Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
737/13.4TBMDL.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA AÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
FILIAÇÃO BIOLÓGICA
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 10/03/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ESTABELECIMENTO DA FILIAÇÃO.
Doutrina:
- Amorim Pereira, «A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade», R.O.A., 1988, 143 e ss..
- Ana Prata, coord., “Código Civil” Anotado, Vol. I, 427 e 428.
- Freitas Rangel, O Ónus da Prova no Processo Civil, 301.
- Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família (Pereira Coelho-Guilherme Oliveira), Vol. II, Tomo I, 219, 245, 246; Temas de Direito de família, I, 209 e ss..
- Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, 2.ª ed., 440.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª ed., 454; «O ónus da prova nas acções de investigação de paternidade: prova directa e indirecta do vínculo da filiação», Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, Vol. I, 782, 787.
- Paula Costa e Silva, «A realização coerciva de testes de ADN em acções de estabelecimento da filiação», em Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel Magalhães Collaço, Vol. II, 577 e ss..
- Rita Lynce Faria, Comentário ao “Código Civil” – Parte Geral, 815.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código Civil”, Vol. VII, 30.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código de Processo Civil”, Vol. III, 3.ª ed., 81.
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 322.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2, 343.º, N.º 2, 344.º, N.º 2, 1817.º, N.ºS 1 E 3, AL. B), 1873.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 414.º, 519.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 06.02.2003, DE 23.09.2008, DE 02.02.2010, DE 23.02.2012 E DE 17.05.2016.
-DE 06.05.2003 E DE 31.01.2017.
-DE 17.11.2015, DE 23.06.2016, DE 08.11.2016, DE 02.02.2017, DE 09.03.2017 E DE 04.05.2017, ENCONTRANDO-SE, EM SENTIDO CONTRÁRIO, O ACÓRDÃO DE 31.01.2017.
TODOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
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ASSENTO DO S.T.J. N.º 4/83, DE 21-6.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
-N.ºS 401/2011, 247/2012, 309/2016 E 424/2016, TODOS EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .
Sumário :
1. Tem sido reconhecida a conformidade constitucional do regime previsto no art. 1817º do CC (na redacção introduzida pela Lei 14/2009, de 1/4) respeitante aos prazos de caducidade da acção de investigação de paternidade; quer da sujeição dessa acção a prazos de caducidade, quer dos prazos concretamente fixados na lei para esse efeito.

2. No nº 3 prevê-se um prazo especial de três anos para a propositura da acção, depois de já ter expirado o prazo regra de 10 anos fixado no nº 1; tem por objecto situações que, pela sua particularidade, justificam objectivamente a investigação com vista ao estabelecimento da paternidade.

3. Esse prazo de três anos não funciona propriamente como contra excepção da caducidade, face ao decurso do prazo regra previsto no nº 1; não diz respeito, nem estende ou prorroga este prazo, sendo autónomo dele, constituindo antes um prazo especial que depende de certos pressupostos próprios.

4. Nesse caso, ao autor incumbe demonstrar a existência do facto ou circunstância que justifica a investigação; ao réu, por seu turno, compete provar que o autor teve conhecimento desse facto ou circunstância há mais de três anos, antes da propositura da acção.

5. Se o réu, investigado, com a sua recusa ilegítima – de se submeter a exame laboratorial susceptível de fornecer prova directa da filiação biológica – inviabiliza a prova desta filiação, face à falência da prova indirecta através de testemunhas, deve, por aplicação do art. 344º, nº 2, do CC, inverter-se o ónus da prova, passando aquele, que impossibilitou a prova, a ficar onerado com a demonstração da não verificação daquele facto, isto é, que o autor não é fruto de relações de sexo entre o réu e a mãe do autor e, assim, que este não é filho daquele.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA veio propor esta acção de investigação de paternidade contra BB.

 

Pediu que se declare que é filho do réu.

Como fundamento, alegou que nasceu da gravidez sobrevinda das relações sexuais de cópula havidas entre o réu e sua mãe CC, tendo tomado conhecimento dessa filiação biológica apenas no Verão de 2013, depois de haver encontrado cartas escritas pelo réu que confirmam o relacionamento que este manteve com a mãe do autor.

O réu contestou por excepção, invocando a caducidade da acção, e impugnou os factos alegados pelo autor relativos à procriação, bem como à data em que o autor diz ter tomado conhecimento dos aludidos escritos.

No decurso da instrução, perante a recusa do réu em submeter-se ao exame hematológico oficiosamente ordenado pelo tribunal, foi proferida decisão em que se concluiu:

"Face ao exposto, tendo em conta a postura do réu ao longo do tempo, impedindo que seja levado a cabo exame pericial que facilmente determinaria se é ou não o pai biológico do autor, conclui-se que o réu culposamente tornou impossível a prova ao onerado pelo ónus, o autor.

Assim, determino a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no artigo 344º, nº2, do Código Civil, cabendo ao réu provar que não é pai do autor".

Após audiência de julgamento foi proferida sentença em que se decidiu:

a) Declarar improcedente a excepção de caducidade do direito do autor a intentar a presente acção de investigação de paternidade;

b) Declarar, para todos os efeitos legais, e condenar o réu a reconhecer que AA é filho de BB e ordenar o averbamento da paternidade no assento de nascimento daquele – assento nº 00207 da Conservatória do Registo Civil de ….

Discordando desta decisão, o réu interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, tendo revogado a sentença recorrida e absolvido o réu do pedido.

Inconformado, o autor vem pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões:

I - O acórdão recorrido fundamentou a decisão de revogação da sentença proferida na 1ª Instância com fundamento na errada leitura da matéria de facto dada como assente, mormente, dos pontos 7º, 8º, 12º, 18º e 20º, os quais por manifesto lapso fazem referência a acto e omissão processual por banda do autor quando, como se extrai de fls. 85, 90, 109, 140 e 143, o referido comportamento omissivo que obstaculizou à realização do exame pericial reporta-se exclusivamente ao Réu aqui recorrido.

II - Atento o disposto no art. 249 do Cód. Civil e art. 614, nº 1, ex vi art. 666º do Código Processo Civil, os erros materiais da sentença ou do acórdão que resultem de lapso manifesto, podem ser corrigidos por simples despacho a requerimento de qualquer uma das partes ou por iniciativa do Juiz. Pelo que, onde nos mencionados pontos da matéria assente consta "autor", deverá proceder-se à sua rectificação passando a figurar "réu" e ser o julgamento da causa em conformidade com a mesma.

III - A discordância do recorrente prende-se com a alteração da matéria de facto dada como provada em 1ª instância, dos pontos 5 e 6, que culminou na procedência da excepção de caducidade e na repartição do ónus da prova dos factos.

IV - Porém, a recusa constante de forma culposa do réu em se submeter ao exame hematológico constitui claramente a violação do dever de colaboração e impossibilitou de forma plena a averiguação da verdade biológica do autor preenchendo a previsão do artigo 344º, nº 2 do Código Civil, dando lugar à inversão do ónus da prova. Sendo certo que, passou a caber ao réu a responsabilidade de provar que não é o pai do autor.

V - O Tribunal da Relação de Guimarães fundou a sua decisão da verificação da caducidade do direito de acção do recorrente assente em pressupostos de repartição do ónus da prova errados de acordo com o teor da matéria assente, designadamente, por ter considerado ter havido repartição de culpas na não realização da prova pericial quanto à determinação da filiação biológica do recorrente relativamente ao recorrido.

VI - Ora, sendo inelutável a única e exclusiva razão da não realização do exame hematológico se deveu ao comportamento culposo do recorrido que, ao contrário do que sucedeu com o recorrente, faltou a todas as marcações de recolha de sangue tornou impossível a realização da mencionada diligência probatória e com isso impediu o recorrente da prova de factos que fariam operar a facti species prevista no aludido artigo 1817º, nº 4 do Código Civil.

VII - Pelo que, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 1817, nº 4 e artigo 344º, nº 2 do Código Civil, por fundar a sua modificação da decisão da matéria de facto numa errada distribuição do ónus da prova do facto relativo a considerar que o autor não provou que é fruto das relações sexuais que o réu manteve com a sua mãe nos 120 dias dos 300 que precederam ao seu nascimento.

Ternos em que deve conceder-se a revista e, em consequência revogar-se o douto acórdão recorrido substituindo-se por outro que mantenha a sentença proferida em primeira instância.

O réu contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

Remetido o processo ao Supremo, foi proferido despacho a determinar que o Tribunal recorrido apreciasse o requerimento anteriormente apresentado pelo autor para rectificação dos pontos 7º, 8º, 12º, 18º e 20º da decisão de facto da 1ª instância (como reitera na concl. 1ª do seu recurso).

Foi então proferido acórdão complementar pela Relação, com este teor:

"4. Cumpre apreciar:

Os factos constantes dos referidos pontos foram considerados provados na 1ª instância, matéria que não foi reapreciada na Relação por não fazer parte do objecto do recurso, e as partes não tiveram o cuidado de pedir a sua rectificação.

Reconhece-se que o teor dos documentos mencionados no final daqueles pontos reportam a falta do réu e não do autor aos exames marcados pelo IML, pelo que é manifesto o erro de escrita cometido na 1ª instância ao fazer referência ao "autor".

Contudo sem influência no julgamento do recurso, nos segmentos de facto e de direito: as considerações do acórdão constantes do penúltimo parágrafo de fls. 5 («só o autor e o réu poderiam ... ») foi meramente a título circunstancial, num momento em que a convicção do tribunal já estava formada; o erro não interfere com a posição adoptada relativamente à vinculação do despacho sobre a inversão do ónus da prova, e a actuação da parte durante a instrução do processo é alheia aos fundamentos da acção ou da excepção.

Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em deferir o pedido rectificação nos termos seguintes: nos pontos 7, 8, 12º, 18º e 20º, onde consta "autor" passa a constar e a dever ler-se "réu", mantendo-se no demais o acórdão nos seus exactos termos".

Após os vistos legais cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

- Caducidade do direito de acção de investigação; ónus da prova;

- Inversão do ónus da prova sobre a filiação biológica, face à recusa injustificada do réu em se submeter a exame hematológico.

III.

Os factos considerados provados, após as alterações introduzidas pelo acórdão recorrido no âmbito da apreciação da impugnação da decisão de facto e após a requerida e deferida rectificação, são os seguintes:

1. O autor nasceu no dia 0 de … de 1970, na freguesia de …, concelho de …, conforme assento de nascimento junto a fls. 51 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Do assento de nascimento do autor apenas consta a menção da sua maternidade.

3. O autor encontrou as três cartas juntas de fls. 193 a 196, escritas pelo réu à sua mãe (uma datada de 00.00.1966, outra de 00.00.1966 e outra de 00.00.1966), que revelam uma relação amorosa e sexual entre ambos.

4. Falou então com a sua mãe, que lhe confirmou que o réu era seu pai.

5. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 08/06/2014, juntou aos autos atestado médico, justificando a sua não comparência - cft. fls. 85.

6. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 06/08/2014, não compareceu, nem justificou a falta de comparência.

7. Em 22/09/2014, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC – cft. fls. 91.

8. Em 10/09/2014, o réu juntou aos autos requerimento com o teor de fls. 99 e 100, dando conta de que não efectuaria o exame em causa.

9. Em 23/10/2014, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC – cft. fls. 102.

10. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 13/11/2014, não compareceu, nem justificou a falta de comparência.

11. Em 25/11/2014, foi proferido despacho a condenar o réu em multa, que se fixou em 1 UC, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC, tendo no mesmo despacho, sido instado a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa mais gravosa, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC.

12. Em 03.12.2014, o réu reiterou que “não se sente motivado” para efectuar o exame.

13. Liquidou o valor da multa em que foi condenado – fls. 119.

14. Em 26/01/2015, foi proferido despacho a condenar o réu em multa, que se fixou em 3 UC, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC, tendo no mesmo despacho, sido instado a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, ser condenado em multa mais gravosa, por falta de colaboração com o tribunal, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º2, do CPC.

15. Liquidou o valor da multa em que foi condenado – fls. 137.

16. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 05/03/2015, não compareceu, nem justificou a falta de comparência.

17. Em 24/03/2015, foi proferido despacho a instar o réu a efectuar o exame, sob pena de, não o fazendo, operar a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no art. 344.º, n.º2 do Código Civil – cft. fls. 141.

18. Notificado o réu para comparecer no IML, a fim de serem colhidas amostras biológicas ao mesmo, para possibilitar realização de exame pericial ao ADN, o mesmo, em 14/05/2015, não compareceu, nem justificou a falta de comparência.

19. A presente acção foi intentada em 13/12/2013.

IV.

1. A fundamentação do acórdão recorrido, no que respeita ao mérito, é deste teor:

"O reconhecimento por via da sentença judicial proferida na correspondente acção de investigação é uma das formas legalmente previstas para o estabelecimento da filiação fora do casamento (artigos 1796º, nº2, e 1847º, do C. Civil), tem eficácia retroactiva e produz efeitos entre os sujeitos desde a data do nascimento do filho (artigo 1797º, nº2, do Código Civil).   

O critério biológico no estabelecimento da paternidade funda-se no direito à identidade pessoal do filho consagrado no artigo 26º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, mas tem-se discutido tanto na doutrina como na jurisprudência a natureza desse direito, a propósito da aplicação do prazo para a propositura da acção de investigação previsto no artº 1817º, nº1, do Código Civil.

A presente acção foi intentada em 13.Março.2013[2], em plena vigência desse normativo na redacção dada pela Lei 14/2009, de 01.04, aplicável às acções de investigação de paternidade por força do artigo 1873º, deles resultando que “a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”, ou ainda nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos factos elencados nas alíneas a), b, e c) do nº3, aludindo a alínea b) ao caso do investigante ter tomado conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pelo pretenso pai .

Nos fundamentos previstos nessa alínea b) cabem não apenas as causas de presunção de paternidade, como a cessação forçada ou voluntária da posse de estado (tratamento do filho pelo pretenso pai), mas outros factos ou circunstâncias que objectiva e fundadamente justifiquem a investigação com vista ao estabelecimento da paternidade pela verdade biológica. Isto é, não obstante o decurso do prazo geral de 10 anos previsto no nº1 do artigo 1817º, a acção ainda pode ser proposta destro dos 3 anos posteriores ao conhecimento dum dos enunciados fundamentos da al. b, do nº3 do artigo 1817º, cabendo-lhe a ele, demandante, o correspondente ónus de prova - excepto se o fundamento invocado for a cessação voluntária do tratamento, caso em que, nos termos do nº4, do aludido preceito legal, impende sobre o réu o ónus de demonstrar que a cessação dessa posse de estado ocorreu nos três anos anteriores à propositura da acção.   

No caso em apreço, o autor não logrou provar que apenas teve conhecimento no verão de 2013 da circunstância justificativa da investigação. Assim, e uma vez que a acção foi intentada quando estavam excedidos os 10 anos posteriores à maioridade do autor, procede a caducidade.

Mesmo que se entenda que o nº4 do artigo 1817º do Código Civil se aplica a outras situações que se enquadrem na previsão da alínea b) do nº1, e que por isso impendia sobre o réu o ónus de prova de que o autor tomou conhecimento das referidas cartas de namoro em data anterior aos três anos que precederam a propositura da acção, sempre deve ser negado o direito peticionado pelo autor por não se ter provado que é fruto das relações sexuais que o réu manteve com sua mãe nos 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento.

Nesse capítulo, confrontamo-nos com uma situação de non liquet em sede de matéria de facto relativa aos fundamentos da acção, pelo que o sentido da decisão deve buscar-se à regra da repartição do ónus da prova dos factos. Como refere Manuel de Andrade o ónus da prova «incumbe à parte cuja pretensão processual só pode obter êxito mediante a aplicação da norma de que ele é pressuposto» (in Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 200), e nas palavras de Anselmo de Castro, “o problema da distribuição do ónus da prova traduz-se em determinar quais são os elementos verdadeiramente constitutivos da norma fundamentadora do direito invocado em juízo e os que fora dela constituem elemento duma norma que se lhe oponha (impeditiva ou extintiva) decidindo contra a parte a quem interesse no processo a aplicação da norma constitutiva do direito ou da contra-norma” (Direito Processual Civil Declaratório, ed. 1982, Volume III-pág. 352), e a parte onerada com o ónus da prova dos fundamentos da acção é o autor.

O despacho interlocutório que determinou a inversão do ónus de prova nos termos do artigo 344º, nº2, do Código Civil, não vincula o tribunal a quem cabe apreciar o mérito da causa. Esse despacho serve apenas de alerta/sanção ao réu por mor do seu comportamento de falta de colaboração, valorando-a no momento da decisão da matéria de facto. Já referimos que a culpa do inêxito do apuramento da verdade biológica mediante a realização de exames periciais se deve aos comportamentos do autor e do réu, e se culpa existe ela deve ser repartida, e também não temos como legalmente admissível considerar outras presunções de paternidade além das elencadas no artigo 1871º do Código Civil, em que se traduziria o decretamento da inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344º, nº2, do Código Civil".

2. Estabelecem-se no art. 1817º do CC (aplicável à investigação de paternidade por força do art. 1873º do mesmo Código) prazos de caducidade da acção de investigação.

Não vem posta em causa neste recurso a constitucionalidade deste regime legal, quer da sujeição da referida acção a prazos de caducidade, quer da proporcionalidade dos prazos concretamente fixados na lei para esse efeito.

O Tribunal Constitucional tem reafirmado a conformidade constitucional desse regime, mormente do que se encontra actualmente em vigor, resultante das alterações introduzidas pela Lei 14/2009, de 1 de Abril.

Como se afirma no Acórdão nº 247/2012, deve continuar a entender-se que "o legislador ordinário goza de liberdade para determinar, desde que acautelado o conteúdo essencial dos direitos fundamentais em causa, se pretende submeter as acções de investigação da paternidade a um prazo preclusivo ou não, cabendo-lhe ainda fixar, dentro dos limites constitucionais admitidos pelo respeito pelo princípio da proporcionalidade, o concreto limite temporal de duração desse prazo".

Acolhe-se nesse Acórdão a solução a que chegou o Acórdão nº 401/2011, do Plenário do Tribunal Constitucional, que não julgou inconstitucional a norma do nº 1 do art. 1817º, que prevê o prazo de 10 anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante[3].

E concluiu-se de modo idêntico quanto ao prazo estabelecido na al. b) do nº 3 do mesmo artigo, por respeitar o princípio da proporcionalidade, propiciando ao titular uma real e efectiva possibilidade de exercer o direito de investigação.

Diz-se aí, com efeito, que o referido regime "alia a previsão do prazo previsto no n.º 1 – um prazo geral de 10 anos, contado a partir de facto objectivo – a maioridade do investigante –, com prazos especiais, contados a partir de factos subjectivos, dependentes do conhecimento dos factos motivadores da propositura de uma acção de investigação. Esse prazo garante – na normalidade das coisas – ao pretenso filho o tempo de reflexão necessário para decidir sobre a eventual propositura da acção de investigação. Não obstante, o regime de prazos instituído pela Lei n.º 14/2009 de 1 de Abril prevê ainda prazos especiais, que apenas começam a contar a partir da data do conhecimento dos factos que possam constituir o fundamento da acção de investigação".

Deve referir-se, de todo o modo, que, para além de não suscitada pelas partes, a questão da conformidade constitucional do referido regime não assume, nesta acção, a relevância decisiva que poderia ter. É que, ao invés do que decorre da fundamentação do acórdão recorrido, acima reproduzida, entende-se que a excepção de caducidade deve improceder neste caso.

No que aqui importa, a redacção do art. 1817º do CC é a seguinte:

1. A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.

(…)

3. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:

(…)

b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.

(…)

4. No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção.

Assim, prevê-se no nº 1 um prazo geral durante o qual o investigante pode propor a acção de investigação de paternidade – 10 anos após a sua maioridade ou emancipação.

No caso, tendo o autor nascido em 00.00.1970, esse prazo de 10 anos já foi há muito ultrapassado.

Contudo, no nº 3 prevê-se um prazo especial para a propositura da acção, depois de já ter expirado o prazo regra de 10 anos fixado no nº 1. Tem por objecto situações que, pela sua particularidade, permitem que esse prazo seja ultrapassado: são "factos ou circunstâncias" que justificam objectivamente a investigação com vista ao estabelecimento da paternidade.

Nesta acção, o autor invocou a existência de três cartas, juntas a fls. 193 a 196, escritas pelo réu à mãe do autor, que "revelam uma relação amorosa e sexual entre a mãe do autor e o réu".

No acórdão recorrido, à semelhança do entendimento da sentença da 1ª instância, reconheceu-se que esses escritos do pretenso progenitor constituíam "circunstâncias justificativas da investigação", permitindo, portanto, a aplicação do prazo especial estabelecido na al. b) do nº 3 do art. 1817º.

Entendeu-se, porém, no acórdão recorrido, que era ao autor que incumbia o ónus da prova de que teve conhecimento desse facto menos de três anos antes da propositura da acção, o que o mesmo não logrou fazer, uma vez que, em consequência da alteração da matéria de facto decidida pela Relação, não se apurou a data em que o autor tomou conhecimento do teor dessas cartas e, assim, que esse conhecimento tenha ocorrido no Verão de 2013, como o mesmo havia alegado.

Todavia, não parece que este entendimento da Relação sobre a repartição do ónus da prova seja o mais correcto.

A questão, no fundo, consiste em saber se a propositura da acção dentro do prazo de 3 anos traduz um facto constitutivo do direito do autor, recaindo a respectiva prova sobre este; ou se essa propositura, passado esse prazo, constitui um facto extintivo, caso em que a prova impende sobre o réu (art. 342º, nºs 1 e 2, do CC).

Esta questão tem sido discutida, sobretudo, nas situações de cessação do tratamento do investigante como filho (parte final da al. b) do nº 3 do art. 1817º), questão que o legislador pretendeu resolver no nº 4 do mesmo artigo, mas mantendo (salvo no que respeita à desnecessária referência ao prazo de 3 anos) a redacção da versão anterior, que é incompreensível[4].

Deve prevalecer, porém, o entendimento que parece predominante, seguido, designadamente, por Guilherme de Oliveira[5] (na esteira da posição anteriormente perfilhada por Pereira Coelho):

"Pode repartir-se o ónus segundo as regras gerais, atribuindo-se ao autor a prova do facto constitutivo do seu direito de agir ao abrigo de um prazo especial – o tratamento – e atribuindo-se ao réu a prova do facto extintivo desse direito – o facto de o autor ter proposto a acção mais do que (três anos) sobre a cessação do tratamento".

É essa também a posição de Rodrigues Bastos[6], para quem a "solução parece estar de harmonia com o disposto no art. 342º, nº 2, visto tratar-se fundamentalmente da caducidade do direito de acção, além da maior facilidade da prova de um facto positivo. Já assim se vinha entendendo na jurisprudência".

No mesmo sentido se pronuncia Amorim Pereira[7], que se debruça desenvolvidamente sobre esta questão (face à redacção saída da Reforma de 1977), referindo que "é lícito defender-se que o disposto nos nºs 3[8] e 4[9] do artigo 1817º do Código Civil não constitui qualquer espécie de prorrogação legal do prazo estabelecido no nº 1 do mesmo artigo, regulando apenas desvios ao princípio geral, no caso de ocorrência de especiais situações impeditivas da utilização do prazo normal".

Acrescenta depois o mesmo Autor:

"É bem certo que, no caso de estar precludido o exercício do direito do autor em face da regra geral proclamada no nº 1 do art. 1817º, é ele que tem de alegar e provar alguma das excepções previstas nos números 3 e 4.

Tem de alegar e provar o tratamento; tem de alegar e provar a existência do escrito: factos que lhe abrirão a porta da excepção consagrada naqueles números.

Porém, não será exigível ao autor que alegue e prove que o direito de acção não caducou.

Na hipótese, por exemplo, da excepção do tratamento (…) haverá que distinguir entre a incerteza sobre o tratamento e a incerteza sobre a manutenção dos actos até certo momento.

Aquela funcionará contra o autor, posto que lhe atribui a carga da prova da existência de uma relação de tratamento que o inibiu de agir até ao limite do prazo estabelecido no nº 1 do art. 1817º; esta funcionará contra o réu, que tem o ónus da prova dos factos que integram a caducidade".

Parece-nos, com efeito, que o prazo fixado no nº 3 do art. 1817º não funciona propriamente como contra excepção da caducidade, face ao decurso do prazo regra previsto no nº 1; não diz respeito, nem estende ou prorroga este prazo, sendo autónomo dele, constituindo antes um prazo especial que depende de certos pressupostos próprios.

O "facto ou circunstância" justificativos da investigação podem ocorrer a todo o tempo, mas necessariamente após o decurso do prazo do nº 1 (se o "facto ou circunstância" apenas justificam ou permitem a investigação, sendo meramente habilitantes desta, não faria sentido invocá-los no decurso deste prazo, pelo menos para este efeito da caducidade).

O facto – o decurso do prazo de três anos – é extintivo, competindo a respectiva prova àquele contra quem a invocação do direito é feita, no caso ao réu, como decorre do disposto no art. 343º, nº 2, do CC (Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo já ter decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei[10]).

Entende-se, por conseguinte, que ao autor incumbe demonstrar a existência de facto ou circunstância que justifique a investigação; ao réu, por seu turno, compete provar que o autor teve conhecimento desse facto ou circunstância há mais de três anos, antes da propositura da acção.

No caso, ficou provada a existência dos escritos, tendo sido reconhecido, como se disse, que esses escritos constituíam factos justificativos da investigação. Incumbia, assim, ao réu demonstrar que o autor teve conhecimento dos escritos há mais de três anos, antes de instaurar a acção.

Não tendo conseguido fazer essa prova, a excepção de caducidade tem de improceder.

3. Afirma-se no acórdão recorrido que, a concluir-se em sentido diferente do que aí se decidiu sobre a excepção da caducidade, deveria então "ser negado o direito peticionado pelo autor por não se ter provado que é fruto das relações sexuais que o réu manteve com a sua mãe nos 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento".

Esta posição tem por pressuposto, como aliás aí se refere expressamente, que era sobre o autor que impendia o ónus da prova dos fundamentos da acção, entendendo-se que não havia fundamento para a inversão do ónus da prova, nos termos do art.  344º, nº 2, do CC; entendimento que se manteve, apesar da rectificação a que se procedeu, no acórdão complementar, aos factos nºs 5, 6, 10, 16 e 18, acima indicados.

É manifesto, parece-nos, que não se decidiu bem, dificilmente se compreendendo a irrelevância atribuída no acórdão complementar à referida rectificação.

Dispõe o art. 519º, nº 2, do CPC que, aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil.

Segundo esta disposição, há também inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (...).

Diz-nos Lebre de Freitas[11] que "o comportamento do recusante pode, mais drasticamente, determinar, quando verificado o condicionalismo do art. 344-2 do CC, a inversão do ónus da prova. Tal acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: art. 313-1CC; art. 364 CC), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos".

E, reportando-se concretamente às acções relativas à filiação, acrescenta:

"Tido em conta o dever de colaboração, não é legítima a recusa à realização dos exames hematológicos (art. 1801º CC); mas, tida em conta a tutela dos direitos de personalidade, não é admissível a execução coerciva desses exames, sem prejuízo de a recusa dever ser valorada em termos de prova, podendo mesmo, designadamente quando implique a impossibilidade de o autor fazer prova da filiação biológica, dar lugar à inversão do ónus da prova".

É idêntica a posição assumida por Lopes do Rego[12], referindo, no que toca à problemática dos exames hematológicos em acções de reconhecimento de paternidade:

"Para além da condenação em multa, se o exame se configurava como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando, consequentemente, a recusa do pretenso pai a verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica (por exemplo, em consequência de, no caso concreto, inexistirem meios probatórios que a possam demonstrar indirectamente) – deverá aplicar-se o preceituado no nº 2 do art. 344º, presumindo-se a paternidade e passando a incumbir ao recusante o ónus de criar «dúvidas sérias» sobre ela".

Essa conduta do recusante, sublinha o mesmo Autor, "configura-se seguramente como culposa, na medida em que o tribunal haja considerado insubsistentes as razões pretensamente invocadas para se subtrair ao exame, qualificando, deste modo, a recusa como «ilegítima»[13].

Tem sido por vezes defendido que a situação descrita de recusa não é subsumível na previsão do art. 344º nº 2, uma vez que ela não impede ou preclude a demonstração indirecta do vínculo biológico, através da prova testemunhal.

Todavia, como acentua Freitas Rangel[14], esse argumento não colhe, na medida em que, "com a recusa, o autor viu-se privado de recorrer à prova directa, por meios científicos, da procriação biológica que fica irremediavelmente afastada com a recusa de cooperação do réu".

Acrescenta o mesmo Autor que o regime previsto no art. 344º, nº 2, "não pressupõe que o único meio de prova idóneo para a demonstração de determinado facto seja o inviabilizado pela conduta culposa da parte. Basta que se trate de meio de prova de especial relevância, isto é, que só por si fosse idóneo para garantir a procedência da acção".

Pode, pois, concluir-se que se o investigado, com a sua recusa, ilegítima[15] – de se submeter a exame laboratorial susceptível de fornecer prova directa da filiação biológica[16] – inviabiliza a prova desta filiação, deve, por aplicação do art. 344º nº 2, inverter-se o ónus da prova, passando a parte que impossibilitou a prova a ficar onerada com a demonstração da não verificação daquele facto[17].

No caso, o réu não compareceu no IML nas várias[18] marcações efectuadas para a realização do exame hematológico, tendo justificado, por doença, apenas a primeira falta. Foram-lhe aplicadas multas e, na notificação da última marcação, foi expressamente advertido de que a falta de comparência faria "operar a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no art. 344º, nº 2 do Código Civil".

Foi depois proferido despacho em que se concluiu:

"Face ao exposto, tendo em conta a postura do réu ao longo do tempo, impedindo que seja levado a cabo exame pericial que facilmente determinaria se é ou não o pai biológico do autor, conclui-se que o réu culposamente tornou impossível a prova ao onerado pelo ónus, o autor.

Assim, determino a inversão do ónus da prova nos termos do disposto no artigo 344º, nº2, do Código Civil, cabendo ao réu provar que não é pai do autor (…), devendo o réu provar a versão negativa da plasmada nos temas de prova, caso a prova produzida nos autos se venha a revelar insuficiente para determinar a procedência da acção".

Esta decisão não motivou qualquer reacção das partes (pelo menos, pelo que decorre do suporte físico do processo) e, tendo em conta a respectiva fundamentação, também nos parece inteiramente justificada, não merecendo qualquer censura.

Com efeito, não se descortinam razões que justifiquem a falta de comparência do réu ao exame, que, aliás, como é sabido e se fosse esse o obstáculo, nem teria de ser efectuado com base em amostras de sangue (apesar de ser suficiente uma simples picada para este efeito), podendo incidir sobre outro material biológico (unhas, cabelo, saliva)[19].

Assim, a não comparência injustificada do réu ao exame é, no circunstancialismo provado, culposa e ilegítima, tenho tornado impossível a prova directa do facto da procriação biológica.

Realce-se, por outro lado, que, conforme decisão proferida pela Relação no âmbito da impugnação da decisão de facto, o autor não logrou provar a coabitação causal entre a sua mãe e o réu. Ficou, deste modo, inviabilizada a prova indirecta, através do recurso a presunções naturais ou judiciais, com base na demonstração da existência de relações de sexo entre a mãe do autor e o réu no período legal de concepção.

Neste contexto, a recusa do réu em submeter-se a exame impossibilitou a prova directa da procriação biológica, que era, em concreto, o único meio de demonstrar esse facto, face à falência da prova indirecta através de testemunhas.

Deve, pois, operar a inversão do ónus da prova, nos termos acima expostos, pelo que impendia sobre o réu a prova de que o autor não é fruto de relações de sexo entre o réu e a mãe do autor e, assim, que este não é filho daquele.

Prova que o réu não logrou efectuar, como decorre da decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo a dúvida sobre a realidade desse facto ser resolvida contra si (art. 414º do CPC).

Esse non liquet em termos de prova deve ser resolvido por um liquet desfavorável ao réu, onerado com a prova.

Procedem, assim, as conclusões do recurso.

V.

Em face do exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido, para ficar a subsistir, repristinando-se, a sentença da 1ª instância.

Custas da apelação e da revista a cargo do réu.

Lisboa, 03 de setembro de 2017

Pinto de Almeida – Relator

Júlio Gomes

José Rainho

_______________________________________________________
[1] Proc. nº 737/13.4TBMDL.G1.S1
F. Pinto de Almeida (R. 175)
Cons. Júlio Gomes; Cons. José Rainho
[2] Há aqui lapso do acórdão, uma vez que a acção foi proposta em 13.12.2013.
[3] No mesmo sentido, entre muitos outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 309/2016 e 424/2016, todos em tribunalconstitucional.pt.
No Supremo essa posição é também francamente predominante – cfr., de entre os mais recentes, os Acórdãos de 17.11.2015, de 23.06.2016, de 08.11.2016, de 02.02.2017, de 09.03.2017 e de 04.05.2017, encontrando-se, em sentido contrário, o Acórdão de 31.01.2017. Estes Acórdãos, como os demais deste Tribunal adiante citados, estão acessíveis em www.dgsi.pt..
[4] Na verdade, se o ónus da prova pertence ao réu, como decorre da norma, este teria de demonstrar que não tratou o investigante como filho nos três anos anteriores à propositura da acção (e não, como está no preceito, "incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção"); se aquele ónus impende sobre o autor, então seria a este (e não ao réu, como consta da norma) que compete a "prova da cessação do tratamento nos três anos anteriores". Cfr. Guilherme Oliveira, Curso de Direito da Família (Pereira Coelho-Guilherme Oliveira), Vol. II, Tomo I, 246.
[5] Ob. Cit., 245.
[6] Notas ao Código Civil, Vol. VII, 30.
[7] A preclusão do direito de accionar nas acções de investigação de paternidade – ROA 1988, 143 e segs.
[8] Na referida redacção o nº 3 previa a existência de escrito.
[9] Na aludida redacção o nº 4 previa a existência de tratamento como filho.
[10] Para Rita Lynce Faria, esta norma vem "qualificar a caducidade do direito de propor a acção como um facto extintivo" (…). "Apesar de ser sustentável que o não decurso do prazo de caducidade seja configurado como facto constitutivo do direito do autor, parece ter sido determinante para a opção do legislador a questão da extrema dificuldade da prova de factos negativos. Para o autor seria extremamente difícil demonstrar que não teve conhecimento de certo facto em momento algum antes de determinada data enquanto para o réu será mais fácil demonstrar que num determinado momento concreto o autor já tinha conhecimento do facto" – Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 815.
[11] Código de Processo Civil Anotado, Vol.2º, 2ª ed., 440. Também em Código Civil Anotado (coordenação de Ana Prata), Vol. I, 427 e 428.
[12] Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 454.
[13] O ónus da prova nas acções de investigação de paternidade: prova directa e indirecta do vínculo da filiação, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, Vol. I, 787.
[14] O Ónus da Prova no Processo Civil, 301. Ainda no mesmo sentido, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, 3ª ed., 81.
[15] Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 322.
[16] Sobre esta possibilidade, segundo entendimento actualmente pacífico, face ao disposto no art. 1801º do CC e por interpretação restritiva do Assento do STJ nº 4/83, de 21/6, cfr. Guilherme de Oliveira, Ob. Cit., 219 e Temas de Direito de família, I, 209 e segs e Lopes do Rego, O ónus da prova…cit, 782; entre outros, os Acórdãos do STJ de 06.05.2003 e de 31.01.2017.
[17] Neste sentido, para além dos Autores citados, os Acórdãos do STJ de 06.02.2003, de 23.09.2008, de 02.02.2010, de 23.02.2012 e de 17.05.2016.
[18] Nos factos provados contam-se cinco; segundo a prova documental constante dos autos terão sido sete.
[19] Cfr. Paula Costa e Silva, A realização coerciva de testes de ADN em acções de estabelecimento da filiação, em Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel Magalhães Collaço, Vol. II, 577 e segs.