Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
222/11.9TBVCD.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: DEFEITO DA OBRA
CADUCIDADE
DENÚNCIA
PROPOSITURA DA ACÇÃO
PROPOSITURA DA AÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
DIREITO A REPARAÇÃO
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 01/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / EMPREITADA / PRAZO DE DENÚNCIA.
DIREITO DO CONSUMO - DIREITOS DO CONSUMIDOR / EXERCÍCIO DO PRAZO DE GARANTIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1225.º, N.º 2.
D.L. N.º 67/2003, DE 08-04: - ARTIGOS 1.º, 5.º, N.º4.
Legislação Comunitária:
DIRETIVA 1999/44/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU (TRANSPOSTA PARA O DIREITO INTERNO PORTUGUÊS PELO REFERIDO DECRETO-LEI 63/2003).
Sumário :
I - A falta de conformidade manifestou-se dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega da obra, pois esta ocorreu em 25-07-2005 e desconformidade manifestou-se, pelo menos, em 31-03-2010.

II - Os autores denunciaram à ré a falta de conformidade no prazo de um ano a contar da data em que a detetaram, pois esta ocorreu em Julho de 2009 e a denúncia ocorreu em Março de 2010.

III - Os autores interpuseram a presente ação no prazo de um ano após a denúncia, pois esta ocorreu em Março de 2010 e a ação foi intentada em Janeiro de 2011.

IV - Assim, atento ao disposto nas disposições conjugadas dos arts 5.º do DL n.º 67/2003 e 1225.º, do CC, não caducou o direito dos autores exercerem os direitos que invocam nesta ação.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2011.01.21, no então Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde, AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação contra CC, Investimentos Imobiliários, Limitada.

Pediram

a condenação da ré a, no prazo de 60 dias, proceder à realização das obras necessárias à eliminação dos defeitos de construção que afetam a sua moradia e subsidiariamente, caso a mesma assim não proceda, a pagar aos autores, a título de redução do preço da fração que lhes vendeu, um montante equivalente ao custo da reparação dos defeitos que contabilizam em 26.000,00 €.

Alegaram

em resumo, que

- por escritura pública, celebrada em 2005.07.28, adquiriram à ré a fração autónoma designada pela letra “Z”, sita no nº 30, da Rua …, em Macieira da Maia, pelo preço de € 130.000,00;

- em 2010, aperceberam-se de diversas deficiências resultantes da sua construção, nomeadamente desenvolvimento de bolores e humidades em diversas paredes;

- denunciaram tais deficiências por carta datada de 29.03.2010 e rececionada em 31.03.2010;

- a ré, não obstante, nada reparou.

Contestando

e também em resumo, a ré alegou que

- os autores habitam a referida fração desde Julho de 2005, pelo que à data da instauração da ação, a saber 22.01.2011, já havia caducado o seu direito;

- tendo-se os autores apercebido dos alegados defeitos no início de 2010, também à data da instauração da ação havia caducado o seu direito;

- a carta de denúncia dos alegados defeitos foi remetida para uma morada que não corresponde à sede da ré, pelo que entre o conhecimento dos alegados defeitos e a instauração da ação havia já decorrido o prazo legal;

- impugna os factos alegados, mormente os defeitos apontados.

Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 2015.06.05, foi proferida sentença, em que se julgou a ação procedente, nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e em consequência condeno a Ré a realizar as obras necessárias à eliminação dos defeitos que afetam a moradia dos Autores designadamente a reparar todas as fissuras existentes nas fachadas e na empena da habitação, remover as placas de pladur existentes e proceder a novo revestimento com placas de pladur, incluindo emassamento geral das placas para posterior pintura, ao emassamento geral das paredes da caixa de escada para posterior pintura e pintura geral da habitação (interior e exterior) com lixagem geral das paredes e tetos e subsequente aplicação de tinta, no prazo de 60 dias, e em caso de incumprimento no pagamento aos Autores da quantia de € 12.600,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, a título de redução do preço”.

A ré apelou, sem êxito, pois a Relação do Porto, por acórdão de Abril de 2016, confirmou a decisão recorrida.

Novamente inconformada, a ré deduziu a presente revista excecional, que foi admitida pela formação a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Os recorridos contra alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber se se pode considerar que caducou o direito dos autores instaurarem a presente ação.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

1. Os Autores são donos e legítimos possuidores da fração "Z", correspondente a uma moradia do tipo T4 com terraço e sita no nº 30 da Rua …, freguesia de Macieira, concelho de Vila do Conde, inscrita na matriz sob o artigo 83… daquela freguesia e descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº 485/19981002/….

2. A execução das obras de construção do Edifício … II, onde se integra a fração “Z” foi efetuada pela sociedade DD, S.A..

3. Aquela fração foi vendida pela Ré aos Autores por escritura de compra a venda celebrada em 28 de Julho de 2005 no Cartório Notarial da Póvoa de Varzim e pelo preço declarado de € 130.000,00.

4. A Ré é uma sociedade comercial com intuito lucrativo e que há mais de 20 anos se dedica à construção por conta própria de edifícios de habitação e comércio.

5. Desde Julho de 2005 e até ao dia de hoje, os Autores passaram a habitar permanentemente a fração descrita em 1, aí organizando a sua vida, recebendo os amigos e instalando a respectiva residência.

6. A presente ação judicial foi apresentada em Tribunal no dia 21.01.2011.

7. Os Autores elaboraram a carta constante de fls. 45/46 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, datada 29.3.2010 e dirigida ao Gerente da Ré, remetendo-a para a Rua …, n.º …, na Póvoa de Varzim.

8. A carta mencionada na alínea anterior foi rececionada em 31.03.2010 por EE.

9. A Ré tem a sua sede na Rua …, n.º 45, na Póvoa de Varzim.

10. A morada indicada em 7 corresponde ao domicílio da empresa DD, Ld.ª.

11. No exercício da atividade descrita em 4 a Ré cometeu a execução das obras de construção do Edifício … II à sociedade referida em 2.

12. Os Autores detetaram as seguintes patologias na fração descrita em 1:

A) Na Garagem:

Desenvolvimento de bolores na superfície da parede interior e na superfície do pilar em batão armado, com maior incidência na proximidade do protão da garagem e por cima do mesmo.

Destaque da película de tinta junta á base do pilar de betão armado existente junto ao portão da garagem.

Pladur de revestimento do teto com ondulações.

B) Na cozinha:

Empolamento da tinta aplicada no teto.

C) Na escadaria de acesso ao primeiro andar:

Existência de focos de bolor ao longo da parede da escadaria.

Existência de ondulações no pladur que se encontra aplicado na parede.

D) Nos Quartos:

Quarto nº 1:

Desenvolvimento de bolores na superfície da parede de fachada, na zona do pilar junto á janela, bem como nas restantes paredes interiores deste quarto.

Quarto nº 2/suite:

Desenvolvimento de bolores na superfície da parede de fachada, na zona do pilar e junto ao vão da porta de acesso à varanda, bem como nas restantes paredes interiores deste quarto.

Quarto nº 3:

Desenvolvimento de bolores na superfície da parede de fachada junto á janela, bem como nas restantes paredes interiores deste quarto.

Existência de ondulações no pladur que se encontra aplicado nesse teto.

Quarto nº 4:

Desenvolvimento de bolores na superfície da parede de fachada junto á janela, bem como nas restantes paredes interiores deste quarto.

E) Na casa de banho de serviço no 1º andar:

Degradação do pladur do teto junto á grelha de ventilação devido a infiltrações de água e humidade.

F) Nas fachadas:

Existência de rachadelas (fissuras) nas fachadas e na empena da habitação.

Falta de isolamento térmico entre as paredes exteriores de alvenaria e as paredes em pladur (gesso cartonado).

13. Para reparação/eliminação das patologias descritas é necessário:

a) Reparar todas as fissuras existentes nas fachadas e na empena da habitação.

b) Remoção das placas de pladur existentes, novo revestimento com placas de pladur, incluindo emassamento geral das placas para posterior pintura.

c) Emassamento geral das paredes da caixa de escada para posterior pintura.

d) Pintura geral da habitação (interior e exterior) com lixagem geral das paredes e tetos e subsequente aplicação de tinta.

14. Ascendendo o custo dessas reparações a montante não inferior a € 12.600,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

15. E para cuja realização é necessário um período de tempo de 60 dias.

16. Durante o período de tempo em que as obras interiores decorrerem os Autores não terão condições, quer pela necessidade de deslocar mobiliário quer em consequência do ruído, pó e cheiro, para continuarem a habitar a moradia.

17. A Ré teve conhecimento da carta referida em 7, com o esclarecimento de que tal ocorreu na sequência imediata à sua receção aludida em 8.

Os factos, o direito e o recurso

Na sentença proferida na 1ª instância julgou-se a ação procedente porque se entendeu que “da prova produzida resultou que a habitação não observa as regras de construção, nomeadamente a nível de isolamento térmico, o qual tem clara influência sobre as patologias verificada, a saber, infiltrações de água e condensações”.

Mais se entendeu, por aplicação do disposto no nº 3 do artigo 5º do Decreto-lei 67/2003, de 08.04, que os autores haviam denunciado as desconformidades dentro do prazo de um ano aí referido, na medida em que da matéria de facto dada como provada resultava que a falta de conformidade tinha sido detetada em Julho de 2009 e os autores denunciada as patologias em Março de 2010, isto dentro do prazo de cinco anos após a entrega do imóvel, em 2005.07.28.

Entendeu-se também que os autores, após a denúncia, exerceram o seu direito de propor a presente ação dentro do prazo de três anos, de acordo com o disposto no nº3 do artigo 5º-A daquele Decreto-lei, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei 84/2008, de 21.05, tendo em conta a data da denúncia acima referida e a data da instauração da presente ação – 2011.01.21.

No acórdão recorrido entendeu-se e quanto à questão do prazo de caducidade do direito de instauração da presente ação, que em face do que ficou provado na matéria de facto elencada sobre o nº17º, “a denúncia dos defeitos detetados no imóvel teve lugar no dia 31.03.2010, pelo que tendo a ação sido proposta no dia 21.01.11, o foi dentro do prazo que não excedeu um ano”, sucedendo “que quanto à contagem do prazo de propositura da ação, até perfilhamos o entendimento que é ele de três anos após a válida e tempestiva denúncia, isto por força do constante do Decreto Lei 67/2003, de 8 de Abril, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto Lei 84/2008, de 21 de Maio (…)

A ré recorrente entende que o acórdão recorrido sustentou a sua decisão de considerar improcedente a exceção da caducidade por si invocada, na aplicação do disposto no nº2 do artigo 5ºA do citado Decreto-lei 67/2003, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei 84/2008, de 21.05, no que concerne ao estabelecimento de um prazo de três anos para a propositura da ação, afirmando que essa aplicação não podia ser feita, uma vez que aquela redação não estava ainda em vigor à data da celebração do contrato de empreitada.

Cremos, no entanto, que não tem razão.

Na verdade e como já ficou referido, a decisão do acórdão recorrido não se baseou no entendimento que o prazo para a instauração da presente ação era de três anos a contar da denúncia dos defeitos, mas antes no entendimento que o prazo para tal era de um ano a partir dessa denúncia.

A alusão ao prazo de três anos feita naquele acórdão tem que se compreender para abranger apenas o caso de se entender que o prazo entre a denúncia e a instauração da presente ação era superior a um ano, o que, como já ficou referido, se entendeu não ser o que ocorreu no caso concreto em apreço.

Dito doutro modo, a resolução da questão sobre a aplicação do nº2 do artigo 5º-A, acima referido, não tem qualquer relevância para a decisão desta ação, tendo sido aflorada no acórdão recorrido apenas de forma académica, subsidiária, para o caso de se ter entendido necessária essa aplicação, o que, como se disse, não se entendeu.

Resulta, então, do que ficou dito que, mesmo que se entendesse que a redação dada pelo Decreto-lei 84/2008 ao nº2 do artigo 5º não era aplicável ao caso concreto em apreço, sempre restaria a consideração que, quando esta ação foi proposta, ainda não tinha decorrido um ano após a denúncia dos defeitos.

O entendimento que o prazo para o dono da obra num contrato de empreitada, que teve por objeto a construção de um imóvel destinado a longa duração, instaurar uma ação pedindo a eliminação dos defeitos da mesma, é de um ano após a denúncia, não pode deixar de ser considerado legítimo, na medida em que é o prazo estabelecido para tal no nº2 do artigo 1225º do Código Civil e, apesar de no nº4 do artigo 5º da citada Lei 67/2003, se estabelecer para o efeito do prazo de seis meses, este prazo não pode ser considerado em detrimento daquele outro prazo de um ano fixado no Código Civil, uma vez que sendo objetivo da Diretiva 1999/44/CE, do Parlamento Europeu, transposta para o direito interno português pelo referido Decreto-lei 63/2003, o de regular “certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativa, com vista a assegurara a proteção dos interesses dos consumidores” – cfr. artigo 1º do citado Decreto-lei 63/2002 – e a preocupação central deste diploma “evitar que a transposição da diretiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível de proteção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor” - do preâmbulo do referido Decreto-lei – não se compreenderia que um dispositivo de um Decreto-lei criado para defesa do consumidor, viesse a diminuir o prazo já existente para este exercer judicialmente os seus direitos

Concluímos pois que

- a falta de conformidade manifestou-se dentro do prazo de cinco anos a contar da entrega da obra, pois esta ocorreu em 25 de Julho de 2005 e desconformidade manifestou-se, pelo menos, em 31 de Março de 2010;

- os autores denunciaram à ré a falta de conformidade no prazo de um ano a contar da data em que a detetaram, pois esta ocorreu em Julho de 2009 e a denúncia ocorreu em Março de 2010;

- os autores interpuseram a presente ação no prazo de um ano após a denúncia, pois esta ocorreu em Março de 2010 e a ação foi intentada em Janeiro de 2011;

Assim, atento ao disposto nas disposições conjugadas dos artigos 5º do Decreto-lei 67/2003 e 1225º, do Código Civil, não caducou o direito dos autores exercerem os direitos que invocam nesta ação.

Nesta medida não merecendo censura o acórdão recorrido.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2017

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade