Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5437/16.0T8MAI-A.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
LEGITIMIDADE
CASO JULGADO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
QUESTÃO NOVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
MORA
INTERPELAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
USURA
LIVRANÇA
PREENCHIMENTO ABUSIVO
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. — A decisão interlocutória que julga improcedente a excepção de ilegitimidade não pode ser objecto de recurso de apelação autónomo.
II. — Quando o teor das alegações de recurso de apelação revela a impugnação de decisão interlocutória que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade, não chega a formar-se caso julgado sobre a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


  1. Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na Avenida João XXI, nº 63, Lisboa, intentou execução ordinária para pagamento de quantia certa contra AA, com domicílio na Rua …, …, Maia, e BB, com domicílio na Rua …, …, Maia, com base em escritura pública de mútuo com hipoteca, outorgada em 28 de Janeiro de 2002.

 2. Os Executados AA e BB deduziram embargos de executado, pedindo,:

   I. — que os embargos de executado fossem julgados procedentes; II. — que a execução fosse extinta; III. — que a Exequente fosse condenada como litigante de má-fé em multa, a pagar aos embargantes em montante não inferior a € 10.000,00 (dez mil euros).

 3. A Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., contestou, pugnando pela improcedência dos embargos deduzidos e pela condenação dos Executados como litigantes de má-fé em multa, a liquidar a final.

4. O Tribunal de 1.ª instância julgou os embargos improcedentes.

 5. Inconformados, os Executados interpuseram recurso de apelação.

6. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - Os Embargantes que viram ser julgados improcedentes por não provados os seus embargos de executado têm legitimidade para apresentação de recurso de apelação.

II - A execução foi preenchida com base num título designado por “escritura”, ou seja, aparenta ser dada á execução uma escritura pública de compra e venda de mútuo com hipoteca.

III - Nos termos do artigo 53.º do CPC é parte legítima para a demanda executiva aquele que figura no título como exequente e executado, sendo que é o título que delimita a legitimidade das partes processuais.

IV - Tendo a Exequente preenchido o requerimento executivo com base num título executivo que é um mútuo com hipoteca, serão partes legítimas aqueles que figurem no título como credor (ou seja a Caixa Geral de Depósitos) e como devedor (ou seja a Sra. D. AA).

V - A Execução foi movida contra mais um executado que não figura no título como devedor.

VI - A Exequente ao tentar configurá-lo como um terceiro, nos termos do artigo 54.º do CPC, teria que provar a titularidade de um direito de propriedade sob o referido imóvel.

VII - O titular de um direito de uso e habitação não é um terceiro nos termos do artigo 54.º do CPC porquanto apenas tem um direito real menor, de gozo, sob a coisa, nos termos do artigo 1484.º do Código Civil.

VIII - Ao existir cumulação de títulos executivos tal deverá ser colocado no formulário citius, prevalecendo, sempre, o que neste formulário é aposto.

IX - Ao constar no formulário citius que o título executivo dado à execução é uma escritura pública não poderá, nessa mesma execução, ser executado outro título que nenhuma relação ou ligação tenha com a causa.

X - As livranças dadas à execução não têm nenhuma ligação com a escritura de mútuo com hipoteca.

XI - As livranças dizem respeitam a uma relação jurídica material que envolve uma sociedade comercial por quotas nas quais os demandados avalizaram a mesma.

XII - Não existe, assim, qualquer relação de litisconsórcio necessário ou voluntário, pelo que não poderá ser admitida a cumulação de títulos na mesma execução.

XIII - Ao não existir qualquer coligação, por ilegal, nem mesmo uma relação de litisconsórcio entre a pluralidade de executados, não poderá ser admitida uma execução com base em títulos diferentes.

XIV - A cumulação de execuções contra vários devedores, no caso de títulos diferentes, só pode acontecer no caso de litisconsórcio passivo.

XV - Os factos 7, 8, 9 11, 12, 13, 14, 15, 16, 26, 28, 29, 30, 40 encontram-se incorretamente julgados em função dos depoimentos prestados em julgamento, e nestas alegações transcritos, bem como de toda a prova documental existente nos autos.

XVI - Atendendo a toda a prova existente nos autos, bem como aos depoimentos:

— Declarações de parte do Embargante BB Minuto 00:16:08 até 00:45:55; Declarações de parte da Embargante AA Minuto 01:02:30 até 01:04:07 e Testemunha CC Minuto 00:14:41 até 00:28:00.

XVII - Assim:

XVIII - Deverá ser dado como não provado que “7. Em Janeiro de 2013, o referido empréstimo tinha prestações em atraso – prestações para o reembolso do capital e juros vencidas e não pagas – desde 28.08.2009, ou seja, das 132 prestações do empréstimo vencidas até Janeiro de 2013 a embargante tinha pago apenas 91 prestações, estando em atraso, nessa altura, 41 prestações mensais”.

XIX - Deverá ser dado como não provado que:“13. Em Fevereiro de 2013, a embargante devia à embargada a quantia global de 176.565,77€, sendo 154.255,29€ a título de capital vencido e vincendo, 21.262,82€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos, e, 1.047,65€ a título de comissões contratuais”.

XX- Deverá ser dado como não provado que: “14. Os embargantes conheciam a situação de incumprimento, os valores em dívida, bem como conheciam a iminência do procedimento executivo”.

XXI - Conforme os depoimentos dos Recorrentes, já supra transcritos nas partes que nos interessam, deverá ser dado como não provado, em conjugação com a prova documental, que:“15. A Embargante depois da receção da última interpelação, para evitar o recurso aos tribunais, fez, entre Abril de 2013 e Maio de 2015, depósitos regulares na conta da embargante com vista à reestruturação de todas as suas responsabilidades, reestrutução que solicitaram à exequente e esta aceitou proceder ao estudo da sua viabilidade e dos seus termos”.

XXII - Terá que ser dado como não provado que:“16. As entregas efetuadas foram aplicadas no pagamento parcial das responsabilidades vencidas (capital vencido, juros, comissões), nos termos e como melhor resulta do extrato do empréstimo”.

XXIII - Deverá ser dado como não provado que: “26. A referida situação do empréstimo, à data de 9.03.2016, reflete todas as entregas efetuadas até Maio de 2015 (data do último pagamento) e era conhecida pelos embargantes”.

XXIV - Deverá ser dado como provado que: “30. No documento complementar, cláusula 12.ª da escritura pública de mútuo com hipoteca (doc. 1 junto com o requerimento executivo), ficou reconhecido à exequente, credora, o direito de “considerar vencido o empréstimo se o imóvel for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir com alguma das obrigações deste contrato”.

XXV - Atendendo a toda a documentação existente nos autos – principalmente junta pela própria Recorrida e da sua autoria – constituindo prova plena leva a que deva ser julgado como provado que: “40. A garantia bancária foi denunciada por carta e a pedido da exequente para a beneficiária de 27.07.2012”.

XXVI - A sentença que omita o seu conhecimento acerca as questões suscitadas pelas partes é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

XXVII - O Tribunal a quo ao olvidar o conhecimento da questão da falta de resolução contratual suscitada pelos Recorrentes, leva a que a sentença seja nula.

XXVIII - O Tribunal a quo ao olvidar o conhecimento da questão de falta de fundamentação para qualquer resolução contratual, leva a que a sentença seja nula.

XXIX - O Tribunal a quo ao olvidar teor dos documentos da Recorrida onde, até 2015, reconhecem não existir abatimento das 33 prestações em termos extrajudiciais e considerando que os valores interpelados são os mesmos interpelados judicialmente este abatimento das 33 prestações continua sem existir, incorre, também, em omissão de pronúncia.

XXX - O Tribunal que não conheça das questões de falta de exigibilidade e liquidez do título executivo suscitadas nos embargos, omite, necessariamente, a sua pronúncia.

XXXI - Ao não conhecer da existência (ou não) de mora o Tribunal viola os seus deveres, inquinando a sentença que proferir.

XXXII - As questões de incumprimento definitivo ou falta dele, bem como a nulidade das cláusulas contratuais gerais vertidas no contrato, de conhecimento oficioso e suscitadas em audiência de julgamento após o depoimento de parte da Recorrente e do Recorrente, são de cariz obrigatório no que ao conhecimento do Tribunal respeitam.

XXXIII - Ao serem suscitadas questões de usura quanto a valores relativos a juros e comissões o Tribunal a quo tem que emitir o seu conhecimento.

XXXIV - O Tribunal a quo olvidou a litigância de má-fé suscitada na medida em que apenas foi reclamado em INSOLVÊNCIA (e não em PER) o valor de 18.000,00, o que tinha obrigação de conhecer.

XXXV - Ao olvidar a inexistência de um contrato de crédito datado de 1999 com garantia a livrança que foi dada à execução como garantia desse suposto contrato – o que determina o seu preenchimento abusivo – incorre em omissão de pronúncia.

XXXVI - Ao ignorar o conhecimento da falta de resolução contratual bem como a falta de chegada ao conhecimento dos destinatários, além de ignorar, cabalmente, as constantes renegociações e declarações reptícias que não se coadunam com a intenção de desvinculação contratual definitiva, incorre o Tribunal em omissão de pronúncia.

XXXVII- Ao existirem documentos da autoria de uma das partes juntos aos autos, não impugnados, o mesmo consubstanciam documentos com força plena que têm em si declarações confessórias, pelo que deverá ser alvo de pronúncia e ponderação jurisdicional,

XXXVIII - Ao serem ignorados, designadamente atendendo a que comprovam o cancelamento da livrança e solicitação de devolução do original, o que ditaria uma condenação manifestamente diferente, o tribunal a quo omite a sua pronúncia.

XXXIX - A inexistência de resoluções contratuais, a inexistência de fundamento para a subsistência de qualquer contrato (por cancelamento de garantias), a falta de resolução, a falta de exigibilidade dos títulos são, essas, questões levadas ao poder do julgador e que o mesmo tem, obrigatoriamente, que promover e tecer indagação jurídica,

XL - O que, não o fazendo, inquina a sentença proferida com nulidade.

XLI - A sentença que se baseia num extrato de 2018, junto e elaborado dois anos após a entrada de um requerimento executivo, fazendo nele fé, olvidando os argumentos e provas juntas pelos Executados leva a que se suscite a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP.

XLII - Há erro de julgamento quando o julgador ignora o conteúdo e teor do requerimento executivo bem como os extratos juntos, onde se demonstra, cabalmente, uma ausência de valoração de qualquer liquidado valor após 2009 e, ainda assim, se venha a considerar que os 33 pagamentos realizados pelos embargantes foram, nesse, deduzidos.

XLIII - Há erro de julgamento quando da ponderação de todas as provas se infere, sem dúvidas, que não existiu nem resoluções nem fundamentos de resolução para a execução dos títulos e, ainda assim, o tribunal determine a prossecução da execução.

XLIV - Há erro grosseiro de julgamento quando existe uma livrança preenchida com a data de 1999 quando, nessa data, nenhuma livrança garantiu nenhum contrato.

XLV - Há erro grosseiro de julgamento quando se admite a exequibilidade e liquidez de uma livrança que é garantia de um contrato de 2013 e é preenchida co um número e data diferentes dos que constam do pacto de preenchimento.

XLVI -. Há erro de julgamento quando a Caixa Geral de Depósitos junta aos autos documentos que comprovam o cancelamento da livrança e devolução da garantia e, ainda assim, o tribunal admite a execução de uma livrança cancelada ( e provada por prova plena, confessória e não impugnada).

XLVII - O mútuo com hipoteca outorgado por escritura pública apenas goza de força probatória plena relativamente aos factos presenciados pela entidade vg Notário

XLVIII - O Documento Complementar à escritura pública onde constam as cláusulas contratuais gerais, não tendo sido presenciado pela entidade que certifica a autenticidade da força pública, não goza de força probatória plena.

XLIX - As cláusulas contratuais gerais não negociadas, não informadas, não explicadas ou comunicadas aos devedores são nulas, sendo esta nulidade de conhecimento oficioso.

L - A nulidade das cláusulas leva à sua ineficácia, não podendo existir a produção de efeitos jurídicos, nos termos do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

LI - Ao existir uma cláusula que indica que é permitido à credora o considerar do mútuo vencido quando exista alienação, não se poderá confundir o vencimento do empréstimo com o incumprimento definitivo.

LII - A doação do uso e habitação configura, nos termos do direito, um mero direito real de gozo menor que não se confunde com nenhuma transmissão da propriedade e, como tal, uma cláusula que indica que a mutuante tem o direito de considerar vencido o empréstimo em caso de alienação da propriedade não fica preenchida com a doação do uso e habitação.

LIII - Uma entidade mutuante que renegoceia e exige pagamentos, fixando uma nova prestação mensal, não pode contabilizar juros de mora e comissões à mutuária.

LIV - Ao existir o pagamento durante o período de 2010 a 2015 de 33 prestações, a solicitação da Recorrida, por negociação do empréstimo, não poderá considerar-se a existência de mora.

LV - A mora, a existir, será na esfera jurídica do credor, porquanto a formalização da renegociação apenas se deveu à sua inércia temporal onde durante 5 anos exigiu novos pagamentos sem formalizar, por escrito e em pública forma, o novo contrato renegociado.

LVI - As missivas relativas à renegociação, porque plasmam declarações recetícias com proposta seguida de aceitação, levam a que ambas as partes tivessem firmado um novo acordo e alteração do empréstimo pelo que não é admissível que, agora, se considere as mesmas como um teste experimental para um novo empréstimo: não houve qualquer novo empréstimo mas, antes, uma renegociação.

LVII - O título executivo deve ser líquido não se podendo os bancos (vg. Entidades bancárias) bastarem-se com a mera remissão para o contrato, não liquidando ou explicando, minuciosamente, os cálculos liquidados no requerimento executivo.

LVIII - Não existindo resolução contratual do contrato de mútuo nem, sequer, fundamento de resolução, a ação executiva está inquinada por o título não conter uma obrigação que é certa, líquida e exigível.

LIX - Existindo pacto de preenchimento das livranças os avalistas têm, intervindo nesse pacto, legitimidade para se opor ao seu preenchimento.

LX - O pacto de preenchimento da livrança cristaliza a sua obrigação e não leva a que possa ser acionada uma via executiva sem resolução ou interpelação.

LXI - Acionando-se a via executiva sem interpelação aos avalistas e sem resolução comunicada à devedora principal e aos avalistas, sem sequer haver prova da chegada ao conhecimento dos mesmos, existe uma notória violação do pacto de preenchimento.

LXII - Há preenchimento abusivo da livrança quando, esta sendo dada ao contrato em 2013, venha a ser preenchida com uma data de 1999.

LXIII - Ao existir cancelamento de uma livrança a mesma não pode ser acionada, porquanto o cancelamento opera pela própria entidade bancária e há devolução da mesma.

LXIV - Ao ser reclamado em processo de insolvência um valor à devedora principal de 18.000,00 euros é este valor que terá que ser exigido aos avalistas, porquanto a obrigação destes acompanha, sempre, a obrigação principal.

LXV - Com a sentença recorrida violaram-se os artigos 13.º da CRP, 224.º, 236.º, 334.º, 371.º, 405.º, 406.º, 539.º, 543.º, 781.º e ss., 800.º e ss., 813.º, 818.º, 1484.º, 1485.º, do Código Civil e 27.º, 30.º, 32.º, 36.º, 53.º, 54.º, 56.º, 607.º, 703.º, 709.º, 713.º e ss. do CPC, 7.º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 22.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, 10.º, 77.º e 75.º da LULL.

DO PEDIDO

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exas. que admita a presente apelação e, em consequência:

i) Se declare a nulidade da sentença como supra arguido;

ii) Se Revogue a sentença proferida, substituindo-a por outra que fique em conformidade com o direito, ou seja, absolvendo-se os Recorrentes nos estritos termos peticionados, fazendo, assim, V/ Exas. A INTEIRA E HABITUAL JUSTIÇA!

 7. A Exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

 8. O Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

 9. Inconformados, os Executados interpuseram recurso de revista.

 10. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

I - Ao confirmar a decisão proferida pela primeira instância, o Tribunal da Relação profere uma decisão de dupla conforme.

II - As decisões de dupla conforme podem ser alvo de pronúncia por uma terceira instância, sempre subscritas a matéria de direito, quando preencham os requisitos legais de admissibilidade.

III - Em caso de existência de preenchimento dos pressupostos do artigo 672.º do Código de Processo Civil pode ser admissível a revista excepcional.

IV - Ainda que o recurso de revista não seja admissível é sempre admissível arguição de nulidades relativas ao acórdão proferido.

V - O acórdão que entre em contradição e excesso de pronúncia é nulo.

VI - Ao indicar que, como foi circunscrito no requerimento executivo, a dita celebração de um uso e habitação não seria fundamento de resolução contratual, por não configurar nenhuma alienação (teor do clausulado) e, mesmo assim, deduzir que se a Recorrente não tivesse liquidado sempre haveria fundamento de resolução, está o Tribunal a quo em contradição e excesso de pronúncia.

VII - O acórdão que exceda a sua pronúncia, conhecendo mais do arguido e subsumível ao seu conhecimento, é nulo nos termos do 615.º n.º1 c) e d) do CPC.

VIII - O recurso de revista excepcional deverá ser admitido e conhecido pelo facto de a questão cuja apreciação se requer tem, em si mesma, relevância jurídica que se traduz num contributo inegável para uma melhor aplicação do direito, conforme o possibilita o artigo 672.º n.º1 alínea a) do CPC.

IX - Uma aplicação do direito que é autónoma e independente às partes envolvidas, zelando-se, sim, antes, pela aplicação de um efeito preventivo e reparador.

X - Ao existir uma cumulação de títulos executivos diversos e cuja identidade das partes não existe, não configurando qualquer litisconsórcio voluntário ou necessário, é uma questão essencial de direito aferir se esta cumulação é legítima, lícita e admissível.

XI - Além disso, o facto de essa cumulação de títulos, onde não existe sequer identidade em quem figura como parte legítima nos mesmos, resultar numa condenação global a todos os executados do pagamento de valores de títulos que nem sequer têm, consigo, qualquer relação: ou seja, são exteriores ao título e vêm, mesmo assim, a ser condenados resulta, naturalmente, numa questão de direito essencial.

XII - Ao fundamentar a questão de direito suscitada, verificando-se que a mesma é essencial quer ao nível de relevância social, quer ao nível de relevância jurídica parece-nos por de mais evidente que a relevância está verificada e que terá que ser este terceiro grau de jurisdição a reestabelecer a justiça, paz social e legalidade, preenchendo-se a alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC.

XIII - Ao falarmos de cláusulas contratuais gerais inseridas em contratos particulares, designadamente num mútuo com hipoteca, estamos a remontar à tutela do direito do consumidor, da Recorrente AA que compra um imóvel para habitação própria (uso pessoal do imóvel) e que tem tutela constitucional (artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa).

XIV - Ora, nessa medida, a relevância social do presente processo é evidente, sendo que as questões que se suscitam, designadamente da nulidade das cláusulas contratuais gerais, se afiguram com essencialidade e relevância social, merecendo, portanto, a tutela do Supremo Tribunal de Justiça.

XV - Na alínea c) do n.º1 do artigo 672.º do CPC temos a garantia da uniformidade jurisprudencial e da certeza na aplicação do direito quando exista contradição entre o acórdão proferido pelo Tribunal a quo e qualquer acórdão proferido quer por uma Relação quer, ainda, pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça.

XVI - O Acórdão recorrido ao desvalorizar que a cumulação de títulos executivos é ilegal viola e está em contradição com o Ac. proferido pelo TRG datado de 28 de Setembro de 2015 e cujo relator é ANTÓNIO MAGALHÃES, onde se sumariou, expressamente, que: 1- Não é admissível a cumulação de execuções contra vários executados, fundadas em títulos diferentes se não existir uma relação de litisconsórcio, o que pressupõe uma unidade de obrigação, a que corresponde do lado passivo uma unidade ideal de devedor.

XVII - O ACÓRDÃO RECORRIDO entra em CONTRADIÇÃO com o Acórdão fundamento, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 16 de Novembro de 2017 e cujo relator é Pedro Damião e Cunha, porquanto entendeu que os pressupostos das livranças, cujas datas não coincidem com os pactos, estavam cumpridos, sendo consideradas livranças exigíveis e líquidas, ao arrepio do entendimento sufragado pelo referido acórdão.

XVIII - Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.09.2017 ficou sumariado que: Mas a questão do abuso de direito nem sequer se deve colocar, pois que a exclusão das CCG, imposta pelo art. 8 da LCCG, resulta de uma inexistência jurídica, que é um vício mais grave que a nulidade. Sendo a nulidade de conhecimento oficioso (art. 286 do CC), também a inexistência o deve ser. Pelo que, mesmo que os aderentes não opudessemfazer, sempreojuizpoderiaedeveria excluir as CCG “desconhecidas”.

XIX - Assim, o acórdão recorrido ao indicar que o conhecimento de uma questão de direito depende da alegação das partes, o que é contrário ao princípio previsto no artigo 5.º do CPC, vai em contradição com este acórdão fundamento proferido pelo TRL na  medida em que as cláusulas contratuais gerais são de conhecimento oficioso, bem como a sua declaração de nulidade.

XX - Sem prescindir, ainda, do cancelamento de títulos executivos, vg. livranças, resultar numa extinção da obrigação exequenda e, ainda assim, esse título vir a ser fundamento judicial para propositura de uma acção executiva, já cancelado, e resultar na condenação de executados ao seu pagamento é, naturalmente, uma questão de relevância não só de direito (sendo evidentemente essencial) como, também, uma questão social.

XXI - Nessa medida, incumbindo aos ora Recorrentes o ónus de especificação e fundamentação da razão de ser da questão de direito suscitada ser essencial quer ao nível de relevância social, quer ao nível de relevância jurídica parece-nos por de mais evidente que a relevância está verificada e que terá que ser este terceiro grau de jurisdição a reestabelecer a justiça, paz social e legalidade, preenchendo-se a alínea a) do n.º1 do artigo 672.º do CPC.

XXII - A execução foi preenchida com base num título designado por “escritura”, ou seja, aparenta ser dada á execução uma escritura pública de compra e venda de mútuo com hipoteca.

XXIII - Nos termos do artigo 53.º do CPC é parte legítima para a demanda executiva aquele que figura no título como exequente e executado, sendo que é o título que delimita a legitimidade das partes processuais.

XXIV - Tendo a Exequente preenchido o requerimento executivo com base num título executivo que é um mútuo com hipoteca, serão partes legítimas aqueles que figurem no título como credor (ou seja a Caixa Geral de Depósitos) e como devedor (ou seja a Sra. D. AA).

XXV - A Execução foi movida contra mais um executado que não figura no título como devedor.

XXVI - A Exequente ao tentar configurá-lo como um terceiro, nos termos do artigo 54.º do CPC, teria que provar a titularidade de um direito de propriedade sob o referido imóvel.

XXVII - O titular de um direito de uso e habitação não é um terceiro nos termos do artigo 54.º do CPC porquanto apenas tem um direito real menor, de gozo, sob a coisa, nos termos do artigo 1484.º do Código Civil.

XXVIII - Ao existir cumulação de títulos executivos tal deverá ser colocado no formulário citius, prevalecendo, sempre, o que neste formulário é aposto.

XXIX - Ao constar no formulário citius que o título executivo dado à execução é uma escritura pública não poderá, nessa mesma execução, ser executado outro título que nenhuma relação ou ligação tenha com a causa.

XXX - As livranças dadas à execução não têm nenhuma ligação com a escritura de mútuo com hipoteca.

XXXI - As livranças dizem respeitam a uma relação jurídica material que envolve uma sociedade comercial por quotas nas quais os demandados avalizaram a mesma.

XXXII - Não existe, assim, qualquer relação de litisconsórcio necessário ou voluntário, pelo que não poderá ser admitida a cumulação de títulos na mesma execução.

XXXIII - Ao não existir qualquer coligação, por ilegal, nem mesmo uma relação de litisconsórcio entre a pluralidade de executados, não poderá ser admitida uma execução com base em títulos diferentes.

XXXIV - A cumulação de execuções contra vários devedores, no caso de títulos diferentes, só pode acontecer no caso de litisconsórcio passivo.

XXXV.- A decisão que omita o seu conhecimento acerca as questões suscitadas pelas partes é nula por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

XXXVI.- As conclusões dos recursos permitem ao Tribunal ad quem delimitar o seu conhecimento.

XXXVII.- Caso o Tribunal de recurso ignorar e omitir o seu conhecimento quanto a todas as conclusões redigidas incorre em nulidade por omissão de pronuncia.

XXXVIII - O Tribunal ao olvidar teor dos documentos da Recorrida onde, até 2015, reconhecem não existir abatimento das 33 prestações em termos extrajudiciais e considerando que os valores interpelados são os mesmos interpelados judicialmente este abatimento das 33 prestações continua sem existir, incorre, também, em omissão de pronúncia.

XXXIX - As questões de incumprimento definitivo ou falta dele, bem como a nulidade das cláusulas contratuais gerais vertidas no contrato, de conhecimento oficioso e suscitadas em audiência de julgamento após o depoimento de parte da Recorrente e do Recorrente, são de cariz obrigatório no que ao conhecimento do Tribunal respeitam.

XL - Ao serem suscitadas questões de usura quanto a valores relativos a juros e comissões o Tribunal a quo tem que emitir o seu conhecimento.

XLI - Ao olvidar a inexistência de um contrato de crédito datado de 1999 com garantia a livrança que foi dada à execução como garantia desse suposto contrato – o que determina o seu preenchimento abusivo – incorre em omissão de pronúncia.

XLII - Ao ignorar o conhecimento da falta de resolução contratual bem como a falta de chegada ao conhecimento dos destinatários, além de ignorar, cabalmente, as constantes renegociações e declarações reptícias que não se coadunam com a intenção de desvinculação contratual definitiva, incorre o Tribunal em omissão de pronúncia.

XLIII - Ao existir em documentos da autoridade uma das partes juntos aos autos, não impugnados, os mesmos consubstanciam documentos com força plena que têm em si declarações confessórias, pelo que deverá ser alvo de pronúncia e ponderação jurisdicional.

XLIV - Pelo que, ao serem ignorados, designadamente atendendo a que comprovam o cancelamento da livrança e solicitação de devolução do original, o que ditaria uma condenação manifestamente diferente, o tribunal a quo omite a sua pronúncia.

XLV - A inexistência de resoluções contratuais, a inexistência de fundamento para a subsistência de qualquer contrato (por cancelamento de garantias), a falta de resolução, a falta de exigibilidade dos títulos são, essas, questões levadas ao poder do julgador e que o mesmo tem, obrigatoriamente, que promover e tecer indagação jurídica.

XLVI - A decisão que se baseia num extracto de 2018, junto e elaborado dois anos após a entrada de um requerimento executivo, fazendo nele fé, olvidando os argumentos e provas juntas pelos Executados leva a que se suscite a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP.

XLVII - O mútuo com hipoteca outorgado por escritura pública apenas goza de força probatória plena relativamente aos factos presenciados pela entidade vg. Notário.

XLVIII - O Documento Complementar à escritura pública onde constam as cláusulas contratuais gerais, não tendo sido presenciado pela entidade que certifica a autenticidade da força pública, não goza de força probatória plena.

XLIX - As cláusulas contratuais gerais não negociadas, não informadas, não explicadas ou comunicadas aos devedores são nulas, sendo esta nulidade de conhecimento oficioso.

L - A nulidade das cláusulas leva à sua ineficácia, não podendo existir a produção de efeitos jurídicos, nos termos do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

LI - Ao existir uma cláusula que indica que é permitido à credora o considerar do mútuo vencido quando exista alienação, não se poderá confundir o vencimento do empréstimo com o incumprimento definitivo.

LII - A doação do uso e habitação configura, nos termos do direito, um mero direito real de gozo menor que não se confunde com nenhuma transmissão da propriedade e, como tal, uma cláusula que indica que a mutuante tem o direito de considerar vencido o empréstimo em caso de alienação da propriedade não fica preenchida com a doação do uso e habitação. Uma entidade mutuante que renegoceia e exige pagamentos, fixando uma nova prestação mensal, não pode contabilizar juros de mora e comissões à mutuária.

LIII - Ao existir o pagamento durante o período de 2010 a 2015 de 33 prestações, a solicitação da Recorrida, por negociação do empréstimo, não poderá considerar-se a existência de mora.

LIV - A mora, a existir, será na esfera jurídica do credor, porquanto a formalização da renegociação apenas se deveu à sua inércia temporal onde durante 5 anos exigiu novos pagamentos sem formalizar, por escrito e em pública forma, o novo contrato renegociado.

LV - As missivas relativas à renegociação, porque plasmam declarações receptícias com proposta seguida de aceitação, levam a que ambas as partes tivessem firmado um novo acordo e alteração do empréstimo pelo que não é admissível que, agora, se considere as mesmas como um teste experimental para um novo empréstimo: não houve qualquer novo empréstimo mas, antes, uma renegociação.

LVI - O título executivo deve ser líquido não se podendo os bancos (vg. Entidades bancárias) bastarem-se com a mera remissão para o contrato, não liquidando ou explicando, minuciosamente, os cálculos liquidados no requerimento executivo.

LVII - Não existindo resolução contratual do contrato de mútuo nem, sequer, fundamento de resolução, a acção executiva está inquinada por o título não conter uma obrigação que é certa, líquida e exigível.

LVIII- Existindo pacto de preenchimento das livranças e os avalistas tendo intervindo nesse pacto, possuem estes legitimidade para se opor ao seu preenchimento abusivo e ilegal.

LIX- O pacto de preenchimento da livrança cristaliza a sua obrigação e não leva a que possa ser accionada uma via executiva sem resolução ou interpelação

LX - Accionando-se a via executiva sem interpelação aos avalistas e sem resolução comunicada à devedora principal e aos avalistas, sem sequer haver prova da chegada ao conhecimento dos mesmos, existe uma notória violação do pacto de preenchimento.

LXI - Há preenchimento abusivo da livrança quando, esta sendo dada ao contrato em 2013, venha a ser preenchida com uma data de 1999.

LXII - Ao existir cancelamento de uma livrança a mesma não pode ser accionada, porquanto o cancelamento opera pela própria entidade bancária e há devolução da mesma.

LXIII - Ao ser reclamado em processo de insolvência um valor à devedora principal de 18.000,00 euros é este valor que terá que ser exigido aos avalistas, porquanto a obrigação destes acompanha, sempre, a obrigação principal.

LXIV - Coma decisão recorrida violaram-se, novamente, osartigos13.º, 60.º da CRP, 224.º, 236.º, 334.º, 371.º, 405.º, 406.º, 539.º, 543.º, 781.º e ss., 800.º e ss., 813.º, 818.º, 1484.º, 1485.º, do Código Civil e 27.º, 30.º, 32.º, 36.º, 53.º, 54.º, 56.º, 607.º, 703.º, 709.º, 713.º e ss. do CPC, 7.º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 22.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, 10.º, 77.º e 75.º da LULL.

X - DO PEDIDO

TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, Se requer muito respeitosamente a V/ Exas. que admita a presente revista excepcional e, em consequência se Revogue a decisão proferida, substituindo-a por outra que fique em conformidade com o direito, ou seja, absolvendo-se os Recorrentes nos estritos termos peticionados, fazendo, assim, V/ Exas. A INTEIRA E HABITUAL JUSTIÇA!


11. A Exequente contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

  2. Em 19 de Outubro de 2020, foi proferido despacho de envio dos autos à Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, de cuja fundamentação constava o seguinte:             

13. O recurso de revista excepcional pressupõe o preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida — art. 671.º, n.º 1 —, com a alçada e com a sucumbência — art. 629.º, n.º 1 —, com a legitimidade dos recorrentes — art. 631.º — e com a tempestividade do recurso — art. 638.º do Código de Processo Civil [1]. Em consequência, “[p]ara se determinar se é, no caso, de admitir a revista excepcional, deve começar por se apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, rejeitando logo o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos” [2].

 14. O art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe que

“[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

15. O acórdão recorrido conheceu do mérito da causa, devendo coordenar-se à primeira alternativa prevista no art. 671.º, n.º 1.

16. Embora esteja em causa o recurso de decisões proferidas em processo executivo, o art. 854.º do Código de Processo Civil determina que cabe recurso de revista acórdãos da Relação proferidos em procedimentos de oposição à execução — e, entre os procedimentos de oposição à execução estão os embargos de executado (cf. arts. 728.º ss. do Código de Processo Civil).

17. O art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é em todo o caso do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

18. O acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida na 1.ª instância, pelo que o problema do preenchimento dos pressupostos do art. 671.º, n.º 3, está, tão-só, em averiguar se o confirmou com ou sem fundamentação essencialmente diferente.

19. O Tribunal da Relação de Guimarães não tomou conhecimento das duas primeiras questões.

I. — Em relação à primeira — à ilegitimidade do Executado BB —, explicou que as decisões interlocutórias tomadas pelo Tribunal de 1.ª instância tinham transitado em julgado. II. — Em relação à segunda — ou seja, em relação à invalidade e à ineficácia das cláusulas contratuais gerais contidas em contrato de mútuo —, explicou que a alegada invalidade ou a alegada ineficácia eram uma questão nova e que, como questão nova, não podia ter sido conhecida pela 2.ª instância.

20. Entre a fundamentação das respostas dadas à terceira, à quarta e à quinta questões, não se encontra diferença sensível e, em qualquer caso, não se encontra nenhuma diferença essencial entre a decisão da 1.ª instância e a decisão do Tribunal da Relação.

21. Finalmente, em tema de nulidade do acórdão recorrido, por contradição (conclusões V-VI), por excesso de pronúncia (conclusões V, VI e VII) e por omissão de pronúncia (conclusões XXV-XLIV), o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não é admitida como fundamento exclusivo de recurso de revista  [3].

22. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 740/15 —,

III. — A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, do CPC só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, 2.ª parte, e 674.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, e portanto como fundamento acessório desse recurso.

IV. — Se aquela decisão não admitir recurso ordinário, as referidas nulidades só são arguíveis mediante reclamação perante o próprio tribunal que proferiu tal decisão, nos termos dos artigos 615.º, n.º 4, 1.ª parte, e 617.º, n.º 6, do CPC.

V. — Não sendo admissível recurso ordinário, em termos gerais, por virtude da ocorrência de dupla conforme, as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só são arguíveis por via recursória, se a revista for interposta a título especial ou de revista excecional nos termos dos artigos 629.º, n.º 2, e 672.º, n.º 1, do CPC, respetivamente.

VI. Não tendo a Recorrente interposto a revista a título especial ou excecional, mas apenas com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia, a mesma não é admissível, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, e 671.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo da eventualidade de o tribunal a quo conhecer ainda daquela nulidade, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 617.º do mesmo Código.

23. Estão, por isso, preenchidos os pressupostos do art. 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

24. Os Recorrentes pediram que a revista fosse admitida, a título excepcional, ao abrigo das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 672.º do Código de Processo Civil; ora, o n.º 3 do art. 672.º do Código de Processo Civil determina que

“[a] decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.o 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis”.

Existindo dupla conforme, e tendo os Recorrentes pedido que a revista fosse admitida, a título excepcional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 672.º do Código de Processo Civil, remetem-se os autos à Formação, em cumprimento do disposto no n.º 3 da mesma disposição legal.


  13. Em 3 de Novembro de 2020, foi proferido acórdão pela Formação prevista no art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, de que consta o seguinte:

“… a fundamentação do que ficou decidido sobre a responsabilização do 2.º executado, embora não seja explícita, só poderá ter partido da aceitação da cumulação de títulos executivos diversos e, por outro lado, da indiscutibilidade do trânsito em julgado das decisões interlocutórias que, recaindo unicamente sobre a relação processual, haviam afirmado a legitimidade desse executado para a execução baseada no mútuo com hipoteca e a admissibilidade da coligação entre os executados quanto ao mesmo título.

Ora, se, como tudo indica, a ponderação da responsabilidade do 2.º executado pelo cumprimento da obrigação gerada no mútuo assentou no tido por adquirido quanto à relação processual, não podemos deixar de reconhecer que estamos perante uma opção interpretativa susceptível de gerar controvérsia e revestida de significativo ineditismo, ambos idóneos a justificar, suficientemente, a excepcional intervenção deste Supremo Tribunal, com vista a clarificar o entendimento sobre a matéria e a ultrapassar tal insegurança, podendo o seu impacto determinar, para além do concreto litígio, a apreciação de outros casos em que se suscite uma semelhante controvérsia.

Por assim ser, sem necessidade de aferir se o cotejo entre os acórdãos referidos pelos recorrentes sinaliza a existência de uma divergência jurisprudencial, reportada a decisões explícitas sobre a mesma questão de direito essencial, admite-se a revista excepcional nos termos expostos.  

  14. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) — e, nas conclusões da sua alegação, os Executados AA e BB suscitam as seguintes questões:

  I. — ilegitimidade do Executado BB; II. — invalidade e ineficácia das cláusulas contratuais gerais contidas em contrato de mútuo; III. — inexigibilidade da obrigação e ilicitude da resolução do contrato de mútuo; IV. — iliquidez da obrigação exequenda; V. — invalidade das cláusulas relativas a comissões e a juros (por usura); VI. — preenchimento abusivo da livrança; VII. — nulidade do acórdão recorrido, por contradição, por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


 15. O Trbunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes:

1. No âmbito do processo de execução com o 5437/16.0T8MAI – de que os presentes autos constituem apenso –, a embargada/exequente “Caixa Geral de Depósitos, S. A.”, no dia 04 de Novembro de 2016, requereu a condenação dos embargantes/executados no pagamento do valor total de €206.003,51 (duzentos e seis mil e três euros e cinquenta e um cêntimos), assim discriminado: os valores em dívida, à data de 4.11.2016, emergentes do incumprimento do empréstimo ascendem a 162.837,84€ e das livranças a 43.165,67€, acrescido de juros a partir de 4.11.2016, sobre os capitais em dívida de 131.989,41€, 40.373,82€ e 2.307,10€, às taxas de 3,738%, 4,000% e 4,000%, respetivamente, até ao efetivo e integral pagamento, bem como as despesas, comissões e imposto de selo, tudo a liquidar a final. Foram computados os juros do empréstimo, vencidos e não pagos, até 4.11.2016, no montante de 25.841,27€ e o imposto de selo respetivo no montante de 1.033,65€. Foram ainda computadas as despesas e as comissões contratuais decorrentes do incumprimento do empréstimo no montante de 3.820,68€ e o imposto de selo sobre as comissões no montante de 152.83€. Foram computados os juros sobre os capitais titulados nas livranças, à taxa legal de 4%, até 4.11.2016, nos montantes de 247,77€ e 14,16€, respetivamente, o imposto de selo sobre os juros no montante global de 10,48€ e o imposto de selo das livranças nos montantes de 200,86€ e 11,48€.

2. A embargada/exequente deu à execução, como títulos executivos: i) um escrito, denominado “Mútuo com Hipoteca”, datado de 28-01-2002, acompanhado de um outro escrito anexo, que o integra, denominado “Documento complementar”, exarado por notário, onde consta como devedora, a aqui embargante AA, cujo teor aqui dou por reproduzido; ii) Duas livranças nos valores de 40.373,82€ e 2.307,10€, emitidas em 5.03.1999 e 28.02.2002, respetivamente, vencidas em 18.09.2016, subscritas por Artebuild Imobiliária Unipessoal, Lda, e avalizadas pelos executados AA e BB.

3. A exequente, ora embargada, no dia 28.01.2002, no exercício da sua atividade creditícia, emprestou à embargante, AA, a quantia de 249.399,00€, que ela recebeu, de que se confessou devedora, destinou em investimentos em imóveis e se obrigou a restituir à embargante em 16 anos, em 192 prestações mensais de capitais e juros, vencendo-se a primeira em 28.02.2002 e as restantes nos iguais dias dos meses seguintes até Fevereiro de 2018.

4. Nesse contrato, convencionaram ainda que o empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, apurada por referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do contrato, acrescida de um diferencial de 2,125%, com arredondamento para o 1/16 avos por cento imediatamente superior, o que se traduzia, nessa data, na taxa de juro nominal de 5,438%, ao ano, a que corresponde a taxa efetiva de 5,576%, ao ano.

5. Mais convencionaram que, em caso de mora, os juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na exequente para operações ativas da mesma natureza, à data de 9,544%, ao ano, acrescida da sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal.

6. O valor de cada prestação mensal para a reembolso do empréstimo era de cerca de 1800€ (mil e oitocentos euros).

7. Em Janeiro de 2013, o referido empréstimo tinha prestações em atraso – prestações para o reembolso do capital e juros vencidas e não pagas - desde 28.08.2009, ou seja, das 132 prestações do empréstimo vencidas até Janeiro de 2013, a embargante tinha pago apenas 91 prestações, estando em atraso, nessa altura, 41 prestações mensais.

8. Antes de Janeiro de 2013, os embargantes, quer a embargante AA, quer o embargante BB, que se arrogava seu procurador, fizeram diversas promessas e acordos de pagamento para a regularização do atraso em dívida.

9. Não obstante essas promessas e acordos de pagamento, até Abril de 2013, a embargante fez pagamento de forma irregular e por montantes insuficientes para a regularização do atraso em dívida pelo que, em face das promessas e acordo incumpridos, da ausência de pagamentos relevantes, dos montantes em dívida, do número de prestações em atraso e do avolumar da dívida, a exequente recorreu à via coerciva de cobrança dos seus créditos.

10. Em 25.02.2013, a situação do aludido empréstimo, era a seguinte:

— Capital vincendo (capital das prestações mensais não vencidas até ao termo do contrato Fevereiro de 2018): 95.358,40€

— Capital vencido (capital das prestações mensais vencidas e não pagas até 25.02.2013): 58.896,89€

— Juros (juros remuneratórios das prestações mensais vencidas e não pagas até 25.02.2013): 9.105,03€

— Juros de mora (juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas até 25.02.2013): 12.157,80€

— Comissões (comissões contratuais emergentes do incumprimento até 25.02.2013): 1.047,65€.

11. A referida situação do empréstimo refletia todos as entregas efetuadas pela embargante, imputadas ao empréstimo até Janeiro de 2013.

12. Em Fevereiro de 2013, a última prestação paga pela embargante tinha sido a vencida em 28 de Agosto de 2009, ou dito de outro modo, os pagamentos efetuados pela embargante desde o início do contrato até Janeiro de 2013, permitiram a liquidação das prestações vencidas até 28 de Agosto de 2009, ou seja, como já aduzido, o pagamento de 91 prestações das 132 prestações vencidas até Janeiro de 2013.

13. Em Fevereiro de 2013, a embargante, devia à embargada a quantia global de 176.565,77€, sendo 154.255,29€, a título de capital vencido e vincendo, 21.262,83€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos, e, 1.047,65€, a título de comissões contratuais.

14. Os embargantes conheciam a situação de incumprimento, os valores em dívida, como conheciam a iminência do procedimento executivo.

15. A embargante depois da receção da última interpelação, para evitar o recurso aos tribunais, fez, entre de Abril de 2013 e Maio de 2015, depósitos regulares na conta da embargante com vista à reestruturação de todas as suas responsabilidades, reestruturação que solicitaram à exequente e esta aceitou proceder ao estudo da sua viabilidade e dos seus termos.

16. As entregas efetuadas foram aplicadas no pagamento parcial das responsabilidades vencidas (capital vencido, juros, comissões), nos termos e como melhor resulta do extrato do empréstimo.

17. Sendo certo que, como anteriormente aduzido, e como resulta do extrato, as prestações mensais do empréstimo, à razão de cerca 1800€, por mês, continuaram a vencer-se com o decurso do tempo, bem como os juros e comissões, tudo em conformidade com o estabelecido no contrato.

18. A embargante, em Maio de 2015, deixou de fazer entregas por conta das suas responsabilidades, o que, aliás, anunciou, e, depois dessa data, não fez qualquer pagamento à exequente.

19. Não obstante isso, a embargante mantive o pedido de reestruturação das suas dívidas.

20. Por carta de 18.12.2015, na sequência do pedido de reestruturação da dívida e concluído o estudo, carta que foi recebida pelos embargantes, a exequente comunicou-lhes os termos da aceitação da proposta para a regularização de todas responsabilidades, e que passaria, em relação ao aludido empréstimo, pela capitalização dos montantes vencidos e não pagos, a pagar em 300 prestações, com 30% do diferimento de capital e taxa de juros Euribor a 12 meses + spread de 3,500%, e, em relação às responsabilidades decorrentes dos avales prestados, pela abertura de crédito consolidado hipotecário até ao montante de 43.500€, pelo prazo de 192 meses, com juros à taxa Euribor 12 meses +spread de 5,500%, com garantias, por hipoteca, do imóvel indicado no requerimento executivo, e fiança do embargante BB.

21. No seguimento dessa carta, e em resposta ao pedido dos embargantes, a exequente, em 11.2.2016, comunicou-lhes os valores em dívida:


Do empréstimo concedido à embargante AA

— Capital vincendo: 38.809,06€

— Capital vencido: 93.180,35€

— Juros remuneratórios: 14.846,90€

— Juros de mora: 3.217,32€

Do contrato de abertura de crédito com a Artebuild (de que são avalistas)

— Capital vencido: 18.000€

— Juros remuneratórios: 2.934,10€

— Juros de mora: 7.890,32€

— Comissões: 10.146,45€

e, da garantia bancária (de que são avalistas)

— Juros de mora: 786,64€

— Comissões: 1.383,10€.

22. Mais lhes comunicou, através dessa mesma carta, que no caso de terem interesse na reestruturação das dívidas, deveriam efetuar depósitos mensais de valor nunca inferior a 1.600€, que não foram feitos.

23. Em 26.02.2016, no seguimento da proposta da exequente para reestruturação da dívida, e da comunicação dos valores em dívida, os embargantes:

a) não aceitaram o valor da dívida emergente da garantia bancária,

b) aceitaram a dívida relativa ao contrato de abertura de crédito da Artebuild e propuseram o pagamento, imediato, do capital em dívida no valor de 18.000€

c) e, em relação ao empréstimo, reconheceram os valores em dívida, anunciaram a intenção de vender o imóvel, e propuseram o pagamento, de imediato, do capital vencido de 93.180,35€, do capital vincendo de 38.809,06€ e dos juros no valor de 7.733,67€.

24. Os embargantes, depois da carta da exequente de 26.02.2016 e da aceitação da proposta de reestruturação, não formalizaram, nem quiseram formalizar a reestruturação da dívida, nem fizeram qualquer pagamento à exequente, com vista à reestruturação, regularização ou liquidação da dívida.

25. Em 9.03.2016, a situação do aludido empréstimo, era a seguinte:

— Capital vincendo (capital das prestações a pagar entre 9.03.2016 até ao termo do contrato Fevereiro de 2018): 37.205,30€

— Capital vencido (capital das prestações mensais vencidas e não pagas até 9.03.2016): 94.784,11€

— Juros (juros remuneratórios das prestações mensais vencidas e não pagas até 9.03.2016): 7.761,48€

— Juros de mora (juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas até 9.03.2016): 15.139,08€

— Comissões (comissões contratuais emergentes do incumprimento até 9.03.2016): 3.284,38€.

26. A referida situação do empréstimo, à data de 9.03.2016, reflete todos as entregas efetuadas até Maio de 2015 (data do último pagamento) e era conhecida pelos embargantes.

27. Em 9.03.2016, a embargante, devia à embargada, em relação ao empréstimo de capital de 249.399,00€, a quantia global de 158.174,35€ (em Fevereiro de 2013 devia 176.565,77€), sendo 131.989,41€ a titulo de capital vencido e vincendo (em Fevereiro de 2013 devia 154.255,29€), 22.900,56€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos até 9.03.2016 (em Fevereiro de 2013 devia 21.262,83€), e, 3.284,38€, a título de comissões contratuais emergentes do incumprimento (em Fevereiro de 2013 devia 1.047,65€).

28. As entregas feitas até Maio de 2015, liquidaram as prestações do empréstimo vencidas até 28.12.2010 e os respetivos juros (em Janeiro de 2013 estavam pagas as prestações vencidas até Agosto de 2009).

29. Em Janeiro de 2013, o empréstimo tinha 41 prestações em atraso e, em Março de 2016, tendo em consideração os pagamentos efetuados pelos embargantes imputados ao pagamento das prestações vencidas e não pagas mais antigas (capital, juros e comissões), o empréstimo passou a ter 64 prestações em atraso das 171 prestações vencidas desde o início do contrato até Março de 2016.

30. Embargante e exequente convencionaram, na cláusula 12ª da escritura pública de mútuo com hipoteca (doc. 1 junto com o requerimento executivo), que fica reconhecido à exequente, credora, o direito de "considerar vencido o empréstimo se o imóvel for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações deste contrato”.

31. A embargante doou o direito de uso e habitação do imóvel ao embargante BB, co-avalista das responsabilidades da Artebuild, sem pedir o consentimento da exequente.

32. A exequente, antes de dar entrada da execução, interpelou a embargante, nomeadamente, em 20.07.2012, 7.01.2013 e 13.5.2016, para regularização da situação de incumprimento do empréstimo, com a cominação da instauração da ação executiva para a cobrança da totalidade da dívida.

33. O embargante, em resposta às interpelações relativas às livranças, respondeu, para além do mais, que em face da comunicação de 13.05.2016, que depreendia já estava a ser instaurada a execução.

34. Para além dessas interpelações, na proposta de reestruturação da dívida da exequente de 18.12.2015, a embargante foi expressamente advertida que "a ocorrência de novo incumprimento no pagamento das prestações dos empréstimos terá como consequência o envio imediato do processo para cobrança judicial de toda a dívida.”.

35. Em 28 de Fevereiro de 2002, a empresa Artebuild, Lda, de que o embargante era gerente, celebrou com a exequente um contrato de emissão de garantia bancária, sendo beneficiária da mesma a EDP – Distribuição de Energia, SA, sendo a data da perfeição do contrato o dia 1.03.2002.

36. Através desse contrato, a Exequente, em 1 de Março de 2002, emitiu uma garantia bancária a favor da EDP, até ao montante de 4.537,50€, para garantir o pagamento dos fornecimentos de energia elétrica à referida Artebuild, pelo prazo de um ano, renovável automaticamente por períodos iguais, até à sua denúncia pela exequente, com efeitos a partir do final do prazo em curso.

37. Esta empresa, pela prestação da garantia, de acordo com o convencionado, obrigou-se a pagar à exequente uma comissão de 4% ao ano, contada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de 27,43€ por trimestre, sobre o valor máximo assumido pela exequente de 4.357,50€, ou sobre o valor inferior a partir da data em que tiver conhecimento, devendo para tanto a Artebuild fazer prova da redução.

38. Consta do contrato referido em 35 as seguintes cláusulas:

8. Comissão de garantia:

8.1 – A taxa de comissão é de 4% ao ano, contada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de 27,43 Euros por trimestre/fração, sendo ambos os valores alteráveis pela Caixa antes de cada trimestre.

8.2. – A taxa de comissão incidirá sobre o valor máximo assumido pela CAIXA, nos termos da cláusula da RESPONSABILIDADE, ou sobre um valor inferior a partir da data em que a CAIXA tiver dele conhecimento, devendo o GARANTIDO fazer prova da redução da responsabilidade assumida, nomeadamente entregando as letras e livranças já pagas e pela CAIXA avalizadas.

9. PAGAMENTO DA COMISSÃO E DEMAIS DÉBITOS: Através da conta D/O n.º …., aberta em nome do 1º CONTRATANTE na Agência da CGD em …-Porto.

10. MORA: Em caso de mora na liquidação de comissões, de despesas, ou do valor pago pela CAIXA ao BENEFICIÁRIO em execução da garantia, a CAIXA poderá cobrar, sobre tais verbas, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na CAIXA para operações ativas (atualmente 12,45% ao ano) acrescida de uma sobretaxa até 4%.


39. Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes desta operação, a Artebuild e os embargantes, entregaram à exequente uma livrança em branco, subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes, e autorizaram a exequente preenchê-la quando tal se mostre necessário, a seu juízo, tendo em conta, nomeadamente, e para além do mais, (i) a data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a Caixa decida recorrer à realização coerciva do crédito; (ii) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente, o valor do crédito da Caixa que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer ao beneficiário em execução da garantia ou do aval bancário, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.

40. A garantia bancária foi denunciada, a pedido dos embargantes, por carta da exequente para a beneficiária de 27.07.2012.

41. Por sua vez, a EDP, beneficiária da garantia, solicitou o cancelamento da mesma e devolveu o seu original, por carta de 4.07.2013.

42. O crédito emergente da referida operação foi reclamado no Plano de Especial de Revitalização da subscritora da livrança, em 1.02.2013, pelo montante global de 5.549,81€, dos quais, 4.357,50€, correspondente às responsabilidades garantidas, sob condição suspensiva, e 1.192,31€, correspondente às comissões e juros vencidos até 31.01.2013, com natureza comum.

43. O referido crédito foi reconhecido pelo administrador judicial e incluído na lista provisória de créditos pelo referido montante global de 5.489,41€, e não foi, aliás, objeto de qualquer impugnação do embargante.

44. A exequente, previamente ao preenchimento da livrança, interpelou, por cartas datadas de 8.09.2016 e 26.09.2016, os embargantes para, no prazo de 8 dias, pagarem à exequente a quantia de 2.295,62€, calculado à data de 8.09.2016, respeitante à operação "garantia bancária nº ….", contratada com a Artebuild, que se encontra vencida, sob pena da instauração da competente ação executiva, sem qualquer outro aviso tendo as interpelações remetidas à Artebuild e ao embargante BB, sido devolvidas, por não terem sido reclamadas, mas de cujo teor teve conhecimento.

45. Em 5.03.1999, a exequente concedeu à já referida Artebuild um empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de 45.000.000$00 (224.459,05€), para suprir eventuais défices de tesouraria, pelo prazo de 6 meses, renováveis até à sua denúncia, por qualquer das partes, à taxa de juros correspondente à Lisbor a 3 meses, acrescida de 0,750%, donde resultava, à data da celebração do contrato, a aplicação da taxa de juro nominal de 3,900%, ao ano.

46. Convencionaram ainda nesse contrato que, em caso de mora, poderiam ser cobrados juros à taxa mais elevada dos juros remuneratórios em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza, à data do contrato de 13,7%, acrescida de uma sobretaxa de 4%, ao ano.

47. Convencionaram ainda que, quando a conta de depósitos à ordem não se mostrar atempada e suficientemente provisionada para o pagamento integral de cada prestação vencida será cobrada a quantia de 2.500$00 (12,46€).

48. Mais convencionaram, a cobrança de uma comissão de imobilização, trimestral e postecipadamente, sobre o montante de crédito em cada momento não utilizado, a contar da data referida no ponto 7.1 do contrato.

49. O aludido contrato foi objeto de 3 alterações, todas formalizadas por documento particular:

i. em 21.02.2000, quanto ao prazo, que passou de 6 para 30 meses.

ii. em 10.03.2002, quanto ao prazo que passou novamente para 6 meses e quanto à garantia prestada (doc. nº 27, que se junta e reproduz na integra)

iii. em 20.03.2006, quanto à garantia prestada, com a substituição da penhora de títulos ou direitos por aval em livrança em branco subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes.


50. De acordo com o estipulado nessa alteração ao contrato, para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Artebuild e os embargantes, avalistas, entregaram à exequente uma livrança em branco subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes, e autorizaram a exequente preenchê-la quando tal se mostre necessário, a seu juízo, tendo em conta, nomeadamente, e para além do mais, (i) a data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a Caixa decida preencher a livrança; (ii) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo o da própria livrança.

51. A exequente, previamente ao preenchimento da livrança, interpelou, por cartas datadas de 8.09.2016 e 26.09.2016, os embargantes e a Artebuild, para no prazo de 8 dias pagarem à exequente a quantia de 40.172,96€, calculado à data de 8.09.2016, respeitante à operação "Conta corrente nº PT …………", que se encontra vencida, sob pena da instauração da competente ação executiva, sem qualquer outro aviso, tendo as interpelações remetidas à Artebuild e ao embargante BB, sido devolvidas, por não terem sido reclamadas.

52. Nos termos do contrato sobredito, designadamente na cláusula 27, redigida na 3ª alteração ao empréstimo é referido que: “a data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pelo DEVEDOR das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança.”

53. Segundo a cláusula 22 do contrato original:” A Caixa poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a divida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários (…)”


    16. Em contrapartida, o Trbunal de 1.ª instância deu como não provados os factos seguintes:

a) A embargante AA, com a conivência do embargante BB, doou-lhe o uso e habitação do imóvel, com o intuito de dificultar a cobrança dos créditos exequendos.

b) BB não reside no imóvel identificado nos autos.

  17. O Tribunal da Relação:

I. — julgou improcedente a impugnação da decisão relativa aos factos dados como provados sob os n.ºs 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 26, 28, 29

II. — eliminou o facto dado como provado sob o n.º 11, “uma vez que a matéria do mesmo é conclusiva”;

III. — alterou a redacção do facto dado como provado sob o n.º 30 para:

30. Embargante e exequente convencionaram, na cláusula 12ª do documento anexo à da escritura pública de mútuo com hipoteca (doc. 1 junto com o requerimento executivo), que fica reconhecido à exequente, credora, o direito de "considerar vencido o empréstimo se o imóvel for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações deste contrato.

IV. — alterou a redacção do facto dado como provado sob o n.º 40 para:

40. A garantia bancária foi denunciada, a pedido da EDP – Distribuição de Enegia, SA, beneficiária da garantia, por carta da exequente para aquela, de 27.07.2012.


 18. Em consequência das alterações, o acórdão recorrido:

  I. — deu como provados os factos seguintes:

1. No âmbito do processo de execução com o 5437/16.0T8MAI – de que os presentes autos constituem apenso –, a embargada/exequente “Caixa Geral de Depósitos, S. A.”, no dia 04 de Novembro de 2016, requereu a condenação dos embargantes/executados no pagamento do valor total de €206.003,51 (duzentos e seis mil e três euros e cinquenta e um cêntimos), assim discriminado: os valores em dívida, à data de 4.11.2016, emergentes do incumprimento do empréstimo ascendem a 162.837,84€ e das livranças a 43.165,67€, acrescido de juros a partir de 4.11.2016, sobre os capitais em dívida de 131.989,41€, 40.373,82€ e 2.307,10€, às taxas de 3,738%, 4,000% e 4,000%, respetivamente, até ao efetivo e integral pagamento, bem como as despesas, comissões e imposto de selo, tudo a liquidar a final. Foram computados os juros do empréstimo, vencidos e não pagos, até 4.11.2016, no montante de 25.841,27€ e o imposto de selo respetivo no montante de 1.033,65€. Foram ainda computadas as despesas e as comissões contratuais decorrentes do incumprimento do empréstimo no montante de 3.820,68€ e o imposto de selo sobre as comissões no montante de 152.83€. Foram computados os juros sobre os capitais titulados nas livranças, à taxa legal de 4%, até 4.11.2016, nos montantes de 247,77€ e 14,16€, respetivamente, o imposto de selo sobre os juros no montante global de 10,48€ e o imposto de selo das livranças nos montantes de 200,86€ e 11,48€.

2. A embargada/exequente deu à execução, como títulos executivos: i) um escrito, denominado “Mútuo com Hipoteca”, datado de 28-01-2002, acompanhado de um outro escrito anexo, que o integra, denominado “Documento complementar”, exarado por notário, onde consta como devedora, a aqui embargante AA, cujo teor aqui dou por reproduzido; ii) Duas livranças nos valores de 40.373,82€ e 2.307,10€, emitidas em 5.03.1999 e 28.02.2002, respetivamente, vencidas em 18.09.2016, subscritas por Artebuild Imobiliária Unipessoal, Lda, e avalizadas pelos executados AA e BB.

3. A exequente, ora embargada, no dia 28.01.2002, no exercício da sua atividade creditícia, emprestou à embargante, AA, a quantia de 249.399,00€, que ela recebeu, de que se confessou devedora, destinou em investimentos em imóveis e se obrigou a restituir à embargante em 16 anos, em 192 prestações mensais de capitais e juros, vencendo-se a primeira em 28.02.2002 e as restantes nos iguais dias dos meses seguintes até Fevereiro de 2018.

4. Nesse contrato, convencionaram ainda que o empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a 6 meses, apurada por referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do contrato, acrescida de um diferencial de 2,125%, com arredondamento para o 1/16 avos por cento imediatamente superior, o que se traduzia, nessa data, na taxa de juro nominal de 5,438%, ao ano, a que corresponde a taxa efetiva de 5,576%, ao ano.

5. Mais convencionaram que, em caso de mora, os juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que estiver em vigor na exequente para operações ativas da mesma natureza, à data de 9,544%, ao ano, acrescida da sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal.

6. O valor de cada prestação mensal para a reembolso do empréstimo era de cerca de 1800€ (mil e oitocentos euros).

7. Em Janeiro de 2013, o referido empréstimo tinha prestações em atraso – prestações para o reembolso do capital e juros vencidas e não pagas - desde 28.08.2009, ou seja, das 132 prestações do empréstimo vencidas até Janeiro de 2013, a embargante tinha pago apenas 91 prestações, estando em atraso, nessa altura, 41 prestações mensais.

8. Antes de Janeiro de 2013, os embargantes, quer a embargante AA, quer o embargante BB, que se arrogava seu procurador, fizeram diversas promessas e acordos de pagamento para a regularização do atraso em dívida.

9. Não obstante essas promessas e acordos de pagamento, até Abril de 2013, a embargante fez pagamento de forma irregular e por montantes insuficientes para a regularização do atraso em dívida pelo que, em face das promessas e acordo incumpridos, da ausência de pagamentos relevantes, dos montantes em dívida, do número de prestações em atraso e do avolumar da dívida, a exequente recorreu à via coerciva de cobrança dos seus créditos.

10. Em 25.02.2013, a situação do aludido empréstimo, era a seguinte:

— Capital vincendo (capital das prestações mensais não vencidas até ao termo do contrato Fevereiro de 2018): 95.358,40€

— Capital vencido (capital das prestações mensais vencidas e não pagas até 25.02.2013): 58.896,89€

— Juros (juros remuneratórios das prestações mensais vencidas e não pagas até 25.02.2013): 9.105,03€

— Juros de mora (juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas até 25.02.2013): 12.157,80€

— Comissões (comissões contratuais emergentes do incumprimento até 25.02.2013): 1.047,65€.

12. Em Fevereiro de 2013, a última prestação paga pela embargante tinha sido a vencida em 28 de Agosto de 2009, ou dito de outro modo, os pagamentos efetuados pela embargante desde o início do contrato até Janeiro de 2013, permitiram a liquidação das prestações vencidas até 28 de Agosto de 2009, ou seja, como já aduzido, o pagamento de 91 prestações das 132 prestações vencidas até Janeiro de 2013.

13. Em Fevereiro de 2013, a embargante, devia à embargada a quantia global de 176.565,77€, sendo 154.255,29€, a título de capital vencido e vincendo, 21.262,83€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos, e, 1.047,65€, a título de comissões contratuais.

14. Os embargantes conheciam a situação de incumprimento, os valores em dívida, como conheciam a iminência do procedimento executivo.

15. A embargante depois da receção da última interpelação, para evitar o recurso aos tribunais, fez, entre de Abril de 2013 e Maio de 2015, depósitos regulares na conta da embargante com vista à reestruturação de todas as suas responsabilidades, reestruturação que solicitaram à exequente e esta aceitou proceder ao estudo da sua viabilidade e dos seus termos.

16. As entregas efetuadas foram aplicadas no pagamento parcial das responsabilidades vencidas (capital vencido, juros, comissões), nos termos e como melhor resulta do extrato do empréstimo.

17. Sendo certo que, como anteriormente aduzido, e como resulta do extrato, as prestações mensais do empréstimo, à razão de cerca 1800€, por mês, continuaram a vencer-se com o decurso do tempo, bem como os juros e comissões, tudo em conformidade com o estabelecido no contrato.

18. A embargante, em Maio de 2015, deixou de fazer entregas por conta das suas responsabilidades, o que, aliás, anunciou, e, depois dessa data, não fez qualquer pagamento à exequente.

19. Não obstante isso, a embargante mantive o pedido de reestruturação das suas dívidas.

20. Por carta de 18.12.2015, na sequência do pedido de reestruturação da dívida e concluído o estudo, carta que foi recebida pelos embargantes, a exequente comunicou-lhes os termos da aceitação da proposta para a regularização de todas responsabilidades, e que passaria, em relação ao aludido empréstimo, pela capitalização dos montantes vencidos e não pagos, a pagar em 300 prestações, com 30% do diferimento de capital e taxa de juros Euribor a 12 meses + spread de 3,500%, e, em relação às responsabilidades decorrentes dos avales prestados, pela abertura de crédito consolidado hipotecário até ao montante de 43.500€, pelo prazo de 192 meses, com juros à taxa Euribor 12 meses +spread de 5,500%, com garantias, por hipoteca, do imóvel indicado no requerimento executivo, e fiança do embargante BB.

21. No seguimento dessa carta, e em resposta ao pedido dos embargantes, a exequente, em 11.2.2016, comunicou-lhes os valores em dívida:

Do empréstimo concedido à embargante AA

— Capital vincendo: 38.809,06€

— Capital vencido: 93.180,35€

— Juros remuneratórios: 14.846,90€

— Juros de mora: 3.217,32€

Do contrato de abertura de crédito com a Artebuild (de que são avalistas)

— Capital vencido: 18.000€

— Juros remuneratórios: 2.934,10€

— Juros de mora: 7.890,32€

— Comissões: 10.146,45€

e, da garantia bancária (de que são avalistas)

— Juros de mora: 786,64€

— Comissões: 1.383,10€.

22. Mais lhes comunicou, através dessa mesma carta, que no caso de terem interesse na reestruturação das dívidas, deveriam efetuar depósitos mensais de valor nunca inferior a 1.600€, que não foram feitos.

23. Em 26.02.2016, no seguimento da proposta da exequente para reestruturação da dívida, e da comunicação dos valores em dívida, os embargantes:

a) não aceitaram o valor da dívida emergente da garantia bancária,

b) aceitaram a dívida relativa ao contrato de abertura de crédito da Artebuild e propuseram o pagamento, imediato, do capital em dívida no valor de 18.000€

c) e, em relação ao empréstimo, reconheceram os valores em dívida, anunciaram a intenção de vender o imóvel, e propuseram o pagamento, de imediato, do capital vencido de 93.180,35€, do capital vincendo de 38.809,06€ e dos juros no valor de 7.733,67€.

24. Os embargantes, depois da carta da exequente de 26.02.2016 e da aceitação da proposta de reestruturação, não formalizaram, nem quiseram formalizar a reestruturação da dívida, nem fizeram qualquer pagamento à exequente, com vista à reestruturação, regularização ou liquidação da dívida.

25. Em 9.03.2016, a situação do aludido empréstimo, era a seguinte:

— Capital vincendo (capital das prestações a pagar entre 9.03.2016 até ao termo do contrato Fevereiro de 2018): 37.205,30€

— Capital vencido (capital das prestações mensais vencidas e não pagas até 9.03.2016): 94.784,11€

— Juros (juros remuneratórios das prestações mensais vencidas e não pagas até 9.03.2016): 7.761,48€

— Juros de mora (juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas até 9.03.2016): 15.139,08€

— Comissões (comissões contratuais emergentes do incumprimento até 9.03.2016): 3.284,38€.

26. A referida situação do empréstimo, à data de 9.03.2016, reflete todos as entregas efetuadas até Maio de 2015 (data do último pagamento) e era conhecida pelos embargantes.

27. Em 9.03.2016, a embargante, devia à embargada, em relação ao empréstimo de capital de 249.399,00€, a quantia global de 158.174,35€ (em Fevereiro de 2013 devia 176.565,77€), sendo 131.989,41€ a titulo de capital vencido e vincendo (em Fevereiro de 2013 devia 154.255,29€), 22.900,56€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos até 9.03.2016 (em Fevereiro de 2013 devia 21.262,83€), e, 3.284,38€, a título de comissões contratuais emergentes do incumprimento (em Fevereiro de 2013 devia 1.047,65€).

28. As entregas feitas até Maio de 2015, liquidaram as prestações do empréstimo vencidas até 28.12.2010 e os respetivos juros (em Janeiro de 2013 estavam pagas as prestações vencidas até Agosto de 2009).

29. Em Janeiro de 2013, o empréstimo tinha 41 prestações em atraso e, em Março de 2016, tendo em consideração os pagamentos efetuados pelos embargantes imputados ao pagamento das prestações vencidas e não pagas mais antigas (capital, juros e comissões), o empréstimo passou a ter 64 prestações em atraso das 171 prestações vencidas desde o início do contrato até Março de 2016.

30. Embargante e exequente convencionaram, na cláusula 12ª do documento anexo à da escritura pública de mútuo com hipoteca (doc. 1 junto com o requerimento executivo), que fica reconhecido à exequente, credora, o direito de "considerar vencido o empréstimo se o imóvel for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações deste contrato.

31. A embargante doou o direito de uso e habitação do imóvel ao embargante BB, co-avalista das responsabilidades da Artebuild, sem pedir o consentimento da exequente.

32. A exequente, antes de dar entrada da execução, interpelou a embargante, nomeadamente, em 20.07.2012, 7.01.2013 e 13.5.2016, para regularização da situação de incumprimento do empréstimo, com a cominação da instauração da ação executiva para a cobrança da totalidade da dívida.

33. O embargante, em resposta às interpelações relativas às livranças, respondeu, para além do mais, que em face da comunicação de 13.05.2016, que depreendia já estava a ser instaurada a execução.

34. Para além dessas interpelações, na proposta de reestruturação da dívida da exequente de 18.12.2015, a embargante foi expressamente advertida que "a ocorrência de novo incumprimento no pagamento das prestações dos empréstimos terá como consequência o envio imediato do processo para cobrança judicial de toda a dívida.”.

35. Em 28 de Fevereiro de 2002, a empresa Artebuild, Lda, de que o embargante era gerente, celebrou com a exequente um contrato de emissão de garantia bancária, sendo beneficiária da mesma a EDP – Distribuição de Energia, SA, sendo a data da perfeição do contrato o dia 1.03.2002.

36. Através desse contrato, a Exequente, em 1 de Março de 2002, emitiu uma garantia bancária a favor da EDP, até ao montante de 4.537,50€, para garantir o pagamento dos fornecimentos de energia elétrica à referida Artebuild, pelo prazo de um ano, renovável automaticamente por períodos iguais, até à sua denúncia pela exequente, com efeitos a partir do final do prazo em curso.

37. Esta empresa, pela prestação da garantia, de acordo com o convencionado, obrigou-se a pagar à exequente uma comissão de 4% ao ano, contada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de 27,43€ por trimestre, sobre o valor máximo assumido pela exequente de 4.357,50€, ou sobre o valor inferior a partir da data em que tiver conhecimento, devendo para tanto a Artebuild fazer prova da redução.

38. Consta do contrato referido em 35 as seguintes cláusulas:

8. Comissão de garantia:

8.1 – A taxa de comissão é de 4% ao ano, contada e cobrada trimestral e antecipadamente, com o mínimo de 27,43 Euros por trimestre/fração, sendo ambos os valores alteráveis pela Caixa antes de cada trimestre.

8.2. – A taxa de comissão incidirá sobre o valor máximo assumido pela CAIXA, nos termos da cláusula da RESPONSABILIDADE, ou sobre um valor inferior a partir da data em que a CAIXA tiver dele conhecimento, devendo o GARANTIDO fazer prova da redução da responsabilidade assumida, nomeadamente entregando as letras e livranças já pagas e pela CAIXA avalizadas.

9. PAGAMENTO DA COMISSÃO E DEMAIS DÉBITOS: Através da conta D/O n.º…., aberta em nome do 1º CONTRATANTE na Agência da CGD em ….- Porto.

10. MORA: Em caso de mora na liquidação de comissões, de despesas, ou do valor pago pela CAIXA ao BENEFICIÁRIO em execução da garantia, a CAIXA poderá cobrar, sobre tais verbas, juros calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na CAIXA para operações ativas (atualmente 12,45% ao ano) acrescida de uma sobretaxa até 4%.

39. Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes desta operação, a Artebuild e os embargantes, entregaram à exequente uma livrança em branco, subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes, e autorizaram a exequente preenchê-la quando tal se mostre necessário, a seu juízo, tendo em conta, nomeadamente, e para além do mais, (i) a data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a Caixa decida recorrer à realização coerciva do crédito; (ii) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes da presente operação, nomeadamente, o valor do crédito da Caixa que resultar dos pagamentos que a mesma vier a fazer ao beneficiário em execução da garantia ou do aval bancário, as comissões, juros moratórios, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança.

40. A garantia bancária foi denunciada, a pedido da EDP – Distribuição de Enegia, SA, beneficiária da garantia, por carta da exequente para aquela, de 27.07.2012.

41. Por sua vez, a EDP, beneficiária da garantia, solicitou o cancelamento da mesma e devolveu o seu original, por carta de 4.07.2013.

42. O crédito emergente da referida operação foi reclamado no Plano de Especial de Revitalização da subscritora da livrança, em 1.02.2013, pelo montante global de 5.549,81€, dos quais, 4.357,50€, correspondente às responsabilidades garantidas, sob condição suspensiva, e 1.192,31€, correspondente às comissões e juros vencidos até 31.01.2013, com natureza comum.

43. O referido crédito foi reconhecido pelo administrador judicial e incluído na lista provisória de créditos pelo referido montante global de 5.489,41€, e não foi, aliás, objeto de qualquer impugnação do embargante.

44. A exequente, previamente ao preenchimento da livrança, interpelou, por cartas datadas de 8.09.2016 e 26.09.2016, os embargantes para, no prazo de 8 dias, pagarem à exequente a quantia de 2.295,62€, calculado à data de 8.09.2016, respeitante à operação "garantia bancária nº …", contratada com a Artebuild, que se encontra vencida, sob pena da instauração da competente ação executiva, sem qualquer outro aviso tendo as interpelações remetidas à Artebuild e ao embargante BB, sido devolvidas, por não terem sido reclamadas, mas de cujo teor teve conhecimento.

45. Em 5.03.1999, a exequente concedeu à já referida Artebuild um empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente, até ao montante de 45.000.000$00 (224.459,05€), para suprir eventuais défices de tesouraria, pelo prazo de 6 meses, renováveis até à sua denúncia, por qualquer das partes, à taxa de juros correspondente à Lisbor a 3 meses, acrescida de 0,750%, donde resultava, à data da celebração do contrato, a aplicação da taxa de juro nominal de 3,900%, ao ano.

46. Convencionaram ainda nesse contrato que, em caso de mora, poderiam ser cobrados juros à taxa mais elevada dos juros remuneratórios em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza, à data do contrato de 13,7%, acrescida de uma sobretaxa de 4%, ao ano.

47. Convencionaram ainda que, quando a conta de depósitos à ordem não se mostrar atempada e suficientemente provisionada para o pagamento integral de cada prestação vencida será cobrada a quantia de 2.500$00 (12,46€).

48. Mais convencionaram, a cobrança de uma comissão de imobilização, trimestral e postecipadamente, sobre o montante de crédito em cada momento não utilizado, a contar da data referida no ponto 7.1 do contrato.

49. O aludido contrato foi objeto de 3 alterações, todas formalizadas por documento particular:

i. em 21.02.2000, quanto ao prazo, que passou de 6 para 30 meses.

ii. em 10.03.2002, quanto ao prazo que passou novamente para 6 meses e quanto à garantia prestada (doc. nº 27, que se junta e reproduz na integra)

iii. em 20.03.2006, quanto à garantia prestada, com a substituição da penhora de títulos ou direitos por aval em livrança em branco subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes.

50. De acordo com o estipulado nessa alteração ao contrato, para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Artebuild e os embargantes, avalistas, entregaram à exequente uma livrança em branco subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes, e autorizaram a exequente preenchê-la quando tal se mostre necessário, a seu juízo, tendo em conta, nomeadamente, e para além do mais, (i) a data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a Caixa decida preencher a livrança; (ii) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo o da própria livrança.

51. A exequente, previamente ao preenchimento da livrança, interpelou, por cartas datadas de 8.09.2016 e 26.09.2016, os embargantes e a Artebuild, para no prazo de 8 dias pagarem à exequente a quantia de 40.172,96€, calculado à data de 8.09.2016, respeitante à operação "Conta corrente nº PT ….", que se encontra vencida, sob pena da instauração da competente ação executiva, sem qualquer outro aviso, tendo as interpelações remetidas à Artebuild e ao embargante BB, sido devolvidas, por não terem sido reclamadas.

52. Nos termos do contrato sobredito, designadamente na cláusula 27, redigida na 3ª alteração ao empréstimo é referido que: “a data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pelo DEVEDOR das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança.”

53. Segundo a cláusula 22 do contrato original:” A Caixa poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a divida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários (…)”.

II. — deu como não provados os factos seguintes:

a) A embargante AA, com a conivência do embargante BB, doou-lhe o uso e habitação do imóvel, com o intuito de dificultar a cobrança dos créditos exequendos.

b) BB não reside no imóvel identificado nos autos.


O DIREITO


  19. A primeira questão suscitada pelos Executados, agora Recorrentes, relaciona-se com a ilegitimidade do Executado BB.

20. Em rigor, a questão é suscitada sob duas formas — através da arguição de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia (conclusão XXXV), e da alegação de que o acórdão recorrido, ao confirmar a condenação do Executado BB, violou da lei de processo (conclusões XII-XIV).

  21. O acórdão recorrido considerou que a questão da ilegitimidade do Executado BB tinha ficado decidida por decisão interlocutória proferida antes da sentença e que, não tendo a decisão interlocutória sido expressamente impugnada, transitou em julgado:

“… nas alegações de recurso”, diz-se no acórdão recorrido, “os Executados/Embargantes invocam a ilegitimidade do executado BB no que concerne à execução que tem como título o mútuo com hipoteca, a inexistência de litisconsórcio e a existência de coligação ilegal entre os executados, invocando ainda a questão do preenchimento do formulário do requerimento executivo na plataforma CITIUS. Todas estas questões foram decididas por decisões interlocutórias proferidas antes da sentença.

Os Recorrentes, apesar de terem recorrido da sentença, não declaram recorrer dessas decisões interlocutórias. Com efeito, no início das suas alegações de recurso, referem expressamente, que pretendem recorrer da sentença e não de qualquer outra decisão proferida nos autos, sendo certo que em parte alguma das suas alegações fazem alusão a tais decisões, nem mesmo aos seus argumentos.

As decisões interlocutórias que não sejam objeto de recurso de apelação autónomo podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da sentença final, nos termos do disposto no art. 644.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Assim, não tendo o Recorrente impugnado expressamente as decisões acima referidas, que apreciaram as questões acima enunciadas, as mesmas transitaram em julgado, tornando-se definitivas […]”.

 22. O art. 644.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

1. — Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

2. — Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;

b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;

c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;

f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

g) De decisão proferida depois da decisão final;

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

3. — As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4. — Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão.

23. O art. 644.º, n.º 3, deve coordenar-se com o art. 637.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de que decorre que “[o]s recursos [se interpõem] por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto”. Entre os corolários da coordenação do art. 644.º, n.º 3, com o art. 637.º, n.º 1, está o de que, “[d]e acordo com as circunstâncias, o requerimento e as alegações conjuntamente apresentadas poderão revelar [a] impugnação de decisões interlocutórias que não admitam recurso autónomo” [4].

  24. O teor das alegações revela a impugnação da decisão interlocutória que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Executado BB — daí que sobre a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância não tenha chegado a formar-se caso julgado.

  25. O Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso, na parte referente à impugnação do despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância — e, não o tendo conhecido, deverá ser parcialmente anulado o acórdão recorrido.

  26. A segunda questão suscitada pelos Recorrentes relaciona-se com a invalidade e ineficácia das cláusulas contratuais gerais contidas em contrato de mútuo.

   27. Em termos em tudo semelhantes aos da primeira questão, o tema da invalidade e da ineficácia das cláusulas contratuais gerais contidas em contrato de mútuo é suscitada sob duas formas — através da alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia (conclusão XXXIX) e através da alegação de que o acórdão recorrido violou a lei substantiva (conclusões XII-XIV e XLVII-L).

  28. O acórdão recorrido considerou que a questão da invalidade e da ineficácia das cláusulas contratuais gerais era uma questão nova e que, como questão nova, não podia ser apreciada em sede de recurso:

“… a questão da invalidade de alguma ou algumas cláusulas nunca foi referida nos articulados, sendo certo que incumbia ao Embargante, na qualidade de contraente que pretende prevalecer-se da omissão dos mencionados deveres, o ónus de alegação dessa omissão, permitindo ao contraente que apresentou as cláusulas fazer prova de que cumpriu adequadamente os mesmos (v. Ac. STJ de 23/9/2003 in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/clausulascontratuaisgeraisjurisprudenciastj.pdf ).

… não tendo os Embargantes alegado tal omissão no requerimento de embargos, permitindo à Embargada a eventual alegação e produção de prova do cumprimento dos seus deveres, não pode agora o Tribunal de recurso abordar tal questão, uma vez que não estão reunidos os necessários pressupostos para que tal aconteça”.

  28. Os Executados, agora Recorrentes, imputam à Exequente, agora Recorrida, a inobservância dos deveres de comunicação e de esclarecimento ou de informação dos arts. 5.º e 6.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

 29. Os termos em que estão redigidas as conclusões da alegação de recurso são elucidativos:

XLVII - O mútuo com hipoteca outorgado por escritura pública apenas goza de força probatória plena relativamente aos factos presenciados pela entidade vg. Notário.

XLVIII - O Documento Complementar à escritura pública onde constam as cláusulas contratuais gerais, não tendo sido presenciado pela entidade que certifica a autenticidade da força pública, não goza de força probatória plena.

XLIX.- As cláusulas contratuais gerais não negociadas, não informadas, não explicadas ou comunicadas aos devedores são nulas, sendo esta nulidade de conhecimento oficioso.

L - A nulidade das cláusulas leva à sua ineficácia, não podendo existir a produção de efeitos jurídicos, nos termos do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

  30. Ora, ao contrário do que alegam os Executados, agora Recorrentes, a consequência da inobservância dos deveres de comunicação do art. 5.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais ou dos deveres de esclarecimento e de informação do art. 6.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais não é a invalidade e, dentro das invalidades, a nulidade — é a exclusão das cláusulas não comunicadas ou das cláusulas comunicadas com violação dos deveres de esclarecimento ou de informação do conteúdo dos contratos singulares [cf. art. 8.º, alíneas a) e b), da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais).

  31. Face à diferença entre a exclusão das cláusulas contratuais gerais do contrato singular — prevista no art. 8.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais — e a nulidade das cláusulas contratuais gerais — prevista, p. ex., no art. 12.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais —, “[a] falta de comunicação ou informação de determinada cláusula para os efeitos da sua exclusão do contrato não é de conhecimento oficioso do Tribunal” [5].

  32. O sumário do acórdão do STJ de 28 de Setembro de 2017 diz, de forma elucidativa, que

“1. No âmbito dos contratos de adesão, para efeitos de observância do ónus de prova sobre a adequada comunicação e informação de cláusulas gerais neles inseridas, que incumbe ao proponente nos termos dos artigos 5.º e 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10, importa distinguir esse ónus do ónus, por parte do aderente, de alegar ou invocar a violação dos deveres de comunicação e informação de cuja preterição se pretende prevalecer.

2. Assim, o ónus de prova que recai sobre o proponente pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele”.

  33. O facto de os Executados agora Recorrentes, não terem, como deviam ter, alegado ou invocado a violação do dever de comunicação do art. 5.º ou dos deveres de esclarecimento e de informação do 6.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais no requerimento de embargos determina que a questão não possa ser apreciada em sede de recurso de apelação da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

  34. A terceira questão suscitada pelos Recorrentes relaciona-se com a inexigibilidade da obrigação e com a ilicitude da resolução do contrato de mútuo.

  35. Em termos em tudo semelhantes aos da primeira e da segunda questões, o tema da inexigibilidade da obrigação e da ilicitude da resolução do contrato de mútuo é suscitado sob duas formas:

  I. — através da alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por contradição (conclusão V), por excesso de pronúncia (conclusão V), por omissão de pronúncia sobre os documentos apresentados pela Executada, agora Recorrida (conclusão XXXVIII e XLIII-XLIV), por omissão de pronúncia sobre o “incumprimento definitivo” do contrato de mútuo (conclusão XXXIX) ou por omissão de pronúncia sobre a inexistência de uma declaração de resolução ou, em todo o caso, por omissão de pronúncia sobre a inexistência de uma declaração de resolução eficaz (conclusão XLII); II.— através da alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por violação da lei substantiva (conclusões LII-lV e LVII).

  36. O acórdão recorrido aplicou a cláusula 12.ªa, alínea d), do documento complementar do contrato de mútuo com hipoteca, em que as partes convencionaram que

“À credora fica reconhecido o direito de (…) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato”.

   37. Excluído o preenchimento da previsão da primeira parte da cláusula 12.ª, por não ter havido alienação do imóvel, o acórdão recorrido interpreta a segunda parte da cláusula para excluir a derrogação do regime geral do art. 781.º do Código Civil:

“… o vencimento das prestações vincendas só poderia ter ocorrido com a interpelação dos devedores.

Ora, tal interpelação resulta demonstrada nos autos através das diversas missivas enviadas pela Embargada aos Embargantes e referidas no ponto 32 dos factos provados.

… tendo a mutuante interpelado a mutuária para esta pagar as prestações vincendas, a mencionada obrigação se tornou exigível a partir de 20/7/12, com a consequente contagem de juros moratórios sobre a respetiva quantia, a partir dessa data (v. art. 804º do C. Civil).

… ao contrário do referido pelos Embargantes, nunca houve qualquer renegociação da dívida uma vez que as partes não chegaram a acordo sobre as condições de tal renegociação, não constituindo qualquer abuso de direito o recebimento de pagamentos para amortização do montante em dívida, sem efetuar a renegociação desta”.

  38. Em primeiro lugar, não há qualquer contradição entre as afirmações de que não houve alienação do imóvel e de que houve interpelação dos Executados, em termos que explicam e que justificam a exigibilidade antecipada das prestações vincendas.

   39. Em segundo lugar, não há qualquer omissão de pronúncia sobre o “incunprimento definitivo” do contrato de mútuo, sobre a inexistência de uma declaração de resolução ou, em todo o caso, sobre a inexistência de uma declaração de resolução eficaz.

  40. O art. 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil só determina a nulidade por omissão de pronúncia desde que o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que tivesse o dever de apreciar — e, como nem o “incumprimento definitivo”, nem a resolução do contrato de mútuo por “incumprimento definitivo” é condição da exigibilidade antecipada das prestações vincendas [6], o Tribunal da Relação não tinha o dever de apreciar a questão do “incumprimento definitivo”, da existência de uma declaração de resolução ou da existência de uma declaração de resolução eficaz.

   41. Em terceiro lugar, não há qualquer excesso de pronúncia.

42. Os Executados, agora Recorrentes, alegam o seguinte:

V - O acórdão que entre em contradição e excesso de pronúncia é nulo.

VI - Ao indicar que, como foi circunscrito no requerimento executivo, a dita celebração de um uso e habitação não seria fundamento de resolução contratual, por não configurar nenhuma alienação (teor do clausulado) e, mesmo assim, deduzir que se a Recorrente não tivesse liquidado sempre haveria fundamento de resolução, está o Tribunal a quo em contradição e excesso de pronúncia.

VII - O acórdão que exceda a sua pronúncia, conhecendo mais do arguido e subsumível ao seu conhecimento, é nulo nos termos do 615.º n.º1 c) e d) do CPC.

   43. Ora o acórdão recorrido não diz em momento nenhum que “se a Recorrente não tivesse liquidado sempre haveria fundamento de resolução” — e, ainda que o dissesse, sempre seria difícil de compreender que, como alegam os Recorrentes, o acórdão recorrido tivesse incorrido simultaneamente em omissão de pronúncia, por não ter apreciado se havia uma declaração de resolução e em excesso de pronúncia, por ter apreciado se havia um fundamento para uma declaração de resolução eficaz.

  44. Em quarto lugar, não há qualquer omissão de pronúncia sobre o teor dos documentos apresentados pela Executada, agora Recorrida.

  45. O Tribunal da Relação, ao apreciar a impugnação do facto dado como provado sob o n.º 9, disse o seguinte:

“… os montantes entregues foram de facto insuficientes para liquidar a dívida, pois as entregas eram inferiores ao valor das prestações em dívida, sendo certo que quando há atraso no pagamento se vencem juros. … os montantes entregues nunca eram suficientes para liquidar o valor acumulado da dívida, conforme decorre da análise dos extratos, dos talões de depósito e do depoimento das testemunhas acima mencionadas e ainda é admitido pelos ora Embargantes na carta que se encontra junta a fls. 22 dos autos em que mencionam, nomeadamente, que apesar dos esforços não tem sido possível regularizar os pagamentos. Do depoimento das referidas testemunhas decorreu ainda que que os pagamentos, da forma como foram efetuados, não eram solicitados pela ora Embargada, ou seja, esta solicitava o pagamento total da dívida ou a reestruturação da mesma e não pagamentos irregulares que não liquidavam a sua totalidade, no entanto, os pagamentos que iam sendo feitos eram, naturalmente aceites e posteriormente imputados nos valores em dívida”.

46. Explicado por que não procede a arguição de nulidades do acórdão recorrido, deverá esclarecer-se que não houve nenhuma violação da lei substantiva.

  47. Os factos dados como provados sob os n.ºs 7-9, 10, 12-29 e 51 são do seguinte teor:

7. Em Janeiro de 2013, o referido empréstimo tinha prestações em atraso – prestações para o reembolso do capital e juros vencidas e não pagas - desde 28.08.2009, ou seja, das 132 prestações do empréstimo vencidas até Janeiro de 2013, a embargante tinha pago apenas 91 prestações, estando em atraso, nessa altura, 41 prestações mensais.

8. Antes de Janeiro de 2013, os embargantes, quer a embargante AA, quer o embargante BB, que se arrogava seu procurador, fizeram diversas promessas e acordos de pagamento para a regularização do atraso em dívida.

9. Não obstante essas promessas e acordos de pagamento, até Abril de 2013, a embargante fez pagamento de forma irregular e por montantes insuficientes para a regularização do atraso em dívida pelo que, em face das promessas e acordo incumpridos, da ausência de pagamentos relevantes, dos montantes em dívida, do número de prestações em atraso e do avolumar da dívida, a exequente recorreu à via coerciva de cobrança dos seus créditos.

10. Em 25.02.2013, a situação do aludido empréstimo, era a seguinte:

— Capital vincendo (capital das prestações mensais não vencidas até ao termo do contrato Fevereiro de 2018): 95.358,40€

— Capital vencido (capital das prestações mensais vencidas e não pagas até 25.02.2013): 58.896,89€

— Juros (juros remuneratórios das prestações mensais vencidas e não pagas até 25.02.2013): 9.105,03€

— Juros de mora (juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas até 25.02.2013): 12.157,80€

— Comissões (comissões contratuais emergentes do incumprimento até 25.02.2013): 1.047,65€.

12. Em Fevereiro de 2013, a última prestação paga pela embargante tinha sido a vencida em 28 de Agosto de 2009, ou dito de outro modo, os pagamentos efetuados pela embargante desde o início do contrato até Janeiro de 2013, permitiram a liquidação das prestações vencidas até 28 de Agosto de 2009, ou seja, como já aduzido, o pagamento de 91 prestações das 132 prestações vencidas até Janeiro de 2013.

13. Em Fevereiro de 2013, a embargante, devia à embargada a quantia global de 176.565,77€, sendo 154.255,29€, a título de capital vencido e vincendo, 21.262,83€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos, e, 1.047,65€, a título de comissões contratuais.

14. Os embargantes conheciam a situação de incumprimento, os valores em dívida, como conheciam a iminência do procedimento executivo.

15. A embargante depois da receção da última interpelação, para evitar o recurso aos tribunais, fez, entre de Abril de 2013 e Maio de 2015, depósitos regulares na conta da embargante com vista à reestruturação de todas as suas responsabilidades, reestruturação que solicitaram à exequente e esta aceitou proceder ao estudo da sua viabilidade e dos seus termos.

16. As entregas efetuadas foram aplicadas no pagamento parcial das responsabilidades vencidas (capital vencido, juros, comissões), nos termos e como melhor resulta do extrato do empréstimo.

17. Sendo certo que, como anteriormente aduzido, e como resulta do extrato, as prestações mensais do empréstimo, à razão de cerca 1800€, por mês, continuaram a vencer-se com o decurso do tempo, bem como os juros e comissões, tudo em conformidade com o estabelecido no contrato.

18. A embargante, em Maio de 2015, deixou de fazer entregas por conta das suas responsabilidades, o que, aliás, anunciou, e, depois dessa data, não fez qualquer pagamento à exequente.

19. Não obstante isso, a embargante mantive o pedido de reestruturação das suas dívidas.

20. Por carta de 18.12.2015, na sequência do pedido de reestruturação da dívida e concluído o estudo, carta que foi recebida pelos embargantes, a exequente comunicou-lhes os termos da aceitação da proposta para a regularização de todas responsabilidades, e que passaria, em relação ao aludido empréstimo, pela capitalização dos montantes vencidos e não pagos, a pagar em 300 prestações, com 30% do diferimento de capital e taxa de juros Euribor a 12 meses + spread de 3,500%, e, em relação às responsabilidades decorrentes dos avales prestados, pela abertura de crédito consolidado hipotecário até ao montante de 43.500€, pelo prazo de 192 meses, com juros à taxa Euribor 12 meses +spread de 5,500%, com garantias, por hipoteca, do imóvel indicado no requerimento executivo, e fiança do embargante BB.

21. No seguimento dessa carta, e em resposta ao pedido dos embargantes, a exequente, em 11.2.2016, comunicou-lhes os valores em dívida:

Do empréstimo concedido à embargante AA

— Capital vincendo: 38.809,06€

— Capital vencido: 93.180,35€

— Juros remuneratórios: 14.846,90€

— Juros de mora: 3.217,32€

Do contrato de abertura de crédito com a Artebuild (de que são avalistas)

— Capital vencido: 18.000€

— Juros remuneratórios: 2.934,10€

— Juros de mora: 7.890,32€

— Comissões: 10.146,45€

e, da garantia bancária (de que são avalistas)

— Juros de mora: 786,64€

— Comissões: 1.383,10€.

22. Mais lhes comunicou, através dessa mesma carta, que no caso de terem interesse na reestruturação das dívidas, deveriam efetuar depósitos mensais de valor nunca inferior a 1.600€, que não foram feitos.

23. Em 26.02.2016, no seguimento da proposta da exequente para reestruturação da dívida, e da comunicação dos valores em dívida, os embargantes:

a) não aceitaram o valor da dívida emergente da garantia bancária,

b) aceitaram a dívida relativa ao contrato de abertura de crédito da Artebuild e propuseram o pagamento, imediato, do capital em dívida no valor de 18.000€

c) e, em relação ao empréstimo, reconheceram os valores em dívida, anunciaram a intenção de vender o imóvel, e propuseram o pagamento, de imediato, do capital vencido de 93.180,35€, do capital vincendo de 38.809,06€ e dos juros no valor de 7.733,67€.

24. Os embargantes, depois da carta da exequente de 26.02.2016 e da aceitação da proposta de reestruturação, não formalizaram, nem quiseram formalizar a reestruturação da dívida, nem fizeram qualquer pagamento à exequente, com vista à reestruturação, regularização ou liquidação da dívida.

25. Em 9.03.2016, a situação do aludido empréstimo, era a seguinte:

— Capital vincendo (capital das prestações a pagar entre 9.03.2016 até ao termo do contrato Fevereiro de 2018): 37.205,30€

— Capital vencido (capital das prestações mensais vencidas e não pagas até 9.03.2016): 94.784,11€

— Juros (juros remuneratórios das prestações mensais vencidas e não pagas até 9.03.2016): 7.761,48€

— Juros de mora (juros de mora sobre as prestações vencidas e não pagas até 9.03.2016): 15.139,08€

— Comissões (comissões contratuais emergentes do incumprimento até 9.03.2016): 3.284,38€.

26. A referida situação do empréstimo, à data de 9.03.2016, reflete todos as entregas efetuadas até Maio de 2015 (data do último pagamento) e era conhecida pelos embargantes.

27. Em 9.03.2016, a embargante, devia à embargada, em relação ao empréstimo de capital de 249.399,00€, a quantia global de 158.174,35€ (em Fevereiro de 2013 devia 176.565,77€), sendo 131.989,41€ a titulo de capital vencido e vincendo (em Fevereiro de 2013 devia 154.255,29€), 22.900,56€, a título de juros remuneratórios e moratórios vencidos e não pagos até 9.03.2016 (em Fevereiro de 2013 devia 21.262,83€), e, 3.284,38€, a título de comissões contratuais emergentes do incumprimento (em Fevereiro de 2013 devia 1.047,65€).

28. As entregas feitas até Maio de 2015, liquidaram as prestações do empréstimo vencidas até 28.12.2010 e os respetivos juros (em Janeiro de 2013 estavam pagas as prestações vencidas até Agosto de 2009).

29. Em Janeiro de 2013, o empréstimo tinha 41 prestações em atraso e, em Março de 2016, tendo em consideração os pagamentos efetuados pelos embargantes imputados ao pagamento das prestações vencidas e não pagas mais antigas (capital, juros e comissões), o empréstimo passou a ter 64 prestações em atraso das 171 prestações vencidas desde o início do contrato até Março de 2016.

51. A exequente, previamente ao preenchimento da livrança, interpelou, por cartas datadas de 8.09.2016 e 26.09.2016, os embargantes e a Artebuild, para no prazo de 8 dias pagarem à exequente a quantia de 40.172,96€, calculado à data de 8.09.2016, respeitante à operação "Conta corrente nº PT …", que se encontra vencida, sob pena da instauração da competente ação executiva, sem qualquer outro aviso, tendo as interpelações remetidas à Artebuild e ao embargante BB, sido devolvidas, por não terem sido reclamadas.

52. Nos termos do contrato sobredito, designadamente na cláusula 27, redigida na 3ª alteração ao empréstimo é referido que: “a data de vencimento será fixada pela CAIXA quando, em caso de incumprimento pelo DEVEDOR das obrigações assumidas, a CAIXA decida preencher a livrança.”

53. Segundo a cláusula 22 do contrato original:” A Caixa poderá resolver o contrato ou considerar antecipadamente vencida toda a divida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento de qualquer obrigação assumida pelos mutuários (…)”.

 48. O art. 781.º do Código Civil [7] determina que a mora do devedor na realização de alguma das prestações em dívida dá ao credor o direito de exigir a realização imediata de todas — e os factos dados como provados são suficientes para que se conclua que há mora do mutuário na realização das prestações vencidas e que o mutuário foi interpelado para que realizasse todas as prestações, vencidas e vincendas, correspondentes ao contrato de mútuo.

   49. A quarta questão suscitada pelos Recorrentes é a da iliquidez da obrigação exequenda.

   50. A conclusão LVI das alegações de recurso é do seguinte teor:

O título executivo deve ser líquido não se podendo os bancos (vg. Entidades bancárias) bastarem-se com a mera remissão para o contrato, não liquidando ou explicando, minuciosamente, os cálculos liquidados no requerimento executivo.

  51. Ora, como constata o acórdão recorrido, a liquidação estava dependente de um puro e simples cálculo aritmético: a quantia foi liquidada pela Exequente; a quantia, liquidada pela Exequente, é susceptível de ser executada; e, finalmente,

“[o] facto de os executados entenderem que a liquidação efectuada não está correcta, não torna, obviamente, a obrigação ilíquida, sendo sim fundamento de embargos”.

  52. A quinta questão suscitada pelos Recorrentes relaciona-se com a desproporção ou excesso das comissões e dos juros, coordenadas ao conceito de usura.

  53. Em termos em tudo semelhantes aos da primeira, da segunda e da terceira questões, o tema da usura é suscitado sob duas formas: — através da alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia (conclusão XL); — através da alegação de que o acórdão recorrido violou a lei substantiva (conclusão LII).

  54. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a questão da usura nos seguintes termos:

“Os Embargantes alegam a usura na cobrança de juros e comissões no que respeita ao contrato de mútuo com hipoteca, sem que no entanto, invoquem factos concretos que permitam sustentar tal alegação.

… os juros e comissões cobradas estão previstos no contrato celebrado entre a Embargante e a CGD e que o Embargante subscreveu na qualidade de fiador, sendo que não violam qualquer norma legal, antes obedecem ao princípio da liberdade contratual.

Dizem os Embargantes que a entidade mutuária não podia cobrar juros e outros encargos quando estava a renegociar a dívida, no entanto, não têm razão, pois contratualmente tais juros e encargos iam-se vencendo mediante o incumprimento total ou parcial nos pagamentos das prestações acordadas. Entretanto ia tentando um entendimento com os devedores para conseguir reaver os montantes em dívida sem recorrer aos tribunais, o que é perfeitamente lícito e aceitável e não implica qualquer novo acordo (como referem os Embargantes) ou a suspensão no pagamento de juros”.

  55. A alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, não se compreende e a alegação de que o acórdão recorrido violou a lei substantiva não procede: em regra, a modificação de um contrato depende do mútuo consentimento dos contraentes (art. 406.º, n.º 1, do Código Civil) — e, na renegociação de um contrato, desde que os contraentes não cheguem a um acordo ou a um consenso, não há modificação alguma.

   56. Como diz o acórdão recorrido, a circunstância de haver uma renegociação, para a modificação do contrato, não implica que haja uma suspensão do contrato ou que, entre as cláusulas suspensas, estejam as cláusulas relativas às comissões ou aos juros. 

 57. A sexta questão suscitada pelos Recorrentes relaciona-se com o preenchimento abusivo da livrança.

  58. Em termos em tudo semelhantes aos da primeira, da segunda, da terceira e da quinta questões, o tema é suscitado sob duas formas: — através da alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia (conclusão XLI); — através da alegação de que o acórdão recorrido violou a lei substantiva (conclusões LVIII a LXIII).

  59. O acórdão recorrido pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos:

“… através do documento nº 31 junto com a contestação aos embargos, os ora Embargantes, na qualidade de avalistas da obrigação, autorizaram a CGD a preencher a livrança (relativa ao contrato de abertura de crédito) ‘quando tal se mostre necessário’ e tendo em conta o seguinte:

‘a) A data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelo Devedor das obrigações assumidas, a Caixa decida preencher a livrança,

b) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança’.

Deste modo, bastava existir incumprimento do contrato, na modalidade de mora no cumprimento da obrigação, para que a CGD pudesse preencher a livrança pelo montante que à data desse preenchimento estivesse em dívida, sendo certo que os devedores foram interpelados para cumprir, como resulta da matéria de facto provada.

A responsabilidade dos Embargantes e da devedora principal é solidária, pelo que a CGD podia reclamar o valor em dívida de qualquer um dos devedores, podendo portanto reclamar na execução a totalidade da dívida.

… no que respeita ao preenchimento da livrança que garantia o contrato de emissão de garantia bancária, bastava existir mora da devedora para que a CGD pudesse preencher a livrança (v. pontos 38 e 39 da matéria de facto).

Dizem os Embargantes que a livrança que garantia o contrato de emissão de garantia bancária foi cancelada mas não foi. O contrato de garantia é que foi denunciado mas, uma vez que a celebração desse contrato gera a obrigação de pagar comissões (remuneração do contrato) e que essas comissões ou algumas delas não foram pagas, a livrança que garantia o cumprimento desse contrato foi preenchida pelo valor em dívida após interpelações dos devedores para procederam ao pagamento da mencionada dívida.

Cabia aos Embargantes provar o erro de preenchimento ou o preenchimento abusivo (cfr. Ac. RP de 3/3/16, Ac. R.C. de 18/12/13, Ac. R. L. de 4/6/09, Ac. deste Relação de 15/5/14, Ac. STJ de 11/2/10, todos no site www.dgsi.pt) mas não o fizeram, pelo que improcede este fundamento dos embargos”.

  60. Em termos em tudo semelhantes aos da resposta à quinta questão, dir-se-á o seguinte — a alegação de que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia, não se compreende e a alegação de que o acórdão recorrido violou a lei substantiva não procede.

  61. Os Recorrentes alegam que

LVIII - Existindo pacto de preenchimento das livranças e os avalistas tendo intervindo nesse pacto, possuem estes legitimidade para se opor ao seu preenchimento abusivo e ilegal.

LIX - O pacto de preenchimento da livrança cristaliza a sua obrigação e não leva a que possa ser accionada uma via executiva sem resolução ou interpelação

LX - Accionando-se a via executiva sem interpelação aos avalistas e sem resolução comunicada à devedora principal e aos avalistas, sem sequer haver prova da chegada ao conhecimento dos mesmos, existe uma notória violação do pacto de preenchimento.

LXI - Há preenchimento abusivo da livrança quando, esta sendo dada ao contrato em 2013, venha a ser preenchida com uma data de 1999.

LXII - Ao existir cancelamento de uma livrança a mesma não pode ser accionada, porquanto o cancelamento opera pela própria entidade bancária e há devolução da mesma.

LXIII - Ao ser reclamado em processo de insolvência um valor à devedora principal de 18.000,00 euros é este valor que terá que ser exigido aos avalistas, porquanto a obrigação destes acompanha, sempre, a obrigação principal.

 62. Em primeiro lugar, os Executados, agora Recorrentes, foram interpelados [8] — e, por isso, é irrelevante a afirmação de que “[o] pacto de preenchimento… não leva a que possa ser accionada uma via executiva sem resolução ou interpelação” ou de que, “[a]ccionando-se a via executiva sem interpelação aos avalistas e sem resolução comunicada à devedora principal e aos avalistas, … existe uma notória violação do pacto de preenchimento”.

 63. Em segundo lugar, aa livrança avalizada pelos Executados, agora Recorrentes, não foi cancelada [9] — e, por isso, é irrelevante a afirmação de que, existindo cancelamento, a livrança não pode ser accionada.

 64. Em terceiro lugar, a reclamação de créditos em processo de insolvência, ou em processo especial de revitalização, não tem o efeito de excluir ou de limitar a responsabilidade dos Executados, agora Recorrentes, como avalistas — e, por isso, é irrelevante a afirmação de que, existindo reclamação de um valor de 180000 euros, é esse o valor que terá que ser exigido aos Recorrentes, como avalistas.

   65. Finalmente, o contrato cujo cumprimento foi garantido pela livrança preenchida com uma data de 1999 foi celebrado em 5 de Março de 1999 (facto dado como provado sob o n.º 45) e alterado em 20 de Março de 2006, “com a substituição da penhora de títulos ou direitos por aval em livrança em branco subscrita pela Artebuild e avalizada pelos embargantes” (facto dado como provado sob o n.º 49).

  66. O pacto de preenchimento estipulava que a Exequente, agora Recorrida, ficava autorizada a preenchê-la quando tal se mostrasse necessário, a seu juízo, tendo em conta, nomeadamente, e para além do mais, [que] (i) a data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pelos devedores das obrigações assumidas, a Caixa decida preencher a livrança; e [que] (ii) a importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo o da própria livrança (facto dado como provado sob o n.º 50).

  67. Os Executados, agora Recorrentes, não provaram, como tinham o ónus de provar, que houvesse uma violação do pacto de preenchimento.

  68. Os termos em que os Executados, agora Recorrentes, relacionaram as questões da nulidade do acórdão recorrido, por contradição, fazem com que todas as questões relativas á arguição de nulidades do acórdão recorrido tenham já sido apreciadas e decididas, em termos que tornam desnecessário, por repetitivo, reapreciá-las em separado.


III. — DECISÃO

   Face ao exposto, concede-se parcialmente a revista e anula-se parcialmente o acórdão recorrido, determinando-se que o Tribunal da Relação de Guimarães aprecie o recurso de apelação na parte referente à impugnação do despacho que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade do Executado BB.

    Custas a final.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2020

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

    Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

__________

[1] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1 — e de 26 de Novembro de 2019 — processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.

[2] Cf. acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1.

[3] Cf. acórdãos do STJ de de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15 —; de 12 de Abril de 2018 — processo n.º  414/13.6TBFLG.P1.S1 —; de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 —, de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1 — e de 05 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1.

[4] António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 637.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 132-138 (138).

[5] Cf. designadamente acórdãos do STJ de 15 de Setembro de 2016 — processo n.º 3389/08.0TJCBR-A.C1.S1 — e de 28 de Setembro de 2017 — processo n.º 580/13.0TNLSB.L1.S1.

[6] Vide, p. ex., Fernando Andrade Pires de Lima / João de Matos Antunes Varela, anotação ao art. 781.º, in: Código Civil anotado, vol. II — Artigos 762.º a 1250.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1986, pág. 32: [a] aplicação da sanção prevista neste artigo [scl: no art. 781.º do Código Civil] supõe [só] a mora do devedor”

[7] Cujo teor corresponde ao da segunda alternativa da cláusula 22.ª do contrato original — cf. facto dado como provado sob o n.º 53.

[8] Cf. facto dado como provado sob o n.º 51.

[9] Cf. factos dados como provados sob os n.ºs 41 e 42 — relativos á denúncia e ao cancelamento da garantia bancária.