Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17/07.4MAFIG.C2.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO
NULIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDÊNCIA / DECRETAMENTO PARCIAL.
Sumário :

I — Quanto à alegação de que o recurso deveria ter sido admitido ­— dado que há uma decisão inovatória no Tribunal da Relação pelo que, entende o recorrente, não é defensável que se considere a decisão irrecorrível com base no disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP — não pode mais este Supremo Tribunal de Justiça conhecer desta questão uma vez que se encontra esgotado o poder jurisdicional.

II — No que respeita à alegação de que houve uma interpretação inconstitucional do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, bem como dos art. 401.º, n.º 1, al. c) e art. 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, quando interpretado como não sendo admissível o recurso por falta de interesse em agir (“não é admissível, por falta de interesse em agir...”) (fundamento previsto no art. 401.º, n.º 2, do CPP) também agora não se pode conhecer, por estar esgotado o poder jurisdicional; porém, cumpre salientar que o não conhecimento do recurso não resultou da aplicação do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP.
III — Só se impunha o conhecimento das inconstitucionalidades alegadas caso se tivesse analisado o recurso; não tendo sido o objeto do recurso conhecido, ficou prejudicado o conhecimento de todas as questões ali colocadas e onde se incluíam estas. Assim, sendo, improcede a alegação de nulidade do acórdão.

Decisão Texto Integral:


Processo n.º 17/07.4MAFIG.C2.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. Após prolação de acórdão neste Supremo Tribunal de Justiça, a 19.05.2022, veio o demandado civil — Estado Português (enquanto sucessor do extinto Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos) — reclamar arguindo a nulidade daquele acórdão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), e art. 410.º, n.º 2, als. b) e c) ex vi art. 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal (CPP), com os seguintes fundamentos:

«não vislumbra assertividade na justificação apresentada para a não apreciação do recurso em nome de um alegado trânsito em julgado, padecendo a douta decisão dos vícios de nulidade por omissão de pronúncia/demissão ajuizativa, contradição insanável entre fundamentação e decisão bem como erro notório, vícios esses consagrados especificadamente no regime processual penal [arts. 379º n.º 1 c) e 410º n.º 2 b) e c) ex vi 425º n.º 4 CPP].

Com efeito, salvo o devido respeito erra o Tribunal ao decretar ilicitamente o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

De facto, onde é que uma decisão face à qual ad cautelam foi apresentada tempestivamente arguição de nulidade e posteriormente recurso pode ter transitado em julgado apenas com a decisão de irrecorribilidade do douto acórdão do Tribunal a quo e sem conhecimento nem decisão do mérito de tal arguição?!

Acaso, não deverão as nulidades invocadas tempestivamente (referência 199181 de 01-VII-2021) serem conhecidas no Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, na senda até de douto despacho proferido por tal Tribunal e datado de 27-IX-2021, a demonstrar cristalinamente no ponto 2) que a “arguição de nulidade de fls. 5871 a 5877 verso” apenas não foi apreciado por força da admissão do recurso?!

Mas agora porventura a douta decisão acabada de proferir tem o condão de fazer desaparecer a arguição de nulidade anterior, já justamente suscitada ad cautelam e na senda do adágio popular “cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”?!

Razão pela qual, não tendo tal recurso sido conhecido pelo Tribunal ad quem, terá o processo de voltar a atrás e serem então tais nulidades analisadas e decididas pelo Tribunal a quo, inexistindo in casu e por ora qualquer trânsito em julgado.

E inexistindo o mesmo como pode haver decisão de não conhecimento do recurso em nome de algo que não existe e ao arrepio do processado, da lei e das mais elementares garantias de defesa do recorrente?!

Bem se sabe que já se verifica condenação também em nome de algo que se julga e tem por inexistente (a culpa do recorrente!), mas isso são outros quinhentos a terem de ser dirimidos na sede própria.

Agora dúvidas inexistem em como o recorrente recorreu de toda a decisão, penal e cível, sendo que no tocante à condenação cível indicou duas vias de justificação: a recorribilidade pela via penal, fundamento da condenação cível e o regime processual cível em si (e daí o uso da expressão “no limite, de revista excepcional”, a indicar uma segunda via!).

E tendo ido os autos à formação o certo é que, tal qual se mostra transcrito a fls. 40 da douta decisão acabada de proferir, na última decisão acabada de proferida mostra-se plasmado expressamente que “No que concerne ao recurso em matéria penal, tal será objecto de apreciação na sede própria, como não poderá deixar de ser”.

Ora, assim sendo temos que tal acórdão, transitado ou não em julgado nunca resolve a situação por completo!

E no tocante à recorribilidade diga-se que a jurisprudência vertida a fls. 41, na nota de rodapé 2, não se afigura compatível com a existência de pelo menos um grau de recurso a cada parte, pois que se o arguido vem a ser absolvido é porque tinha sido condenado, o que poderia impedir recurso em primeira instância do assistente no sentido da condenação e tratando-se de decisão inovatória, proferida pela Relação, deveria acautelar um grau de recorribilidade ou reacção processual a cada parte e que garanta que não há decisão em causa própria pelo mesmo Tribunal.

In casu veja-se que há uma decisão profundamente inovatória proferida pela Relação, ao nível da subsunção jurídica inerente à qualificação penal dos factos e prescrição, e que, na perspectiva do STJ nunca será sindicável, o que, convenhamos, não é compatível nem conforme com a Justiça.

De facto, não só o Tribunal a quo conheceu do processo como o decidiu de forma verdadeiramente inovatória, a traduzir manifesta decisão surpresa pois que ninguém tinha peticionado a alteração da qualificação jurídica para crimes de homicídio e ofensa à integridade física negligentes.

Mas uma coisa podemos ter por certa: o Tribunal a quo deu procedência à argumentação o recorrente no sentido da ausência de preenchimento e verificação do crime de infracção às regras de construção., pelo qual o arguido havia sido condenado.

Todavia e surpreendentemente, alterou a qualificação jurídica, sem comunicação prévia para contraditório e manteve a condenação em sede cível, com alteração de causa de pedir!

Ora, é face a esta decisão inovatória, verdadeiramente de primeira instância que tem de haver recorribilidade e face à qual manifestamente não ocorreu ainda trânsito em julgado, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal, havendo assim erro notório na avaliação do processado bem como contradição insanável ao nível da fundamentação e decisão.

O recorrente visa apenas que lhe seja feita justiça a si e o facto de não poder já ser alterada a decisão face aos arguidos não o pode prejudicar!

Da mesma forma que o facto de o Ministério Público e os assistentes se terem incompreensivelmente demitido de reagir processualmente (pelo menos pela via da arguição de nulidade!) não pode prejudicar o recorrente que não pode ficar refém e ser castigado pela inacção de terceiros.

E do teor da douta decisão acabada de proferir parece transparecer que também o Tribunal ad quem ficou surpreso com o processado mas alega incapacidade/impossibilidade de actuar de outra maneira, convocando hipóteses e problemas advenientes, como aparecem nos três parágrafos de fls. 44.

Em primeiro lugar dir-se-á que não faz sentido andar a determinar a moldura aplicável pois que não tendo nem o Ministério Público nem os assistentes recorrido em primeira instância, a pena teria de ser, no limite, a aplicada em primeira instância, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus.

Pelo que as contas feitas no último parágrafo de fls. 43 e primeiro de fls. 44 nem são aplicáveis in casu e são considerações que se julgam despiciendas e estéreis.

Ora, por força de tal princípio da proibição da reformatio in pejus também não poderia ser alterada, para mais, a posição dos arguidos pelo que não é por força do trânsito em julgado que a isso obstaria, mas sim por tal princípio, pelo que nunca haveria o perigo nem risco de os arguidos passarem a ser condenados, sendo assim indevida e enganadora a hipótese vertida no segundo parágrafo de fls. 44.

De facto, o único risco que haverá na admissão do recurso será o de fazer justiça ao recorrente pois afigura-se deveras flagrante a injustiça que se lhe mostra efectuada em segunda instância!

O teor do terceiro parágrafo é todo ele assente no erro do alegado trânsito em julgado, que se mostra convocado mas se julga não ter ocorrido!

E assim sendo, estando desmitificados os (que se julgam falaciosos!) perigos e riscos da admissão do recurso face a terceiros, o que impede verdadeiramente de ser feita justiça ao recorrente com efeitos apenas para si?!

Face a tal decisão inovatória, verdadeiramente de primeira instância, tem de haver recorribilidade e face à qual manifestamente não ocorreu ainda trânsito em julgado, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal, havendo assim erro notório na avaliação do processado bem como contradição insanável.

O signatário tem, como sempre teve, o máximo de respeito e compreensão pelas doutas decisões judiciais e, pese embora não goste e fique com “azia jurídica”, não tem especiais problemas em perder recursos, mas a única exigência que faz é perder de forma justa e límpida, ou seja, perder porque assim manda a lei e o Direito.

Ora in casu, julga-se que a fundamentação vertida na douta decisão acabada de proferir não é o espelho fiel da verdade nem limpidez cristalina.

E não permite a qualquer declaratário médio vislumbrar assertividade na mesma pois julgam-se válidas as razões de recorribilidade não no sentido apenas de “discordância com a decisão impugnada”, mas sim no sentido da cognoscibilidade plena do recurso.

E há que ter em linha de conta a especificidade dos autos, pois que in casu o demandado não era arguido, não havendo assim dupla qualidade processual, pelo que não pode ser prejudicado pelo facto de a outrém, que não ele, ser aplicado uma alteração não substancial ou da qualificação jurídica in melior.

Não há identidade entre arguido e demandado, pois que o alvo da condenação penal seria um mas quem eventualmente teria/terá de pagar a indemnização é outro (melhor, seremos todos nós, enquanto cidadãos e contribuintes!).

Pelo que, caso houvesse tal identidade plena e o demandado fosse também arguido, aí sim, ficaria dispensada a comunicação pois que lhe aproveitaria na parte criminal.

Mas não o sendo, havendo tal diferença específica, não pode haver alteração, seja não substancial dos factos ou da qualificação jurídica, que seja relevante para a matéria cível e sem comunicação aos demandados que não sejam arguidos!

E esta é a pedra de toque da nulidade e da ilegalidade cometida, pois que perante a ausência de prova da acusação/pronúncia como a mesma estava construída, o Tribunal a quo (mal, reafirme-se!) acabou por resolver a contenda, alterando a qualificação jurídica dos factos e absolvendo o arguido por alegada prescrição, mas sem ouvir ou sequer comunicar o que quer que fosse ao demandado, ora recorrente.

E vê-se o demandado/recorrente condenado, ao abrigo da eventual culpa de um outro arguido, por um crime menos grave, mas sem que tenha sido ouvido ou lhe tenha sido comunicada tal alteração, não podendo exercer contraditório ou defesa.

E reafirme-se mais uma vez a relação deveras umbilical entre a conduta penal e a responsabilidade cível, pois que o demandado não é condenado por culpa própria, mas sim de um seu ex-funcionário!

E dúvidas inexistiam da pertinência de tal comunicação, pois que, em face de uma possível condenação ao abrigo de crime menos grave haveria fundamento para peticionar então a revisão em baixa da indemnização, pois que se a culpa em menor, a indemnização teria de ser revista em baixa.

Ora, o Tribunal a quo nada fez e, injustificadamente, manteve a condenação cível tal qual se mostrava, com excepção do pagamento de uma despesa associada ao cemitério…

Ou seja, perante uma culpa aparentemente menos grave nem por isso tal circunstancialismo se viu reflectido no valor da indemnização, o que se mostra de uma contradição notável!

Com efeito, havendo nulidade ab initio cai por terra toda a decisão bem como o julgamento, continuando a defender que a decisão terá de ser toda ela recorrível pois estão em causa vícios substanciais que mancham e inquinam a justiça em geral e é por força deles que houve a condenação em sede cível, já se tendo a oportunidade de ad cautelam, suscitar a inconstitucionalidade de entendimentos contrários.

E não se vislumbra que haja justeza numa demissão ajuizativa do mérito decisório, com convocação de argumentos inaplicáveis in casu para o não conhecimento do recurso!

Não é defensável uma não recorribilidade ao abrigo das alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 400º CPP pois o recorrente não é arguido, mas mostra-se condenado pela responsabilidade de um terceiro, arguido!

Mas veja-se que também (ainda que noutras peças processuais que não a douta decisão ora proferida!) foram invocados como fundamentos de irrecorribilidade as alíneas c) e f) de tal norma legal, estando quase todas esgotadas e nenhuma sendo aplicável verdadeiramente in casu, tal a sua característica sui generis!

Basta ver que o arguido recorrente, então condenado, foi absolvido e teve lugar uma alteração da qualificação jurídica que não é despicienda, pois que tratou de aplicar um crime menos grave, mas a contender com bens jurídicos diversos e de distinta inserção dogmática e sistemática.

O demandado foi condenado pela culpa do arguido e não por culpa própria ou específica, pois que não era arguido nem se lhe mostrado a ele assacada qualquer responsabilidade criminal.

E culpa criminal essa assente, dizia a acusação e os pedidos de indemnização cível formulados, na violação/infracção de regras de construção.

Acabou o arguido absolvido de tal crime, aparentemente devia ser condenado pelos crimes de homicídio e ofensas à integridade física negligentes por omissão, mas sem alteração concreta da matéria de facto nem comunicação de tais alterações ao demandado.

Conforme já supra referido, com a imputação de uma culpa menos grave, deveria ter havido revisão em baixa das indemnizações, pois que as mesmas terão de ter correspondência à medida da culpa.

E não havendo identidade entre arguido e demandado, não ocupando este também o lugar daquele, não se poderá afirmar que o mesmo não tem interesse em sindicar uma alteração, ainda que da qualificação jurídica, que lhe dirá umbilicalmente respeito e na qual assentará a sua eventual responsabilidade cível.

A relação umbilical é cristalina e ostensiva, e afecta seriamente o demandado, que não é arguido, pois que vê alterados os dados do jogo, que assim ficam viciados.

Houve uma alteração umbilicalmente decidida pelo Tribunal, que desvirtua o fundamento da responsabilidade cível e mesmo assim mantém-se a condenação (que havia assentado antes em fundamento diverso!) sem qualquer comunicação a todas as partes interessadas.

Não sendo o demandado sido notificado da alteração dos fundamentos da sua responsabilidade, terá de ser absolvido, o que se requereu!

A nulidade da não comunicação é a segunda hipótese, para o caso de assim se não entender!

Na visão do Tribunal o demandado não arguido mostrar-se-á inexoravelmente impossibilitado de reagir às violações do princípio do acusatório, da vinculação temática ao objecto do processo e do pedido, tendo de aceitar coercivamente quaisquer alterações de qualificação jurídica e fundamentos de culpa e responsabilidade penal assacada ao arguido e fundamento da sua condenação cível.

Tal visão é manifestamente deturpada e própria de um sistema que não o de um Estado de Direito com respeito pelas regras processuais que assegurem efectiva possibilidade de defesa.

Razões pelas quais se justificaram no mesmo as razões que impunham a recorribilidade, seja pela aplicação do regime processual penal seja cível.

E in casu, repita-se, não está qualquer recorribilidade puramente penal pois não se recorre nem de penas nem de dosimetrias penais, não podendo, contudo, a decisão ser cindida aos bocados, como se não fosse una e a alegada e ilícita condenação penal, salva pela prescrição, não constituir fundamento da condenação cível…

Apenas num quadro de Direito disforme à lei fundamental é que assim poderá ser, pois a condenação transita toda ela ao mesmo tempo, não sendo alvo de múltiplos e sequenciais trechos decisórios com autonomia plena e imutável.

Ademais, não está verificada a previsão legal de quaisquer demais normas a impedir a recorribilidade, que assim terá de ser plena e observar todo o âmbito recursório, sem qualquer demissão ajuizativa que inquine as mais elementares garantias e direitos de defesa.

O entendimento vertido na douta decisão mostra-se assim violador dos princípios constitucionalmente consagrados e suscita as desconformidades constitucionais já suscitados pelo recorrente e que ora volta a transcrever, as quais têm de ser apreciadas e decididas pro contenderem com a questão da admissibilidade recursória:

“Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP ou qualquer outra alínea de tal norma, quando interpretado no sentido de Não é admissível recurso, intentado por demandado cível que não seja arguido, de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja decisão que não traduz dupla conforme perfeita, não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida por ter levado a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos, que lhe não foi (a ele, demandado/recorrente!) comunicada, com absolvição do arguido por alegada prescrição de crimes diversos face aos quais o arguido havida sido condenado em primeira instância e que haviam constituído fundamento para a responsabilidade cível que lhe foi (a ele, demandado/recorrente!) assacada.

É disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP ou qualquer outra alínea de tal norma, quando interpretado no sentido de Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja recurso intentado por demandado cível que não era arguido face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito por contender com a necessidade ou não de comunicação aos demandados não arguidos de alteração dos factos ou da qualificação jurídica, génese e fundamento da condenação cível em primeira instância.

Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP ou qualquer outra alínea de tal norma quando interpretado no sentido de Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja  recurso intentado pelo Estado, demandado cível que não seja arguido, face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre interesses de particular relevância social, como seja, condenação cível do Estado e responsabilização de todos os contribuintes.

É disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 401º n.º 1 c) CPP quando interpretado no sentido de Não é admissível, por falta de interesse em agir, o recurso intentado por demandado cível que não seja arguido, de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja decisão que não traduz dupla conforme perfeita, não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida por ter levado a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos, que lhe não foi (a ele, demandado/recorrente!) comunicada, com absolvição do arguido por alegada prescrição de crimes diversos face aos quais o arguido havida sido condenado em primeira instância e que haviam constituído fundamento para a responsabilidade cível que lhe foi (a ele, demandado/recorrente!) assacada.

Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP quando interpretado no sentido de Não é admissível, por falta de interesse em agir, o recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja recurso intentado por demandado cível que não seja arguido face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito por contender com a necessidade ou não de comunicação aos demandados não arguidos de alteração dos factos ou da qualificação jurídica, génese e fundamento da condenação cível em primeira instância.

É disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 401º n.º 1 c) CPP quando interpretado no sentido de Não é admissível, por falta de interesse em agir, o recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja recurso intentado pelo Estado, demandado cível que não seja arguido, face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre interesses de particular relevância social, como seja, condenação cível do Estado e responsabilização de todos os contribuintes.”

Sobre tais várias dimensões de constitucionalidade (a que acrescem as formuladas logo em sede de recurso!) igualmente se verifica silêncio e demissão ajuizativa por parte do Tribunal ad quem, padecendo nessa parte também o douto acórdão de nulidade.

E, salvo o devido respeito, impõe-se apreciação pois que se pretende suscitar as mesmas junto do Tribunal Constitucional, pois que se julgam violados os diretos do recorrente!

O recorrente e o signatário acreditam na sua procedência face a tais questões essenciais (a recorribilidade e revogação da condenação cível, atentos os vícios decisórios, preterições de garantias de defesa, violações legais e ausência de suporte da causa de pedir de tais pedidos de indemnização face à alteração da qualificação jurídica levada a cabo!) pois decisão contrária seria incompreendida por todo e qualquer declaratário normal e a população em geral.

Na verdade, daria uma péssima imagem da justiça se tal sucedesse e houvesse validação de tal flagrante e cristalina incoerência, pois passaria a imagem de valer tudo para uma condenação do Estado (que somos todos nós!), até a preterição de comunicação de alteração de qualificação jurídica e do fundamento da sua responsabilização cível, que deixa de alicerçar na causa de pedir dos pedidos de indemnização cível.

Impõe assim a reparação e expurgação, que não contende com a mera dicotomia penal vs cível, impondo-se ao demandado que para defender a sua posição tenha de se debruçar sobre o mérito dos fundamentos da sua condenação, pois que sem apreciar a justeza e conformidade legal dos mesmos então ficaria indefeso e impossibilitado de reagir.

Condenação cível essa totalmente injustificada e não o espelho fiel da não condenação de qualquer dos arguidos pelos crimes pelos quais havia acusação/pronúncia e que tinham servido de causa de pedir aos pedidos cíveis…

Sobre   tal circunstancialismo formularam-se igualmente várias dimensões de constitucionalidade (quer no recurso em si quer posteriormente face ao douto parecer do Ministério Público!) face às quais igualmente se verifica silêncio e demissão ajuizativa por parte do Tribunal ad quem, padecendo nessa parte também o douto acórdão de nulidade.

E, salvo o devido respeito, impõe-se apreciação pois que se pretende suscitar as mesmas junto do Tribunal Constitucional, pois que se julgam violados os direitos do recorrente!

Fazendo um apanhado rápido, tais dimensões cuja constitucionalidade se questionou foram suscitadas no recurso (motivação e conclusões M, N, AA, BB, II, JJ e OO) e resposta ao parecer do Ministério Público junto do Venerando Supremo Tribunal de Justiça (já antes em relação às sete primeiras também na motivação e nas conclusões do recurso apresentado perante a Relação de Coimbra!), remetidos via Citius, a contender com a interpretação e dimensão normativa de várias normas legais:

I. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios do juiz natural, da plenitude de assistência aos juízes, da imediação e da oralidade bem como das garantias de defesa, o entendimento e dimensão normativa do art. 426º-A n.º 1 CPP segundo o qual “Tendo sido decretado reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente a concretas questões delimitadas na douta decisão proferida e por se verificarem os vícios do artigo 410º n.º 2 alíneas a) e b) do CPP, a competência para tal novo julgamento não competirá ao colectivo que havia julgado o processo em primeira instância e poderá ser realizado por colectivo totalmente diverso não obstante não se tratar de juízo de anulação/nulidade nem de reenvio para repetição integral”;

II. É disforme à Lei fundamental, por violação dos princípios do juiz natural, da plenitude de assistência aos juízes, da imediação e da oralidade bem como das garantias de defesa, o entendimento e dimensão normativa do art. 426º-A n.º 1 CPP segundo o qual “Tendo sido decretado reenvio do processo para novo julgamento, apenas relativamente a concretas questões delimitadas na douta decisão proferida e por se verificarem os vícios do artigo 410º n.º 2 alíneas a) e b) do CPP, não é de conceder possibilidade de pronúncia e eventual sanação dos vícios apontados em tal douta decisão superior ao colectivo que compôs o Tribunal de primeira instância, cabendo a apreciação do rumo a tomar ao novo Tribunal e colectivo diverso”;

III. Mostra-se inconstitucional a interpretação e dimensão normativa do art. 358º n.os 1 e 3 CPP no sentido de “Se se verificar uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, não se verifica necessidade de comunicar a alteração ao arguido, nem de conceder, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.”;

IV. Mostra-se inconstitucional a interpretação e dimensão normativa do art. 358º n.os 1 e 3 CPP no sentido de “Se se verificar uma alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, com relevo para a decisão da causa, não se verifica necessidade de comunicar a alteração ao demandado, cuja responsabilidade cível se mostre relacionada com tal acção ilícita do arguido em causa, nem de conceder, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.”

V. Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 127º CPP, por violação do princípio in dubio pro reo e demais garantias de defesa quando interpretado no sentido de “É de manter o entendimento e decisão da matéria de facto decidida pelo Tribunal a quo não obstante a prova permite uma outra apreciação mas não a imponha, sem que se fundamentem as razões dessa não imposição”;

VI. Mostra-se disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 127º CPP, por violação do princípio in dubio pro reo, regras do ónus da prova e demais garantias de defesa quando interpretado no sentido de “É de manter o entendimento e decisão da matéria de facto decidida pelo Tribunal a quo não obstante o Ministério Público, os assistentes/demandantes não terem efectuado prova sólida dos factos em causa a ponto de a prova permitir uma outra apreciação, favorável ao arguido e ao demandado”.

VII. Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 416º n.º 1 CPP quando interpretado no sentido de “Em case de reenvio superiormente determinado pelo Tribunal da Relação, com indicação precisa dos vícios e pontos de facto abrangidos, é lícito e juridicamente conforme que a indagação fáctica a levar a cabo pelo Tribunal de primeira instância extravase tal âmbito superiormente determinado, tendo validade jurídica a decisão da matéria de facto que não se mostrava abrangida e a representar alteração face à primitiva decisão de primeira instância que não foi julgada nula”.

VIII. Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP ou qualquer outra alínea de tal norma, quando interpretado no sentido de Não é admissível recurso, intentado por demandado cível que não seja arguido, de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja decisão que não traduz dupla conforme perfeita, não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida por ter levado a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos, que lhe não foi (a ele, demandado/recorrente!) comunicada, com absolvição do arguido por alegada prescrição de crimes diversos face aos quais o arguido havida sido condenado em primeira instância e que haviam constituído fundamento para a responsabilidade cível que lhe foi (a ele, demandado/recorrente!) assacada.

IX. É disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP ou qualquer outra alínea de tal norma, quando interpretado no sentido de Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja recurso intentado por demandado cível que não era arguido face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito por contender com a necessidade ou não de comunicação aos demandados não arguidos de alteração dos factos ou da qualificação jurídica, génese e fundamento da condenação cível em primeira instância.

X. Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP ou qualquer outra alínea de tal norma quando interpretado no sentido de Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa

esteja recurso intentado pelo Estado, demandado cível que não seja arguido, face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre interesses de particular relevância social, como seja, condenação cível do Estado e responsabilização de todos os contribuintes.

XI. É disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 401º n.º 1 c) CPP quando interpretado no sentido de Não é admissível, por falta de interesse em agir, o recurso intentado por demandado cível que não seja arguido, de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja decisão que não traduz dupla conforme perfeita, não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida por ter levado a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos, que lhe não foi (a ele, demandado/recorrente!) comunicada, com absolvição do arguido por alegada prescrição de crimes diversos face aos quais o arguido havida sido condenado em primeira instância e que haviam constituído fundamento para a responsabilidade cível que lhe foi (a ele, demandado/recorrente!) assacada.

XII. Mostra-se inconstitucional o entendimento e dimensão normativa do art. 400º n.º 1 f) CPP quando interpretado no sentido de Não é admissível, por falta de interesse em agir, o recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja recurso intentado por demandado cível que não seja arguido face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito por contender com a necessidade ou não de comunicação aos demandados não arguidos de alteração dos factos ou da qualificação jurídica, génese e fundamento da condenação cível em primeira instância.

XIII. É disforme à lei fundamental o entendimento e dimensão normativa do art. 401º n.º 1 c) CPP quando interpretado no sentido de Não é admissível, por falta de interesse em agir, o recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, quando em causa esteja recurso intentado pelo Estado, demandado cível que não seja arguido, face a decisão que não traduz dupla conforme perfeita (não havendo assim em rigor confirmação da douta decisão recorrida, por ter sido levada a cabo alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe não foi, a ele demandado, comunicada e com absolvição do arguido por alegada prescrição) e o recurso interposto verse sobre interesses de particular relevância social, como seja, condenação cível do Estado e responsabilização de todos os contribuintes.

E se face às suscitadas na interposição de recurso (primeiras sete!) se compreende a sua não apreciação (afinal, o recurso não foi admitido nem conhecido!) já o mesmo se não verifica face às demais seis apresentadas na resposta ao douto parecer do Ministério Público, por contenderem expressamente com a temática decidida no douto acórdão e inerente à admissibilidade recursória, sendo expressamente tal visão interpretativa que se reputou inconstitucional.

E obviamente que se terá interesse em suscitar a constitucionalidade de tais dimensões interpretativas junto do Tribunal Constitucional, a que acrescerão ainda as duas formuladas no requerimento de nulidade anteriormente apresentado perante o STJ (6ª Secção, recurso cível), cujo teor se dá por reproduzido.

E nada mais se requer que, ab imo pectore, em observância dos princípios da adequação formal, cooperação, boa-fé e recíproca correcção, ver julgado o recurso na sua substância.

Para tal adopta postura de crença e confiança no poder judicial e no Tribunal, verdadeiro e efectivo órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimindo a violação da legalidade em observância da Lei fundamental, não deixando de aguardar pelo provimento da presente alegação de nulidade! Afinal, stare decisis…

»»»»» «««««

Sic, contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., atento o supra exposto, entende o recorrente que, em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos que presidem a um Direito penal que se queira materialmente justo e processualmente conforme, se verifica nulidade do douto acórdão.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, catalogada por François René Chateubriand como o pão da nação, a qual dele sempre se encontra esfomeada, bem como, nas doutas palavras de António Cánovas del Castillo, se afigura a alma do juiz e, citando Marco Túlio Cícero, invencível quando bem dita… Todavia, nunca esquecendo que, citando Piero Calamandrei, O Juiz é o Direito tornado homem!»

2. Notificada (pelo demandado civil) a assistente AA veio responder nos seguintes termos:

«O recorrente, tendo sido notificado de douto acórdão proferido, veio expor que não vislumbra assertividade na justificação apresentada para a não apreciação do recurso em nome de um alegado trânsito em julgado, padecendo a douta decisão dos vícios de nulidade por omissão de pronúncia/demissão ajuizativa, contradição insanável entre fundamentação e decisão bem como erro notório, vícios esses consagrados especificadamente no regime processual penal [arts. 379º n.º 1 c) e 410º n.º 2 b) e c) ex vi 425º n.º 4 CPP].

Refere, ainda, ter o Tribunal errado ao decretar ilicitamente o trânsito em julgado da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.

Mais uma vez não assiste razão ao recorrente, pois as decisões quanto à parte cível (a única recorrível) - acórdãos de 09.02.2022 e 24.03.2022 prolatados pela “formação” constituída ao abrigo do art. 672.º, n.º 3, do CPC – não foram objecto de recurso, que com eles se conformou, pelo que se encontram transitados em julgado.

Por outro lado, o Tribunal não decretou o trânsito em julgado, apenas o constatou.

Quanto ao recurso da parte penal, sendo o recorrente uma parte cível não tem o mesmo legitimidade para dela recorrer, tratando-se, pois, quanto a esta parte, de uma decisão irrecorrível, pelo que nada mais restaria aos insignes Senhores Conselheiros que decidir conforme o fizeram.

Pugna-se, pois, pelo indeferimento do requerimento de arguição de nulidades do douto acórdão proferido, deduzido pelo Estado Português/IPTM, IP, assim fazendo V.EXAS, uma vez mais, a tão reclamada JUSTIÇA»

3. O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça considerou que:

«(...)Com o devido respeito por entendimento diverso, não assiste razão ao requerente em qualquer das vertentes do requerimento.

Mas, antes de mais, atente-se no Acórdão do STJ de 18/04/2015, Proc.292/13.5PTSTB.E:

“Como decorre do nº 2 do art. 379º, aplicável por força do nº 4 do artº 425º, ambos do CPP, quando o acórdão da Relação não admite recurso, o arguido pod arguir a nulidade da decisão condenatória dentro do prazo de 10 dias previstos pelo artº 105º do CPP.

Porém, o ora reclamante, embora tenha arguido a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e bem sabendo, ou deveria saber, que tal acórdão é irrecorrível, vem interpor recurso para o STJ.

Em face disso, o TRC não conheceu das nulidades invocadas, já que as mesmas, havendo recurso, devem ser conhecidas em recurso, nos termos estatuídos no artº 379º nº 2 do CPP.

Como o acórdão do TRC é irrecorrível, não foi conhecido do seu objecto e, naturalmente, não poderão ser conhecidas as nulidades invocadas que só poderiam ser conhecidas em recurso admitido, como é lógico.

Assim, e sem mais, e porque,

➢o acórdão de 19/05/2022 não enferma de nulidade por violação do disposto nos artºs 379º nº 1-c) e 425º, nº 4 , ambos do CPP;

➢Não se verifica a violação de qualquer norma constitucional;

➢Deve o requerimento ser indeferido».

4. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

No requerimento agora apresentado, o demandado civil alega, em súmula apertada,

- a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.05.2022, por ter afirmado estar transitado em julgado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.06.2021, pelo que os autos deveriam ser remetidos àquele Tribunal para que decidisse sobre a arguição de nulidades;

- alega que o recurso deveria ter sido admitido dado que há uma decisão inovatória no Tribunal da Relação pelo que entende que não é defensável que se considere a decisão irrecorrível com base no disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP;

- consequentemente, entende que houve uma interpretação inconstitucional do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP; alega também inconstitucionalidade da interpretação do art. 401.º, n.º 1, al. c) e art. 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, quando interpretado que “não é admissível, por falta de interesse em agir...” o recurso;

- entende que o anterior acórdão é nulo por omissão de pronúncia quanto as alegadas inconstitucionalidades referidas nas conclusões M, N, AA, BB, II, JJ e OO (que correspondem às referidas nesta reclamação sob os números I, II, III, IV, V, VI, e VII), referentes a interpretações dos arts. 426.º-A, n.º 1, 358.º, n.ºs 1 a 3, 127.º e 416.º, n.º 1, todos do CPP;

- quanto à decisão recorrida, reafirma que a alteração da qualificação jurídica deveria ter sido comunicada ao demandado que não é arguido, dada a estreita relação entre a conduta pena e a responsabilidade civil, e os valores arbitrados a título de indemnização deveriam ter sido diminuídos.

Vejamos.

2.1. No anterior acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, começou por se afirmar que o recorrente não tinha legitimidade para a interposição do recurso:

«No que respeita à parte penal, o “demandado não tem legitimidade para recorrer da parte criminal da sentença enquanto condenatória ou absolutória”[1], pelo que o recurso deve ser rejeitado. Na verdade, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. c), do CPP, as partes civis podem recorrer, sendo que a sua legitimidade está restringida à matéria civil da decisão. E assim tem que ser, dado que apenas os ofendidos, constituídos assistentes, têm legitimidade para recorrer parte penal da decisão [cf. art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP], o que não é o caso do recorrente[2].

As partes civis, enquanto “sujeitos da acção cível que adere ao processo penal e que como acção cível permanece até ao fim”, conservando “para todos os efeitos, a sua especificidade de verdadeira acção civil” [3], têm legitimidade para recorrer da decisão que seja proferida contra elas, ou seja, a decisão referente à matéria civil[4].» (p. 41-42 do acórdão)

E completou‑se o raciocínio apresentado colocando a seguinte hipótese: se por absurdo se considerasse ter a recorrente legitimidade, ainda assim o acórdão do Tribunal da Relação seria irrecorrível. Iniciou esta hipótese escrevendo o seguinte:

«Mas, ainda que assim não fosse, e raciocinando a partir da eventual possibilidade de as partes civis poderem recorrer da parte penal da decisão, o certo é que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da parte penal não é admissível.» (p. 42 do acórdão)

E foi-se desenvolvendo o raciocínio hipotético e a dado momento referiu-se:
           
«Mas não pode deixar de se referir um outro aspeto. Suponhamos que se admitia o recurso na sua totalidade reconhecendo-se, por exemplo, a existência dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, como pretende o recorrente. Tal teria como consequência a invalidade do acórdão recorrido, e com isso a invalidade da decisão que considerou o procedimento criminal prescrito, e o processo seria reenviado ao Tribunal da Relação para nova decisão. E suponhamos ainda que os arguidos acabavam condenados nos crimes por que foram acusados e até com as mesmas penas aplicadas no Tribunal de 1.ª instância. Qual seria a constitucionalidade desta decisão perante a anterior decisão do Tribunal da Relação que, sendo irrecorrível para o Ministério Público [e também para os arguidos por falta de legitimidade, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP] transitou em julgado?

O Recorrente não se pode esquecer que as regras dos recursos ordinários relativas à parte penal se aplicam aos arguidos e ao Ministério Público; e, perante essas regras, o Ministério Público não pôde recorrer ainda que, por absurdo, tivesse considerado que, por exemplo, todos os argumentos agora apresentados pelo recorrente seriam argumentos válidos de modo que os arguidos deveriam ter sido condenados, ou ainda que tivesse considerado que a decisão padecia dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP. Ainda que assim tivesse entendido a decisão transitou em julgado não sendo passível de recurso. Pelo que, qualquer pretensão do demandado em modificar aquela decisão penal falece por inteiro. Uma vez transitada em julgado por inadmissibilidade do recurso a decisão é imodificável. E, perante o regime de recursos consagrado no nosso sistema jurídico, a decisão penal é irrecorrível para este Supremo Tribunal de Justiça. 

Por tudo o exposto, o acórdão é irrecorrível nos termos dos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, als. d) e c), ambos do CPP.» (p. 44-45 do acórdão).

Em primeiro lugar, cumpre salientar que se estava a fazer um raciocínio hipotético dado que a impossibilidade de conhecimento do recurso já tinha resultado do primeiro argumento quanto à falta de legitimidade do recorrente.

Em segundo lugar, verifica-se que no despacho de admissão do recurso prolatado a 27.09.2021, depois de se ter admitido o recurso interposto, decidiu-se:

«2) Tendo em consideração a interposição e admissão do recurso referido em 1), não há que conhecer, nesta fase processual, da arguição de nulidade de fls. 5871 a 5877 verso, face ao disposto no artigo 379.º, n.º 2, do CPP.

Notifique».

Aquando do anterior acórdão, e enquanto se fazia aquele hipotético raciocínio, não se atendeu ao conteúdo deste despacho.

Porém, para que não restem dúvidas, e porque a correção não implica uma alteração do decidido, nos termos do art. 425.º, n.º 4, 380.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, determina-se que onde se escreveu:

- Qual seria a constitucionalidade desta decisão perante a anterior decisão do Tribunal da Relação que, sendo irrecorrível para o Ministério Público [e também para os arguidos por falta de legitimidade, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP] transitou em julgado? (p. 44)

- Ainda que assim tivesse entendido a decisão transitou em julgado não sendo passível de recurso. (p. 44 do acórdão)

- . Uma vez transitada em julgado por inadmissibilidade do recurso a decisão é imodificável. (p. 44)

deve ler-se

- Qual seria a constitucionalidade desta decisão perante a anterior decisão do Tribunal da Relação que era irrecorrível para o Ministério Público [e também para os arguidos por falta de legitimidade, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP]?

- Ainda que assim tivesse entendido a decisão não seria passível de recurso.

- Sendo inadmissível o recurso a decisão é imodificável por este Supremo Tribunal.

2.2. Quanto à alegação de que o recurso deveria ter sido admitido ­— dado que há uma decisão inovatória no Tribunal da Relação pelo que, entende o recorrente, não é defensável que se considere a decisão irrecorrível com base no disposto no art. 400.º, n.º 1, als. d) e e), do CPP — não pode mais este Supremo Tribunal de Justiça conhecer desta questão uma vez que se encontra esgotado o poder jurisdicional.

2.3. No que respeita à alegação de que houve uma interpretação inconstitucional do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, bem como dos art. 401.º, n.º 1, al. c) e art. 400.º, n.º 1, al. f), ambos do CPP, quando interpretado como não sendo admissível o recurso por falta de interesse em agir (“não é admissível, por falta de interesse em agir...”) (fundamento previsto no art. 401.º, n.º 2, do CPP)  também agora não se pode conhecer, por estar esgotado o poder jurisdicional. Porém, cumpre salientar que o não conhecimento do recurso não resultou da aplicação do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, dado que a invocação deste apenas serviu para completar o raciocínio hipotético que se desenvolveu após se ter concluído pela não admissibilidade do recurso interposto pela parte civil. E também não se fundamentou o não conhecimento do recurso no disposto no art. 401.º, n.º 2, do CPP.

2.4. Entende o recorrente/demandado/parte civil que o anterior acórdão é nulo por omissão de pronúncia quanto às alegadas inconstitucionalidades referidas nas conclusões M, N, AA, BB, II, JJ e OO (que correspondem às referidas nesta reclamação sob os números I, II, III, IV, V, VI e VII), referentes a interpretações dos arts. 426.º-A, n.º 1, 358.º, n.ºs 1 a 3, 127.º e 416.º, n.º 1, todos do CPP.

Porém, só se impunha o conhecimento destas inconstitucionalidades caso se tivesse analisado o recurso; não tendo sido o objeto do recurso conhecido, ficou prejudicado o conhecimento de todas as questões ali colocadas e onde se incluíam estas. Assim, sendo, improcede a alegação de nulidade do acórdão.

 2.5. Quanto à decisão recorrida, reafirma que a alteração da qualificação jurídica deveria ter sido comunicada ao demandado que não é arguido, dada a estreita relação entre a conduta penal e a responsabilidade civil, e os valores arbitrados a título de indemnização deveriam ter sido diminuídos.

Porém, também aqui já não pode este Supremo Tribunal de Justiça conhecer.

Concorde-se ou não com a fundamentação apresentada, não existe qualquer omissão de pronúncia deste Supremo Tribunal de Justiça que respondeu às questões apresentadas, pelo que não procede a arguição de nulidade com base em omissão de pronúncia.

III

Conclusão

Nos termos expostos, decidem os Juízes Conselheiros, em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar parcialmente procedente a reclamação apresentada e, nos termos do art. 425.º, n.º 4, 380.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP, determina-se que onde se escreveu:

- Qual seria a constitucionalidade desta decisão perante a anterior decisão do Tribunal da Relação que, sendo irrecorrível para o Ministério Público [e também para os arguidos por falta de legitimidade, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP] transitou em julgado? (p. 44)

- Ainda que assim tivesse entendido a decisão transitou em julgado não seria passível de recurso. (p. 44 do acórdão)

- Uma vez transitada em julgado por inadmissibilidade do recurso a decisão é imodificável. (p. 44)

deve ler-se

- Qual seria a constitucionalidade desta decisão perante a anterior decisão do Tribunal da Relação que era irrecorrível para o Ministério Público [e também para os arguidos por falta de legitimidade, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP]?

- Ainda que assim tivesse entendido a decisão não seria passível de recurso.

- Sendo inadmissível o recurso a decisão é imodificável por este Supremo Tribunal.

*

Devem os autos ser remetidos ao Tribunal da Relação de Coimbra para conhecimento da arguição de nulidade de fls. 5871 a 5877 verso, tal como decidido no despacho de 27.09.2021, referência Citius …37.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de junho de 2022

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

Eduardo Loureiro

 

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[1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª ed., Lisboa: UCP, 2011, art. 401/ nm. 12, p. 1055.
[2] No sentido de que a possibilidade de recurso das decisões não é idêntica para todos os sujeitos processuais, cf. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 222: “é constitucionalmente admissível. Não havendo qualquer violação do princípio da igualdade, que a matéria dos recursos seja regulada de maneira diferente em relação ao arguido, por comparação com o assistente e o ministério público, designadamente quando a recorribilidade das decisões seja mais ampla relativamente ao primeiro” (cf. Acs. do TC n.ºs 132/92, 153/2012 e 540/2012).”
Deve ainda referir-se que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a admissibilidade de recurso do assistente de decisão do Tribunal da relação que tenha absolvido o arguido: “Julgar inconstitucional a norma dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolva o arguido por determinado crime e que, assim, revogue a condenação do mesmo na 1.ª instância numa pena não privativa da liberdade, por violação das disposições conjugadas dos artigos 13.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.” (ac. n.º 540/2012, Relatora: Cons. Maria João Antunes).
[3] Figueiredo Dias, Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal- O novo Código de Processo Penal, Coimbra: Almedina, 1989, p. 15.
[4] Também assim, Simas Santos/ Leal-Henriques, Recursos Penais, 9 ª ed-., Lisboa: Rei dos Livros, 2020, p. 59 — “as partes civis vêem assim consagrado o direito de impugnar o segmento das decisões contra si proferidas, que é, como se sabe, a matéria respeitante à indemnização civil” (cf. jurisprudencia aqui citada).