Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7430/19.2T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
DOCUMENTO
DECLARAÇÃO RECEPTÍCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Sumário :
I - A expressão “suporte duradouro” usada nos arts. 14.º, 15.º e 17.º, do DL n.º 227/2012, de 25-10, - diploma que criou o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) - é correspondente ao conceito de documento do art. 362.º do CC, pelo que a prova da existência do procedimento e dos termos em que teve lugar, desde a sua instauração à sua extinção, só pode ser feita através da sua exibição.

II - Sendo o PERSI um procedimento pautado pela negociação tendente à regularização das situações de incumprimento a comunicação da sua instauração, integração dos clientes e extinção tem natureza receptícia.

III - O regime criado pelo DL n.º 227/2012, de 25-10, não exige, porém, que a prova da comunicação aos destinatários dirigida para o endereço conhecido do remetente e sobre o efectivo conhecimento pelos destinatários do teor da instauração do PERSI e sua integração nele bem como da extinção do procedimento tenham lugar unicamente através de prova documental, sendo admissível o recurso complementar a outros meios de prova e a presunções judiciais nos termos do art. 351.º do CC.

IV - Não havendo norma expressa que exija determinada espécie de prova para a afirmação da realidade do facto não constitui fundamento de revista o eventual erro na apreciação da prova e na fixação da matéria de facto pelas instâncias.

Decisão Texto Integral:

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


֎


RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1. AA, residente no ... e BB, residente em ..., propuseram a presente acção declarativa de condenação contra o Banco Santander Totta, SA, com sede na Rua ... em ... e contra Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, SA, com sede na Rua ... em ..., visando obter a sua condenação nos seguintes termos:

a) Serem os réus condenados a indemnizar os autores, a título de danos patrimoniais, no montante de € 573.604,00 (quinhentos e setenta e três mil seiscentos e quatro euros);

b) Serem os réus condenados a indemnizar os autores, a título de danos não patrimoniais, no montante mínimo de € 100.000,00 (cem mil euros);

c) Serem os réus condenados a indemnizar os autores no montante que venha a apurar-se em sede de liquidação em execução de sentença.

Alegaram, em síntese, o seguinte:

Em janeiro de 2010 celebraram como o primeiro réu dois contratos de mútuo com hipoteca, tendo-se visto posteriormente confrontados com a impossibilidade de suportar os encargos financeiros que assumiram, por causa da perda de rendimentos do casal, ocorrida em consequência da doença oncológica da autora, que lhe causou uma incapacidade de 66% e a incapacidade total e definitiva para o trabalho, razão pela qual deixaram de pagar as prestações acordadas com o banco réu.

Uma vez que tinham celebrado com a seguradora ré, em conjunto com os contratos de mútuo, dois contratos de seguro de vida com cobertura de morte e de invalidez permanente participaram-lhe o sinistro, recusando-se a seguradora ré a suportar a indemnização devida por entender que o quadro clínico da autora se não enquadrava no conceito de invalidez total e permanente definido nas condições especiais dos contratos subscritos.

O banco réu, apesar de ter conhecimento dos dois seguros de que era beneficiário e da doença da autora, considerou vencidas todas as prestações futuras dos contratos de mútuo, instaurando em 30 de setembro de 2015 execução contra os autores (processo 23787/15.... pendente no Juízo de Execução ... (Juiz ...)), apresentando como títulos executivos os contratos de mútuo celebrados, sem previamente integrar os autores em procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), violando desse modo disposições legais imperativas e incorrendo em abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados.

Com estas condutas, as rés causaram aos autores danos patrimoniais e não patrimoniais de que pretendem ser indemnizados.


2. Ambos os réus contestaram, pedindo a sua absolvição dos pedidos.

O banco réu dizendo que tendo a seguradora declinado a sua responsabilidade, em face do incumprimento contratual dos autores, procedeu á resolução dos contratos de mútuo, exigindo deles judicialmente o pagamento da dívida, não sem antes terem sido integrados em PERSI. Mais alega que os autores regularizaram por diversas vezes as situações de incumprimento, com as consequentes extinções dos procedimentos abertos e reintegração dos autores em novos PERSI, até que cessaram as regularizações e o procedimento foi extinto pelo decurso do prazo legal.

Especificando, alega o banco réu que a resolução dos contratos de mútuo e a instauração da ação executiva só tiveram lugar após o cumprimento das regras do PERSI, sendo que os Autores, não vieram naquela execução sequer deduzir oposição, com esse ou outros fundamentos, pelo que a execução seguiu os ulteriores e normais termos com as penhoras e adjudicação de bens.

Já a seguradora ré alegou que, na sequência da comunicação do sinistro a autora se submeteu a uma perícia médica que lhe atribuiu uma incapacidade parcial permanente de 54,56%, inferior à comunicada pela autora, acrescendo que a autora não se encontra incapacitada total e definitivamente para o exercício da sua profissão ou de outra profissão lucrativa compatível com os seus conhecimentos e capacidades, continuando a exercer a sua profissão como médica veterinária.

Pede a condenação dos autores como litigantes de má-fé.


3. Teve lugar uma audiência prévia.

Realizada a audiência final foi proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor:

Pelo exposto, julga-se a presente ação improcedente por não provada, e absolvem-se os Réus Banco Santander Totta, SA e Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, SA do pedido.

Mais se condenam, os Autores, como litigantes de má-fé, no pagamento de 3 UC’s de multa.

Custas a cargo do Autor.”


4. Inconformado o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

Este, por seu acórdão de 13 de julho de 2022, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida, revogando-a apenas no que toca à condenação dos Autores como litigantes de má-fé.


5.  O autor interpôs então recurso de revista, invocando a sua admissibilidade a título excepcional ao abrigo do disposto no artigo 672.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código de Processo Civil.

O recurso de revista foi admitido por acórdão da Formação de Juízes Conselheiros a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil proferido em 21 de dezembro de 2022 em que salienta o relevo jurídico e social da matéria da revista, em especial da questão da prova do cumprimento pelas entidades bancárias aos seus clientes da comunicação da sua integração em PERSI e da sua extinção.


6. São do seguinte teor as conclusões das alegações da revista interposta pelo autor:

“(…)

7. A questão que se pretende colocar à apreciação deste Supremo Tribunal prende-se com o cumprimento dos deveres de implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), mais concretamente do cumprimento da obrigação de informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, e a posterior obrigação de informar o cliente bancário da extinção do PERSI.

8. Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal de Justiça que “a comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art.º 576.º, n.º 2, do CPC).”

9. Considera-se, também, sedimentada na jurisprudência a posição segundo a qual o ónus da prova da integração dos clientes bancários em PERSI, bem como a demonstração do cumprimento das necessárias comunicações de integração e posterior extinção do PERSI aos clientes bancários recai sobre as entidades bancárias.

10. Porém, verifica-se ampla controvérsia na doutrina e na jurisprudência no que concerne à prova do cumprimento dessas comunicações aos clientes bancários.

11. Com efeito, de acordo com uma corrente jurisprudencial, a junção aos autos de carta simples importará a presunção de que a comunicação foi efetuada, passando a caber aos clientes bancários a prova de que não terá sido por culpa sua que as comunicações não chegaram ao seu conhecimento (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07 de maio de 2020, no âmbito do Processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6);

12. Outra corrente jurisprudencial admite que a junção aos autos de carta simples com indicação da morada do cliente bancário constitui princípio de prova de que essa comunicação existiu, e que poderá ser coadjuvada por outros meios de prova (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de abril de 2021, no Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1).

13. Por outro lado, uma outra corrente defende que a prova do cumprimento da comunicação de integração e extinção em PERSI e o seu conhecimento pelos clientes bancários não pode fazer-se por meio de prova testemunhal. (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de junho de 2018, proferido no âmbito do Processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2).

(…)

24. Nos termos das disposições conjugadas do artigo 666.º, número 1., e do artigo 615.º, número 1., alínea d) e número 4., ambos do Código de Processo Civil, verificando-se os pressupostos de que depende a admissão do recurso de revista excecional, como se verifica no caso sub judice, pelos motivos supra explanado, caberá no âmbito do presente recurso a arguição da nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, por omissão de pronúncia.

25. Entendeu-se no Acórdão recorrido que a questão atinente à ilicitude da resolução do contrato de mútuo pelo Banco recorrido, por violação do disposto no artigo 7.º-B do Decreto-lei n.º 349/98, de 11 de novembro, se trata da alegação de uma questão nova que apenas em sede de recurso foi trazida a juízo, não podendo, por esse motivo, ser conhecida pelo Tribunal da Relação.

26. Porém, tal conclusão contida no Acórdão ora recorrido apenas poderá dever-se a um lapso do douto Tribunal da Relação do Porto, dado que, ao contrário do que se refere na decisão recorrida, esta questão foi suscitada pelo ora Recorrente na sua petição inicial, nos artigos 134.º a 139.º do articulado.

27. Nem se admite que o facto de tal questão ter ou não sido suscitada em sede da ação executiva proposta pelo recorrido Banco contra o ora Recorrente impeça que se aprecie a ilicitude da resolução nos presentes autos, nos quais se discute a responsabilidade pelo incumprimento contratual imputável ao Banco recorrido.

28. Pelo exposto, ao contrário do que se refere no Acórdão recorrido, a questão atinente à violação do disposto no número 1., do artigo 7.º-B, do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, não se trata de questão nova colocada apenas em sede de recurso de apelação, pelo que, se impunha o seu conhecimento.

29. Nessa conformidade, é de concluir-se pela nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 615.º, número 1., alínea d), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 666.º, número 1., do Código de Processo Civil.

30. Tendo em conta que, nos termos do artigo 2.º, número 1., alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações, este diploma é aplicável a contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente e a contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, este diploma é aplicável a ambos os contratos de mútuo sub judice.

31. Nos termos do artigo 12.º do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

32. Assim sendo, o Recorrido Banco Santander Totta estava obrigado a integrar o Recorrente no PERSI, comunicando-lhe tal integração, em suporte duradouro.

33. De igual forma, estava obrigado a comunicar, em suporte duradouro, a extinção do mesmo PERSI.

34. O tribunal a quo entendeu que as cartas simples juntas pelo Recorrido no âmbito do PERSI, constituem princípio de prova do envio da comunicação e viriam a ser corroboradas pelo depoimento de testemunhas. Concluindo, por esse motivo, que deverá considerar-se provado que o Recorrido efetuou as comunicações previstas no PERSI.

35. Porém, considera o Recorrente que tal cumprimento não foi demonstrado.

36. Nos casos em que se verifique ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, nos termos do disposto no artigo 674.º, número 3., do Código de Processo Civil.

37. Entende o Recorrente que a questão ora em apreciação se subsume à disposição contida no artigo 674.º, número 3., in fine, do Código de Processo Civil, importando que este Supremo Tribunal de Justiça proceda à reapreciação das provas e da fixação dos factos materiais da causa.

38. O tribunal a quo, apreciando o recurso de apelação interposto pelo Recorrente, no que concerne à impugnação do julgamento que recaiu sobre a matéria de facto, considerou provada a factualidade elencada nos pontos 74.º, 75.º e 76.º. Porém, entende o Recorrente que, face às disposições legais aplicáveis, que exigem certa espécie de prova para a existência do cumprimento da obrigação de comunicar a integração e extinção do PERSI aos clientes bancários, tal decisão não é de manter-se.

39. Com efeito, o tribunal a quo considerou que os documentos juntos aos autos a fls. 220 v e 223 v e 224 v, conjugados com a prova testemunhal, em concreto, o depoimento prestado pelo funcionário do Banco Santander Totta, CC, constituem prova suficiente de que o Recorrido Banco Santander Totta procedeu à integração do Recorrente em PERSI, tendo-lhe comunicado a sua integração e posterior extinção.

40. Porém, a testemunha CC, referida no Acórdão recorrido, em depoimento prestado em audiência de julgamento de 08 de outubro de 2021, com início às 14:18:57 e termo às 14:48:25 (ficheiro 20211008141855_15427953_2871438), não corroborou o envio de tais comunicações.

41. Na verdade, a testemunha afirma expressamente que desconhece se o Recorrente esteve ou não integrado em PERSI, desconhece se lhe foram comunicadas a integração e extinção do PERSI, referindo que o procedimento relativo ao PERSI e as comunicações legalmente exigidas nada têm a ver com o departamento em que exercia funções.

42. A testemunha limita-se a afirmar, em face da documentação junta aos autos, com a qual foi confrontado, que reconhece que essas essas cartas são emitidas pelo banco para comunicação de entrada ou extinção de PERSI, mas nada sabe referir quanto ao facto de essas cartas terem efetivamente sido remetidas e rececionadas pelo Recorrente, que era, afinal, a prova que seria necessário produzir.

43. Sem prescindir, sempre se dirá que, ainda que tal testemunha tivesse confirmado o envio das cartas simples e a receção pelo destinatário Recorrente, o que não se concede nem se aceita, sempre tal meio de prova seria inidóneo para a prova de tal factualidade.

44. Com efeito, as comunicações de integração e extinção dos clientes bancários em PERSI tratam-se de declarações recetícias, logo, para que a comunicação de integração ou extinção do PERSI produza os seus efeitos, necessário será que chegue ao poder dos clientes bancários ou sejam deles conhecidas.

45. Sendo certo que, nos termos previsos no artigo 14.º, número 4., e no artigo 17.º, número 3., do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, a integração em PERSI e a sua posterior extinção têm que ser comunicadas aos clientes bancários em suporte duradouro, isto é, tem de estar materializada em instrumento que possibilite a sua integral e inalterada reprodução (documento - cf. artigo 362.º, do Código Civil).

46. Nessa conformidade, não é de admitir-se como meio de prova do cumprimento dos deveres de comunicação de integração e extinção em PERSI, a prova testemunhal, como decorre do disposto nos artigos 364.º e 393.º do Código Civil.

47. Pelo exposto, a prova de que as comunicações exigidas pelo artigo 14.º, número 4., e pelo artigo 17.º, número 3., do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro foram efetuadas, não pode fazer-se por meio de prova testemunhal.

48. De igual forma, não será pela prova testemunhal que se pode julgar provado que as comunicações de integração e consequente extinção do PERSI foram rececionadas pelos clientes bancários, como é, in casu, o Recorrente.

49. Embora se não exija o envio de carta registada com aviso de receção nem de carta registada, certo é que sendo necessária prova da receção, não resulta que a comunicação, com vista a, com recurso ao procedimento em causa, ser alcançada a regularização da dívida, sem sobrecarga da máquina judicial, tenha sido efetuada, sequer que tenha sido por culpa do cliente bancário que o não foi, pois que sendo enviada mera carta simples de tal envio não pode sequer resultar prova de que a carta chegou à esfera de conhecimento daquele (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 8 de junho de 2022, no Processo n.º 4204/20.1T8MAI-A.P1.).

50. Do facto de emitir e enviar cartas simples, não decorre que as mesmas tenham chegado à morada do Recorrente, sequer que o Banco recorrido tenha colocado os documentos em condições de poderem ser conhecidos pelo Recorrente.

51. Entendendo-se que a prova da remessa e receção das comunicações a que aludem os artigos 14.º, número 4., e 17.º, número 3., do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro apenas pode decorrer de prova documental ou por confissão das partes, e não se tendo produzido qualquer prova documental ou por confissão de parte que permitisse que se julgasse provada a factualidade constante dos pontos 74.º, 75.º, e 76.º do elenco dos factos provados, não podia o tribunal a quo dar como provados tais factos, que se encontram subtraídos às regras de livre apreciação da prova, por força do disposto no artigo 607.º, número 5., do Código de Processo Civil.

52. Pelo exposto, impõe-se que sejam julgados não provados os factos constantes dos pontos 74.º, 75.º, e 76.º do elenco dos factos provados.

53. Como se sabe, tanto a integração, como a extinção no PERSI são condições de resolução do contrato, bem como de procedibilidade de quaisquer ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, como decorre do disposto no artigo 18.º do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

54. Sendo que o Recorrido Banco Santander Totta não demonstrou ter adotado os procedimentos previstos, tendo violado, com culpa, o disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

55. Tendo o Recorrido Banco Santander Totta, com a sua conduta, e ao violar as obrigações legais que sobre si impendiam, intentado, contra o Recorrente, uma ação executiva contra legem.

56. Tendo, igualmente, o Recorrido Banco Santander Totta, com a sua conduta, e ao violar gravemente as obrigações legais que sobre si impendiam, provocado gravíssimos prejuízos ao Recorrente, que carecem de ser ressarcidos.

57. Designadamente, todos os prejuízos decorrentes da propositura da ação executiva e dos respetivos trâmites, bem como todos os danos não patrimoniais sofridos como consequência direta e necessária de tal conduta.

58. Pelo exposto, deverá o Recorrido Banco Santander Totta indemnizar o Recorrente por todos os prejuízos causados ao Recorrente, nos termos previstos no artigo 798.º do Código Civil, ou, caso assim não se entenda, nos termos dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil.”

Remata o autor recorrente as suas alegações de revista pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que julgue a acção procedente e condene o Banco Santander Totta, SA nos termos peticionados.


7. O réu Banco Santander Totta, SA apresentou resposta às alegações do recurso de revista interposto pelo autor, concluindo da seguinte forma:

“I. Vem o Recorrido, mui respeitosamente, manifestar a sua inteira discordância relativamente às considerações e conclusões constantes das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, as quais visam a revogação e substituição da decisão proferida nos autos.

II. De facto, ao contrário do referido pelo Recorrente, bem esteve a sentença recorrida ao julgar a acção improcedente e, em consequência, absolver o Recorrido do pedido.

III. De facto, ao contrário do referido pela A./Recorrente, a sentença não padece de qualquer nulidade, mostra-se corretíssima a valoração feita da prova e o entendimento jurídico que o Tribunal a quo adoptou quanto à relação estabelecida entre as partes (cfr. infra se desenvolverá) e, consequente, mostra-se correcta a apreciação e decisão que vieram a ter os pedidos da acção e da reconvenção.

IV. Nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil (C.P.C.) “(…) não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte (…)”.

V. E, a esta regra, o artigo 672.º do mesmo Diploma excepciona algumas situações, no sentido de que “(…), cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

VI. Salvo o devido respeito por opinião diversa, tal alegação não pode colher porquanto não dá o Recorrente cabal cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 672.º C.P.C., sendo certo que, a fundamentação oferecida é omissa, vaga, abstracta e assente em princípios criados “ad hoc”.

VII. Resulta in casu a manifesta inadmissibilidade da presente revista, por não se encontrar suscitada nos presentes autos qualquer questão que preencha os requisitos legais de admissibilidade constantes das al. a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C.

VIII. O Acórdão não é nulo por omissão de pronuncia já que o mesmo ponderou e deu resposta suscitada pelo Recorrente - “Aliás nem no processo executivo ...5..., que teve como títulos executivos precisamente os identificados contratos de mútuo, com fundamento na resolução dos mesmos por incumprimento, os autores suscitaram ao tribunal a apreciação da eventual ilicitude da resolução contratual, sendo que, como os mesmos reconhecem no artigo 22º do articulado de resposta à contestação do 1.º Réu, que aliás seria o meio processual próprio para o efeito (cfr. artigo 728.º e ss do CPC).” – realçado e sublinhado nosso.

IX. Mais referindo: “Analisados os autos, verifica-se que esta questão é totalmente nova, que não foi suscitada pela Embargante/Recorrente até agora, designadamente no seu articulado embargos de executado”.

X. Por outro lado, ainda que o invocado artigo 7.º B do Decreto Lei n.º 349/98, de 11 de Novembro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, tenha aplicação ao caso não ocorreu qualquer violação do regime no mesmo previsto.

XI. Com efeito, o incumprimento por parte dos AA./mutuários, nomeadamente por parte do Recorrente, ocorreu em 02.02.2015, relativamente ao contrato de empréstimo n.º ...30, e, em 02.06.2015, relativamente ao contrato de empréstimo n.º ...00, mas não foram apenas essas que não foram pagas, já que, para além dessas prestações, mais nenhuma prestação foi paga por parte dos AA., sendo que a resolução contratual veio a ocorrer muito posteriormente às indicadas datas e a acção executiva só foi instaurada em Setembro desse mesmo ano, mais concretamente em 30/09/2015, já com as três prestações vencidas e não pagas.

XII. Não tendo o A./Recorrente deduzido embargos na acção executiva em que o Banco accionou os contratos de empréstimos cuja resolução agora vem por em causa, sempre se mostra precludido tal direito, por caducidade.

XIII. Toda a factualidade invocada na p.i. e que poderia sustentar os direitos invocados pelo Recorrente ocorreram todos já no ano de 2015 (desde logo a citação para a acção executiva ocorreu em 30/11/2015), pelo que se sempre se mostraria prescrito o direito de indemnização de que se arroga.

XIV. Ambos os contratos de empréstimo celebrados com o Recorrido Banco Santander Totta, SA estão sujeitos ao regime obrigatório do procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (doravante, PERSI).

XV. Na fundamentação fáctica da sentença, no que tange aos factos provados, o Tribunal tomou em consideração a matéria que está admitida por acordo e, avaliando criticamente as provas sujeitas a livre apreciação, com destaque para os documentos particulares apresentados pelas partes e os depoimentos das testemunhas, tudo sopesado conjuntamente com as ilações e ensinamentos que decorrem da normalidade da experiência comercial, em especial na atividade bancária e de seguros.

XVI. O Acórdão da Relação manteve, quase na integra, a factualidade que a primeira instância deu como provada e o fundamento de recurso que o Recorrente aqui aduz pressupõe a alteração da matéria de facto impugnada (factos 74 a 76.

XVII. E não se poderá olvidar que, por regra, este Supremo Tribunal de Justiça não aprecia o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, como decorre do disposto no n.º 3 do artigo 674.º do C.P.A.

XVIII. Apenas, excepcionalmente, nos casos em que se verifique ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova, situação essa que, de todo, não se verifica nos presentes autos!

XIX. Não existe qualquer disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do cumprimento da obrigação de comunicar a integração e extinção do PERSI aos clientes bancários, pelo que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, fica vedada a apreciação desta matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça.

XX. Por outro lado, crê o R./Recorrido Banco Santander Totta, S A que fez prova que as cartas de comunicação de incumprimento e de integração em PERSI dos mutuários– não uma, mas várias vezes -, bem como da extinção do procedimento, foram remetidas para a morada que os mutuários/AA. assumem como sendo a sua.

XXI. A integração em PERSI tem que ser comprovada pela junção das comunicações em suporte duradouro (carta ou comunicação escrita), a realidade é que não é exigível que tal comunicação se opere com recurso a carta registada com aviso de recepção.

XXII. No caso em apreço, resultou provado que o Recorrido declarou e comunicou (mais do que uma vez e por referência aos contratos identificados na petição inicial e no requerimento executivo), a integração em PERSI, solicitando os documentos necessários à instrução do procedimento, comunicando igualmente o encerramento do PERSI.

XXIII. Se resulta provado que as cartas, juntas aos autos e identificadas nos factos provados, foram remetidas para a morada dos executados, bem como que tais cartas identificam cada um dos contratos que está na origem da acção executiva, com insistentes convites dirigidos pela exequente aos executados para darem início aos procedimentos de resolução extrajudicial da situação de incumprimento, passamos a situar-nos no contexto da previsão do art.º 224º, nº2 do Código Civil, isto é, teremos que considerar que as declarações, quer de integração em PERSI, quer de extinção do procedimento, são plenamente eficazes, já que os executados tiveram todas as condições para conhecer o teor das cartas que lhes foram remetidas.

XXIV. Não ocorreu violação do regime de PERSI ou precipitada propositura da acção judicial destinada à cobrança da quantia exequenda e à actuação das garantias do crédito, já que, ao longo de todo este período de violação das obrigações contratuais por parte dos executados, não há, em momento algum, a evidência de uma vontade de efectuar propostas de acordo, antes se verificando o incumprimento adveio de uma opção dos mutuários.

XXV. De facto, como resultou da prova produzida, a dado momento, os mutuários deixaram de pagar as prestações porque entendiam que essa obrigação deveria ser assumida pela Seguradora.

XXVI. De facto, a análise das comunicações endereçadas pelo Banco e, posteriormente, na conjugação entre os elementos documentais e a prova testemunhal, levaram o Tribunal a considerar que as cartas foram remetidas para a morada dos executados.

XXVII. Na verdade, a actuação dos AA. que até chegaram a regularizar situações de incumprimento, sugere, de forma relevante, que os executados tiveram conhecimento de tais comunicações.

XXVIII. Por outro lado, para cumprimento de obrigações contratuais, o sistema emite automaticamente cartas, que são remetidas para a morada contratual dos mutuários, designadamente as cartas de integração em PERSI, ainda que os balcões também tenham iniciativas de contacto dos clientes.

XXIX. Crê-se que há absoluta segurança no facto de os executados receberem as comunicações endereçadas de forma automática pelo sistema, sendo aliás essa a razão pela qual chegaram a regularizar outras situações.

XXX. Em concreto, fundamenta assim a relação “O funcionário do Banco Santander Totta, CC referiu no seu depoimento que, quando ficou  encarregue do processo dos autores, já a fase do PERSI estava ultrapassada, tendo porém confirmado, em face da documentação junta aos autos, (esclarecendo tratarem-se de cartas que saem automaticamente da informática e são remetidas aos clientes ), que os AA estiveram integrados no PERSI, o qual foi extinto por regularização, até que prestações ficaram por pagar, não tendo a seguradora assumido o pagamento, dando origem ao processo executivo.

XXXI. No mesmo sentido se lê no Acórdão “Foram juntas aos autos cartas enviadas pelo banco ao Apelante, relativas aos contratos de mútuo em apreço, de situações de incumprimento, de integração no PERSI, seguidas de comunicação de extinção desse procedimento. Relativamente ao incumprimento contratual em discussão nesta ação, o banco juntou aos autos documentação variada relacionada com o cumprimento do PERSI relativamente a estes clientes. Se é certo que como diz o Apelante, mostram-se juntos alguns documentos que não dizem respeito aos contratos em apreço (que determinaram a integração dos AA no PERSI e a extinção do PERSI por cumprimento das obrigações), para o que aqui importa, mostram-se juntos os documentos de fls. 218 e 221 v relativos ao contrato de mútuo identificado com o nº ...96, que comprovam o envio de carta simples para a morada do contrato de inclusão dos AA no PERSI e de extinção do mesmo findo o prazo legal, subsistindo a situação de incumprimento e relativamente ao contrato ...96, idêntico documento a fls. 220v, ou seja documentos de fls. 220 v e 223 v e 224 v comprovativos do cumprimento pelo banco das comunicações exigidas pelo art. 17º do DL 227/2012 de 25.10. Aliás, fazendo-se apelo ás regras da normalidade e da experiencia, mal se compreenderia que, no processo executivo nº ...5... que correu termos no Juízo de Execução ...- Juiz ..., onde os AA ali executados, viram ser-lhes penhorados diversos bens, não tendo a ação executiva sido devidamente precedida deste procedimento especial de regularização do incumprimento, não tivessem invocado a exceção dilatória de falta de integração do PERSI, que conduziria á extinção da execução, como tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência. Tal como se afirma na sentença “Os documentos relativos ao PERSI encontram-se juntos com o requerimento datado de 03.Jun.2019, que espelha as várias situações de incumprimento e a respetiva regularização. Os autores, por diversas vezes, regularizaram a sua situação de incumprimento pelo que se entende que as cartas chegaram ao seu destinatário.” Assim sendo, conjugados os documentos identificados com o depoimento da testemunha identificada, é de aderir á fundamentação da sentença, sendo de afastar a modificação preconizada pelo Apelante, por inexistir meio de prova que imponha decisão diversa da constante na sentença. O mesmo se diga relativamente aos factos 75 e 76, impugnados, improcedendo assim a impugnação da matéria de facto provada.”

XXXII. Acrescentando ainda o Acórdão da Relação “uma palavra quanto ao facto da lei exigir que as comunicações em “suporte duradouro”; Dispõe o artigo 20.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o seguinte: “Processos individuais 1 - As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários abrangidos pelos procedimentos previstos no PERSI, os quais devem conter todos os elementos relevantes, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e, quando aplicável, as propostas apresentadas aos mesmos, bem como o registo das razões que conduziram à não apresentação de propostas, e ainda a avaliação relativa à eficácia das soluções acordadas. 2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adoção dos procedimentos do PERSI.” A exigência de comunicação entre as partes em “suporte duradouro”, mais não é que uma exigência legal que visa facilitar a prova no futuro de tal comunicação, requisito que cartas simples remetidas para a morada dos clientes constante do contrato satisfazem. Remete-se o conceito de instrumento duradouro para o decidido no acórdão do STJ de por Acórdão de 13.04.2021, o qual decidiu que “Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC.” Parece-nos assim incontornável que os documentos juntos aos autos (as cartas em papel) preenchem tal requisito.”

XXXIII. Estes fundamentos determinaram, assim, que não fossem modificados os Ponto 74.º, 75.º e 76.º da matéria de facto provada.

XXXIV. Acrescente ainda que, com o PERSI, procura-se potenciar uma possível negociação entre instituições de crédito e os seus clientes/devedores, por forma a que estes consigam regularizar os seus empréstimos segundo condições facilitadas que são renegociadas por ambas as partes, evitando, assim, o sistema jurídico como meio de resolução.

XXXV. A integração de um cliente de crédito neste procedimento extrajudicial pode dar-se a pedido deste, de forma imediata, após um atraso no pagamento, caso o cliente tenha alertado a entidade de crédito, de forma prévia, para o risco de incumprimento, ou entre o 31º e o 60º dia após não ter sido paga alguma das prestações convencionadas.

XXXVI. E muito se estranha que os AA. venham alegar que o R. Banco Santander Totta, S A nunca adoptou as medidas que lhe são impostas pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro quando, por variadíssimas vezes, nomeadamente desde, pelo menos, 03.02.2014, os mesmos estiveram integrados em PERSI, tendo sido devidamente informados dessa integração e diversas vezes contactados para se aferir os motivos do incumprimento e analisar as possibilidades de regularização.

XXXVII. Sendo diversos os motivos do incumprimento, desde penhoras das Finanças que incidiam sobre saldos bancários e impediam o débito das prestações na conta, desde esquecimento e, só mais recentemente, foi invocado como motivo a doença e o processo em análise por parte da Seguradora R.

XXXVIII. E isto até ao momento em que os AA. deixaram de regularizar as situações de incumprimento, sendo então extinto o procedimento pelo decurso do prazo nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro

XXXIX. Mais se referindo que, apenas após a extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, resolveu o Banco R. os contratos de empréstimo celebrados com os AA. e intentou acção executiva para cobrança coerciva dos montantes em divida, o que só veio a suceder em 30.09.2015.

XL. Não violou assim, o Banco R., qualquer das obrigações que, sobre si, impendem nos termos do Decreto-lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro. motivo pelo qual, reitere-se, legitima, licita e legalmente instaurou o Banco R. a acção executiva n.º 23787/15.....

XLI. Não estando, assim e salvo o devido respeito, reunidos os pressupostos para que se gere, para o Banco Recorrido, alguma obrigação indemnizar os AA. nos termos e para os efeitos previstos no artigo 483.º do Código Civil.

XLII. Em 30.11.2015, foram os aqui AA. citados nos termos do artigo 856º do Código Processo Civil (CPC), enquanto executados na acção executiva n.º 23787/15.... para deduzir oposição à execução através de embargos de executado.

XLIII. Ora, então, nessa execução, nunca os AA deduziram, dentro do prazo legal de 20 dias previsto no n.º 1 do artigo 728.º do Código Civil, embargos de executado, motivo pelo qual a execução prosseguiu os seus termos com as penhoras, adjudicações e entregas indicadas nos autos.

XLIV. Constatando-se, assim, que qualquer direito que os AA. tivessem, em abstracto, que pudesse colocar em causa as condições de procedibilidade da acção e de colocar em causa a existência, a validade e a eficácia da posição do Banco R. de considerar os empréstimos vencidos, tornando imediatamente exigível toda a divida, sempre se mostra precludida a possibilidade de o exercer agora face ao decurso dos prazos peremptórios, previstos na lei, para deduzir embargos de executado.

XLV. Mais se invocando que diferente entendimento poderá também conduzir à violação de caso julgado e contradição com as decisões já proferidas na referida acção executiva.

XLVI. Mais, a “(…) interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos arts. 236.º a 238.º do C. Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem – artigo 10.º do D.L. nº 446/85.”.

XLVII. Crê-se, assim, que não é de aplicar, ao caso, o disposto no artigo 364.º do Código Civil, o qual refere “Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”

XLVIII. Nem o artigo 393.º do mesmo Diploma que prevê “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”

XLIX. Acresce que, lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal).

L. Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).

LI. Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

LII. Assim, apenas nos casos em que estejam em causa situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, e não casos em que apenas esteja em causa a apreciação das provas produzidas em juízo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar os eventuais vícios.

LIII. In casu, crê-se que não se encontra razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo se o Senhor Juiz do Tribunal a quo tiver feito a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.

LIV. Desde logo, não foi produzida prova relevante que permita infirmar a força probatória de todas as missivas juntas aos autos e que foram remetidas para a morada dos mutuários.

LV. Motivo pelo qual deverá ser julgada improcedente a pretensão do A./Recorrente de ver alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, recusando-se provimento ao recurso.

LVI. Crê, pois, o Apelado que, apreciando criteriosa e ponderadamente, a prova constante dos autos e subsumindo a mesma às normas legais aplicáveis, V.as Ex.as manterão, na íntegra, a decisão recorrida, julgando a apelação totalmente improcedente.”


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8. Admitida a revista e colhidos que foram os Vistos dos Senhores Juízes Conselheiros que intervêm no julgamento, cumpre apreciar e decidir, ao que nada obsta.

Atendendo às conclusões das alegações do recurso de revista apresentadas pelo autor recorrente e tendo também em conta o teor do acórdão da Formação de Juízes Conselheiros a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil, as questões a resolver prendem-se, no essencial, com a forma como deve ser levada a cabo pelas entidades bancárias a comunicação aos respectivos clientes da sua inclusão em processo extrajudicial de resolução de situações de incumprimento (PERSI) e da extinção do procedimento e com a prova admissível sobre esses factos.

Da análise e resposta a tal questão dependerá a conclusão sobre a eventual violação de regras de direito probatório material por parte do tribunal recorrido e da existência do fundamento da revista enunciado na parte final do artigo 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Como questão prévia será ainda abordada a questão da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia acerca do impedimento à resolução do contrato de mútuo em caso de incumprimento.



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FUNDAMENTAÇÃO

Parte I – Os Factos Provados

1. Recapitulemos, antes de mais, o elenco dos factos que as instâncias deram como provados, considerando já as alterações introduzidas em segunda instância.

Os factos provados são os seguintes:

1.º No dia 14 de janeiro de 2010, foi celebrado entre os autores e o réu “Banco Santander Totta, S A”, contrato de mútuo com hipoteca, com o número ...30, para aquisição de habitação própria permanente, ao abrigo do Regime Geral de Crédito à Habitação.

2.º Pelo referido contrato, o réu “Banco Santander Totta, S A”, concedeu aos autores um empréstimo no montante de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), pelo prazo de 288 (duzentos e oitenta e oito) meses.

3.º Para garantia do montante mutuado, os Autores constituíram a favor do Réu “Banco Santander Totta, S A”, hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., correspondente à habitação n.º ..., no décimo sétimo andar, com entrada pelo n.º ...2 da Praça ... “O T...”, com um arrumo na subcave n.º 17.5 e quatro lugares de estacionamento na cave, com os números 183, 184, 185 e 186, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...4, de 20 de julho de 2004, sito no “...” Praça ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...28, com o valor patrimonial tributário de € 403.307,38 (quatrocentos e três mil, trezentos e sete euros e trinta e oito cêntimos), para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do referido contrato de mútuo, nomeadamente encargos contratuais ou prémios de seguro que o Réu “Banco Santander Totta, S A”, viesse a pagar em sua substituição, bem como para garantia do capital mutuado, no valor de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), dos juros à taxa anual de 7,00%, acrescida de sobretaxa de 4,00% ao ano, em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como das despesas judiciais e extrajudiciais emergentes do contrato, que se fixaram em € 20.000,00 (vinte mil euros).

4.º As condições do empréstimo foram fixadas nas cláusulas contantes do Anexo I, parte integrante do referido contrato de mútuo.

5.º De acordo com o ponto dois da cláusula décima do Anexo I ao contrato de mútuo, os Autores obrigaram-se a subscrever apólice de seguro de vida que tivesse o Réu “Banco Santander Totta, S A” como beneficiário, cobrindo os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos, por acidente e/ou doença, até ao limite do capital mutuado.

6.º A 6 de novembro de 2013, foi celebrado entre os Autores e o Réu “Banco Santander Totta, S A”, um aditamento ao já identificado contrato, tendo-se alterado a taxa de juro e tendo-se fixado um período de carência de capital de 12 (doze meses) durante o qual os Autores ficaram dispensados do pagamento do capital mutuado, mantendo-se, no entanto, a obrigação de pagamento dos juros sobre o capital mutuado.

7.º No dia da celebração do contrato inicial, ou seja, no dia 14 de janeiro de 2010, foi celebrado entre os Autores e o Réu “Banco Santander Totta, S A”, um outro contrato de mútuo com hipoteca, com o número ...00.

8.º Nos termos deste contrato, o Réu “Banco Santander Totta, S A”, concedeu um empréstimo aos Autores, com o número ...00, no montante de € 22.240,00 (vinte e dois mil, duzentos e quarenta euros) pelo prazo de 288 (duzentos e oitenta e oito) meses, destinado a fazer face a compromissos financeiros dos Autores.

9.º Para garantia do montante mutuado, os Autores constituíram a favor do Réu “Banco Santander Totta, S A”, hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente à habitação n.º ..., no décimo sétimo andar, com entrada pelo n.º ...2 da Praça ... “O T...”, com um arrumo na subcave n.º 17.5 e quatro lugares de estacionamento na cave, com os números 183, 184, 185 e 186, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...4, de 20 de julho de 2004, sito no “...” Praça ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...28, com o valor patrimonial de € 403.307,38 (quatrocentos e três mil, trezentos e sete euros e trinta e oito cêntimos), para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do referido contrato de mútuo, nomeadamente encargos contratuais ou prémios de seguro que o Réu “Banco Santander Totta, S A”, viesse a pagar em sua substituição, bem como para garantia do capital mutuado, no valor de € 22.240,00 (vinte e dois mil, duzentos e quarenta euros), dos juros à taxa anual de 7,00%, acrescida de sobretaxa de 4,00% ao ano, em caso de mora e a título de cláusula penal, bem como das despesas judiciais e extrajudiciais emergentes do contrato, que se fixaram em € 889,60 (oitocentos e oitenta e nove euros e sessenta cêntimos).

10.º As condições deste empréstimo foram fixadas nas cláusulas contantes do Anexo I, parte integrante do referido contrato de mútuo.

11.º De acordo com o ponto dois da cláusula décima do Anexo I ao contrato de mútuo, os Autores obrigaram-se a subscrever apólice de seguro de vida que tivesse o Réu “Banco Santander Totta, S A” como beneficiário, cobrindo os riscos de morte e invalidez absoluta e definitiva ou outros riscos, por acidente e/ou doença, até ao limite do capital mutuado.

12.º A 6 de novembro de 2013, foi celebrado entre os Autores e o Réu “Banco Santander Totta, S A”, aditamento ao referido contrato, tendo-se alterado a taxa de juro e tendo-se fixado um período de carência de capital de 12 (doze meses) durante o qual os Autores ficariam dispensados do pagamento do capital mutuado, mantendo-se, no entanto, a obrigação de pagamento dos juros sobre o capital mutuado.

13.º No dia da celebração dos contratos de mútuo supra identificados, ou seja, no dia 14 de janeiro de 2010, os Autores celebraram com o Réu “Banco Santander Totta, S A”, um contrato de crédito ao abrigo da linha interna “Multifunções Seguros”.

14.º Nos termos de tal contrato de mútuo, os Autores receberam do Réu “Banco Santander Totta, S A”, a título de empréstimo, a quantia de € 42.813,15 (quarenta e dois mil, oitocentos e treze euros e quinze cêntimos), na conta de depósitos à ordem n.º ...01, sediada no Balcão de ..., destinada ao pagamento do(s) prémio(s) único(s) referente(s) aos prémios de seguro dos primeiros 5 (cinco) anos do Seguro Vida e Desemprego (denominado plano desemprego Habitação), contratados no âmbito dos contratos de mútuo supra identificados, e cujo prémio foi aferido considerando o cálculo da idade atuarial à data da celebração dos contrato de mútuo.

15.º O referido contrato de crédito, contratado ao abrigo da linha interna “Multifunções Seguros”, foi celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, procedendo-se ao reembolso, através de prestações mensais de capital, com taxa de juro de 0,00% e TAE de 0,00%.

16.º Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes deste empréstimo, os Autores constituíram a favor do Réu “Banco Santander Totta, S A”, penhor sobre todos os direitos e valores emergentes do contrato de seguro cujo prémio tenha sido liquidado com os fundos provenientes deste empréstimo, que a Seguradora venha a ter de pagar, antes ou após a extinção do respetivo contrato de seguro, até ao limite do valor em dívida ao beneficiário daquela garantia.

17.º O Contrato de Seguro Vida foi celebrado com a Ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, tendo sido no balcão do Réu “Banco Santander Totta, S A”, que a contratação dos contratos de seguro foi formalizada.

18.º Através do contrato de crédito concedido ao abrigo da linha interna “Multifunções Seguros”, os Autores conferiram ao Réu “Banco Santander Totta, S A”, os poderes para, em caso de incumprimento de qualquer das obrigações, em sua representação, exercer todos os direitos e receber os valores junto da ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, subscrevendo os documentos necessários para o efeito, e proceder à aplicação dos montantes que receber no reembolso integral dos créditos garantidos, até ao seu limite.

19.º Desde o dia 14 de janeiro de 2010 e até ao dia 14 de janeiro de2015, os autores mantiveram com a ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, dois contratos de Seguro Vida, titulados pela Apólice n.º ...80, e pela Apólice n.º ...24.  

20.º Em janeiro de 2015, os autores celebraram com a ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, o contrato designado “Crédito à Habitação – Vida Habitação Plus, Seguro de Vida Individual 2 Cabeças, Apólice Individual”, correspondente à Apólice n.º ...20, referente a um Contrato de Seguro de Vida, Com Cobertura de Morte e Invalidez, com referência ao contrato de empréstimo número ...30, celebrado com o réu Banco Santander Totta, S A.

21.º Esta Apólice n.º ...20, veio substituir a Apólice n.º ...00, que vigorou entre o dia 14 de janeiro de 2010 e o dia 14 de janeiro de 2015, mantendo-se todas as garantias contratadas no âmbito da Apólice n.º ...00.

22.º O período de vigência do referido contrato de seguro, foi fixado, com data de início, desde as 0h00 do dia 14 de janeiro de 2015, estabelecendo-se que o seguro seria contratado por 1 (um) ano, sendo, após aquele período, automática e sucessivamente renovado por idênticos períodos de 1 (um) ano, tendo como prazo máximo o ano em que a primeira pessoa segura completasse 80 (oitenta) anos de idade.

23.º A primeira pessoa segura era o autor AA e a segunda pessoa segura a autora DD.

24.º Pelo referido contrato de seguro, estabeleceu-se que seriam beneficiários:

a) O réu Banco Santander Totta, S A, quanto ao montante correspondente ao capital em dívida do empréstimo contraído pela pessoa segura, à data da ocorrência;  

b) Os herdeiros legais, em conjunto, na proporção do respetivo título sucessório, quanto ao capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência.

25.º Os riscos cobertos pelo contrato de seguro, foram os relativos à morte e invalidez, com o valor seguro, quanto a ambos os riscos cobertos, no montante de € 470.864,01 (quatrocentos e setenta mil, oitocentos e sessenta e quatro euros e um cêntimo), sendo o capital inicial seguro igual ao valor em dívida à data de 14 de janeiro de 2015, multiplicado pelo coeficiente da percentagem atribuída à pessoa segura em referência, sendo, durante a vida do contrato, no máximo, o capital constante da proposta de seguro que serviu à emissão do contrato.

26.º No que à invalidez da pessoa segura concerne, determinou-se, pelo contrato de seguro, que se encontraria no âmbito das suas coberturas a invalidez definitiva para a profissão ou atividade compatível da pessoa segura, em consequência de doença ou acidente, a coberto das garantias do contrato, e no decurso de um período máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias que se lhe seguissem, em que a pessoa segura cumulativamente:

a) Se encontrasse total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades;

b) Fosse portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, em vigor.

27.º Mais se estabeleceu que a prestação da seguradora em caso de sinistro no que concerne à cobertura por Invalidez para a Profissão ou atividade compatível, seria correspondente ao pagamento ao beneficiário do capital seguro.  

28.º Em janeiro de 2015, os autores celebraram com a ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, o contrato designado “Crédito à Habitação – Vida Habitação Plus, Seguro de Vida Individual 2 Cabeças, Apólice Individual”, correspondente à Apólice n.º ...30, referente a um Contrato de Seguro de Vida, Com Cobertura de Morte e Invalidez, com referência ao contrato de empréstimo ...00 celebrado com o réu Banco Santander Totta, S A.

29.º Esta Apólice n.º ...30, veio substituir a Apólice n.º ...24, que vigorou entre o dia 14 de janeiro de 2010 e o dia 14 de janeiro de 2015, mantendo-se todas as garantias contratadas no âmbito da Apólice n.º ...24.

30.º O período de vigência do referido contrato de seguro foi fixado, com data de início, desde as 0h00 do dia 14 de janeiro de 2015, estabelecendo-se que o seguro seria contratado por 1 (um) ano, sendo, após aquele período, automática e sucessivamente renovado por idênticos períodos de 1 (um) ano, tendo como prazo máximo o ano em que a primeira pessoa segura completasse 80 (oitenta) anos de idade.

31.º A primeira pessoa segura era o autor AA e a segunda pessoa segura a autora DD.

32.º Pelo referido contrato de seguro, estabeleceu-se que seriam beneficiários:

a) O réu Banco Santander Totta, S A, quanto ao montante correspondente ao capital em dívida do empréstimo contraído pela pessoa segura, à data da ocorrência;

b) Os herdeiros legais, em conjunto, na proporção do respetivo título sucessório, quanto ao capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência.

33.º Os riscos cobertos pelo contrato de seguro, foram os relativos à morte e invalidez, com o valor seguro, quanto a ambos os riscos cobertos, no montante de € 19.746,06 (dezanove mil, setecentos e quarenta e seis euros e seis cêntimos), sendo o capital inicial seguro igual ao valor em dívida à data de 14 de janeiro de 2015, multiplicado pelo coeficiente da percentagem atribuída à pessoa segura em referência, sendo, durante a vida do contrato, no máximo o capital constante da proposta de seguro que serviu à emissão do contrato.

34.º No que à invalidez da pessoa segura concerne, determinou-se, pelo contrato de seguro que, se encontraria no âmbito das suas coberturas a invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível da pessoa segura, em consequência de doença ou acidente, a coberto das garantias do contrato, e no decurso de um período máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias que se lhe seguissem, em que a pessoa segura cumulativamente:

a) Se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades;

b) Seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, em vigor.

35.º Mais se estabeleceu que a prestação da seguradora em caso de sinistro no que concerne à cobertura por Invalidez para a Profissão ou atividade compatível, seria correspondente ao pagamento ao beneficiário do capital seguro.  

35ºA - Aquando da celebração dos seguros em apreço, os autores foram informados pelo Banco das cláusulas contratuais dos seguros a que aderiam, as quais lhes foram entregues.

36.º A autora DD, é médica veterinária.

37.º A autora DD exercia, em 01.06.2009, a prática de medicina veterinária, como trabalhadora por conta de outrem na Clínica ... – Hospital ..., auferindo um vencimento mensal de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

38.º Em 2013 foi diagnosticado, à autora DD, carcinoma da mama, tendo a histologia revelado tratar-se de um carcinoma ductal invasor de Grau 3, com 17 milímetros de diâmetro.

39.º Na sequência daquele diagnóstico, no dia 28 de novembro de 2013, a autora DD foi submetida a uma mastectomia radical direita com excisão de prótese e do complexo areolo mamilar com colocação de expansor retropeitoral e mastectomia esquerda com exérese do complexo areolo mamilar e colocação de expansor retropeitoral.

40.º A autora DD, foi ainda submetida a 4 (quatro) ciclos de quimioterapia, que terminaram em abril de 2014.

41.º Posteriormente, foi submetida a hormonoterapia, com inibidores do LHRH e Tamoxifeno.

42.º A autora sofreu dolorosas sequelas osteoarticulares, intensas e incapacitantes, artralgias com atingimento das articulações dos punhos, joelhos e tornozelos, incapacitantes para a sua atividade geral e profissional.

43.º A 20 de outubro de 2015, foi sujeita a nova intervenção cirúrgica, para correção de prótese mamária.

44.º A autora desenvolveu um quadro depressivo/ansioso grave, astenia e défice de concentração, tendo que receber acompanhamento psiquiátrico, com toma de medicação.

45.º Em 19 de dezembro de 2014, foi avaliada pela junta médica da Unidade Local de Saúde ..., tendo-lhe sido atestada, de acordo com a TNI (Tabela Nacional de Incapacidades), uma incapacidade permanente global de 66%.

46.º De acordo com relatório médico datado de 12 de março de 2019, a autora deverá manter hormonoterapia até abril de 2024, mantendo-se a sua situação ainda com prognóstico reservado à evolução da doença.

47.º Essas circunstâncias determinaram a diminuição da capacidade de ganho da autora, a qual, aliada a todas as despesas médicas e medicamentosas com os tratamentos do cancro da autora, tiveram como consequência natural um desequilíbrio financeiro na sua economia familiar.

48.º Os autores participaram o sinistro (situação de doença grave e incapacitante que acometeu a autora) à ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, para que esta efetuasse as prestações a que se encontrava contratualmente adstrita.

49.º Os autores informaram o réu Banco Santander Totta, S A”, da participação do sinistro à ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”.  

50.º Na sequência das participações do sinistro, a autora recebeu, da ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, pedido de documentação/informação, à qual deu resposta por carta datada de 24 de fevereiro de 2015, tendo a autora remetido à ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, a seguinte documentação:

1. Atestado Médico de Incapacidade Multiuso;

2. Relatório Médico, de 2 de setembro de 2014;

3. Boletim Operatório, de 28 de novembro de 2013;

4. Declaração Médica, emitida pelo Dr. EE, de 2 de fevereiro de 2015.

51.º A documentação junta foi rececionada pela ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”.

52.º Por comunicação datada de 14 de abril de 2015, foi a autora informada que o departamento clínico da ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, havia procedido ao agendamento de uma consulta médica de peritagem com o Dr. FF, clínico escolhido e cujos honorários foram pagos pela ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, a ter lugar no dia 9 de maio de 2015.

53.º A autora compareceu à agendada consulta médica.

54.º O relatório pericial, datado de 9 de junho de 2015, assinado pelo clínico contratado pela ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, fixou um coeficiente geral de incapacidade de 54,46%.  

55.º Por comunicação datada de 15 de junho de 2015, a ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, comunicou à autora que não iriam dar seguimento ao seu pedido, já que o seu quadro clínico não se enquadrava no conceito de Invalidez Total e Permanente definido nas Condições Especiais dos contratos de seguro subscritos.

56.º Nessa sequência, a autora apresentou reclamação, que mereceu a resposta transmitida pela ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, na comunicação datada de 13 de julho de 2015, onde refere que: “No seguimento da consulta de peritagem médica que realizou, e de acordo com o relatório atualizado da sua situação clínica, informamos que, com base na Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, foi-lhe atribuída um Coeficiente Geral de Incapacidade de 54,46%.

Cabe-nos esclarecer que, o seu quadro clínico não se enquadra na definição de Invalidez Total e Permanente, pois não atinge os 66% de incapacidade funcional permanente, exigida pelo presente contrato, bem como ainda exerce a sua profissão. (…)

57.º À referida comunicação respondeu a autora, através da carta datada de 24 de julho de 2015.

58.º Até à presente data a ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, nunca procedeu ao pagamento dos capitais seguros aos respetivos beneficiários.

59.º Os autores deram conhecimento ao réu “Banco Santander Totta, S A”, da participação do sinistro à ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”.  

59.º/A O réu “Banco Santander Totta, S A”, nunca diligenciou junto da ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”, no sentido de obter daquela a prestação referente aos contratos de seguro supra identificados, da qual era beneficiário.

60.º Os autores mantiveram o réu “Banco Santander Totta, S A” informado de todas as informações referentes ao tratamento do sinistro participado à ré “Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S A”.

61.º Os autores não procederam ao pagamento da prestação que se venceu em 2 de fevereiro de 2015 ao réu “Banco Santander Totta, S A”, relativa ao crédito à habitação ...30.

62.º De igual forma, não pagaram a prestação que se venceu a 2 de junho de 2015 ao réu “Banco Santander Totta, S A”, relativa ao crédito ...00, destinado a fazer face a face a compromissos financeiros dos autores

63.º No dia 30 de setembro de 2015, o réu “Banco Santander Totta, S A”, deu entrada a uma ação executiva, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ... – Juiz ..., Processo n.º 23787/15...., com o valor de € 528.754,73 (quinhentos e vinte e oito mil, setecentos e cinquenta e quatro euros e setenta e três cêntimos), apresentando como títulos executivos os contratos de mútuo acima identificados.

64.º No âmbito da referida ação executiva, a 12 de novembro de 2015, foi penhorada a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente à habitação n.º..., no décimo sétimo andar, com entrada pelo n.º ...2 da Praça ... “O T...”, com um arrumo na subcave n.º 17.5 e quatro lugares de estacionamento na cave, com os números 183, 184, 185 e 186, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. ...4, de 20 de julho de 2004, sito no “...” Praça ..., ... e Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ..., da freguesia ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...28.

65.º O referido imóvel que havia sido avaliado em € 528.754,73, foi vendido, através de propostas em carta fechada, no dia 28 de novembro de 2015, ao réu “Banco Santander Totta, S A”, pelo valor de € 469.570,00 (quatrocentos e sessenta e nove mil, quinhentos e setenta euros).

66.º Com a venda do imóvel, a Autora teve que abandonar a sua casa de morada de família.

67.º Não se tendo revelado o produto da venda do referido imóvel suficiente para garantir o pagamento de todo o montante da dívida reclamada na ação executiva foi penhorado o vencimento da autora, tendo-lhe sido retida, a este título e até à presente data, a quantia de € 12.188,00 (doze mil cento e oitenta e oito euros).

68.º Foram penhorados os saldos bancários dos autores, tendo-lhes sido retirada, este título e até à presente data, a quantia de € 6.708,35 (seis mil, setecentos e oito euros e trinta e cinco cêntimos).

69.º Foram, ainda, penhorados aos autores todos os créditos existentes junto da Administração Tributária, tendo-lhes sido retirada, a este título e até à presente data, o montante de € 986,57 (novecentos e oitenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos).   

70.º Foi igualmente penhorado o correspondente percentual sobre a renda devida ao autor AA, na qualidade de senhorio/locador, tendo sido penhorado, a este título e até à presente data, o montante de € 2.721,15 (dois mil setecentos e vinte e um euros e quinze cêntimos)

71.º Os autores procederam, ainda, à entrega voluntária do montante de € 1.000,00 (mil euros) ao Exequente.

72.º Foram, também, penhorados os seguintes imóveis:

1. Na proporção de ½ (metade) do prédio misto, que é constituído pela denominada “Quinta ...”, que inclui:

- O prédio urbano, sito na Estrada ..., Lugar ..., na União das Freguesias ... (...), ... e ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo ...76, com uma área total de 2.635,95 m2, avaliado em 2018 para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, com o valor patrimonial de € 138.100,00.

- O prédio urbano, sito na Estrada ..., Lugar ..., na União das Freguesias ... (...), ... e ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo ...67, com uma área total de 427,40 m2, avaliado em 2018, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, com o valor patrimonial de € 74.580,00.

- O prédio rústico, sito na Quinta ..., Lugar ..., na União das Freguesias ... (...), ... e ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz rústica respectiva sob o artigo ...27, com uma área total de 1,865000 hectares, avaliado em 2018, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário, com o valor patrimonial de € 7.380,00.

2. Prédio rústico, sito no ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., distrito ..., inscrito na matriz rústica respetiva sob o artigo ...02, com uma área total de 0.640000 hectares, avaliado em 1995, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário

73.º A “Quinta do ...”, que é composta pelos prédios supra identificados, atualmente dispõe de:

a) Um restaurante com capacidade para 80 (oitenta) a 100 (cem) pessoas;

b) Um centro de eventos, composto por dois pisos, com capacidade para 250 (duzentas e cinquenta) pessoas;

c) Um centro hípico com 30 (trinta) boxes de cavalos;

d) Um espaço comercial afeto ao centro hípico com cerca de 200,00 m2;

e) Um armazém com cerca de 1.500,00 m2;

f) Um armazém com cerca de 1.000,00 m2;

g) Um parque de estacionamento com capacidade para cerca de 250 (duzentas e cinquenta) viaturas;

h) Uma moradia T5, com dois pisos, garagem com capacidade para 5 (cinco) carros, com excelentes materiais e acabamentos, e com cozinha totalmente equipada.

74.º Desde pelo menos, 03.02.2014, os autores estiveram diversas vezes integrados em PERSI, tendo sido devidamente informados dessa integração e diversas vezes contactados para se aferir os motivos do incumprimento e analisar as possibilidades de regularização.  

75.º Os autores, integrados em PERSI, regularizaram diversas vezes situações de incumprimento, viram esses procedimentos ser extintos, voltaram a ser reintegrados, voltaram a regularizar o incumprimento, voltaram a ver os procedimentos extintos e assim consecutivamente.

76.º E isto até ao momento em que os autores deixaram de regularizar as situações de incumprimento, sendo então extinto o procedimento pelo decurso do prazo.

77º O quadro de doença oncológica de que padeceu a autora DD, abalou a paz, tranquilidade e harmonia familiares.

78º No ano de 2015 os autores tinham duas filhas menores, sendo que a mais velha tinha, naquela data, 16 (dezasseis) anos e a mais nova 10 (dez) anos de idade.

79º As menores suportaram as consequências que a anunciada perda da sua casa causou nos seus pais, os autores.

80.º A menor mais velha teve recebeu acompanhamento médico.

81.º Com a venda da casa de morada de família no âmbito da ação executiva, a autora e as filhas viram-se obrigadas a abandonar o seu lar.

82.º A autora sentiu-se humilhada perante a sua entidade patronal ao ter que explicar a pendência de uma ação executiva contra si, quando esta, a sua entidade patronal, foi notificada para proceder à penhora do seu vencimento.

83.º Os autores retiraram a filha mais nova da escola ....


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Parte II – O Direito

1. Discute-se nesta revista, admitida a título excepcional pela Formação de Juízes Conselheiros a que alude o artigo 672.º n.º 3 do Código de Processo Civil, o cumprimento por parte do Banco réu dos deveres de instauração de um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), da comunicação aos autores da sua integração nesse procedimento extrajudicial e da extinção do procedimento.

Mais concretamente a questão que o autor ora recorrente coloca, e cuja relevância foi já reconhecida pela mencionada Formação de Juízes Conselheiros, é a da prova do cumprimento dessa obrigação de instauração de um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento e da sua extinção aos clientes bancários, antes da propositura da acção tendente à satisfação do seu crédito.

Tal como foi atrás enunciado, importa analisar e decidir previamente a alegada nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) e n.º 4 do Código de Processo Civil (conclusões das alegações de revista 24 a 29).


2. Na petição inicial os autores alegam, além do mais, que no momento em que o contrato de mútuo bancário foi resolvido pelo Banco réu se encontrava apenas em dívida uma prestação, imputando-lhe violação do disposto no artigo 7.º- B, do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro.

Os autores não formularam, porém, qualquer pedido relacionado com tal violação nem dela extraem qualquer conclusão autónoma enquanto fundamento do pedido, enquadrando no essencial a conduta ilícita do Banco réu no contexto de falta de comunicação da integração dos autores em PERSI e sua extinção e no abuso de direito que, em seu entender, representou a instauração da posterior acção executiva sem exigir da Seguradora ré o valor das prestações em dívida.

Na audiência prévia oportunamente realizada foram identificados, sem qualquer manifestação em contrário das partes, o objecto do litígio e os temas da prova ficando esclarecido que entre as questões a provar/decidir estavam se “no âmbito do processo executivo nº ...5..., o Banco Réu tinha a obrigação de diligenciar junto da Ré “Santander Totta Seguros, Companhia de Seguros Vida, S.A.” no sentido de obter daquela a prestação a que se obrigou e de que era beneficiário” e se o Banco réu “deu cumprimento às obrigações que decorrem do D.L. nº 227/12 (PERSI).


3. Ou seja, a invocada ilicitude da resolução dos contratos de mútuo por violação do disposto no artigo 7.º-B do Decreto Lei 349/98 de 11 de novembro não é questão que tenha sido colocada ao tribunal nem por ele equacionada como questão a decidir de que lhe cumprisse conhecer nesta acção.

Constitui, nessa medida, uma “questão nova”, sobre a qual não houve pronúncia da primeira instância, a apreciação da eventual ilicitude da resolução contratual por violação do disposto no artigo 7.º-B do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro enquanto fundamento da causa de pedir na acção, recordando-se que a questão nem sequer foi suscitada na acção executiva 23787/15...., em que os contratos de mútuo em causa foram título executivo.


4. A invocação da circunstância de apenas se encontrar vencida uma prestação aquando da resolução dos contratos de mútuo – circunstância de resto não esclarecida face aos factos apurados – constitui assim não mais do que um dos vários argumentos utilizados ao longo da petição inicial para fundamentar o pedido de condenação dos réus no pagamento da indemnização correspondente aos danos sofridos com a instauração da acção executiva.

É pacífico que o artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil não obriga à “consideração exaustiva de toda a panóplia argumentativa usada pelas partes para fazerem vingar uma qualquer das (à partida) plausíveis soluções de direito” no dizer de Feereira de Almeida in “Direito Processual Civil” Volume II 2.ª edição (2022 – Almedina) a páginas 421.

De onde se conclui que de nenhum vício padece a sentença ou o acórdão que não aprecie a totalidade dos argumentos esgrimidos pelas partes.

Improcede, em conformidade, a revista no que tange às conclusões 24.º a 29.º das alegações de revista.


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5. O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) foi criado pelo Decreto Lei 227/2012, de 25 de outubro e ali definido como um mecanismo adicional de prevenção do incumprimento de obrigações contratuais dos consumidores clientes bancários e da sua regularização, no contexto de uma situação de crise económica e financeira generalizada que fez salientar a importância de “uma atuação prudente, correta e transparente” das entidades bancárias “em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes, enquanto consumidores” [1].

Para além do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) – também criado no citado diploma – cuja finalidade é o estabelecimento de procedimentos internos de acompanhamento da execução dos contratos de crédito “que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento”, através do PERSI as entidades bancárias, no contexto de determinados contratos de concessão de crédito e perante situações de incumprimento, ficaram vinculadas a “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.”


6. Como facilmente se depreende o PERSI tem uma notória vertente negocial que torna imprescindível o estabelecimento de comunicações entre a entidade bancária e os clientes bancários nele integrados.

O PERSI desenvolve-se, na realidade, em três fases distintas:

- uma fase inicial, regulada no artigo 14.º do Decreto Lei 227/2012 de 25 de outubro, cujo nº. 4 dispõe expressamente que “no prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.”

- uma fase de avaliação e proposta, regulada no artigo 15.º do mencionado diploma, cujo nº 4 prevê igualmente a formulação de uma proposta de regularização da situação em incumprimento em suporte duradouro;

- uma fase de negociação regulada no artigo 16.º do citado Decreto Lei 227/2012, de 25 de outubro.


7. A extinção do PERSI, regulada no artigo 17.º do mesmo diploma, é igualmente comunicada pela instituição de crédito ao cliente bancário em suporte duradouro, descrevendo o respectivo fundamento legal, só produzindo efeito após tal comunicação.

Porque se trata de um mecanismo de prevenção tendente a viabilizar o cumprimento das obrigações decorrentes da celebração dos contratos de mútuo bancário, entre a data da integração (obrigatória) do cliente bancário no PERSI e a sua extinção, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e de intentar acções judiciais para satisfação do seu crédito (artigo 18.º do Decreto Lei 227/2012 de 25 de outubro).


8. É pacífica a jurisprudência, nomeadamente dos Tribunais da Relação, no sentido de que a comunicação aos clientes bancários da sua integração em PERSI e da sua extinção é matéria de conhecimento oficioso do tribunal e que a sua falta constitui excepção dilatória insuprível que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância.

Igualmente pacífica parece ser a jurisprudência no sentido de que cabe às entidades bancárias o ónus de provar que efectuou as comunicações legalmente previstas.


9. A exigência de que as comunicações relativas à integração em PERSI e à sua extinção sejam efectuadas em “suporte duradouro” tem na sua base (para além do controle institucional da própria actividade bancária) a remoção de dúvidas – no contexto de um relacionamento potencialmente litigioso entre o Banco e os clientes – sobre a circunstância de a entidade bancária ter cumprido com as obrigações a que está adstrita para com o cliente no âmbito da tentativa de regularização de situações de incumprimento no exercício da actividade bancária de concessão de crédito aos consumidores.


10. Tal expressão (“suporte duradouro”) acaba por traduzir uma forma aligeirada e adaptada às realidades presentes do conceito de documento contido no artigo 362.º do Código Civil: objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar um facto.

Como tem sido pacificamente decidido, integra-se no conceito de “suporte duradouro” o documento escrito em papel ou guardado com recurso a meios informáticos porque susceptíveis de acesso para leitura em momento posterior à sua elaboração em ordem a demonstrar a realidade da comunicação e dos termos em que teve lugar.

Deve assim concluir-se que, face ao disposto nos artigos 364.º n.º 1 e 393.º n.º 1 do Código Civil, a prova da existência de tal comunicação – e dos termos em que foi realizada – só pode ser provada através do documento em causa.

Dito de outro modo, o “suporte duradouro” a que se refere o Decreto Lei 227/2012, de 25 de outubro, é um requisito da forma que devem observar as comunicações no âmbito do PERSI.

 

11. O conceito de comunicação através do “suporte duradouro” (ou documento) encerra em si uma finalidade primordial que é a de levar ao conhecimento do destinatário o teor da mensagem nele contida.

Acresce que no caso das comunicações previstas no Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, estamos em presença de declarações negociais que só se tornam eficazes quando chegam ao poder dos destinatários ou deles são ou podiam ser conhecidas (artigo 224.º n.º 1 e 2 do Código Civil).

Ou seja, para que possa ter-se por verificada a comunicação em causa importa que dos factos apurados se possa concluir que a mensagem veiculada no documento chegou ao conhecimento do seu destinatário ou que foi efectuada em condições de por ele ser conhecida.


12. Não resulta, porém, do respectivo regime legal que as comunicações relativas ao PERSI tenham de ser efectuadas através de carta registada com ou sem aviso de recepção, podendo elas ter lugar através de carta simples ou por correio eletrónico para endereço fornecido pelos clientes bancários.

Daí que, comprovada que seja a existência do “suporte duradouro” contendo o teor da comunicação exigida pelo regime legal do PERSI, se tenha por admissível o recurso a qualquer meio de prova para comprovação complementar do cumprimento da obrigação da entidade bancária de levar ao conhecimento dos destinatários o seu teor e, bem assim, a extração de ilações sobre a matéria a partir dos factos conhecidos (artigo 349.º e 351.º do Código Civil).


13. No caso dos autos, apesar da concordância decisória entre a primeira e a segunda instância, defende o autor, ora recorrente, que não poderia ter sido considerado provado que os autores estiveram integrados em PERSI, por diversas vezes a partir de 3 de fevereiro de 2014, tendo sido informados de tal integração e contactados para se aferir dos motivos do incumprimento, sendo os procedimentos sucessivamente extintos até que deixaram de regularizar as situações (conforme descrito nos pontos 74, 75 e 76 do elenco dos factos provados).

Isto porque, em seu entender, não foi feita prova de que os autores tenham recebido as comunicações cujo teor se mostra junto aos autos e a prova testemunhal produzida sobre a matéria não permite a afirmação de tal facto.


14. Vem a propósito relembrar que, em princípio, o Supremo Tribunal de Justiça está impedido de proceder à avaliação da forma como as instâncias decidiram a matéria de facto e alicerçaram a sua convicção na prova produzida, com excepção das situações enquadráveis na parte final do artigo 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

Sendo a regra a de que não pode ser objecto de revista o erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa pelas instâncias, a excepção abrange as situações em que o julgamento encerra ofensa de disposição legal expressa que exija certo tipo de prova para a afirmação da existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.


15. No caso presente está junta aos autos a documentação relativa a sucessivos incumprimentos de obrigações assumidas pelos autos no contexto do mútuo celebrado com o Banco para aquisição de habitação própria e permanente e a sua regularização que determinaram a abertura de PERSI e sua extinção, tendo o acórdão recorrido (tal como a sentença de primeira instância) concluído que do facto de os autores terem regularizado por diversas vezes a situação de incumprimento se depreende que as comunicações, enviadas por carta para a morada dos autores constante dos contratos, chegaram ao conhecimento dos seus destinatários.

No acórdão recorrido salientou-se ainda o teor do depoimento de uma testemunha funcionário do banco réu que, corroborando a documentação junta aos autos, confirmou que os autores estiveram integrados por diversas vezes em PERSI, sendo os procedimentos sucessivamente extintos por regularização das anteriores situações de incumprimento, até que prestações ficaram por pagar e o procedimento se extinguiu.


16. Ou seja, em conclusão, a elaboração das comunicações da integração dos autores em PERSI e da sua extinção foi considerada provada com base no suporte duradouro (cartas automaticamente geradas pelo sistema informático do banco réu remetidas aos autores) junto aos autos, com o esclarecimento complementar da testemunha funcionário bancário sobre a gestão automática das comunicações das situações de incumprimento.

Na economia da decisão impugnada a convicção sobre a realidade do facto que é o cumprimento da obrigação do Banco réu de abrir um PERSI e comunicar aos autores a sua integração nele com vista à regularização das situações de incumprimento e sua extinção baseou-se ainda na ilação que os decisores tiraram a partir do facto conhecido que é a integração dos autores em sucessivos procedimentos extrajudiciais para regularização das situações de incumprimento contratual.


17. Não se regista, quanto à prova de tal facto, violação de qualquer regra de direito probatório material, por não haver norma expressa que exija para a prova do conhecimento do teor das comunicações pelos clientes bancários uma determinada espécie de prova.

Razão pela qual não tem aplicação ao caso presente a previsão da última parte do artigo 674.º n.º 3 do Código de Processo Civil.

E não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça avaliar a existência de eventual erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, sendo certo que a decisão do acórdão recorrido está fundamentada de forma lógica e coerente.


18. Pelo que vem de ser dito, se conclui não proceder a pretensão do autor recorrente no sentido de ser anulado, por violação de lei adjectiva sobre a prova do cumprimento pelo Banco réu das obrigações impostas pelo Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, o acórdão recorrido (Conclusões 30 a 58 das alegações de revista.

Tendo o autor ficado vencido suportará as custas relativas ao recurso de revista.


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DECISÃO

Termos em que, julgam improcedente o recurso de revista, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

As custas da revista ficam a cargo do autor/recorrente.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 28 de fevereiro de 2023


Manuel José Aguiar Pereira (Relator)

Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor

António Pedro de Lima Gonçalves


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[1] Do preâmbulo do mencionado diploma.