Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B1899
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: IMPUGNAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200607060018997
Data do Acordão: 07/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário : I - A incorrecta gravação áudio ou vídeo, podendo influir na decisão da causa na medida em que condiciona a reacção das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, constitui irregularidade processual que gera nulidade secundária integrante da previsão do art.201º, nº1º, CPC.

II - Aplica-se a essa nulidade o regime geral da arguição de nulidades (arts.153º, nº1º, e 205º, nº1º, CPC ), devendo a parte invocá-la no prazo de 10 dias a contar da data entrega do registo fonográfico.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Em 6/11/97, AA, residente na Rua ..., ...., em Lisboa, intentou contra Empresa-A, Empresa-B, e Empresa-C, todas com sede em ..., Alicante, Espanha, acção declarativa com processo comum na forma ordinária, que foi distribuída ao 7º Juízo - depois Vara - Cível da comarca de Lisboa.

Pediu a condenação das demandadas a pagar-lhe, a 1ª, a quantia de 8.625.722$00, a 2ª, a de 3. 230.990$00, e a 3ª, a de 1.221.140$00, com juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, alegando, para tanto, em síntese, o seguinte :

No âmbito da sua actividade de agente comercial, e a pedido e no interesse das RR, representou-as em Portugal para promoção e vendas dos produtos e marcas próprias, pagando-lhes aquelas, como preço dos serviços prestados na promoção e venda desses produtos, 2% sobre o valor total das vendas facturadas em Portugal.

Cessou a sua actividade de agente comercial das RR no final do ano de 1995, sem que estas lhe tivessem pago o valor total devido sobre a facturação atrasada dos anos de 1993, 1994 e 1995. Quanto a este último ano, pagaram apenas uma parte das comissões apuradas e devidas sobre as vendas.

Contestando, as RR opuseram o que segue :

A actividade do A. como agente comercial terminou em 1992, data a partir da qual passou a receber comissões sobre as vendas por elas feitas directamente a clientes portugueses.

Ficou então acordado que as contestantes lhe pagavam apenas 2% sobre o valor dessas vendas , e, ainda uma percentagem de 2% sobre as vendas efectuadas pela Empresa-D a clientes portugueses, ficando, porém, o pagamento dessa percentagem a cargo daquela sociedade.

Com o pagamento das últimas comissões devidas ao A. a título de vendas efectuadas directamente pelas RR a clientes portugueses, ficou totalmente regularizada a situação entre elas e este, nada mais lhe devendo.

Realizada audiência preliminar, e saneado, condensado e instruído o processo, nomeadamente mediante carta rogatória para inquirição de testemunhas, vieram, após julgamento, a ser julgados provados os factos seguintes, agora convenientemente ordenados (1), com, entre parênteses, indicação das correspondentes alíneas e quesitos :


- A partir de 11/7/89, o A. fez-se sócio de Empresa-D ( I ).

- É agente comercial, actividade que cessou no final de 1995, o que ocorreu com todas as RR ( A, E, e 2º).

- Nesse âmbito, a pedido e no interesse das RR, representou-as em Portugal, para a promoção e vendas dos produtos e marcas próprias, visto que são empresas associadas ( B ).

- Como preço dos serviços prestados pelo A., as RR pagavam-lhe 2% sobre o valor das vendas facturadas ( C ).

- Esse valor foi acertado pela última vez em 28/12/92 ( D ).

- Nos anos de 1994 e 1995 a actividade de comissionista do A. restringiu-se às vendas feitas directamente pelas RR a clientes portugueses, incidindo a predita percentagem de 2% sobre o valor dessas vendas ( 1º e 4º ).

- As RR não pagaram ao A. o valor sobre a facturação dos anos de 1993, 1994 e 1995, como se indica : - em 1993, a Empresa-A, 308.912$00, a Empresa-B, 210.810$00, e a Empresa-C, 49.643$00 ; - em 1994, a Empresa-A, 1.506.514$00, a Empresa-B, 820.015$00, e a Empresa-C, 185.015$00; - e em 1995, a Empresa-A, 3.957.725$00, a Empresa-B, 632.500$00, e a Empresa-C, 274.488$00 ( F ).

- Esses montantes foram calculados sobre o valor da facturação ( da mercadoria ) vendida em Portugal por intermédio da Empresa-D, Lda ( G ).

- A 1ª Ré ( Empresa-A ) enviou ao A. a carta de fls.17 a 19, datada de 3/3/97, em que, em resumo, diz não existir qualquer dívida pendente entre ela e o A., não tendo por isso que lhe pagar comissões que não existem ( H ).

Em 28/1/2005, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou as RR a pagar ao A., a 1ª, a quantia de € 1.540,85, a 2ª, a de € 1.051,52, e a 3ª, a de € 247,62, todas com juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas anuais sucessivamente em vigor, de 10% até 16/4/99, de 7% desde 17/4/99 até 30/4/2003, e de 4% a partir de 1/5/2003, absolvendo-as do mais pedido (2) .

O A. interpôs recurso de apelação dessa sentença,vindo as RR a interpor, por sua vez, recurso subordinado da mesma.

Na alegação respectiva, o A. arguiu, a título de questão prévia, a nulidade decorrente do facto de a cassette relativa à sessão de julgamento do dia 6/10/2004 não conter qualquer gravação, ficando, por isso, impedido de demonstrar a errada apreciação da matéria de facto, em especial relativamente ao depoimento prestado pela testemunha ouvida nessa sessão.

Tendo-se as RR pronunciado pelo indeferimento dessa arguição, em despacho de 23/6/2005, desenvolveram-se, bem que em ordem diferente, as considerações seguintes :

Da cassette em causa, não consta, de facto, qualquer registo dos esclarecimentos prestados pela testemunha ouvida na sessão de julgamento do dia 6/10/2004.

O essencial do seu depoimento encontra-se, no entanto, gravado na cassete nº1.

O registo das audiências finais e da prova foi instituído pelo DL 39/95, de 15/2, que teve por fim a criação de um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes uma real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica da causa.

A incorrecta gravação áudio ou vídeo constitui omissão de acto que a lei prescreve, podendo influir na decisão da causa na medida em que condiciona a reacção das partes contra a decisão proferida sobre a matéria de facto.

Trata-se, pois, de uma irregularidade processual que, a verificar-se, gera nulidade nos termos do art.201º, nº1º, CPC.

Aplica-se a essa nulidade o regime geral da arguição de nulidades ( arts.153º, nº1º, e 205º, nº1º, CPC ), devendo a parte invocar a nulidade no prazo de 10 dias a contar da data entrega do registo fonográfico (3) .

As cassettes contendo a gravação do julgamento, incluindo aquela de que não consta o registo dos esclarecimentos da testemunha em causa, foram entregues ao A. em 9/3/2005, conforme termo de entrega a fls.557.

Ora, ao arguir a nulidade, com o oferecimento da alegação, em 6/4/2005, o A. fê-lo intempestivamente, o que determina, desde logo, a improcedência da reclamação da nulidade referida.

Ainda que assim fosse, essa reclamação também não poderia deixar de improceder face ao disposto no art.9° do DL 39/95, de 15/2, segundo o qual " se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade." Ora :

As testemunhas BB e CC, ambas arroladas pelo A., prestaram o seu depoimento na sessão de julgamento que teve lugar em 14/6/2004, que se encontra integralmente gravada.

Na sessão de julgamento realizada em 6/10/2004, a testemunha BB limitou-se a prestar pequenos esclarecimentos sobre documentos juntos na sessão anterior, que nada acrescentaram ao seu depoimento, como, de boa fé, o A. não poderia deixar de reconhecer.

Entendeu-se, nesta conformidade, que a irregularidade cometida nenhuma influência teve no exame ou na decisão da causa, sempre, por consequência, sendo de indeferir a nulidade invocada - a qual, aliás, nunca poderia ter o efeito pretendido pelo A., que é a repetição do julgamento.

Na verdade, consoante art.201º, nº2º, CPC, " a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes ". Quer isto dizer que as partes do acto que não dependam da parte nula manterão a sua validade. " Vale aqui, por conseguinte, o velho brocardo - utile per inutile non vitiatur - que serve de apoio, na nulidade parcial do negócio jurídico, à conhecida teoria da redução ( art.292º C. Civ. ) " (4) .

Sempre, assim, haveria que circunscrever ao indispensável os efeitos da nulidade invocada pelo A., não implicando a procedência da sua reclamação a repetição na totalidade dos depoimentos prestados.

Atenta, deste modo, a extemporaneidade da arguição aludida e a não influência da nulidade reclamada no exame ou na decisão da causa, julgou-se improcedente esta reclamação.

O A. agravou desse despacho (5).

Por acórdão de 16/2/2006, a Relação de Lisboa, louvando-se no disposto nos arts.522º-B e C, 690º-A, e 712º, nº1º, al.a), CPC, e 3º a 9º do DL 39/95, de 15/2, concedeu provimento a esse recurso.

Em consequência, declarou a nulidade parcial da audiência de discussão de julgamento e a dos actos subsequentes e prejudicado pela procedência do agravo o conhecimento do objecto dos recursos de apelação.

É dessa decisão da 2ª instância que vem interposto pelas RR, e admitido, este recurso de agravo.

Em fecho da alegação respectiva, deduzem as conclusões seguintes :

1ª - A prova omitida só deve ser repetida se for essencial ao apuramento da verdade, ou seja, a repetição da prova pressupõe que a verdade não possa ser alcançada doutro modo - arts.9° do DL 39/95, de 15/2, e 201º, nº1º, CPC.

2ª - As testemunhas BB e CC, arroladas pelo ora agravado, prestaram declarações sobre toda a matéria da base instrutória na sessão de julgamento realizada em 14/6/ 2004.

3ª - Em 6/10/2004, a testemunha BB prestou pequenos esclarecimentos sobre documentos entretanto juntos, que nada acrescentaram ao seu depoimento, como refere o tribunal de 1ª instância perante o qual foi produzida a prova.

4ª - Foram esses esclarecimentos que não foram gravados.

5ª - Parece evidente que a prova omitida não se revela indispensável ao apuramento da verdade, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos previstos no art.201º, nº1º, CPC e no art.9° do DL 39/95, de 15/2.

6ª - Ainda que se entenda que irregularidade praticada produz nulidade, nunca a reclamação desta poderá ser deferida.

7ª - As partes devem arguir a nulidade processual resultante da falta de registo da prova no prazo de 10 dias a contar da data da entrega das respectivas cassettes - arts.153º, nº1º, e 205º, nº1º, CPC.

8ª - No caso concreto, o ora agravado levantou as cassettes que continham a gravação do julgamento em 9/3/2005.

9ª - Assim, a nulidade em causa devia ter sido arguida até 21/3/2005.

10ª - O ora agravado só arguiu a nulidade em 6/4/2005, isto é, quase um mês depois de ter levantado as cassettes, pelo que a mesma foi arguida intempestivamente.

11ª - O acórdão recorrido interpretou e aplicou incorrectamente os arts.153º, nº1º, e 205º, nº1º, CPC, 9° do DL 39/95, de 15/2, e 9º, nºs 2º e 3º, C.Civ.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A questão a resolver é a da natureza, prazo de arguição e consequências da irregularidade apurada, que consiste na falta de gravação do depoimento duma testemunha em determinada sessão da audiência de discussão de julgamento.

A matéria de facto relevante e a ter para tanto em conta, posto, até, que só dela há prova nos autos, é como segue :

- As testemunhas BB, que depôs a todos os artigos da base instrutória, e CC, ambas arroladas pelo A., prestaram o seu depoimento na sessão de julgamento que teve lugar em 14/6/2004, que se encontra integralmente gravada ( acta a fls.288 ss ).

- Então determinada a junção de documentos pelas RR, o que efectivamente fizeram, e mais juntos por elas e pelo A. outros documentos ( fls.294 ss, 419 ss, e 494 ss ), na sessão subsequente, realizada em 6/10/2004, foi ainda, em deferimento de requerimento do A., ouvida aquela primeira testemunha, para prestação de esclarecimentos quanto aos preditos documentos ( acta a fls.530 e 531 ).

- Esse depoimento não ficou gravado na cassette utilizada para esse efeito.

- As duas cassettes que continham a gravação do julgamento, em que se incluía a imediatamente acima referida, foram entregues ao A. em 9/3/2005, conforme termo de entrega a fls.557.

- O ora agravado arguiu a falta da gravação referida em 6/4/2005, na alegação que então apresentou ( fls.561 ).

Nas conclusões da alegação das ora agravantes não se faz mais que repetir, em ordem inversa, o adiantado no despacho impugnado. Como assim, nota-se de imediato ter sido em termos de subsidiariedade que neste se mencionou que da gravação em falta apenas poderiam constar esclarecimentos sem relevo para o exame e decisão da causa, relativos a documentos entretanto apresentados. Mas nem, porém, a todas as luzes, tal pode ser tido em consideração, face à irrelevância no processo do que dele mesmo não possa constatar-se (6) .

Isto liminarmente arredado, de igual modo terá de sê-lo a tese do ora agravado de que a falta da gravação em causa constitui nulidade principal - ou a tal equiparável - a que se aplique o disposto no art.204º, nº1º, CPC. As nulidades principais continuam a ser as já estabelecidas antes do DL 39/95, de 15/2, relativo à gravação da prova : para além das quatro expressamente referidas no art.202º CPC, nenhuma outra pode ser assim considerada. Que se trata de nulidade secundária prevenida no art.201º, nº1º, CPC é, enfim, o que dizem Acs. STJ de 9/7/2002, CJSTJ, X, 2º, 153 (7), e, destes mesmos juízes, de 13/1/2005, no Proc.nº 4251/04, com sumário no nº87 dos Sumários de Acórdãos deste Tribunal organizados pelo Gabinete dos Juízes Assessores do mesmo, p.30, 2ª col.-VIII.

E nem também a invocação de valores de ordem substancial como é o caso da realização da justiça - que só, de facto, o princípio de que o processo deve tender à descoberta da verdade material poderá assegurar - pode servir para fazer esquecer continuar, do mesmo modo, a valer na lei do processo civil um princípio de auto-responsabilidade das partes e de preclusão. Assim :

Desde logo notória para quem trabalha nos tribunais a frequência com que tal ocorre, seja por deficiência do equipamento ou por impreparação ou falha humana, a deficiência da gravação ( que tanto pode ir ao ponto da sua omissão, como é o caso, como do que o mesmo venha a valer ) de modo nenhum é algo com que a parte - cfr., a propósito, art.32º CPC - não possa, e, mesmo deva contar. Isto assim, claro está, quando efectivamente use da normal diligência exigível de harmonia com o padrão dum modo geral estabelecido no art.487º, nº2º, C.Civ.

De concluir vem a ser então, ainda, que, de harmonia com o disposto na parte final do nº1º do art.205º CPC, o prazo para a arguição ou reclamação de nulidade processual secundária, como é o caso da falta de gravação aludida, se conta da data do levantamento da cassette sem essa gravação.

Tem-se, na conformidade do já adiantado, por manifesta a exigibilidade de que, numa actuação normalmente diligente, a parte se assegure que a gravação que lhe foi entregue permite efectiva reapreciação da prova produzida - e tal assim em termos de no prazo geral de 10 dias, estabelecido no art.153º, nº1º, CPC, reclamar de eventual deficiência que tal impeça.

Tem-se, enfim, por claro que uma actuação prudente implicará sempre a verificação imediata da suficiente qualidade da gravação.

Daí ser realmente de entender que, exigível a " intervenção cuidadosa e diligente " a que o acórdão em recurso alude no 1º par. da sua pág.17, a fls.813 dos autos, o prazo em causa se inicia com a entrega das cassettes ao mandatário, sendo aplicável à arguição da omissão de gravação da audiência o prazo geral de 10 dias estabelecido no art.153º CPC (8) .

Tendo, de facto," de haver rigor e lealdade intelectual na construção do critério a aplicar "- destaque nosso da alegação oferecida no agravo interposto na 1ª instância -, outra, bem diferente, questão vem, a todas as luzes, a ser a do prazo para a parte preparar e produzir a alegação respectiva, conforme art.698º, nº6º, CPC. Como assim, a alegação de que " o critério aplicado pelo Mmo Juiz a quo impõe à parte a obrigação de preparar a sua motivação em 10 dias " desmerece, de todo, comentário. E acoimar, por fim, de " formalista ", " injusto e imoral " critério que não ultrapassa singela aplicação da lei do processo, desmerece também consideração.

Chegou-se, na alegação referida, a isto : " A jurisprudência está a tentar a construção de critérios meramente formais contra o sentido das recentes alterações processuais que acentuaram o princípio da verdade material e reforçaram os meios de a alcançar, para a realização da Justiça ".

Exige, então, a outrossim invocada honra que frontalmente se afirme que, tanto quanto se sabe, a jurisprudência não faz mais do que tentar honestamente acertar na aplicação dos juízos de valor legais : de modo nenhum - tanto também quanto se consegue entender - tendo as " recentes alterações processuais " ido no sentido de defender à outrance, isto é ( art.139º, nº1º, CPC ), para além de toda a razoabilidade, as partes da menor atenção, incúria ou negligência da sua actuação processual.

Concretamente, a crítica - ou o que possa ser - acima transcrita manifesta-se, de todo em todo, desprovida de razão em relação à jurisprudência em que o despacho impugnado se louva, a que se pode aditar ARL de 3/5/2001, CJ, XXVI, 3º, 77 ss.

Ter-se-á - parece, enfim - optado no acórdão ora em recurso por nem tanto, ou nem por aí além, ponderada solução de facilidade, pode ser que na órbita do (assim dito) "politicamente correcto", mas que, se bem se crê, menos terá que ver com consideração equilibrada dos interesses das partes e do sistema de justiça nacional - deste já se mostrando dito quanto havia ( e, mesmo, não havia ) para dizer.

Lembrado que este processo anda nos tribunais há mais de 8 anos e meio, não será, por certo, o menor desses interesses o dum serviço efectivamente operante, ou seja, de justa e eficaz aplicação da lei, em tempo útil.

Não se vê, se bem se conclui, que a decisão da Relação possa subsistir.

Haveria, por conseguinte, consoante arts.715º, nº2º, e 726º CPC, que fazer o que não fez, que é conhecer do mérito dos recursos - principal e subordinado - de apelação.

Todavia sucede que - ainda assim, num e noutro - se discute, antes do mais, a decisão sobre a matéria de facto ( v., nomeadamente, conclusões 5ª das alegações duma e doutra partes, transcritas nas pp. 4 e 7 do acórdão recorrido, a fls.800 e 803 dos autos, respectivamente ), de que - para mais limitados, nesse âmbito, os poderes deste Tribunal pelo disposto nos arts.26º da Lei nº3/99, de 13/ 1, e 722º, nº2º, e 729º, nºs 1º e 2º, CPC - não pode agora conhecer-se sob pena de preterição de jurisdição.

Daí a decisão que segue :

Concede-se provimento a este recurso de agravo.

Revoga-se o acórdão recorrido, ficando, bem que pelas razões expostas, a subsistir o decidido no despacho nele apreciado.

Em consequência do deixado dito, determina-se a devolução dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a fim de aí serem apreciados os recursos de apelação - desde logo, e bem que com a limitação decorrente do ora decidido, no tocante à decisão sobre a matéria de facto, e depois, no mais que cumpra.

Custas pelo agravado.

Lisboa, 6 de Julho de 2006
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) V., a propósito, Antunes Varela, RLJ, 129º/51.
(2) Discorreu-se para tanto assim : o A. entende que durante o referido período de três anos os 2% a que tinha direito incidiam sobre o total das vendas facturadas para Portugal ; as RR defendem que essa percentagem incidia apenas sobre o valor das vendas feitas directamente por elas a clientes portugueses. Provou-se que, nos anos de 1994 e 1995, a percentagem de 2% que o A. recebia como contrapartida da representação das RR em Portugal, incidia sobre o valor das vendas que estas faziam directamente a clientes portugueses. Dito de outro modo : durante esses dois anos, já o A. não tinha direito a receber das RR qualquer percentagem sobre o total das vendas facturadas para Portugal, o que sucede apenas em relação ao ano de 1993. Deste modo, o A. tem direito à percentagem de 2% sobre a facturação do ano de 1993, no valor global de 569.370$00, ou seja, € 2.840,00, montante que não foi pago na proporção devida pelas RR, conforme al. F) dos factos assentes. Não tendo as RR pago ao A. essa quantia, violaram o disposto nos arts. 406º, nº 1º, e 762º, nº1º, C. Civ., segundo os quais, respectivamente, os contratos devem ser pontualmente cumpridos ( pacta sunt servanda ) e o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que se vinculou. Portanto, tem o A. direito a receber das RR as seguintes quantias : € 1.540,85 (308.912$00 ) da 1ª Ré; € 1.051,52 ( 210.810$00 ) da 2ª Ré, e € 247,62 ( 49.643$00 ) da 3ª Ré.
(3) ARP de 26/6/2003, acessível em www.dgsi.jtrp.pt e ARL de 29/5/2001, e de 21/1/2003, acessíveis em www.dgsi. jtrl.pt.
(4)V. Antunes Varela e outros, " Manual de Processo Civil ", 2ª ed., pág. 391.

(5) Proferido, se bem parece, ao abrigo do art.668º, nº4º, tem-se observado não deverem confundir-se as nulidades do processo em geral previstas no nº1º do art.201º com as nulidades da decisão específica e taxativamente prevenidas no nº1º do art.668, todos do CPC. É, em todo o caso, certo que, como ensinava Alberto dos Reis, " Anotado ", I, 309, as nulidades processuais secundárias devem ser julgadas no tribunal em que ocorreram ( só já em sede ou via de recurso quando preenchida a previsão do art.205º, nº3º).
(6) Quod non est in actis non est in mundo. Como, designadamente, se pode ver do nº2º do art.514º CPC, socorrendo-se o tribunal de factos de que tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove. Quer isto dizer que - até porque não poderá nesse caso ser controlado em sede de recurso - o que não ficou gravado não pode ser invocado por quem quer que seja.

(7) Como de imediato se vê do sumário desse aresto ( I ; v. também p.154, 2ª col., 4º par.), no caso então julgado não constava do processo a data da entrega das cassettes ao recorrente. Vai, no entanto, é certo, mesmo se, dir-se-ia, com alguma displicência, no sentido propugnado pelo ora agravado ( p. 155, 4º par.) : como se dirá em texto, o mandatário não tem que ir a correr ouvir as cassettes : tem 10 dias para as ouvir, para, a ser disso caso, reclamar a deficiência da gravação. Nenhuma dificuldade se vê que tal na realidade comporte.
(8) O que, no caso, sucedeu em 9/3/2005. Esse prazo terminava, pois, não em 21, mas em 29/3/3005, dado as férias da Páscoa se terem iniciado em 18/3, com termo em 28/3, tendo a nulidade em causa vindo a ser arguida em 6/4.