Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
448/06.7TCLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
ENRIQUECIMENTO ILEGÍTIMO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I - De acordo com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art.º 71.º do CPP).

II – Por força desta norma legal e da que se lhe segue, a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual [pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual] e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa.

III - Do mesmo modo, uma vez deduzido o pedido cível conexo com o criminal, se o arguido vier a ser absolvido da prática do crime imputado, a sentença condena o arguido em indemnização civil, nos termos do art.º 377.º, n.º 1, do CPP, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º, isto é, do juiz remeter as partes para os meios comuns).

IV - Como se vê, mesmo no caso de absolvição penal, a lei delimita o âmbito da condenação no pedido cível à indemnização civil, confirmando e até reforçando a norma respeitante à propositura da acção.

V - Nem podia ser de outro modo: se a causa de pedir é [necessariamente] a responsabilidade civil extracontratual, a decisão final não pode deixar de nela se fundar, tanto mais que no domínio do processo civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, rege o princípio de que a sentença não pode ultrapassar o âmbito do pedido (“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” – art.º 661.º do CPC).

VI - Neste sentido já se pronunciou o STJ pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/99, in DR I-A, de 3 de Agosto de 1999, onde se estabeleceu que «Se em processo penal for deduzido pedido civil que tenha por fundamento um facto ilícito criminal e se verificar absolvição do arguido (art.º 377.º, n.º 1, do CPP), este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual».

VII - O enriquecimento sem causa não implica uma «indemnização» (art.ºs 562.º a 572.º do CC), mas a «restituição daquilo com que [o enriquecido] injustamente se locupletou» (art.º 473.º, n.º 1, do CC), sendo que «a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quando se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente» (art.º 479.º, n.º 1).

VIII - Não havendo na situação de enriquecimento sem causa, assim, lugar a uma «indemnização» (salvo em momento subsequente, nos termos do art.º 480.º do CC), a condenação com base em tal fundamento não cabe no âmbito do pedido cível conexo com o criminal, mesmo no caso de absolvição penal, pois a mesma condenação reveste sempre uma natureza indemnizatória.

IX - Por outro lado, não se aplicam ao enriquecimento seu causa as regras cíveis da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente as que dizem respeito ao dolo, mera culpa ou risco, conforme os art.ºs 483.º e segs. do CC, para onde remete o art.º 129º do CP (“A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei Civil”). O enriquecimento sem causa é antes regulado pelos art.ºs 473.º a 482.º daquele Código e verifica-se, exactamente, para os casos em que não há responsabilidade civil.

XI - Em conclusão, o art.º 377.º, n.º 1, do CPP, reporta-se tão só à condenação por responsabilidade civil extracontratual, com exclusão de qualquer outra fonte geradora de obrigações.

Decisão Texto Integral: