Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1707/07.7TBGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DOS REUS E ORDENADA A BAIXA DOS AUTOS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO RURAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 685.º-B, N.º1, AL. A), 729.º, N.º3, 730.º.
DECRETO-LEI 385/88, DE 25-10: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 21.º, 35.º, N.º5.
LEI N.º 41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 7.º.
Sumário :

1. Uma ação relativa a arrendamento rural pode ser instaurada ou prosseguir se, notificada uma parte para o contrato verbalmente celebrado ser reduzido a escrito, a mesma se recusar a tal, com o argumento de não concordar com o seu clausulado.

2. - Utiliza o arrendado para outros fins e dá aso à resolução do contrato por parte do senhorio, um arrendatário num contrato de arrendamento rural em que a terra é dada para exploração agrícola mas é utlizada para exploração pecuária.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2007.04.17, no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães – 2º Juízo Cível - AA, na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, instaurou a presente ação declarativa constitutiva e de condenação sob a forma de processo comum sumário contra CC e DD.

 Pediu

 a) - a declaração de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a autora da herança e o réu marido;

b) - a condenação dos réus a despejarem de imediato e restituírem à herança, livres e desocupados de pessoas e bens, os prédios rústicos e urbano que integram a ... e que lhes foram dados de arrendamento;

c) - a condenação dos réus a pagarem à herança:

a. as rendas devidas em milho que se venceram no final de cada um dos anos agrícolas de 1996 a 2006, no total de 21.000kgs, todas no valor global de 4.200,00€ (quatro mil e duzentos euros), e as rendas vincendas até efetivo despejo;

b. as despesas que a herança tiver de suportar para:

i. proceder à reparação da casa de habitação e das restantes construções da ... que lhes estão arrendadas;

ii. reconstruir as ramadas que os réus destruíram e reparar as que ainda existem na ... e se encontram danificadas;

iii. repovoar os terrenos de cultivo da ..., na bordadura com o “Rio Fêveras” com o mesmo número de árvores (no mínimo 50) e de videiras (200) que aí existiam à data do contrato de arrendamento;

iv. repovoar as ramadas com o mesmo número de videiras que nela se apoiavam no total de mais de 6.000 pés;

cujo montante não era possível determinar, requerendo que fosse relegado para liquidação em execução de sentença.

Alegou

em resumo, que

 - em 1988.11.01, a autora da herança deu de arrendamento ao réu marido um conjunto de prédios que compõem a ..., pelo prazo de sete anos, mediante o pagamento da renda anual de 2.100kg de milho, sendo o vinho dividido em partes iguais pela senhoria e pelo arrendatário, as despesas de sulfato suportadas em partes iguais e as obras de conservação dos prédios e a substituição das árvores e videiras a cargo do arrendatário;

- uma vez que tal contrato foi meramente verbal, em 2006.11.13,  a autora requereu a notificação judicial avulsa do réu marido para reduzir o contrato a escrito, mas este, apesar de ter comparecido na hora e local designados, recusou-se a assinar, dizendo que o contrato proposto não correspondia ao realmente acordado;

- os prédios estavam em bom estado de conservação quando foram entregues ao réu, mas este, a partir de 1996, deixou de fazer a sua exploração agrícola, tendo destruído ramadas, deixado de tratar das videiras e deixado de cuidar dos prédios.

- além disso, o réu terá deixado de pagar a renda nos moldes acordados a partir de 1996.

Contestando

e também em resumo, os réus alegaram que

- a autora era parte ilegítima;

- admitem que em 1988.11.01, a autora da herança deu de arrendamento ao réu marido, por contrato verbal, a ..., mas pelo prazo de 30 anos, com a renda acordada de 2.100kgs de milho, sendo o vinho dividido em partes iguais e as despesas de sulfato a cargo da senhoria, o trabalho de poda, tratamento das videiras e vindimas a cargo do réu e as videiras a substituir compradas pela senhoria e plantadas pelo réu, podendo o réu e sua família habitar o prédio urbano, mas as obras de conservação deste devendo ser feitas pela senhoria;

- por não corresponderem as cláusulas propostas pela autora na notificação que lhes fez ao que realmente foi acordado, recusaram-se a assinar o contrato, mas sempre estiveram disponíveis para o reduzir a escrito, desde que com as cláusulas vindas de referir;

- na data de início do contrato o prédio estava muito degradado e embora a senhoria tenha prometido proceder ao seu restauro no final do Inverno, não o fez, o que levou a que deixassem de o habitar em 1996;

- não deixaram de cultivar e cuidar dos prédios, sendo falso que tenham destruído videiras ou ramadas;

- quanto às rendas, dizem é falso que tenham deixado de as pagar, antes tendo sido a aqui autora quem se recusou a recebê-las.

Reconvindo

os réus alegam que a recusa da autora da herança em reduzir a escrito o contrato com as cláusulas realmente acordadas lhes tem causado prejuízos, nomeadamente de perda de quota leiteira e que por força da não realização pela autora das obras de beneficiação do prédio urbano a que estava obrigada tiveram de mudar de residência, o que entendem dever ser compensado com a redução de 250,00€ mensais na renda desde 1996.10.01 até à realização das obras.

Terminam pedindo:

a) a procedência da exceção de ilegitimidade e a sua absolvição da instância;

b) a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido;

c) a procedência do pedido reconvencional e a condenação da autora:

i. a reconhecer o contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo celebrado entre a autora da herança e o réu marido;

ii. a ver reduzido a escrito o contrato com as cláusulas invocadas na contestação;

iii. a proceder ao restauro do prédio urbano, de forma a dar-lhe condições de habitabilidade e uso normal de uma casa de lavoura;

iv. a indemnizar os réus pelo prejuízo causado com a retirada do prédio com a quantia de 250,00€ mensais, de 01/10/1996 até à realização do restauro;

v. a ver compensado o valor das rendas ainda não recebidas pela autora com a indemnização a que alude a alínea anterior;

vi. a ver reduzidas as rendas vincendas de cada ano em 3.000,00€ por mês ou 250,00€ por mês.

A autora apresentou resposta, defendendo a improcedência da ilegitimidade arguida e impugnando os factos alegados na contestação, nomeadamente os relacionados com as cláusulas do contrato.

Entretanto, por apenso à presente ação vieram EE e FF requerer a sua habilitação como adquirentes dos prédios referidos na petição inicial, alegando terem-lhes os mesmos sido adjudicados no âmbito do inventário que correu termos neste juízo sob o n.º 2407/06.0TBGMR.

Por sentença proferida a fls. 49 e ss. de tal apenso, foram os requerentes habilitados como adquirentes dos prédios referidos na petição inicial e admitidos a intervir no processo principal ao lado da autora.

Proferido despacho saneador – onde a autora AA foi considerado parte legitima - fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.

Em 2012.07.13, foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

Nestes termos, e pelo exposto, julgo:

a) a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

i. declaro resolvido o contrato de arrendamento rural celebrado entre BB e CC em 01/11/1988, tendo por objeto os prédios referidos na alínea C) dos factos provados, que compõem a ...;

ii. condeno os réus CC e DD a despejarem os referidos prédios e a entregarem-nos, livres e desocupados de pessoas e bens, aos autores EE e FF;

iii. absolvo os réus CC e DD dos demais pedidos contra si deduzidos pelos autores;

b) a reconvenção parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

i. condeno os autores herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, EE e FF a reconhecer que entre BB e CC foi celebrado em 01/11/1988 o contrato de arrendamento rural referido em a), i.;

ii. condeno os autores herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, EE e FF a reconhecer que o contrato referido na alínea anterior teve as cláusulas referidas na alínea Y) dos factos provados;

iii. absolvo os autores herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, EE e FF dos demais pedidos contra si deduzidos pelos réus CC e DD.”

A autora e os réus apelaram, sem êxito, pois a Relação de Guimarães, por acórdão de 2013.05.31, confirmou a decisão recorrida.

Novamente inconformados, os mesmos autores e réus deduziram as presentes revistas, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Não houve contra alegações.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

I) Da revista dos réus

A) – Extinção da instância

B) – Nulidade por omissão de pronúncia

C) – Resolução do contrato

D) – Indemnização aos réus pela falta de obras

E) – Abuso de direito

II) Da revista dos autores

F) – Impugnação da matéria de facto

G) – Ónus da prova

H) – Despesas pela boa conservação do locado.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

A) No dia 08 de Setembro de 2005, na casa da sua residência, sita na Rua ..., n.º …, da freguesia de ..., desta comarca, faleceu BB, no estado de solteira e sem deixar descendentes nem ascendentes, mas deixando testamento em que instituiu como seus únicos e universais herdeiros, a sua empregada doméstica, GG, juntamente com os seus sobrinhos de ambos os sexos vivos à data do seu falecimento, filhos de suas irmãs HH e II, esta já falecida, os quais estão devidamente identificados na respectiva escritura de habilitação outorgada no dia cinco de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial desta cidade, da Exma. Notária JJ;

B) O cargo de cabeça-de-casal incumbe à herdeira testamentária AA;

C) Da herança, indivisa à data de propositura da ação mas entretanto já partilhada, faziam parte, entre outros, os prédios urbanos e rústicos que compõem a ..., unidade agrícola de exploração familiar sita no Lugar do seu nome da freguesia de ..., deste concelho, a saber:

a. prédio urbano sito na Rua ..., n.º …, composto de casa de dois pisos, destinados a habitação, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … de ..., omisso à matriz urbana, tendo sido participado em 29/12/2005 ao qual foi atribuído o art.º …;

b. prédio rústico denominado Campo ..., descritos na 1.ª

Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … de ..., inscrito na anterior matriz rústica sob os artigos … e …;

c. prédio rústico denominado Campo ... ou Campo da Porta, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º … de ..., inscrito na anterior matriz rústica sob o art.º 811;

d. prédio rústico denominado ... ou ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o n.º …de ..., inscrito na anterior matriz rústica sob o art.º …;

e. prédio rústico denominado ... ou ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o n.º ... de ..., inscrito na anterior matriz rústica sob o art.º …;

f. prédio rústico denominado ... ou ..., descrito na 1.ª Conservatória de Registo Predial de Guimarães sob o n.º … de ..., inscrito na anterior matriz rústica sob o art.º …;

Todos estes prédios rústicos estão omissos à atual matriz rústica da freguesia de ..., tendo sido feita a competente participação para a sua inscrição, no dia 28/12/2005;

D) Por contrato verbal de arrendamento rural ao cultivador autónomo, celebrado no dia 1 de Novembro de 1988, a autora da herança cedeu ao réu marido o gozo do conjunto de prédios que compõem a ...;

E) Que se destinavam a ser usados e explorados pelos réus, seus familiares e trabalhadores, diretamente, para fins agrícolas;

F) No dia 13 de Novembro de 2006, a cabeça-de-casal da herança requereu a notificação judicial avulsa do réu marido, para reduzir a escrito o referido contrato de arrendamento rural ao agricultor autónomo, para cumprimento do disposto no art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 385/88 de 25 de Novembro, com a redação do Decreto-Lei n.º 524/99 de 10 de Dezembro;

G) Para o que deveria comparecer no dia 4 de Dezembro de 2006, pelas 15 horas, no Cartório Notarial da Exma. Dra. JJ, sito na Avenida ..., Edifício ...n.º …, desta cidade e comarca;

H) Com o requerimento da notificação judicial avulsa, a autora juntou fotocópia autêntica da escritura de habilitação de herdeiros e a minuta do contrato de arrendamento e a procuração;

I) A notificação foi levada a efeito no dia 23 de Novembro de 2006, pelo Solicitador de Execução KK;

J) A autora e o réu marido compareceram no dia, hora e Cartório Notarial indicados na notificação judicial avulsa;

K) Mas o Réu marido recusou-se a assinar o contrato, nos termos da minuta apresentada pela autora, com cujo conteúdo declarou não estar de acordo, por entender que o mesmo não corresponde ao acordado anteriormente de forma verbal e escrita;

L) Todos os prédios que compõem a ... estão juntos e unidos e todos fazem parte do objeto do arrendamento;

M) Sucedeu que, no ano de 1996, os réus mudaram de residência e foram habitar para a uma propriedade que tomaram de arrendamento, no concelho da Póvoa de Lanhoso;

N) E passados alguns anos transferiram-se para a sua atual morada, na ... da freguesia de ..., desta comarca, onde fixaram a sua residência permanente;

O) Logo que mudaram de residência e deixaram de morar na ..., os réus abandonaram completamente a casa de habitação que lhes está arrendada;

P) A cultura intensiva e única de forragens para gado, e a concentração permanente de dezenas de cabeças de gado bovino na área dos terrenos de cultivo ..., ao longo dos últimos dez anos, diminuiu e continua a diminuir a sua capacidade produtiva agrícola;

Q) Em condições de exploração agrícola normal e tradicional, a ... permitia manter, e os réus e os anteriores arrendatários mantinham, efetivos de gado bovino de quatro a seis cabeças;

R) Mas desde que passaram a usá-la, exclusivamente, para exploração pecuária, os réus aumentaram os efetivos permanentes para várias dezenas de cabeças de gado bovino, chegando a atingir "picos" de mais de 50 (cinquenta cabeças);

S) Os terrenos de cultivo estavam devidamente arroteados e fertilizados e aptos para a sua exploração agrícola imediata;

T) Os réus viveram na ... e fizeram a sua exploração agrícola, desde o início do contrato de arrendamento referido em D) até ao ano de 1996;

U) E, nesse período, nela cultivavam os produtos vulgarmente produzidos nesta região em unidades agrícolas semelhantes - milho, feijão, vinha e produtos hortícolas - e criavam bovino e porcino e os galináceos que a própria Quinta podia alimentar;

V) A partir dos anos de 1995 ou 1996, os réus deixaram de fazer a exploração agrícola da ... e de nela cultivarem os artigos agrícolas tradicionais;

W) E passaram a usar os respectivos terrenos de cultivo, exclusivamente, para a criação intensiva de gado bovino destinado à produção de carne e de leite, e para a produção de forragens destinadas à alimentação desses animais;

X) A casa cujo gozo foi cedido por via do contrato referido em D) tinha o telhado esburacado e janelas e portas com madeiras podres, com chuva e frio a entrar por todos os lados;

Y) A autora da herança e o réu marido acordaram que o contrato referido em D) teria as seguintes cláusulas:

- o prédio urbano destina-se a habitação do arrendatário e do seu agregado familiar, e os prédios rústicos destinam-se à sua exploração agrícola com recurso ao trabalho do arrendatário e das pessoas do seu agregado familiar;

- a renda anual, a pagar na residência da senhoria, no termo de cada ano agrícola, é de 2.100 kgs de milho, sendo o vinho dividido em partes iguais pela senhoria e pelo arrendatário;

- as despesas de sulfato são suportadas em partes iguais pela senhoria e pelo arrendatário;

- o trabalho de poda, tratamento de videiras e vindimas a cargo do réu;

Z) Posteriormente à notificação referida em F), o ilustre Advogado do réu, comunicou ao ilustre Advogado da autora a sua disponibilidade para assinar o contrato, mas com as cláusulas referidas no art.º 13.º da contestação.

Os factos, o direito e o recurso

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que o contrato celebrado em 1 de Novembro de1988, entre a BB e o réu CC, devia ser qualificado como um contrato de arrendamento rural a agricultor autónomo.

Mais se entendeu julgar procedente o pedido de resolução do referido contrato e consequente despejo, porque se mostrava preenchida a hipótese da alínea b) do artigo 21º do Decreto-lei 385/88, de 25.10 – que aprovou o Regime Geral do Arrendamento Rural – na medida em que se tinha demonstrado que “a partir dos anos de 1995 ou1996, os réus deixaram de fazer a exploração agrícola da “...” e de nela cultivarem os artigos agrícolas tradicionais, tendo passado a usar os respetivos terrenos exclusivamente para a exploração intensiva de gado bovino destinado à produção de carne e leite, para produção de forragens destinada à alimentação desses animais”, devendo esta alteração “ser considerada uma alteração do fim a que se destinavam os prédios objeto do contrato”.

Entendeu-se também julgar improcedentes os pedidos dos autores relativos ao pagamento de rendas e ao pagamento de despesas que teriam que suportar com a reparação de estragos que os réus teriam provocados nos prédios arrendados porque, quanto ao primeiro, não se tinha provado “a falta de pagamento das rendas pelos réus” e quanto ao segundo, porque não se tinha demonstrado “que os réus tenham causado danos aos prédios arrendados”.

Quantos aos pedidos reconvencionais, entendeu-se que as partes apenas divergiam nas cláusulas do contrato, não havendo controvérsia sobre a sua qualificação e redução a escrito, condenando-se, assim, apenas os autores a reconhecerem as cláusulas do contrato que haviam ficado provadas.

Já quanto aos pedidos relacionados com a realização de obras de restauro no prédio urbano, com o pagamento de uma indemnização pelo prejuízo causado com a saída do prédio e com o não cumprimento pela autora da obrigação de o restaurar, considerou-se que tais pedidos caíam “logo por terra por força de decisão de resolução do contrato” e que “ainda que assim não fosse, sempre se concluiria que os réus não lograram fazer prova dos factos que alegavam e que sustentavam o seu pedido”.

No acórdão recorrido sufragou-se este entendimento.

Atentemos, pois, nas questões postas.

 

A) – Extinção da instância

Entendem os recorrentes que a instância da presente ação devia ser declarada extinta e não devia prosseguir porque o invocado contrato de arrendamento rural não havia sido reduzido a escrito.

Não têm razão.

Nos termos do disposto no nº5 do artigo 35º do referido Decreto-lei 385/88, “nenhuma ação judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária”.

Está provado que a cabeça de casal da herança então indivisa, a que pertenciam os prédios arrendados, requereu a notificação dos réus para reduzir a escrito o contrato de arrendamento verbal, tendo o réu marido se recusado a tal porque entendia que o clausulado apresentado não correspondia ao “anteriormente acordado de forma verbal e escrita” – cfr. alíneas F) a K) da matéria assente.

Ora sendo assim, a questão desloca-se, não para a existência do contrato – que ambas as partes reconhecem existir, como bem se diz na sentença recorrida - mas antes para o conteúdo das suas cláusulas.

E assim, a questão da redução a escrito do contrato necessariamente tem que ser considerada ultrapassada, quer porque na realidade os réus arrendatários foram convocados para ela, quer porque não está demonstrado – porque nem sequer foi alegado – que a divergência sobre o conteúdo do contrato tenha sido dolosamente criada pelas partes com a intenção de impossibilitar a imediata redução a escrito.

A não ser assim, estaria criada uma forma de qualquer das partes impedir a instauração de uma ação como a presente: bastava discordar do conteúdo do contrato.

Ora é evidente que não se pode impor a uma parte a renúncia a provar o conteúdo que alega.

Dito doutra forma: uma ação relativa a arrendamento rural pode ser instaurada ou prosseguir se, notificada uma parte para o contrato verbalmente celebrado ser reduzido a escrito, a mesma se recusar a tal, com o argumento de não concordar com o seu clausulado.

Em relação ao caso concreto em apreço, não se pode impor aos autores senhorios que para instaurar a presente ação tivessem que necessariamente concordar com o conteúdo de todas as cláusulas do contrato invocadas pelos réus.

Não pode ser.

Assim e concluindo, temos como preenchido o pressuposto processual inominado referido no transcrito nº5 do artigo 35º do Decreto-lei 385/88.

B) – Nulidade por omissão de pronúncia

Entendem os réus recorrentes que não houve pronúncia sobre a qualificação do contrato.

Mas é evidente que não têm razão.

No acórdão recorrido houve essa pronúncia e no sentido de aceitar a qualificação já feita na 1ª instância de se tratar de um contrato de arrendamento rural a agricultor autónomo, na sequência do que, aliás, foi julgado procedente o primeiro pedido feito pelos réus na sua reconvenção.

Não houve, assim, qualquer omissão.

C) – Resolução do contrato

Entendem os réus que não se justifica a resolução do contrato porque o mesmo deve ser considerado inválido uma vez que não se provaram todas as cláusulas do mesmo e porque não deram uma finalidade diferente daquela a que se destinava o contrato, na medida que a exploração agropecuária estava dentro daquele fim.

Mais uma vez não têm razão.

Quanto à invalidade, é certo que não se provaram todas as cláusulas invocadas pelas partes, provando-se apenas as que constam das respostas aos pontos 33º e 35º da base instrutória.

Mas daqui não se pode concluir que o contrato padece de qualquer invalidade.

O que se conclui é que o contrato tem tão só e apenas aquelas cláusulas, as quais, como acima já ficou dito, são suficientes para a sua qualificação como um contrato de arrendamento rural a agricultor autónomo – cfr. artigo 1º, 2º e 3º do referido Decreto-lei 385/88.

No que se refere à resolução do contrato, as causas taxativamente estabelecidas na lei estão mencionadas no artigo 21º daquele Decreto-lei.

Entre elas, está a referida na alínea b), em que se estabelece que “o senhorio pode pedir a resolução do contrato no decurso do prazo do mesmo se o arrendatário (…) faltar ao cumprimento de uma obrigação legal, com prejuízo direto para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio”.

No caso concreto em apreço, está provado que o prédio urbano arrendado se destinava a habitação do réu e do seu agregado familiar e os prédios rústicos destinavam-se à sua exploração agrícola com recurso ao  trabalho e das pessoas do seu agregado familiar, sendo a renda anual a pagar no termo de cada ano agrícola, de 2.100 kgs de milho, o vinho dividido em partes iguais pela senhoria e pelo réu, as despesas de sulfato suportadas em partes iguais pela senhoria e pelo réu, ficando o trabalho de poda, tratamento de videiras e vindimas a cargo deste – cfr. alínea E) da matéria assente e respostas aos pontos 33º e 35º da base instrutória.

 Os terrenos de cultivo estavam devidamente arroteados e fertilizados e aptos para a sua exploração agrícola imediata – resposta ao ponto 9º da base instrutória

 Os réus viveram na ... e fizeram a sua exploração agrícola, desde o início do contrato de arrendamento acima referido – 1 de Novembro de 1998 - até ao ano de 1996 – resposta ao ponto 10º da base instrutória

E, nesse período, nela cultivavam os produtos vulgarmente produzidos nesta região em unidades agrícolas semelhantes - milho, feijão, vinha e produtos hortícolas - e criavam bovino e porcino e os galináceos que a própria Quinta podia alimentar – resposta ao ponto 11º da base instrutória.

No ano de 1996, os réus mudaram de residência e foram habitar para a uma propriedade que tomaram de arrendamento, no concelho da Póvoa de Lanhoso e passados alguns anos transferiram-se para a sua atual morada, na ... da freguesia de ..., onde fixaram a sua residência permanente – alíneas M) e N) da matéria de facto assente.

A partir dos anos de 1995 ou 1996, os réus deixaram de fazer a exploração agrícola da ... e de nela cultivarem os artigos agrícolas tradicionais e passaram a usar os respectivos terrenos de cultivo, exclusivamente, para a criação intensiva de gado bovino destinado à produção de carne e de leite e para a produção de forragens destinadas à alimentação desses animais – cfr. respostas aso pontos 14º e 15º da base instrutória.

Mais se provou que a cultura intensiva e única de forragens para gado e a concentração permanente de dezenas de cabeças de gado bovino na área dos terrenos de cultivo ..., ao longo dos últimos dez anos, diminuiu e continua a diminuir a sua capacidade produtiva agrícola – cfr. alínea P) da matéria de facto assente.

E que em condições de exploração agrícola normal e tradicional, a ... permitia manter, e os réus e os anteriores arrendatários mantinham, efetivos de gado bovino de quatro a seis cabeças – cfr. alínea Q) da matéria de facto assente.

Finalmente, que desde que passaram a usá-la, exclusivamente, para exploração pecuária, os réus aumentaram os efetivos permanentes para várias dezenas de cabeças de gado bovino, chegando a atingir "picos" de mais de 50 (cinquenta cabeças).

Posto isto, parece não poder haver dúvidas que os réus, a partir de 1995 ou 1996, passaram a destinar os prédios arrendados para fins diferentes do que tinham sido acordados no contrato de arrendamento.

Em primeiro lugar, porque no artigo 1º do já referido Decreto-lei 385/88, em que se estabeleceu a noção de contrato de arrendamento rural, faz-se uma distinção entre exploração agrícola e exploração pecuária para o efeito de se determinar os fins desse contrato.

Desta distinção resulta que uma exploração agrícola não comporta uma exploração pecuária e esta não comporta uma exploração agrícola.

São dois fins distintos.

Na verdade, exploração agrícola é o ato de tirar utilidade do solo agrícola.

E exploração pecuária é a atividade que usa a terra com o objetivo de produção de vegetais utilizados na criação de gados.

Ora, também parece não haver dúvidas que a finalidade do contrato em causa era a exploração agrícola dos prédios.

Esta conclusão retira-se quer dos termos do contrato – onde se refere expressamente que o arrendamento dos prédios rústicos se destina à sua exploração agrícola – quer também da forma como foram utilizados desde o seu início - cultivo de produtos vulgarmente produzidos na região em unidades agrícolas semelhantes - milho, feijão, vinha e produtos hortícolas - e criação de gado bovino e porcino e galináceos que a própria Quinta podia alimentar.

E retira-se também de a renda ser paga em produtos agrícolas produzidos nos prédios arrendados e da referência no contrato às despesas, trabalho e tratamentos inerentes à produção desses produtos.

Ora, está provado que a partir dos anos de 1995 ou 1996, os réus deixaram de fazer a exploração agrícola da ... e de nela cultivarem os artigos agrícolas tradicionais e passaram a usar os respectivos terrenos de cultivo, exclusivamente, para a criação intensiva de gado bovino destinado à produção de carne e de leite, e para a produção de forragens destinadas à alimentação desses animais.

Manifestamente, passaram a utilizar os prédios para fim diferente do contratualmente estabelecido.

E fizeram-nos com prejuízo direto para a produtividade, substância e função económica do prédio, como se conclui do facto de ser dado como provado que a cultura intensiva e única de forragens para gado, e a concentração permanente de dezenas de cabeças de gado bovino na área dos terrenos de cultivo da ..., ao longo dos últimos dez anos, diminuiu e continua a diminuir a sua capacidade produtiva agrícola.

Concluímos, pois, que nada há a censurar no acórdão recorrido ao considerar verificada a causa de resolução do contrato de arrendamento estabelecida na alínea b) do artigo 21º do Decreto-lei 385/88.

D) – Indemnização aos réus pela falta de obras

Entendem também os réus recorrentes que o pedido reconvencional relativo à realização de obras de conservação pelo senhorio e consequentes prejuízos devia ser julgado procedente na medida em que que se tinha de dar como assente que essas obras não realizadas seriam da sua responsabilidade.

Também não têm razão.

Na verdade, tal matéria foi contestada pelo senhorio e por isso foi levada à base instrutória – cfr. ponto 33º da mesma.

Face à resposta restritiva que foi dada, temos que concluir que a parte que se referia à responsabilidade da senhoria pelas obras de conservação do prédio não foi dada como provada.

Daí a improcedência da parte do pedido reconvencional relacionada com esta matéria.

E) – Abuso de direito

Alegam os recorrentes que a autora da herança “não levantou qualquer objeção quanto ao desenrolar e evolução da exploração agrícola” pelo que ao instaurar a presente ação atuou com abuso de direito.

Mas e independentemente do enquadramento jurídico da questão, não está provado – até porque nem sequer foi alegado – aquele facto.

Sendo assim, é evidente que e porque não existem outros factos que o evidenciem, não se pode considerar que a autora tenha atuado com abuso de direito.

F) – Impugnação da matéria de facto

No acórdão recorrido não se admitiu a impugnação da matéria de facto deduzida pelos autores porque se entendeu que não foram indicados, com referência à base instrutória, os concretos pontos de facto que teriam sido incorretamente julgados.

Os autores entendem o contrário, isto é, que indicaram esses pontos.

Cremos que não tem razão.

Nos termos do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 685º-B do Código de Processo Civil, na redação atrás indicada, “quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (…) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”.

No seu recurso de apelação, os autores pretendem a alteração da matéria de facto “no sentido de considerar não provado o pagamento das rendas”, “no sentido de considerar provados os danos em culturas, árvores, vinhas e terrenos provocados pelos réus”, “no sentido de considerar como provada a habitabilidade do imóvel à data da celebração do contrato em 1988” e no sentido de se considerar “provados os danos na parte habitacional do locado provocados pelo abandono pelos réus”.

Não há qualquer referência aos diversos factos por si alegados e vertidos na base instrutória, dos quais se concluiria “no sentido” propugnado pelos autores.

Ou, se se entendesse que havia essa referência, não havia qualquer conectação desses “sentidos” com os factos alegados pelos autores e vertidos para os pontos 1º a 20º e 35º da base instrutória.

Acresce que se entendesse assim, então estávamos perante uma impugnação genérica de toda matéria de facto, uma vez que naqueles pontos estavam incluídos todos os factos alegados pelos autores e que tiveram resposta negativa.

A ser assim, então tínhamos de aceitar que o impugnante da matéria de facto podia alegar, em abstrato, que não concordava com todas as respostas que conduziam à improcedência dos seus pedidos.

Não pode ser.

Concluímos, pois, que bem se andou no acórdão recorrido em rejeitar a impugnação da matéria de facto deduzida pelos autores na apelação.

G) – Ónus da prova

No acórdão recorrido, na sequência do que alias já tinha sido decidido na 1ª instância, entendeu-se, quanto ao pedido dos autores relativo ao pagamento das rendas, que o ónus da prova competia à senhoria, credora das rendas.

Os autores recorrentes entendem o contrário, isto é, que eram os réus que tinham que provar o pagamento.

Cremos que têm razão.

Na verdade, o pagamento é um facto extintivo do direito invocado pelos autores, ou seja, do direito de receber as “rendas devidas em milho”.

Sendo assim e face ao disposto no nº2 do artigo 342º do Código Civil, competia aos réus a prova do pagamento.

Para o efeito, invocaram os réus os factos referidos nos artigos 38º a 41º da sua contestação.

Tais factos, impugnados pela senhoria na sua resposta, não foram, no entanto, levados à base instrutória.

Para se resolver a questão da falta de pagamento das rendas, impõe-se, pois, que tais factos sejam levados àquela base.

O que se vai ordenar a final, ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 729º e no artigo 730º do Código de Processo Civil, com a redação do Decreto-lei 303/2007, de 24.04, face ao disposto no artigo 7º da Lei 41/2013, de 26.06.

Os pontos a aditar à base instrutória são os seguintes:

36 – Em Outubro de 2005 e 2006, o réu marido foi entregar a casa da cabeça de casal, AA, a renda em milho e vinho?

 37 – Porém, esta, pessoalmente, recusou recebê-la?

38 – A renda, milho e vinho, está em casa dos réus, para ser entregue aos senhorios quando quiserem, já que os réus não têm meios ou forma de os depositar?

G) – Despesas pela boa conservação do locado

Como atrás ficou referido, no acórdão recorrido e também no seguimento do que se tinha decidido na 1ª instância, entendeu-se que não era de proceder o pedido formulado pelos autores porque, face às respostas negativas aos pontos 1º a 8º, 12º, 13º, 16º a 20º da base instrutória, não se tinha provado que os réus tivessem provocado quaisquer danos nos prédios arrendados.

Os autores recorrentes entendem que tendo ficado provado que a partir de 1996 os réus tinham deixado de fazer a exploração agrícola e passando a exclusivamente fazer exploração pecuária, daí resultava necessariamente que os danos invocados por si teriam ocorrido.

Não pode ser.

Os danos invocados pelos autores e cuja reparação pretendiam, diziam respeito a estragos na casa de habitação do arrendatário, nas ramadas e nos terrenos de cultivo.

Os factos alegados pela então cabeça de casal a esse respeito foram vertidos para os pontos da base instrutória acima mencionados e foram todos dados como não provados.

Ora é sabido que não deve recorrer-se à via presuntiva para suprir a falta de prova relativamente a factos devidamente discutidos e apreciados na audiência de julgamento.

Ou seja, não podem agora os autores, baseando-se no que denominam “conhecimento geral e razoável”, depois da matéria ter sido devidamente discutida e apreciada, ver as referidas respostas negativas alteradas para positivas.

Daí que, necessariamente, o seu pedido em causa tinha que ser dado como não provado, como bem se decidiu no acórdão recorrido.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em

- julgar totalmente improcedente a revista dos réus;

- julgar parcialmente procedente a revista dos autores e assim, revogando a decisão quanto ao pedido dos autores relacionado com o pagamento das rendas e mantendo a decisão quanto aos restantes pedidos dos mesmos autores, ordenar que os autos voltem à Relação, para ampliação da matéria de facto quanto àquele pedido, conforme o exposto no ponto G) do presente acórdão, a folhas 15 do mesmo.

Custas pelos recorrentes, de acordo com o vencimento.

Lisboa, 15  de Maio de  2014

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Álvaro Rodrigues