 57,68
23/10/2006Não22:412 Horas€ 46,87
24/10/2006Não07:532 Horas€ 46,87
25/10/2006Não07:531 Hora€ 21,63
28/10/2006Sim00:502 Horas€ 57,68
28/10/2006Sim10:492 Horas€ 57,68
29/10/2006Sim06:482 Horas€ 57,68
29/10/2006Sim15:562 Horas€ 57,68
29/10/2006Sim11:432 Horas€ 57,68
31/10/2006Não08:081 Hora€ 21,63
02/11/2006Não21:402 Horas€ 46,87
03/11/2006Não00:442 Horas€ 46,87
05/11/2006Sim13:002 Horas€ 57,68
14/11/2006Não05:392 Horas€ 46,87
24/11/2006Não18:001 Hora€ 46,87
26/11/2006Sim00:372 Horas€ 57,68
27/11/2006Não00:362 Horas€ 46,87
28/11/2006Não00:462 Horas€ 46,87
29/11/2006Não19:152 Horas€ 46,87
30/11/2006Não01:162 Horas€ 46,87
01/12/2006Não05:032 Horas€ 46,87
03/12/2006Sim00:582 Horas€ 57,68
04/12/2006Não01:062 Horas€ 46,87
20/12/2006Não03:442 Horas€ 46,87
22/12/2006Não18:002 Horas€ 46,87
28/12/2006Sim09:3011,5 Horas€ 286,65
28/12/2006Sim00:172 Horas€ 57,68


22. O A. efetuou declaração de resolução do contrato de trabalho com justa causa, no dia 23/1/2007, de acordo com o documento de fls. 157 e segs.
23. O A. entrou de baixa, no dia 5/1/2007.
24. Foram pagas ao A. as seguintes importâncias:
- Retribuição correspondente ao mês de janeiro (à qual foi deduzido o período em que o A. se encontrou de baixa), no valor de € 333,33 (€ 83,33 x 4);
- Subsídio de Férias, no valor de € 2.500,00;
- Subsídio de Refeição, no valor de € 53,88;
- Férias vencidas, em 01/01/07, e as não gozadas referentes ao ano anterior, no valor de € 3.863,62;
- Proporcionais do Subsídio de Natal, no valor de € 173,61 (€ 2.500,00 x 25 dias x 365 dias);
- Proporcionais do Subsídio de Férias, no valor de € 173,61;
- Proporcionais das Férias, no valor de € 173,61.
25. Sobre o referido montante ilíquido a R. fez incidir os respetivos descontos legais, no valor de € 2.552,96 e, bem assim, o valor correspondente ao incumprimento do pré-aviso de denúncia, no valor de € 2.500,00.
26. Na sequência do ponto 11., o A. comunicou à Ré BB que teria executado as suas funções de consultor nas diversas instalações da DD, ultrapassando os limites do seu horário de trabalho.
27. A Ré BB solicitou ao A.que fizesse um levantamento das Horas alegadamente realizadas fora do seu horário de trabalho.
28. O A. não procedeu à entrega de nenhum levantamento de Horas validado pelos interlocutores da DD - Eng.ºs II e JJ.
29. A R. BB pediu à DD o registo do trabalho do A., porém, a DD alegou não existir tal registo.
30. Nunca a R. BB contactou telefonicamente o A., no seguimento de uma chamada da DD, para que aquele se deslocasse às instalações desta para solucionar uma avaria, quer durante o horário de trabalho do A., quer fora desses limites.
31. A R. BB, durante o período de execução do contrato de prestação de serviços celebrado com a DD, apenas recebeu os montantes mensais constantes na Proposta adjudicada pela DD e correspondente à prestação de 8 Horas de trabalho.
32. Não aceitou a R. que o A. invocasse justa causa para a resolução do seu contrato de trabalho, em resposta a carta do ponto 22., e junta a fls. 165 e segs.
**
Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes
[sendo certo que apesar de as RR. nas conclusões 1ª a 3ª, referirem não concordarem com a redacção do facto n.º 21, as mesmas aceitam que tal matéria não pode já ser reapreciada],
nem se verifica nenhuma das situações referidas no n.º 3 do art. 682.º do CPC, pelo que será com base nestes factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

IV. Fundamentação jurídica.

1. Da (i)nexistência de justa causa para a resolução do contrato efetuada pelo A.

As recorrentes alegam que o acórdão recorrido, ao decidir que o A. resolveu o contrato de trabalho com justa causa com fundamento na falta culposa de pagamento pontual das retribuições, «violou o disposto nos artigos 441.º, n.º 2, alínea a), 364.º, n.º 2 do Código do Trabalho, artigo 308.º, n.º 1 da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho e artigo 799.º do Código Civil», sob a justificação de que a situação dos «autos não configura uma situação de falta culposa de pagamento pontual da retribuição» pois, como demonstra a matéria de facto provada sob os pontos 28 e 29, o A. «não procedeu à entrega de nenhum levantamento de trabalho realizado fora de Horas» e, por isso, «a obrigação de pagamento não se encontrava vencida, e, consequentemente, não se prolongou pelo período de 60 dias».
Sustentam, por outro lado, que a falta de pagamento do trabalho suplementar prestado pelo A. não lhes pode ser imputado a título de culpa e que este não alegou nem provou nos autos que a falta desse pagamento «lhe causou transtornos financeiros, de tal forma que houvesse necessidade de suprir tal falta através de outros rendimentos», para concluir que não resulta da prova produzida nenhum comportamento ilícito e culposo das recorrentes que, pela sua gravidade e consequências, tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

As instâncias, neste âmbito, proferiram decisão concordante, no sentido de afirmar, por um lado, a existência de trabalho suplementar efetuado pelo A. e, por outro, que a falta de pagamento desse trabalho, bem como do descanso compensatório correspondente, porque imputável às recorrentes, constituía justa causa para a resolução do contrato levada a cabo por aquele, dado o montante concreto e o largo período de tempo em que se verificou o incumprimento das RR.

Quid iuris?

1.1 Atenta a data dos factos em apreciação nos presentes autos, correspondentes à cessação do vínculo laboral – Janeiro de 2007 – é aplicável o regime jurídico estabelecido pelo Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto (CT/2003), diploma a que se reportarão todas os dispositivos legais referenciados sem outra menção de origem expressa.
O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução do trabalhador, nos termos dos conjugados arts. 384.º, alínea c), e 441.º.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 441.º, quando ocorra justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
Dispõe o n.º 2 do art. 441.º que
«constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo
Correspondem estas circunstâncias à denominada justa causa subjectiva (culposa) para a resolução do contrato.
Como se exarou no aresto desta Secção de 11.07.2012, proferido na Revista n.º 7/07.7TTBRG.P2.S1, «a possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, mostra-se expressamente consignada no artigo 441.º, do Código do Trabalho de 2003, para as situações consideradas anormais e particularmente graves de infracção aos deveres contratuais, de que são exemplo as previstas no n.º 2 daquele artigo, todas elas reconduzíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora». ([2])
Mesmo sem culpa do empregador, o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho com justa causa, denominada de objetiva, invocando para o efeito qualquer uma (ou várias) das circunstâncias estabelecidas no n.º 3 do art. 441.º, mormente:
«(a) necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição
Seja qual for o fundamento em concreto invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato, a declaração tem de ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos, conforme estabelece, expressamente, o n.º 1 do art.º 442.º.
Invocando justa causa subjetiva, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo demonstrar também a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a inexigibilidade para o trabalhador na manutenção do vínculo. Confirmada a justa causa, confere-se ao trabalhador o direito a uma indemnização, a fixar entre 15 a 45 dias da retribuição.
Ou, nos termos consignados no sumário do aresto desta Secção de 14.05.2014, proferido na Revista n.º 990/09.7TTMTS.P1.S1, a verificação de justa causa resolutiva subjetiva «pressupõe a verificação cumulativa de… (i) num requisito objetivo, o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantais do trabalhador; (ii) um requisito subjetivo, a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa; (iii) um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo» ([3]).
Por outro lado, também aí se salientou que «não é pressuposto da justa causa resolutiva subjetiva o prejuízo sério, antes e apenas a subordinação da violação culposa das obrigações contratuais, cometida pelo empregador, a um juízo de insubsistência ou de inexigibilidade da relação laboral, na pessoa do trabalhador, por via da gravidade daquela violação».

Como determina o n.º 4 do referido art. 441.º, a apreciação da justa causa deve ser feita nos termos do art. 396.º, n.º 2, com as necessárias adaptações, sendo que este preceito legal manda atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se revelem pertinentes.
Dessa apreciação resultará firmado o juízo sobre a inexigibilidade, ou não, relativamente ao trabalhador, da manutenção do vínculo laboral.
Neste particular, tem vindo a ser concretizado por este Supremo Tribunal que, não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reação à violação dos deveres laborais.
Ou, como dito no sumário do aresto desta Secção de 25.03.2009, no âmbito da Revista n.º 3767/08, «os factos invocados pelo trabalhador para resolver o contrato de trabalho com justa causa têm de ser apreciados, com as devidas adaptações, à luz do conceito de justa causa dada pelo legislador a propósito da justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador. Todavia, no juízo de prognose acerca da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, o grau de exigência tem de ser menor do que o utilizado na apreciação da justa causa em caso de despedimento, uma vez que o trabalhador, quando lesado nos seus direitos, não tem formas de reação alternativas à resolução, ao contrário do que acontece com o empregador que dispõe de sanções disciplinares de natureza conservatória, para reagir a determinada infração cometida pelo trabalhador». ([4])

1.2 Perante estes considerandos, voltemos ao caso concreto dos autos.
Não estando em causa o cumprimento dos requisitos de natureza procedimental (questão nova suscitada pelas recorrente e, por isso, fora de apreciação deste Supremo Tribunal, como já referido, quando da delimitação do âmbito da presente revista), cumpre, no confronto com os factos concretamente dados como provados nos autos, verificar se é de afirmar a violação das garantias legais do A. face ao comportamento assumido pelas recorrentes e se é de afirmar a culpa destas, de modo a concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo por parte do A.

Na apreciação desta específica questão, após uma referência a várias posições doutrinário-‑jurisprudenciais, foi exarada a seguinte fundamentação no acórdão recorrido:
«Chegados aqui, importa referir que, face aos factos dados como assentes nos Pontos 1, 3, 5 a 22, 26 a 30 e 32 e à circunstância da carta de resolução do vínculo laboral datar de 23/01/2007, nos achamos face a uma situação de falta de pagamento pontual da remuneração e de concessão dos descansos compensatórios respetivos, conforme previsto no artigo 364.º do Código do Trabalho de 2003, em que, verificando-se uma omissão dessa natureza por um período superior a 60 dias, como é o caso, se presume, de uma forma mais acentuada e definitiva (inilidível) do que resultaria da simples aplicação do disposto no artigo 799.º do Código Civil - em que se contempla uma mera presunção ilidível - a culpa do empregador no incumprimento da obrigação contratual essencial que sobre ele recai, abrindo, de par em par, ao trabalhador credor as portas dos artigos 308.º da Lei n.º 35/2004 de 29/07 e 441.º, números 1 e 2, alínea a) do Código do Trabalho.
Afigura-se-nos, por outro lado e atento o clássico horário de trabalho acordado entre a Ré e o Autor (ao invés de um regime de isenção de horário de trabalho, por exemplo, nos termos do artigo 177.º, n.º 1, alínea c) e 178.º do Código do Trabalho de 2003), que o regime de trabalho imposto, na prática e ao longo de cerca de 1 ano e meio a este último ([5]), apesar dos seus protestos e reclamações, em que o mesmo podia ser chamado a qualquer hora do dia ou da noite, independentemente de estar dentro ou fora do seu horário de trabalho diário e semanal, sem lhe pagarem a retribuição correspondente e lhe concederem os descansos compensatórios devidos ([6]), constitui uma clara e continuada violação dos seus direitos (nomeadamente, de personalidade) e garantias ao nível da vertente da duração e organização do seu tempo de trabalho, em algumas das suas mais importantes facetas: períodos normal de trabalho e de descanso e seus limites máximos e mínimos e ritmos de trabalho e descansos diários e semanais (cfr. artigos 155.º e seguintes do Código do Trabalho de 2003)       
(…)
Finalmente, também nos termos da alínea e) do número 2 do artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003 descortinamos um outro fundamento autónomo para a resolução com justa causa aqui em apreço, pois os valores em dívida que são já conhecidos orçam em € 4.394,02, num valor que já está próximo de duas retribuições-base mensais, no que nos parece ser já uma lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador. ([7])       
L - JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
As Rés e recorrentes sustentam a inexistência de factos integradores da justa causa prevista no artigo 441.º do Código do Trabalho, mas julgamos que a factualidade dada como provada e juridicamente integrada nas referidas três alíneas do número 2 de tal disposição legal preenche bastamente tal instituto.
(…)
Apreciemos o que sucedeu quanto à remuneração.
Artigo 269.º
Tempo do cumprimento
1 - A obrigação de satisfazer a retribuição vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou usos diversos, são a semana, a quinzena ou o mês do calendário.
2 - O cumprimento deve efetuar-se nos dias úteis, durante o período de trabalho ou imediatamente a seguir a este.
3 - Quando a retribuição for variável e a duração da unidade que serve de base ao cálculo exceder 15 dias, o trabalhador pode exigir que o cumprimento se faça em prestações quinzenais.
4 - O empregador fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe for imputável, não puder dispor do montante da retribuição na data do vencimento.
Artigo 364.º
Mora
1 - Se o empregador faltar culposamente ao cumprimento de prestações pecuniárias constitui-se na obrigação de pagar os correspondentes juros de mora.
2 - O trabalhador tem a faculdade de suspender a prestação de trabalho ou de resolver o contrato decorridos, respetivamente, 15 ou 60 dias após o não pagamento da retribuição, nos termos previstos em legislação especial.
Esta a lei aplicável.
Agora os factos.
O Autor efetuou declaração de resolução do contrato de trabalho com justa causa, no dia 23/1/2007, de acordo com o documento de fls. 157 e segs. alegando o facto de, culposamente, a Ré BB não lhe pagar o trabalho suplementar e de o impedir de gozar as Horas de descanso compensatório previsto no art.º 202.º do CT há mais de 60 dias.
Estão em falta, portanto, como provado, remunerações de trabalho suplementar devidas ao trabalhador. E por um período superior a 60 dias, atenta a data da resolução do contrato, por o Autor ter prestado o trabalho suplementar reclamado entre julho de 2005 e 28/12/2006.
Assim se constata, quanto à falta de pagamento da remuneração, a Ré BB agiu com culpa, não se mostrando, por conseguinte, ilidida a presunção da existência de justa causa subjetiva.
Existe justa causa subjetiva, nos termos da al. d) do n.º 2 do art.º 441.º do CT de 2003, e assim, o Autor podia resolver, como resolveu, o seu contrato com a Ré BB, pois, naquelas condições, não podia programar adequadamente a sua vida e eventualmente satisfazer todos os seus compromissos, não lhe sendo exigível que continuasse a trabalhar para quem lhe pagava, com atraso, parte da sua retribuição mensal.” (cf., ainda, a seguinte jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa: Acórdãos de 6/10/2010, processo n.º 516/09.3TTFUN.L1-4, relatora: Maria João Romba e de 2/03/2011, processo n.º 178/09.8TTALM.L1-4, relator: Ferreira Marques, já acima citado, ambos publicados em www.dgsi.pt).
Ora, estando em dívida as já contabilizadas prestações (sem prejuízo daquelas que ainda serão liquidadas, em futuro incidente, no que se refere ao ano de 2005 e sensivelmente ao primeiro trimestre do ano de 2006) correspondentes a praticamente dois salários mensais (sem aí se integrar o valor relativo aos descansos compensatórios em falta), não havendo notícia nos autos de que o trabalhador tivesse outros rendimentos que pudessem suprir, ainda que parcialmente, tal falta do montante de € 4.393,02, tendo-lhe sido imposto o referido ritmo imprevisto e atribulado de prestação de trabalho ao longo de 1 ano e meio (ainda que com uma interrupção de cerca de 3 meses), é óbvio que não lhe era exigível, em tais condições, que mantivesse a relação laboral com a recorrente, que, para um cidadão médio e comum, colocado na posição daquele, necessariamente se teria tornado imediata e praticamente impossível de continuar.      
Sendo assim e em conclusão, pelos motivos expostos, julga-se o presente recurso de Apelação improcedente, com a inerente confirmação da sentença recorrida, nesta sua faceta.».

Sufragamos as considerações transcritas, bem como o sentido decisório alcançado.
As Recorrentes continuam na revista a pugnar no sentido de que não está demonstrada a prestação de trabalho suplementar por parte do A. e que, a existir, não tinham as mesmas que efetuar o pagamento da retribuição a ele correspondente por não lhes ser exigível, tudo para concluir que não se verifica a circunstância prevista na alínea a) do n.º 2 e do art. 442.º – falta culposa de pagamento pontual da retribuição –, fundamento da justa causa para a resolução do contrato de trabalho levada a cabo pelo A.
No entanto, como resulta de forma clara da análise da factualidade apurada nos autos, nada desse invocado circunstancialismo tem reflexo na mesma.
Efetivamente, encontra-se demonstrado que,
· Em 2005, o A. foi contratado pela R. BB para exercer as suas funções por conta e direção desta, mediante retribuição mensal, tendo sido acordado o horário de trabalho de segunda a sexta-feira das 9 às 18 Horas, com intervalo das 13 às 14 Horas (factos n.º 1 a 3).
· No desenvolvimento da sua atividade, o A. executava a sua prestação para um cliente específico da R. (DD), cuja assistência exigia intervenção 24 Horas por dia, 7 dias por semana, sendo, por isso, o A., frequentemente, chamado fora do seu horário de trabalho para prestar essa mesma assistência, atendendo as respetivas chamadas e deslocando-se às instalações desse cliente, sempre que para esse efeito era contactado mediante um concreto número de telefone, tudo com conhecimento e anuência dos responsáveis da R. (factos n.º 10 a 14).
Encontra-se, ainda, demonstrado que a R. tinha conhecimento dessas chamadas de urgência do cliente e do trabalho realizado pelo A., que lhe enviava relatórios de atividade contendo a descrição dos problemas detetados e dos trabalhos realizados (factos n.º 15 a 17 e 26).
Por outro lado, encontra-se determinado que o A. prestou esse tipo de trabalho fora do seu horário de trabalho, durante o ano de 2005 e até ao dia 2 de Abril de 2006, em quantidade de tempo não concretamente determinada e, desde esse dia em diante, nos dias e pelos períodos de tempo concretamente consignados no n.º 21 dos factos provados.
Está, também, determinado que a R. não procedeu ao pagamento desse trabalho efetuado pelo A. fora do seu horário de trabalho e que o A. reclamou, por escrito, o pagamento do mesmo (factos 18 e 19).
Ora, todo este circunstancialismo reflete, sem margem de dúvida, que o A., no âmbito do contrato de trabalho que o vinculava à R. prestou trabalho fora do horário que estava expressamente convencionado e que o fez com conhecimento e sem oposição daquela, pelo que estão reunidos os pressupostos dos quais depende o pagamento do trabalho nos termos do disposto no art. 197.º, n.º 1.
Demonstrados os pressupostos da prestação de trabalho suplementar – considerando-se como tal, todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho (art. 197.º, n.º 1) –, competia à R. demonstrar que efetuou o pagamento da retribuição ao mesmo referente ou que não o fez por causa que não lhe é imputável porquanto, como decorre dos n.ºs 1 e 5 do art. 258.º, o trabalho suplementar confere ao trabalhador o direito a auferir a retribuição correspondente, sendo o mesmo exigível quando a sua prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.
Ora, repetindo embora, resulta patenteado na factualidade apurada nos autos não só que o A. prestou trabalho suplementar, com conhecimento e sem oposição da R., mas também que a R. não procedeu ao pagamento desse trabalho suplementar.

É certo que também está demonstrado que a R. não elaborou qualquer registo do trabalho efetuado pelo A. fora do seu horário de trabalho e que solicitou ao A. que fizesse «um levantamento das Horas alegadamente realizadas» nesse circunstancialismo, o que o A. não fez, sendo que o cliente da R. que diretamente recebeu essa prestação de trabalho referiu não ter esse registo (factos 20, 27, 28 e 29).
 Porém, para além de estar determinado que o A. na sequência de ter efetuado o trabalho para o cliente da R. nos moldes consignados no facto 11, comunicou à R. a execução desse tipo de trabalho, ultrapassando os limites do seu horário de trabalho (facto 26) e reclamou, por escrito, o pagamento do mesmo, também é seguro que a obrigação de efetuar esse registo competia à R..
Na verdade, atento o disposto no art. 204.º, compete à entidade empregadora efetuar o registo do trabalho suplementar realizado pelos seus trabalhadores, nos termos e com as menções aí expressamente estabelecidas, o qual deve ser «visado» pelo trabalhador. Em regulamentação do estabelecido no n.º 3 do art. 204.º, dispõe o art. 189.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que «o trabalhador que realize trabalho suplementar no exterior da empresa deve visar imediatamente o registo do trabalho suplementar após o seu regresso ou mediante a devolução do registo devidamente visado».
Vale dizer: ao trabalhador compete visar (ver / certificar) o registo do trabalho suplementar efetuado pelo empregador e não, contrariamente ao sustentado pelas recorrentes, realizar o registo desse trabalho.  
Assim, não podem as Recorrentes socorrer-se de uma falha própria para, pretensamente, a imputarem ao A., relativamente a uma obrigação que, nos termos legais, sobre as mesmas impende.
Acresce que a alegação no sentido de que a obrigação de pagamento da retribuição referente a esse trabalho suplementar não estava ainda vencida, não tem qualquer sustentação legal para o efeito pretendido pelas recorrentes porquanto o vencimento dessa obrigação não está dependente de qualquer interpelação por parte do trabalhador, ocorrendo, nos termos do disposto no art. 269.º, n.º 1 e 3, logo que seja prestado o trabalho, por períodos certos e iguais, no caso, atenta a forma de fixação da retribuição base, mensalmente, ficando o empregador constituído em mO... se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da retribuição da data do vencimento (n.º 4 do art. 269.º).

As recorrentes não demonstraram qualquer circunstância que pudesse justificar a falta de pagamento da retribuição ao A. correspondente ao trabalho suplementar e respetivo descanso compensatório, pelo que se mostra afirmada a culpa das mesmas.

1.3 Estando demonstrado o comportamento violador dos direitos do A., sendo, por isso, ilícito, e imputado às recorrentes a título de culpa, atenta a gravidade do mesmo e as suas consequências para a vida do A., é de afirmar a inexigibilidade, por parte deste, na manutenção do vínculo laboral que o unia àquela.
Efetivamente, a falta de pagamento do trabalho suplementar prolongou-se por praticamente todo o período em que o contrato de trabalho foi executado, mantendo as recorrentes essa omissão mesmo após solicitação do A. do seu pagamento, por escrito, o que revela a reiterada intenção das recorrentes em não cumprirem a sua obrigação de pagamento pontual da retribuição referente ao trabalho suplementar que, bem sabiam, ia sendo efetuado pelo A.
Por outro lado, atentas as circunstâncias concretas em que tal trabalho foi sendo prestado, em situação de constante disponibilidade para assistência ao cliente das recorrentes e o montante concreto que, em média, mensalmente, representava para o rendimento global de que o A. poderia dispor para satisfazer as suas necessidades, não seria exigível a qualquer pessoa colocada na posição concreta do A. que mantivesse o contrato de trabalho.
Assim, e sem necessidade de outras considerações, impõe-se a afirmação de que nenhuma censura merece o acórdão recorrido ao reconhecer, na senda da sentença, a justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo A., não se verificando a violação dos normativos legais invocados pelas recorrentes.

1.4 Afirmada a justa causa para a resolução do contrato, fica prejudicada a apreciação do crédito reclamado pelas recorrentes no valor de € 2.500,00 referente à inobservância do aviso prévio.
*
Improcedem, assim, as conclusões 4ª a 10ª, 20ª a 22ª e 29ª a 39ª, na parte atinente, da alegação da revista, sendo de manter o juízo decisório, neste âmbito alcançado, no acórdão recorrido.


2. Do montante da indemnização fixada a favor do A.

As recorrentes manifestam, ainda, a sua discordância relativamente à indemnização fixada no acórdão recorrido, correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano de trabalho.
Contudo, só o referem na 4.ª conclusão da alegação da revista, para delimitar o objecto da mesma, não consubstanciando materialmente essa discordância em qualquer outro número das conclusões ou mesmo no corpo das alegações.
Vale dizer: as recorrentes fazem mera menção a essa questão, na decorrência da sustentação da falta de justa causa para a resolução do contrato, mas não explicitam os motivos pelos quais não concordam com o “quantum debeatur” concretamente fixado no acórdão recorrido a título de indemnização, expressamente prevista no art. 443.º e sempre devida, desde que afirmada a justa para de resolução do contrato.
Destarte, as recorrentes, ao não terem dado substância alegatória e conclusiva a esta questão, restringiram tacitamente o objecto inicial do recurso, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 635.º do CPC, não cumprindo, por isso, a este Supremo Tribunal dela conhecer, o que, em abono da verdade, nem conseguiria fazer por não vislumbrar os contornos específicos de apreciação que as recorrentes pretenderiam.

3. Da responsabilidade por custas

Por fim, discordam as recorrentes da proporção da sua condenação na responsabilidade por custas, sustentando que, atento o peticionado nos autos e dos termos do acórdão recorrido, «apenas decaíram 7/10 do valor total da acção, pelo que decidindo, ainda que provisoriamente, pela condenação em 9/10, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC».

No acórdão recorrido foram fixadas as custas da acção, na proporção de 9/10 para as RR. e 1/10 para o A., por corresponder, tal proporção, à do vencimento na causa, aplicando as regras estabelecidas no art. 446.º do CPC em vigor em data anterior à alteração do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto (a que corresponde, aliás, o actual art. 527.º do CPC), e considerando, ainda o «Código das Custas Judiciais de 1996 e suas posteriores alterações até à data da propositura da presente ação, dado o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 e rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril só ter entrado em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplicar a processos instaurados após essa data.».

Relativamente a esta questão, pronunciou-se o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto no sentido de esta proporção de condenação em custas se mostrar «adequada, tendo em conta o princípio da causalidade de quem a elas deu causa e à sucumbência, princípios enformadores do regime em vigor». E explicitou essa sua conclusão referindo que «no recurso que interpuseram da decisão da 1.ª instância, as recorrentes pediam a revogação daquela sentença e a sua absolvição dos pedidos contra si formulados, quais sejam: a indemnização a favor do Autor pela resolução do contrato de trabalho e as importâncias devidas por créditos laborais vencidos à data da cessação do contrato de trabalho.
Quanto a tais pedidos as recorrentes não obtiveram ganho de causa significativo; ficaram vencidas quanto ao recurso subordinado e venceram, parcialmente, quanto à questão jurídica das nulidades que arguiram, relativas à indemnização arbitrada em 1.ª instância, a que se reporta a alínea a) dessa decisão e a alínea a) do acórdão recorrido, aos termos em que são devidos os créditos por trabalho suplementar (alínea c) do mesmo acórdão recorrido) e à matéria de facto, face à nova redacção do artigo 21.ª da matéria de facto (alínea b) do acórdão recorrido).
Trata-se, porém, de ganhos marginais por referência às matérias em discussão, sem que o essencial da pretensão do A. fosse posto em causa, apenas sendo relegada a liquidação das importâncias em dívida para momento ulterior, afigurando-se-nos, por isso, que o juízo formulado pelo acórdão recorrido não merece censura e deve ser mantido».

Por se nos afigurar correcto o enquadramento jurídico da questão, bem como a solução alcançada no douto parecer, sufragamos, por inteiro, as transcritas considerações que, por explicitarem a lógica da proporção no pagamento das custas nos presentes autos em conformidade com o regime legal aplicável, acolhemos.

Assim, e sem necessidade de quaisquer outras considerações adicionais, impõe-se a afirmação de que nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto à fixação da proporção na responsabilidade por custa nos presentes autos, a qual se mantem face à improcedência total da revista.

Improcede, deste modo, a conclusão 40 da revista.

Assim, improcede, na totalidade, a revista das RR.

V. DECISÃO

Face a todo o exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar, integralmente, o acórdão recorrido.

Custas a cargo do A e RR., na proporção já fixada.

Anexa-se Sumário

 Lisboa, 14 de Janeiro de 2015
 ´

Melo Lima (Relator)


Mário Belo Morgado


Pinto Hespanhol
                                                                             

___________________
[1] Cfr. arestos deste Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2014, Proc. n.º 2127/07.9TTLSB.L1.S1; de 12.09.2013, Proc. 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 02.12.2013, Proc. 1445/08.3TTPRT.P1.S1.
[2] Com sumário disponível no Boletim de sumários na página da internet deste STJ – www.stj.pt.. Entre outros, ainda, arestos de 20.06.2012, Proc. 650/10.7TTSTB.L1.S1; de 02.04.2014, Proc. 612/09.7TTSTS.P1.S1.
[3] Com sumário disponível no Boletim de sumários na página da internet deste STJ – www.stj.pt.
[4] Disponível in www.dgsi.pt.
[5] Ainda que com uma aparente paragem no primeiro trimestre de 2006.
[6] O Autor, segundo as nossas contas e salvo algum erro de cálculo por nós involuntariamente cometido, desempenhou nos três últimos trimestres de 2006, 173 Horas de trabalho suplementar, ou seja, mais de um mês completo de trabalho normal.
[7] Muito embora não se ignore o que se deixou referido quanto às consequências legais da omissão de registo do trabalho suplementar (número 7 do artigo 204.º do Código do Trabalho de 2003), afigura-se-‑nos que o funcionamento de tal cominação pecuniária não cabe dentro dos poderes oficiosos conferidos ao tribunal do trabalho pelo artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho, estando antes sujeita a pedido expresso formulado nesse sentido pelo trabalhador ou trabalhadores prejudicados por a dita falta.