Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
151/19.8T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
OMISSÃO
ATIVIDADES PERIGOSAS
PRESSUPOSTOS
ESCAVAÇÕES
DEVERES DE SEGURANÇA NO TRÁFEGO
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
DEVER DE DILIGÊNCIA
SUBEMPREITADA
EMPREITEIRO
DEVER DE VIGILÂNCIA
ILICITUDE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO MORTE
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DA 3ª R E CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DOS AA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I.- A norma positivada no art. 486 do Código Civil, estabelece uma situação de responsabilidade pela omissão, exigindo a comprovação de dois requisitos específicos: (1) a existência do dever jurídico de praticar o acto omitido, (2) e que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade, obstado ao dano.

II.- No entanto, fora dos casos tipicizados no art. 486 do Código Civil, o nosso direito aceita ainda o princípio geral do dever de prevenção do perigo.

III. A qualificação de uma actividade perigosa, para efeitos do nº2 do art.493 C.C., abalizada pela própria natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados, não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, pelo que só casuisticamente poderá ser aferida, mas como critério geral de orientação tem-se adoptado a tese da “maior probabilidade dos danos” em comparação com as restantes actividades em geral.

IV. Para além de determinar a inversão do ónus da prova, o nº2 do art. 493 CC agrava a medida da normal diligência segundo o padrão de conduta exigível, pelo que o lesante só pode exonerar-se da responsabilidade “ se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”, e, assim, para afastar a responsabilidade, o agente carece de demonstrar que levou a própria diligência “ não menos que ao extremo limite”, pois “ a previsibilidade do dano está  re ipsa”, sendo, por isso, rigorosa a prova liberatória.

V. Os trabalhos de abertura de uma vala para colocação de tubagem de saneamento com cerca de 3,40 metros de profundidade, deve ser qualificada como actividade perigosa, para efeitos do art. 493 nº2 CC, tanto assim que a lei impõe regras específica de protecção de segurança no trabalho, pela especial perigosidade.

VI. Para efeitos do art. 493 nº1 CC (violação do dever de diligência) numa subempreitada de uma obra, apesar da autonomia de ambos os contratos, o empreiteiro não mantém apenas o dever de fiscalização, como o dono da obra ( art. 1209 CC), mas conserva deveres acrescidos, como o dever de vigilância consubstanciado, além do mais, nos deveres de controle, direcção e supervisão técnica.

VII. Pelos danos causados pela morte de um trabalhador contratado pelo subempreiteiro que ficou soterrado aquando da abertura de uma vala para o saneamento em virtude de não terem sido efectuadas todas as medidas de segurança, respondem solidariamente ( art. 497 CC) o subempreiteiro e o empreiteiro.

VIII. O art. 497 CC ao estabelecer a regra da solidariedade na responsabilidade civil apenas pressupõe que várias pessoas sejam responsáveis pelos mesmos danos, independentemente do grau de ilicitude e de culpa de cada uma delas, não se exigindo que haja uma actuação conjugada ou concertada para a responsabilização ser solidária, pelo que no domínio da responsabilidade civil extracontratual cada um dos autores responde perante o lesado pelo pagamento integral da indemnização.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


1.1. Os Autores - AA, Cartão de Cidadão nº ........, Contribuinte Fiscal nº ......, residente na ............, n.º .., ....-... ......., ......; e BB, Cartão de Cidadão nº ......, Contribuinte Fiscal n.º ......, residente na ........, nº .. ......, ....-... ......., ......, instauraram (12/1/2019 ) acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus:

1. PAVILANHESES – CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva nº 510 944 310, com sede na Rua Padre Matos, Edifício Marta, entrada 2, letra C, rés-do-chão direito, freguesia de Albergaria-a-Velha e Valmaior, 3850-091 Albergaria-a-Velha;

2. CC, Cartão de Cidadão nº ........, residente na … n.º .., ….-……, …., .....;

3. VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A., pessoa coletiva nº 502 856 408, com sede na Rua …, nº …, Apartado …, …., …., ….;

4. DD, residente na …, nº .., ……., ….-… …., ….; e

5. MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA., pessoa coletiva nº 504 …55, com sede no Centro Empresarial …, …., ….,


Alegaram, em resumo:

Os Autores são filhos e únicos herdeiros de EE, falecido num acidente de trabalho, por soterramento e asfixia mecânica numa vala em que trabalhava como pedreiro, ocorrido no dia 11.3.2014, em .......

A vítima faleceu quando se encontrava ao serviço, sobre as ordens e direção da 1ª R., representada pelo 2º R., tendo sido estes já condenados pela prática de um crime de infração de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 277º, n.ºs 1, al. a) e 2, e 285º do Código Penal, por referência aos artigos 66º a 72º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto, a 1ª R. ainda com referência aos art.ºs 11º, nºs 2, al. a), e 4, e 90º-B, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Penal.

O dono da obra era a ADRA – Águas da Região de Aveiro, S.A., que a adjudicara à 3ª R. (empreiteira), representada pelo 4º R., que, por sua vez, celebrou um contrato de subempreitada com a 1ª R.

A dona da obra contratara a 5ª R. para a fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.

Os 1ª e 2º RR. não promoveram a colocação de qualquer proteção coletiva no local de execução dos trabalhos, designadamente a entivação, por forma a prevenir o risco de soterramento dos trabalhadores que executavam os trabalhos na vala.

A 1ª R. também não ministrou à vítima, como devia, formação em segurança no trabalho.

Os 3º, 4º e 5º RR. permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, como é sua obrigação legal, a aplicação do plano de segurança e saúde e sem terem verificado o seu cumprimento ao longo da execução dos trabalhos, não atendendo à organização do estaleiro, às condicionantes nele existentes e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, em concreto, o risco de soterramento.

A 3ª R. havia-se responsabilizado por todas as obrigações legais na execução de todos os trabalhos, nomeadamente cumprir e fazer cumprir as regras de segurança pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação.

A 5ª R. deveria ter fiscalizado e coordenado a segurança da empreitada, e não o fez como devia.

Em consequência do soterramento, o EE sofreu uma morte violenta e quase imediata, apercebendo-se de que iria morrer ali, pelo que os AA. entendem que deve ser fixada a indemnização de € 20.000,00, a repartir em duas partes iguais pelos AA. (€ 10.000,00 para cada um).

O falecido tinha 50 anos de idade e, pelas suas caraterísticas pessoais e esperança de vida, os AA. defendem que o dano morte deve ser reparado com a quantia de € 70.000,00, a dividir em partes iguais por cada um deles (€ 35.000,00 para cada um).

Em consequência da morte de seu pai, os AA. sofreram:

Danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00 para cada um deles.

Perda de um rendimento equivalente a € 50,00 por mês, cada um, relativo ao fornecimento produtos hortícolas e outros alimentos com que o seu pai contribuía em favor de ambos, e que estimam em € 9.000,00 para cada A. a título de dano futuro.

 Os AA. pagaram a quantia de € 1.790,00 à Agência Funerária Cardoso e Martins, Lda., que tratou do funeral, tendo sido reembolsados pela Segurança Social “em quantia não inferior a €1000,00”, gastaram € 170,00 em flores, pagaram a quantia de € 80,00 à Junta de Freguesia, conforme guia de entrada de cadáver no cemitério, e ainda uma dívida que o falecido pai tinha junto da Segurança Social, no valor de € 787,05.

Concluíram pedindo

«I) - Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e os Réus solidariamente condenados:

A) A pagar a cada um dos Autores:

- A título de indemnização por danos morais da vítima, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);

- A título de indemnização pelo dano da privação do direito à vida, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);

- A título de indemnização por danos morais próprios dos Autores, a quantia de € 20.000,00;

- A título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido, a quantia de € 9.000,00.

B) A pagar aos Autores a quantia global de €1.827,05, correspondente às despesas com o funeral (€790,00 + €170,00 + €80,00) e corresponde a uma dívida na Segurança Social paga pelos Autores e que dizia respeito ao de cujus (€787,05).

C) A pagar os juros, à taxa legal, desde a citação;


Os Réus contestaram, defendendo-se, em síntese:

O 2º R. com a excepção da violação do princípio da adesão ao processo crime e por impugnação.

Os 3ª, 4º e 5º RR. por impugnação, negando qualquer tipo de responsabilidade.


1.2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida (9/7/2020) sentença ( fls. 800 e segs.)que decidiu:

«A – Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em função disso, condeno os Réus Pavilanheses – Construções Unipesssoal Lda, CC, Vitor Almeida & Filhos Lda e Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda a pagarem, solidariamente:

- A cada um dos Autores, a quantia de 5.000 €, por danos morais da vítima, 35.000 € pelo dano de privação do direito à vida da vítima, 10.000 € por danos morais próprios dos autores;

- A pagar aos Autores a quantia de 1.040,00 €, correspondente às despesas de funeral.

Quantias acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

B – Improcede o pedido no que se refere ao Réu DD. Custas na proporção do decaimento.»


1.3. Inconformados, os 3ª R. VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A. ( fls. 820 e segs)  e a 5ª R. MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA.( fls. 840 e  segs.) , recorreram de apelação.


1.4. A Relação  …., por acórdão de 11/2/2021, decidiu:

“Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da 3ª R. parcialmente procedente e a apelação da 5ª R. procedente, alterando-se a sentença recorrida, sendo ação parcialmente procedente e, em consequência,

A- Condenam-se:

1- Os RR. Pavilanheses – Construções Unipessoal Lda. e CC, a pagarem, solidariamente, a cada um dos AA., a quantia de € 5.000,00, por danos morais da vítima, € 35.000,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 10.000,00 por danos morais próprios dos AA.;

2- A R. Vítor Almeida & Filhos, S.A. a pagar, solidariamente com aqueles dois RR., a cada um dos AA., a quantia de € 3.250,00, por danos morais da vítima, € 22.750,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 6.500,00 por danos morais próprios dos AA.;

3- Todos os referidos RR., solidariamente, no pagamento aos AA. da quantia de € 1.040,00, correspondente às despesas de funeral.

B- Absolve-se a 5ª R. Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda. do pedido da ação.

Todas as quantias são acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

As custas da apelação da 3ª R. serão suportadas por ela e pelos AA. na proporção do respetivo decaimento no recurso.

As custas da apelação da 5ª R. serão suportadas pelos AA., dado o seu total decaimento no recurso.

As custas da ação são da responsabilidade dos AA. e dos RR. condenados, na proporção do decaimento de cada um deles, tudo de acordo com o disposto nos art.ºs 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Voto de vencida da Exma. Desembargadora Francisca Mota Vieira

“Voto vencida a decisão na parte do nº 2 do dispositivo e fundamentação respetiva, porque, sendo solidária a responsabilidade dos 1ª, 2º e 3ª Réus, a distinta contribuição destes na dinâmica causal que produziu o dano não pode desvirtuar a natureza solidária da obrigação em que aqueles réus estão constituídos perante os Autores, terceiros lesados, nos termos dos artigos 512º, nºs 1 e 2 e 497º, nº 1 do Código Civil, sendo que no regime de solidariedade há sempre que considerar o plano das relações externas (as estabelecidas entre credores solidários e o devedor ou entre devedores solidários e o credor) e o plano das relações internas (as estabelecidas entre os devedores solidários entre si ou entre os credores solidários entre si) e que apenas naquele plano das relações externas é que é retratado o regime fundamental da solidariedade, relevando a distinta contribuição dos devedores para a produção do dano apenas no plano das relações internas, conforme art. 512º nº 2 e 516º do CC.”


1.5. A 3ª Ré - VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A., recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1.O objecto da apelação abrange o dispositivo do douto acórdão recorrido na parte em que decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando a ora recorrente a pagar aos autores as quantias ali discriminadas, num total de 65.000,00 euros, no que respeita aos danos não patrimoniais, e 1.040,00 euros, no que respeita aos danos patrimoniais, acrescidas dos juros legais desde a citação, sendo o valor da sucumbência de 66.040,00 euros.

2. Entende a recorrente que não se verificam, relativamente a si, os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes do instituto da responsabilidade civil extra-contratual, previstos no artigo 483º do CC.

3. Conforme resulta dos pontos 6, 7, 10, 12, 13, 32, alínea 5, e 34 dos factos provados, o facto voluntário que provocou o dano consistiu na omissão e escoramento/entivação da vala, destinando-se tal operação técnica a evitar o soterramento no caso de ocorrer um desabamento de terras e verificando-se que a não entivação de parte da vala ocorreu por ordem e não promoção da mesma pelo réu CC, gerente da ré subempreiteira Pavilanheses.

4.O cumprimento de tal norma de segurança é idónea e suficiente para impedir lesões ou morte por soterramento, seja de trabalhador, seja de qualquer outra pessoa, pelo que a invocada omissão de ser ministrada formação adequada, com o devido respeito, não pode relevar como nexo de causalidade dequada para o acidente, sendo, face à verificada falta de entivação/escoramento da vala, inidónea para evitar o mesmo.

5.Verifica-se que o douto acórdão recorrido, e bem, não imputa a omissão de entivação/escoramento à recorrente, referindo, aliás, expressamente, que aquela, além do mais, não tinha o dever nem a possibilidade de vigiar e fiscalizar a todo o momento a existência da entivação/escoramento, situação que apenas poderia ser verificada por quem se encontrasse no local e no momento em causa --- no seguimento da alteração de redacção decidida quanto aos pontos 37, 38 e 44 da matéria de facto provada e eliminação do ponto 39 --- concluindo não se verificar negligência imputável à recorrente quanto a tal omissão praticada pela subempreiteira.

6. Assim, não tendo a recorrente omitido qualquer acto de entivação/escoramento da vala que lhe fosse imputável, não poderá ser responsável pela indemnização peticionada nos autos, sendo certo que, com o devido respeito, o único nexo de causalidade com o evento ocorrido, ou seja, a morte do sinistrado, teria sempre de ser reportado à referida omissão de entivação/escoramento da vala e não a eventual omissão de formação adequada, verificando-se, aliás, que esta omissão não foi provada nos autos.

7. Considera o douto acórdão recorrido, e bem, que a ilicitude da omissão da entivação/escoramento da vala em causa não pode ser imputada à recorrente, não lhe sendo exigível, no âmbito do dever de vigilância, que evitasse a existência de uma situação apenas constatável por quem estivesse no exacto momento e local em que ocorreu, resultando, tal das alterações aos factos provados decididos em sede de apelação, com nova redacção dos pontos 37, 38 e 44 e eliminação do ponto 39.

8. Por outro lado, ao contrário do entendido no douto acórdão recorrido, a recorrente não pode ser responsabilizada, por não ter provado ter ministrado formação, por aplicação do disposto no artigo 493º, nºs 1 e 2, do Código Civil, pois prevê tal norma legal uma presunção de culpa apenas aplicável no caso de se verificar a prática de facto ilícito pela recorrente, o que, como já se alegou, não ocorreu, não lhe podendo ser imputado o facto e a ilicitude relativamente à omissão de entivação/escoramento da vala.

9. A eventual omissão de formação ao sinistrado, como já se referiu, não constitui facto voluntário da recorrente idóneo para provocar o evento e não se pode considerar, com o devido respeito, abrangida pelo âmbito das obrigações de vigilância sobre coisa imóvel, pressuposto da norma legal invocada.

10.A presunção de culpa, ainda que fosse aplicável, não envolve a dispensa da prova do nexo de causalidade, exigindo-se, por isso, a demonstração de que ocorreu um facto voluntário do agente, um comportamento dominável pela vontade, revista ele a forma de ação ou de omissão.

11. E, conforme resulta da alínea P) dos factos não provados, não foi logrado pelos autores provar que a ora recorrente não ministrou formação à vítima e aos demais trabalhadores. Assim, não se tendo provado tal facto/omissão da recorrente, a presunção de culpa, prevista no artigo 493, do CC, não opera por falta não só de prova do facto voluntário a imputar à recorrente, como por, em consequência, não existir nexo de causalidade entre um facto (que não se provou) e a afectação do direito do lesado.

12. Assim, entende a recorrente que só o subempreiteiro responde perante terceiros pelos actos por ele praticados, dada a autonomia com o empreiteiro.

13. Considerou, e bem, o douto acórdão recorrido, que, no que respeita à omissão de entivação/escoramento da vala, nenhuma imputação culposa poderia ser feita à recorrente e, por outro lado, não se provou nos autos que, conforme alínea P) dos factos não provados, a recorrente não tivesse ministrado formação adequada aos trabalhadores da ré subempreiteira que se encontravam a laborar no local do acidente, nem se provou que a recorrente nenhuma formação deu ao trabalhador sinistrado

14. Assim, a existência do facto voluntário da recorrente que poderia ser classificado de ilícito e lhe poderia ser imputado a título de culpa não foi provado nos autos e, como já referido, competia aos autores o ónus da prova da verificação de tal facto voluntário praticado pela recorrente, pois a presunção de culpa prevista no artigo 493º, nº 1, do CC, ou no seu nº 2, não abrange uma presunção de causalidade, pelo que, conforme o

16. Sem conceder, não se verifica, ao contrário do decidido, que tenha ocorrido nexo de causalidade entre um facto omitido pela recorrente e o dano sofrido pela vítima, pois, sendo o facto invocado a omissão de a recorrente ter ministrado formação adequada, nomeadamente à vítima, verifica-se, como já referido, que tal facto não foi provado nos autos, não operando a presunção de culpa, ou até de eventual ilicitude, decorrente do disposto no artigo 493º, do CC, relativamente à causalidade e existência do facto voluntário.

17. Verificando-se ainda que a recorrente empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir o acidente, como resulta dos factos provados sob os pontos 29, 30, 31, 32 ( subpontos 6), 11), 12), 13), 14), 15), 16) e 17) ), 34, 35, 36 ( « Assim, não se verifica a existência do nexo de causalidade exigido pelo artigo 563º, do CC, entre a conduta da recorrente e o acidente e, consequentemente os respectivos danos, não existindo, também por isso, obrigação de indemnizar.

18. Considera a recorrente que, face ao já exposto, não existe obrigação da sua parte de reparar os danos decorrentes do acidente, não se aplicando o disposto no artigo 562º, do CC.

19. Sem conceder relativamente ao alegado e, desse modo, quanto à sua consequente absolvição integral do pedido pelos autores, que peticiona na procedência desta revista, caso tal não seja acolhido, considera a recorrente que os montantes fixados pela douto acórdão recorrido, no que respeita aos danos não patrimoniais, devem ser ainda reduzidos, de forma equitativa, atendendo, desde logo, no que respeita à recorrente, que mesmo que lhe fosse imputável a responsabilidade, o seu grau de culpabilidade seria sempre substancialmente menor relativamente aos demais co-réus, nomeadamente o subempreiteiro e seu gerente, como, aliás, já foi acolhido no douto acórdão recorrido.

20. Assim, entende a recorrente, com o devido respeito, como já pedido em sede de apelação, que a indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima e pelo dano de privação da vida, deveria ser reduzida para montante não superior a cinco mil euros e quarenta mil euros respectivamente e, no que se refere aos danos morais sofridos pelos autores, que a indemnização deveria ser reduzida para montante não superior a cinco mil euros para cada um deles. Ou seja, sendo o valor da indemnização por danos não patrimoniais fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, ao abrigo do disposto no artigo 494º do CC, deverá a mesma ser fixada em percentagem não superior a 55% do montante total fixado em 1ªinstância, ou seja, um total de 55.000,00 euros, em partes iguais para cada um dos autores, ao invés dos 65% e 65.000,00 euros fixados no douto acórdão recorrido.

21. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 483º, nº1, 486º, 487º, nº 1, 493º, nºs 1 e 2, 494º, 496º, nº 3, 562º e 563º, do Código Civil, devendo tais normas legais ser interpretadas e aplicadas no sentido de não se considerarem verificados relativamente à recorrente os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual e, em consequência se verificar a inexistência de obrigação desta indemnizar os autores, ou, sem conceder, ainda que tal não proceda, tal obrigação ser reduzida no que respeita aos danos não patrimoniais.


1.6. – Os Autores AA e BB, AUTORES recorreram de revista na parte em que o acórdão da Relação alterou a sentença recorrida, absolvendo a 5ª R. Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda. do pedido da acção, e alterando a condenação solidária da Ré Vítor Almeida & Filhos, S.A., reduzindo-a para 65% do valor total da indemnização pelo dano morte e pelos danos não patrimoniais, com as seguintes conclusões

1. O “adequado cumprimento das suas (da Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª”) obrigações funcionais” apenas se mostrará cumprido e será efectivo e real se e quando a entidade responsável pela coordenação de segurança em obra colocar nessa obra pessoas em número suficiente para garantia essa mesma segurança, com especial relevo para o rigoroso cumprimento do PSS.

2. A Entidade responsável era a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª. Se a Engª FF (funcionária desta) esteve naquela frente de obra apenas 2 vezes em 15 dias porquanto (supõe-se) no restante tempo estaria noutros locais da obra (noutras frentes) apenas àquela Ré se pode imputar a efectiva e real incapacidade para os serviços para que foi contratada.

3. Ao celebrar o contrato com a Adra (facto provado nº 3) teve necessariamente de tomar conhecimento da grandeza da obra pelo que se não era capaz de assegurar o cabal exercício das funções que lhe eram exigidas, não deveria ter contratado com a Adra.

4. Considerar que a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª cumpriu com as suas obrigações funcionais porque ficou demonstrado (ou se considerou como tal) que por duas vezes a Engª FF chamou a atenção para falhas de segurança, é de uma displicência indescritível e demonstra uma inadmissível benevolência para com esta Ré.

5. A Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª foi claramente negligente, ao considerar que uma pessoa apenas seria suficiente para cobrir adequadamente todas as frentes da obra, o que, manifestamente, não aconteceu.

6. Se naquela frente de obra já tinha havido incumprimento, tal facto era (contrariamente ao entendimento da Relação) motivo acrescido para uma vigilância redobrada, isto é, havendo motivos para se considerar que naquela frente de obra alguém era incumpridor, a Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª deveria ter reforçado a sua função fiscalizadora naquela frente de obra.

7. Porém, nada consta dos Autos a este respeito, constando, pelo contrário, do relatório do ACT, que “não foram apresentadas evidências, por parte da coordenação de segurança de ter promovido e verificado o cumprimento do plano de segurança e saúde” e que “Não foram apresentados registos das actividades do coordenador de segurança”.

 8. A dimensão, complexidade e a própria natureza das obras são determinantes de diferentes condições de trabalho com consequências diversas no que respeita à ocorrência de riscos, frequentemente muito graves, para a segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Por isso, o exercício das actividades de coordenação em matéria de segurança e saúde no trabalho, quer durante a elaboração do projecto, quer durante a execução da obra, implica níveis de exigência diferentes no que diz respeito às competências requeridas, em função da dimensão, complexidade e natureza dos empreendimentos que são objecto da coordenação.

9. A Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Ldª não calculou convenientemente o risco existente daquela obra, de modo a fazer o acompanhamento que era devido e se lhe exigia – razão pela qual é solidariamente responsável com os demais Réus já condenados por todos os danos sofridos pelos Autores e já quantificados nos Autos.

10.O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação do disposto no artº 19º nº 2, als. e) e h) do Dec. Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro.

11. No caso em apreço não está em causa a aplicabilidade daquele regime, mas sim a prática de um facto omissivo ilícito pela 3.ª Ré que era a adjudicatária da empreitada em apreço (empreiteira geral), e foi a mesma que declarou «que na execução de todos os trabalhos cumprirá e fará cumprir pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação todas as obrigações previstas no Decreto-Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro e demais legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho» - facto provado 27.

12 Foi a 3.ª Ré quem nomeou o director técnico e o representante do empreiteiro (o Réu DD) para aquela empreitada, sendo que este último ficou responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho a que se refere a cláusula 6.1.9 do caderno de encargos os quais se comprometeram a desempenhar as funções com dedicação, proficiência e assiduidade. E foi ainda ela quem nomeou GG (que aceitou a nomeação) como responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.

13. Era a 3.ª RR quem estava obrigada a dar formação aos trabalhadores da 1.ª R. subempreiteira, não tendo provado que tivesse ministrado tal formação.

14. Está, assim, em causa a responsabilidade de uma entidade cuja actividade lucrativa está directamente relacionada com o acidente, sendo a própria dona de obra, devendo a sua atenção estar centrada (como decorre da factualidade dada como provada) na formação dos trabalhadores e cumprimento da legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho, para bem cumprir as obrigações por si assumidas.

15. Acresce que a 3.ª Ré sempre seria responsabilizada ao abrigo do dever de vigilância consagrado no art. 493º do Código Civil.

16. O Tribunal “a quo” confunde no regime da responsabilidade solidária o plano das relações externas (relações que se estabelecem entre os credores) e o plano das relações internas (aquelas que se estabelecem entre os devedores), como bem se alerta voto de vencido.

17. Nas obrigações solidárias, pelo seu lado activo, qualquer dos credores tem a faculdade de exigir do devedor a prestação por inteiro, e a prestação efectuada pelo devedor a qualquer deles libera-os em face de todos os outros credores. É no chamado plano externo que, como é bom de ver, é retratado o regime fundamental da solidariedade. No plano das relações internas não são necessariamente iguais as quotas ou partes que competem a cada um dos devedores ou credores, sendo o mesmo já um traço secundário, não essencial, da solidariedade.

18. Os arts. 512º, n.º 2 e 516º do Cód. Civil funcionam neste plano interno, pelo que a circunstância dos devedores solidários estarem obrigados entre eles em termos diversos, ou com diversas garantias, ou do conteúdo das prestações de cada um deles ser diferente, não obsta a que a obrigação seja solidária, sendo, aliás, indiferente para o estabelecimento do regime da solidariedade.

19. Sendo solidária a responsabilidade dos 1.ª, 2º e 3ª Réus, a alegada distinta contribuição destes na dinâmica causal que produziu o dano não pode desvirtuar a natureza solidária da obrigação em que aqueles RR estão constituídos perante os AA, terceiros lesados, nos termos dos artigos 512º, n.ºs 1 e 2 e 497.º, n.º 1 do Código Civil.

20. A interpretação levada a cabo pelo Tribunal “a quo” dos artigos 512.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil deturpa o regime da solidariedade e desprotege os lesados, ao reduzir consideravelmente a aplicação daquele regime nas relações externas.

21. Julgando a revista procedente e condenando os Réus Pavilanheses – Construções Unipesssoal Lda, CC, Vitor Almeida & Filhos Lda e Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda a pagarem, solidariamente a cada um dos Autores, a quantia de 5.000 €, por danos morais da vítima, 35.000 € pelo dano de privação do direito à vida da vítima, 10.000 € por danos morais próprios dos autores e a quantia de 1.040,00 €, correspondente às despesas de funeral, quantias acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual



II – FUNDAMENTAÇÃO



2.1. – O objecto dos recursos

As questões submetidas a recurso, delimitadas pelas respectivas conclusões, são, no essencial e por ordem lógica, as seguintes:

A responsabilidade da 3º Ré (empreiteira)

A responsabilidade da 5ª Ré (coordenadora de segurança)

A quantificação da indemnização pelos danos não patrimoniais

A responsabilidade solidária dos Réus.


2.2. – Os factos provados

1 - A Adra – Águas da Região de Aveiro, S.A., na qualidade de dona de obra, adjudicou ao Réu Vítor Almeida & Filhos, S.A., cujo legal representante é o Réu DD, a obra “Lote 1 – Infra-estruturas Municipais de Saneamento Básico  ...... – Fase 12 – Redes de Drenagem de Águas Residuais do PAR – 022, PAR-023 e PAR-024”.

2 - Em 24 de Fevereiro de 2014, o Réu Vítor Almeida & Filhos, S.A., na qualidade de entidade executante, com vista à execução daquela obra, celebrou um contrato de subempreitada com a Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., cujo gerente é o Réu CC.

3 - A Adra – Águas da Região de Aveiro, S.A. contratou a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Lda para efectuar os trabalhos de fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.

4 - O pai dos AA, vítima EE, exercia as funções de pedreiro por conta, ordem e direcção da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., desde o dia 3 de Fevereiro de 2014, ainda que sem seguro de trabalho.

5 - No dia 11 de Março de 2014, na frente da obra sita na Rua …...., em …….., ......, estavam em curso, por conta da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., trabalhos de abertura de uma vala para colocação de tubagem de saneamento, com cerca de 3,40 metros de profundidade e 12 metros de comprimento.

6 - Apenas metade do interior daquela vala (cerca de 6 metros) se encontrava escorada/entivada, a fim de proceder ao sustentamento dos solos naquela parte, com o objectivo de evitar que ocorressem desmoronamentos de terra enquanto os trabalhadores se encontrassem no seu interior,

7 - Permanecendo os restantes 6 metros sem qualquer protecção colectiva – sem entivação da vala, por forma a prevenir o risco de soterramento.

8 - No dia 11 de Março de 2014, sensivelmente pelas 17h35, encontravam-se na obra a vítima EE, CC, além de outros trabalhadores.

9 - Junto à vala, mas fora da mesma, encontravam-se CC, na qualidade de gerente da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda, dando as instruções/ordens aos trabalhadores no local.

10 - EE encontrava-se na zona mais profunda da vala, na parte não entivada, com a função de puxar areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo.

11 - A dado momento, as terras e pedras de um dos lados do talude desprenderam-se (não tendo qualquer suporte que as fixasse).

12 - O EE, por se encontrar na zona mais profunda da vala não podia aceder à rampa de saída da vala já que a mesma estava impedida com areia,

13 - O que levou a que tentasse fugir pelo lado contrário àquela rampa, mas sem sucesso, não conseguindo evitar que as terras caíssem sobre si, culminando no seu soterramento.

14 - Nessa sequência, o pai dos AA., EE, acabou por falecer no local por asfixia mecânica por sufocação, por oclusão dos orifícios respiratórios por meio pulverulento.

15 - O EE, à data do acidente tinha 50 anos, pois que nasceu a 27.07.1963.

16 - O EE não teve morte imediata, apercebendo-se do desmoronamento de terras e que as terras iam enchendo a vala onde este se encontrava, sentindo um medo terrível e tomando consciência que não iria conseguir sair dali e que a sua vida terminava ali.

17 - Era um homem forte, robusto, saudável, trabalhador, com uma grande autoestima, respeitado, com um feitio sociável, expansivo, alegre, gozando da estima e carinho de quantos o rodeavam, que com ele adoravam conviver.

18 - Era um homem digno, frontal, honesto, com um grande gosto pela vida, generoso e franco.

19 - Perdeu a oportunidade de vir a conhecer futuramente os netos.

20 - O falecido EE relacionava-se de forma cordial com os seus filhos, existindo entre eles laços de amor, amizade e ternura

21 - A morte de EE provocou-lhes dor e angústia, sendo que ainda não se recompuseram da perda que sofreram para além do sofrimento que sentem só de pensar na forma aterradora como perdeu a vida.

22 - À data do acidente, para além de trabalhador na empresa acima mencionada, o falecido EE dedicava-se à actividade agrícola, cultivando, produzindo e colhendo produtos agrícolas, milho, batata, feijão, cereais, frutas, legumes diversos, podando a vinha, sulfatando-a, preparando o vinho, criando galinhas.

23 - Os Autores procederam ao pagamento à Agência Funerária Cardoso e Martins, Lda que tratou do funeral a quantia de € 1.790,00, sendo reembolsados pela Segurança Social em quantia não inferior a €1000,00 (mil euros).

24 - A título de flores para o funeral despenderam os Autores a quantia de €170,00.

25 - À Junta de Freguesia ……. os Autores pagaram a quantia de €80,00.

26 - Os Autores pagaram uma dívida que o falecido pai tinha junto da Segurança Social no valor de €787,05.

27 - Por documento datado de 04.07.2013, a Ré VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A., adjudicatário da empreitada “Lote 1 – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico ...... – Saneamento de águas residuais – Fase 1.2 PAR-022, PAR 023 e PAR 024”, representadas pelo Réu DD declarou:

- Que na execução de todos os trabalhos cumprirá e fará cumprir pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação todas as obrigações previstas no Decreto-Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro e demais legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho;

- Que nomeia um director técnico e um representante do empreiteiro (o Réu Vitor Jesus Rodrigues de Almeida) para aquela empreitada, sendo que este último ficou responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho a que se refere a cláusula 6.1.9 do caderno de encargos os quais se comprometeram a desempenhar as funções com dedicação, proficiência e assiduidade.

- Que nomeia GG (que aceitou a nomeação) como responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho;

28 – Por documento datado de 09.07.2013, a Ré MADUREIRA & MADUREIRA, Estudos Projectos, Ldª, representada pelo seu gerente declarou-se responsável pela coordenação de segurança em obra, da empreitada “Lote 1 – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico de ...... – Saneamento de águas residuais – Fase 1.2 PAR-022, PAR 023 e PAR 024”, a realizar no concelho de ......; Mais declarou que o exercício das actividades de coordenação de segurança em obra seria assegurada por FF.

29 - Nos termos da cláusula 7º n.º 12 e 13 do contrato referido em 2 a Ré Pavilanheses comprometeu-se a:

“12- Cumprir e fazer cumprir, no local da obra e estaleiro, todas as regras necessárias a acautelar a segurança e saúde de todos os intervenientes na subempreitada e a disponibilizar àqueles todo o equipamento individual e colectivo de prevenção de riscos, definido no Plano de Segurança e Saúde.

13 – Assegurar o cumprimento do Plano de Segurança e Saúde e todas as medidas suplementares que se venham a impor no decurso dos trabalhos”.

30 – Por documento datado de 13.01.2014, o Réu CC, na qualidade de representante legal de Pavilanheses, Construções Ldª, declarou ter recebido e tomado conhecimento do estabelecido no Desenvolvimento do Plano de Segurança e Saúde da empreitada 4889-11 “Lote 1 – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico de ...... – Saneamento de águas residuais – Fase 1.2 PAR-022, PAR 023 e PAR 024”, tendo-se comprometido a divulgá-lo e fazê-lo cumprir por todos os intervenientes nos trabalhos que serão efectuados pela Pavilanheses, Construções, Ldª.

31– Por documento datado de 13.01.2014, a Ré Pavilanheses, Construções, Ldª, adjudicatária e entidade executante da empreitada 4889-11 “Lote 1 – Infraestruturas Municipais de Saneamento Básico  ...... – Saneamento de águas residuais – Fase 1.2 PAR-022, PAR 023 e PAR 024” representada pelo réu CC, declarou ter recebido o Plano de Segurança e Saúde (PSS) para a mencionada empreitada, comprometendo-se a cumprir o preconizado nesse PSS com proficiência, tendo em conta a legislação em vigor e a propor as alterações que se revelarem necessárias, face aos processos construtivos e métodos de trabalho utilizados no estaleiro-

32 - No processo crime comum colectivo número 221/14.9GBAGD, ficou provado que:

“(…) 5) - No dia 11 de Março de 2014, na frente de obra sita na …………, em ……….., ......, estavam em curso, por conta da empresa arguida “Pavilanheses - Construções, Unipessoal, Ld.””, trabalhos de abertura de uma vala, para colocação de tubagem de saneamento, com cerca de 3,40 metros de profundidade e 12 (doze) metros de comprimento.

6) Por ordem do arguido CC, a referida vala foi apenas parcialmente entivada, tendo o seu interior sido revestido com placas metálicas numa extensão de 6 (seis) metros, de forma a proceder ao sustentamento dos solos naquela parte, com o objectivo de evitar que ocorressem desmoronamentos de terra enquanto os trabalhadores se encontrassem no seu interior, permanecendo os remanescentes 6 (seis) metros sem qualquer suporte.

7) Pelas 17:00 horas, encontravam-se na referida vala o ofendido EE e HH, ambos trabalhadores da arguida “Pavilanheses - Construções, Unipessoal, Ld.º”, sendo que este último estava junto à rampa de acesso à vala a espalhar a terra, na parte entivada, enquanto o EE estava na zona mais profunda da vala, de forma a puxar a areia para fazer o lastro e depois pousar o tubo.

8) Por seu lado, II, também trabalhador da arguida “Pavilanheses - Construções, Unipessoal, Ld.””, aguardava instruções do arguido CC para proceder à compactação do terreno com a máquina que manobrava, denominada “saltitão”, encontrando-se ambos fora da vala, na via pública.

9) Em dado momento, deu-se um desmoronamento de terras, do que o arguido CC logo se apercebeu, tendo gritado “foge”, por forma a alertar os trabalhadores, sendo que o HH conseguiu fugir através da rampa de acesso à vala, o que não aconteceu com o ofendido EE, que não logrou tal desígnio, acabando por ficar soterrado na parte não entivada da vala, a pouca distância das placas de entivação.

10) Nessa sequência, o ofendido EE faleceu no local devido a asfixia mecânica por sufocação, por oclusão dos orifícios respiratórios por meio pulverulento.

11) O arguido CC sabia que estava obrigado a garantir que os trabalhos de escavação seriam conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos.

12) Mais sabia que, para tanto, as valas teriam que ser totalmente entivadas, com recurso a elementos verticais ou horizontais de pranchões, em madeira ou metálicos, que suportassem o impulso do terreno, por forma a obviar ao risco de soterramento dos trabalhadores que ali se encontrassem.

13) O arguido CC estava ainda ciente que a entivação do solo nas frentes de escavação deveria ser do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, devendo ser reforçada quando fossem de recear desmoronamentos, derrubamentos ou escorregamentos, como no caso de taludes diferentes dos naturais, de modo a torná-la capaz de evitar esses perigos.

14) Não obstante, o arguido CC ordenou que a referida vala fosse apenas parcialmente entivada, deixando cerca de 6 (seis) metros de comprimento sem qualquer suporte do solo, razão pela qual, quando ocorreu o desmoronamento de terras, o ofendido EE, que se encontrava a trabalhar no interior da vala, ficou soterrado, o que foi causa directa e necessária da sua morte.

15) O arguido CC sabia que, enquanto gerente da empresa incumbida da obra em causa, estava obrigado à observância daquelas regras legais, que conhecia, e que a sua violação era susceptível de provocar o soterramento dos seus trabalhadores e assim provocar perigo para a vida e integridade física dos mesmos, o que efectivamente aconteceu no que se refere ao ofendido EE, que veio a falecer na sequência do desmoronamento de terras de que foi vítima.

16) O arguido CC agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

17) O arguido CC actuou da forma supra descrita enquanto legal representante da empresa arguida “Pavilanheses - Construções, Unipessoal, Ld.”, no interesse e por conta desta entidade, onde ocupava uma posição de liderança enquanto seu gerente. (…)”.

33 - Pela prática dos factos supra elencados foi:

- A arguida Pavilanheses – Construções, Unipessoal, Lda condenada pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 277º n.º 1 a) e 2, 285º 11º n.º 2 a) e 90º B, n.º 1, 2 e 5 do Código Penal , por referência aos arts. 66º a 72º do Decreto 41821/58 de 11 de Agosto, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 120 €, num total de 30.000 € substituída pela prestação de uma caução de boa conduta, no montante de 15.000, 00 €, pelo prazo de 3 anos, a prestar em 15 dias.

- O arguido CC condenado pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 277º n.º 1 a) e 2, 285º do Código Penal, por referência aos arts. 66º a 72º do Decreto 41821/58 de 11 de Agosto, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.

34 - A Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda, e o seu sócio-gerente, o aqui Réu CC, não promoveram a entivação da vala onde o falecido EE se encontrava a trabalhar, em toda a sua extensão, com recurso a elementos verticais ou horizontais de pranchões, em madeira ou metálicos, que suportassem o impulso do terreno, por forma a obviar ao risco de soterramento dos trabalhadores que ali se encontrassem.

35 - Não tendo alertado os trabalhadores (nomeadamente a vítima) para o perigo em que incorriam, dirigindo-lhe indicações para que os mesmos se colocassem numa situação de plena segurança,

36 - A ré Vítor Almeida & Filhos, S.A. elaborou e deu conhecimento aos co-réus Pavilanheses e CC do Plano de Segurança e Saúde da Obra e seu Desenvolvimento, no qual expressamente constava, nas respectivas fichas de procedimento de segurança, a obrigação de as valas com a profundidade em causa serem entivadas na sua totalidade, fazendo a identificação dos riscos e correspondentes medidas de prevenção a implementar em obra, com vista à prevenção do risco de soterramento.

37. No dia do acidente, não compareceu qualquer representante ou funcionário da 3ª ou da 5ª RR. na frente de obra identificada no ponto 1 dos factos provados.

37 - A empreiteira Ré Vítor Almeida & Filhos, S.A., bem como a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Lda, permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, a aplicação do plano de segurança e saúde.

38. No dia 11 de março de 2014, nenhum representante ou funcionário da 3ª e da 5ª RR. verificou o cumprimento do plano de segurança e saúde e a organização do estaleiro por parte da 1ª R. Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda. e pelo seu sócio-gerente, 2º R. CC.

39. ( eliminado).

40 - Não foram feitos registos das actividades do coordenador de segurança (Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Lda) relativamente à frente de trabalho onde se deu o acidente.

41 - A obra em causa nos autos tinha uma dimensão considerável e tratava-se de uma obra em que se laborava em diversas frentes em simultâneo, na altura em que ocorreu o sinistro em causa nos autos.

42 - A Ré Madureira & Madureira sempre que detectou falhas de segurança, nas várias frentes registou esse facto, e obrigou à sua correcção.

43 - Tendo efectivamente detectado uma falha de segurança relativa à falta de entivação de uma outra vala em outra frente da obra, falha essa que foi corrigida.

44. As valas eram abertas e entivadas dia-a-dia, à medida que iam sendo executadas, assim acontecendo com a vala onde se deu o acidente, então parcialmente entivada, situação só constatável pelas pessoas presentes em obra.

Atendendo a estas referências probatórias, à sua congruência com as demais provas e às regras da experiência, os referidos pontos são alterados para factos provados, na seguinte medida:

45. A R. Madureira & Madureira, Lda., contratada pela Adra, efetuou, através da sua funcionária, Eng.ª FF, acompanhamento regular de toda obra, ao longo de vários meses, nos anos de 2013 e 2014;

46. Sendo que, relativamente à frente de obra onde ocorreu o sinistro, aquela funcionária da 5ª R. efetuou pelo menos duas visitas, em 24 de fevereiro e 5 de março de 2014;

47. Numa das visitas efetuadas à frente de obra aqui em causa, detetou uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala, e noutra frente de obra detetou falta de entivação.


2.3. – Os factos não provados

a) As terras começassem por prender as pernas e subissem pelo corpo da vítima

b) A vítima tomasse consciência que não voltaria a ver os seus filhos.

c) O EE tivesse morte imediata.

d) O EE estivesse de relações cortadas com os filhos, aqui AA, não existindo qualquer proximidade entre o malogrado EE e os aqui AA, o que acontecia desde o divórcio com mãe dos AA.

e) Entre o falecido EE agora Autores existisse uma extrema proximidade e um elevado espírito de entreajuda.

f) O EE fosse o amparo dos AA e que a sua morte os deixasse privados da força e confiança que este lhes incutia, do apoio que este representava para os mesmos.

g) Mensalmente, o pai dos AA lhes oferecesse produtos que cultivava, o que lhes permitisse poupar cerca de € 50,00 (no mínimo) cada um.

h) A Ré Vitor Almeida e Filhos SA promovesse, fiscalizasse, assegurasse e verificasse o cumprimento do plano referido em 36, tudo fazendo para serem tomadas as medidas destinadas a evitar os riscos em tais tipos de trabalho, no que se refere à organização do estaleiro, às condicionantes existentes no mesmo e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, nomeadamente, e em concreto, o risco de soterramento.

i) Os trabalhos de fiscalização e coordenação de segurança para que a Ré Madureira & Madureira foi contratada pela dona da obra a ADRA, não fosse a tempo inteiro, ou seja, estivesse limitado a determinadas horas.

j) A Ré Madureira e Madureira efectuasse, com regularidade, o acompanhamento da obra em causa nos autos e fizesse os respectivos registos, mormente do período compreendido entre 09 de Outubro de 2013 e 05 de Março de 2014 através da à data sua funcionária – Eng.ª FF.

k) Sendo que, relativamente à frente onde ocorreu o sinistro, a funcionária da Ré Madureira & Madureira – Eng.ª FF – efectuasse pelo menos duas visitas, em 24 de Fevereiro e 05 de Março de 2014.

l) Na primeira visita efectuada, detectasse uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala.

m) As obras na frente onde ocorreu o sinistro foram iniciadas sem que lhe fosse dado devido e efectivo conhecimento.

n) A responsável da ré Vítor Almeida & Filhos, S.A. pelo cumprimento da legislação em matéria de segurança e saúde no trabalho, GG, se deslocasse à frente de obra em causa, em 2014, nos dias 9, 21, 29 e 31 de Janeiro, 4, 11 e 18 de Fevereiro, 18 e 19 de Março e 21 de Maio.

o) O Director Técnico da ré Vítor Almeida & Filhos, S.A. na obra e empreitada em causa, JJ, fiscalizasse a totalidade da obra periodicamente, e, nomeadamente, todas as semanas no que respeita à frente de obra em causa, nunca tendo detectado que a ré Pavilanheses não efectuasse a entivação necessária.

p) Nenhum dos Réus ministrasse formação adequada aos trabalhadores da Pavilanheses que se encontravam a laborar na frente de obra onde ocorreu o acidente dos Autos, e concretamente, nenhuma formação foi dada pelos Réus ao trabalhador sinistrado, pai dos Autores.

r) O falecido trabalhador apenas no dia do acidente iniciasse o exercício das suas funções na obra em causa, sendo o seu primeiro dia de trabalho.


2.4. A responsabilidade da Ré VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A (empreiteira )

Problematiza-se no recurso a questão de saber se a Ré ( empreiteira ) deve ser civilmente responsabilizada pela morte do trabalhador EE, falecido num acidente de trabalho, por soterramento ao serviço da subempreiteira e, em caso afirmativo, se a responsabilidade é solidária.

São pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual ou delitual o facto ilícito ligado ao agente por nexo e imputação subjectiva (a culpa) e a existência de danos causados adequadamente por esse mesmo facto. Incumbe, em regra, ao autor (art.342 nº 1 do CC) a prova dos factos constitutivos do seu direito, designadamente da culpa.

Segundo a norma positivada no art.486 do CC, as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente de outros requisitos legais, haja por força da lei ou de negócio jurídico o dever de praticar o acto omitido.

Nesta situação típica da responsabilidade pela omissão, exige-se a comprovação de dois requisitos específicos: (i) a existência do dever jurídico de praticar o acto omitido, (ii) e que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade, obstado ao dano (cf. VAZ SERRA, BMJ 84, pág.108; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 369 ).

Postula-se, assim, a causalidade da omissão, pois que o art.486 do CC não dispensa o nexo de causalidade, genericamente exigido pelo art.483 CC, sendo a finalidade daquele preceito apenas a de esclarecer que as omissões podem juridicamente ser havidas como causa de um facto danoso, sem dispensar a prova de que o acto omitido teria obstado ao dano, com certeza ou com a maior probabilidade.

Aliás, fora dos casos tipicizados no art.486 do CC, o nosso direito aceita ainda o princípio geral do dever de prevenção do perigo. Este princípio foi, há muito, objecto de especial atenção pela jurisprudência e doutrina alemãs ao admitirem vários deveres de tráfego baseados na ideia de quem abrir uma fonte de perigos tem o dever jurídico de adoptar as precauções para o evitar (cf. VAZ SERRA, BMJ 84, pág.109 e segs. ).

O dever geral de prevenção do perigo encontra a sua base de sustentação em razões de natureza ética, no princípio geral do “neminem laedere” e tem vindo  enfatizar-se cada vez mais no plano dogmático este princípio geral do direito civil, o qual, embora não expressamente plasmado em preceito legal, decorre de várias normas do Código Civil, no sentido de que “ a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados” ( cf., ANTUNES VARELA ( RLJ ano 114, pág.77 e segs., ).

No âmbito dos princípios gerais de segurança e saúde no trabalho, a chamada Diretiva Quadro (Diretiva 89/391/CEE), de 12 de Junho de 1989, teve por objectivo a aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores, tendo sido transposta para o direito interno português através do Decreto-Lei nº 441/91, de 14/11, alterado pelo Decreto-Lei nº 133/99, de 21 de Abril. Está atualmente em vigor a Lei nº 102/2009, de 10 de Setembro, que continua a transpor os princípios da Diretiva Quadro, entretanto alterada pela Diretiva n.º 2007/30/CE, do Conselho, de 20 de Junho.

 A Directiva Quadro estabeleceu os chamados “princípios gerais de prevenção” (como por exemplo, evitar os riscos, avaliação dos riscos, combater os riscos na origem, planificar a prevenção, dar instrução adequada aos trabalhadores ).

Uma das consequências mais  relevantes da transposição da Diretiva Quadro para o direito interno português foi a publicação do “regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho nas empresas” (  Decreto-Lei nº 109/2000, de 30 de Junho, alterando o Decreto-Lei nº 26/94, de 1 de Fevereiro, com a redação dada pelas Leis nº 7/95, de 29 de Março, e 118/99, de 11 de Agosto), em que nas empresas com vários trabalhadores e exercendo uma actividade de risco elevado ( como, por exemplo na construção civil) impunha a organizar serviços internos de segurança, estabelecendo a Lei nº 102/2009 de 10/9 o regime geral de promoção da segurança e saúde no trabalho.

Também a Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho ( Directiva Estaleiros)visou estabelecer as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar em estaleiros temporários ou móveis, que são os estaleiros onde se efetuam trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil, tendo sido transposta pelo Decreto Lei nº 273/2003, de 29/10, impondo as regras gerais de planeamento, organização e coordenação de forma a promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção, prevendo no art. 29  que, até à entrada em vigor do novo Regulamento de Segurança para os Estaleiros da Construção, mantêm-se em vigor o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821, de 11 de agosto de 1958, e a Portaria nº 101/96, de 3 de abril, sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde nos locais e postos de trabalho em estaleiros temporários ou móveis.

O art.º 13º daquela portaria determina que as situações de trabalho ali previstas, entre elas, as escavações, devem obedecer às prescrições da legislação aplicável. Deve, por isso, ser aplicado o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil (RSTCC), aprovado pelo Decreto nº 41.821, de 11 de agosto, aqui relevando os respetivos art.ºs 66º a 85º, abrangendo a abertura de valas e trincheiras.

Segundo aquele art.º 66º os trabalhos de escavação serão conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos, devendo haver um técnico, legalmente idóneo, que seja responsável pela organização dos trabalhos e pelo estudo e exame periódico das escavações (§ único).Nos termos do art.º 67º, é indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação, que será do tipo mais adequado à natureza e constituição do solo, profundidade da escavação, grau de humidade e sobrecargas acidentais, estáticas e dinâmicas, a suportar pelas superfícies dos terrenos adjacentes, excetuando-se desta obrigação as escavações de rochas e argilas duras (§ único). O art.º 72º prevê as características técnicas das entivações a utilizar na abertura de trincheiras com profundidades compreendidas entre 1,20 m e 3m, considerando o legislador que com a sua observância ficarão asseguradas as condições de segurança contra desmoronamentos perigosos. Do plano de obra (fichas de procedimentos de segurança que o integram) que a 1ª R. estava obrigada a cumprir, consta também, no ponto 3.2 (pág.s 871 e 1858), que, por sistema, toda a escavação com mais de 1,20 m de profundidade e uma largura igual ou inferior a 2/3 da sua profundidade deve ser entivada.

Na situação dos autos verifica-se que a ADRA Águas da Região de Aveiro SA deu de empreitada à sociedade Vítor Almeida & Filhos SA a obra “Lote 1 – Infra-estruturas Municipais de Saneamento Básico de ...... – Fase 12 – Redes de Drenagem de Águas Residuais do PAR – 022, PAR-023 e PAR-024”, sendo que a empreiteira, com vista à execução daquela obra, subempreitou à Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda., cujo gerente é o Réu CC, e a vítima ( pai dos Autores),  EE, exercia as funções de pedreiro por conta, ordem e direcção da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda( subempreiteira ).

Não se discute a responsabilidade civil da Ré Pavilanheses – Construções Unipessoal, Lda (subempreiteira) pelos danos causados pela morte do seu trabalhador, tendo, aliás, já sido até condenada em processo crime.

O acórdão recorrido, socorrendo-se da orientação jurisprudencial prevalecente ( cf., por ex., ac STJ 25/3/2010, proc. 428/1999.P1.S1, ac STJ de 28/6/2012, proc. 1894/06.1TBOVR.C1.S1, disponíveis em www dgsi.t) responsabilizou também a Ré Vítor Almeida & Filhos ( empreiteira ) com base no art.493 nº1 CC ( violação do dever de vigilância) porque, sendo este o tópico essencial, na subempreitada, não obstante a autonomia de ambos os contratos, o empreiteiro não mantém apenas o poder de fiscalização, resultante do art.1209 CC, como o dono da obra, mas conserva deveres acrescidos, tais como ainda o dever de vigilância, consubstanciado, além do mais, nos deveres de controle, direcção e  supervisão técnica.

Estes deveres resultam também do Decreto Lei  nº 273/2003 de 29/10 ( sobre a revisão da regulamentação das condições de segurança e de saúde no trabalho em estaleiros temporários ou móveis, constante do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de julho, mantendo as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho estabelecidas pela Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de junho.

E o art.20 do Decreto Lei nº273/2003 estabelece, para além de outras, a obrigação de “e) Assegurar que os subempreiteiros cumpram, na qualidade de empregadores, as obrigações previstas no artigo 22.º”., ou seja obrigações gerais em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores.

Para além disso, a Ré VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, por documento escrito de 4/7/2013 obrigou-se  a que  na execução de todos os trabalhos cumprirá e fará cumprir pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação todas as obrigações previstas no Decreto-Lei nº 273/2003 de 29 de Outubro e demais legislação aplicável no âmbito da construção e da segurança, higiene e saúde no trabalho, tendo, para o efeito, nomeado um director técnico e um representante do empreiteiro (o Réu DD) para aquela empreitada, sendo que este último ficou responsável pelo cumprimento da legislação aplicável em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho a que se refere a cláusula 6.1.9 do caderno de encargos os quais se comprometeram a desempenhar as funções com dedicação, proficiência e assiduidade.

Neste contexto, para se aferir da maior ou menor amplitude do dever de vigilância e de prevenção, há também que ter em conta a especial perigosidade das tarefas desempenhadas e as circunstâncias subjectivas do trabalhador, por exemplo, se é novo na tarefa, se tem experiência ou formação.

 Ora, contrariamente ao alegado pela Ré/revistante, existe ilicitude, traduzida na violação do dever de vigilância e na concreta violação da obrigação de que os subempreiteiros cumpram, na qualidade de empregadores, as obrigações previstas no artigo 22 do Decreto-Lei nº 273/2003 , nomeadamente em matéria de segurança no trabalho. Refira-se que cabe ao executante da obra o dever de assegurar o cumprimento do Plano de Segurança pelos subempreiteiros e trabalhadores independentes (artigos 17.º a 23.º, do Decreto-Lei n.º 273/2003), que, aliás, aqui foi também contratualmente assumido.

 Noutra perspectiva, tem-se até entendido que a presunção de culpa postulada no nº1 do art.493 do CC é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar ( cf., por ex., Ac STJ de 2/3/2011  (proc nº 1639/03), Ac STJ de 10/12/2013, proc n.º 68/10.1TBFAG.C1.S1), Ac STJ de 30/9/2014 ( proc. nº 368/04)).

E presumindo-se o incumprimento do dever de vigilância, impendia sobre a Ré/revistante o ónus de alegação e de prova do cumprimento dos deveres de segurança do tráfego exigidos pelas circunstâncias do caso, nomeadamente também quanto à formação dos trabalhadores, o que não logrou demonstrar, onde não constam quais as medidas tomadas pela Ré para evitar os danos, por exemplo, uma inspecção periódica sobre a coisa ou formação aos trabalhadores sobre os cuidados a ter na sua utilização.

De igual modo, carece de fundamento a objecção da Ré/revistante quanto à causalidade, o que postula a problemática da causalidade na omissão.

O problema do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil remete-nos para os critérios da imputação ou de avaliação a que são submetidos os dados empíricos, passando-se, assim, do plano ontológico para o normativo. Neste contexto, formularam-se diversas teorias sobre o nexo de causalidade, entre as quais se destacam a teoria da conditio sine qua non, a teoria da última condição, a teoria da condição eficiente, a teoria da culpa aos prejuízos em concreto e a teoria da causalidade adequada.

 A lei civil (art.563 do CC) adoptou a teoria da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado e depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do mesmo ( nexo de adequação). Releva a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequado para esse dano .

A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, admitindo não só a ocorrência de outros factos condicionantes, como ainda a chamada causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.

Noutra perspectiva, e a propósito da imputação, CLAUS ROXIN refere que quando o legislador permite, à semelhança do que sucede em outras manifestações da vida moderna, ocorra um risco até certo limite, apenas poderá haver imputação se a conduta do autor significa um aumento do risco permitido (Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág.152 ). O princípio do incremento do risco adopta o seguinte método: deve, em primeiro lugar, examinar-se qual a conduta que não se poderia imputar ao agente como violação do dever de acordo com os princípios do risco permitido; depois, estabelecer-se uma comparação entre ela e a forma de actuar do agente, para se comprovar, então, se, na configuração dos factos submetidos a julgamento, a conduta incorrecta do autor fez aumentar a probabilidade de produção do resultado em comparação do risco permitido.

Sendo assim, parece estar comprovado o nexo de causalidade adequada, ou seja, que o acto omitido (vigilância das regras de segurança)) contribuiu para o evento, e consequentemente demonstrada a objectiva imputação do dano, cuja produção o obrigado teria podido e devido impedir.

Deste modo, houve violação das imputadas disposições legais e regulamentares (segurança no trabalho) e o dever de vigilância, que visam tutelar interesses alheios, e daí a ilicitude, como um dos requisitos da obrigação de indemnização.

Por seu turno, está demonstrado, como já se anotou, o nexo de causalidade da omissão, ou seja, que o acto omitido tivesse com certeza ou com maior probabilidade obstado aos danos. O mesmo equivale a dizer, estar verificada na formulação de LARENZ, citado por VAZ SERRA ( BMJ 84, pág.108, nota 215 ) a objectiva imputação do dano, cuja produção o obrigado teria podido e devido impedir.

 Admitida a ilicitude no facto voluntário omissivo (violação do dever de vigilância e das normas legais de segurança) indagar-se-á das implicações do problema em sede de culpa.

A obrigação de indemnização decorrente de um facto ilícito, pressupõe a culpa do lesante, ou seja, um nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente. Deste modo, a culpa não se confunde com a mera violação de uma norma destinada a proteger interesses alheios e, por isso, a infracção de um preceito legal não é suficiente, sem mais, para integrar uma conduta culposa, pois que uma coisa é a ilicitude e outra a culpa, mas, como já se argumentou, a situação da Ré enquadra-se na presunção de culpa do art.493 nº1 CC.

Sucede ainda que a actividade executada, no contexto apurado, abertura de uma vala com aquelas características, deve qualificar-se como “actividade perigosa”, para efeitos do art.493 nº2 CC, segundo o critério da “maior probabilidade dos danos” em comparação com as restantes actividades em geral. Neste sentido, escreve VAZ SERRA, apoiando-se na doutrina italiana, que actividades perigosas são as “ que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada de outras actividades”, acrescentando que “ a perigosidade da actividade deve existir no exercício da actividade considerada em abstracto, sem se atender, portanto, à inexperiência de quem a exerce” ( BMJ 85, pág.378 ), e, por isso, o juízo de perigo implica um “ cálculo de valoração”, do qual dimana a sua especialidade referente a outros deveres de valoração.

Daí que a qualificação de uma actividade perigosa, para efeitos do nº2 do art.493 C.C., abalizada pela própria natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados, não se compadeça com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um “direito de resultado”, em que releva a força criativa da jurisprudência, sendo, por isso, múltiplos e variados os exemplos jurisprudenciais de actividades perigosas.

Como regra geral, incumbe ao lesado a prova da culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (art.487 nº1 C.C.), mas tanto o nº1, como o nº2 do art.493 C.C. estabelece uma presunção legal de culpa. Abrindo uma excepção à regra do nº1 do art.487 C.C., não se altera, contudo, o princípio do art.483 C.C. de que a responsabilidade depende de culpa, pelo que se configura ainda uma situação de responsabilidade delitual.

 Havendo uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido (art.344 nº1 e 350 nº1 C.C.), pelo que, neste contexto, desde que o lesado alegue e prove que os danos foram causados no exercício de uma actividade perigosa, a lei presume, a partir desse facto ( base da presunção ), que o sinistro foi devido a culpa do agente .

Tem-se questionado se, para além de determinar a inversão do ónus da prova (art.344 nº1 C.C.), o nº2 do art.493 agrava a medida da normal diligência segundo os padrões de conduta exigíveis. Refere, a propósito, VAZ SERRA que a imposição ao que exerce uma actividade perigosa do dever de empregar todas as providências exigidas pelas circunstâncias para prevenir os danos, “não parece significar que se não trate afinal da diligência do bom pai de família, adaptada ao caso da actividade perigosa, já que sendo perigosa essa actividade um bom pai de família deve adoptar as providências especialmente adequadas a prevenir os danos” ( R.L.J. ano 102, pág.319 ).

E as providências adoptadas pelo agente, aptas a evitar o dano, são determinadas pelas particulares normas técnicas ou legislativas inerentes às especiais actividades ou pelas regras da experiência comum. Neste caso, o lesante só pode exonerar-se da responsabilidade “se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”, como textualmente se plasmou no nº2 do art.493 C.C., afastando-se indirecta, mas concludentemente, como elucida ANTUNES VARELA, “a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar com a alegação de que os danos se teriam verificado por outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências” ( Das Obrigações em Geral, 2ªed., pág.478).

 Isto significa que, ao contrário dos casos especiais de presunção de culpa previstos nos arts.491, 492, 493 nº1 C.C., para o nº2 do art.493 é inócua a relevância negativa da causa virtual do dano, porquanto a presunção de culpa só pode ser aqui postergada se o autor do facto lesivo demonstrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.

 Deste modo, para afastar a responsabilidade, o agente carece de demonstrar que levou a própria diligência “não menos que ao extremo limite”, pois “a previsibilidade do dano está “ re ipsa” e o sujeito deve agir tendo em conta o perigo para terceiros “ ( VAZ SERRA, BMJ 85, pág.376 e 377 ), pelo que este rigor da prova liberatória leva a que alguns autores falem até de um “processo de objectivação” sobre as hipóteses de responsabilidade por actividades perigosas ( cf., por ex., G.ALA e M.BESSONE, La responsabilità civile, Illecito per colpa, Rischio d'Impresa, Assicurazione, Milano, 1976, pág.267; FRANCESCO GALGANO, Diritto Privato, 2ªed., 1983,pág.343 ).

Considerando a factualidade apurada, verifica-se que a Ré recorrente não logrou a prova liberatória, pelo que, chegados aqui, estamos em condições de afirmar a responsabilização civil da Ré/revistante pelos danos causados aos Autores.


2.5. - A responsabilidade civil da Ré MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA.,

A Adra – Águas da Região de Aveiro, S.A. ( dona da obra ) contratou a Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos, Lda para efectuar os trabalhos de fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.

A Diretiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, estabeleceu as prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho aplicáveis nos estaleiros onde se efectuam trabalhos de construção civil. O Decreto-Lei nº 273/2003 de 29/10 transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 92/57/CEE, estatuindo o regime geral de planeamento, organização e coordenação de forma a promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros da construção.

Ao Fiscal da Obra e Coordenador de Segurança exige-se, além do mais, uma vigilância razoável para a execução segura da prestação de trabalho, mas tanto a adequação como a efectividade da vigilância depende das características próprias da actividade , da gravidade dos riscos concretos, e por isso mesmo só poderá aferir-se em face das circunstâncias de cada caso.

Dado ser impossível uma vigilância permanente de todos os trabalhadores e de cada um dos seus actos, o que se torna indispensável é que a vigilância seja adequada à situação concreta.

As principais responsabilidades Coordenador Segurança em Obra, são a de exigir de todos os intervenientes o cumprimento das respetivas obrigações na área de segurança, ser responsável por verificar o cumprimento do PSS, devendo, porém, a entidade executante realizar a avaliação antecipadamente dos riscos de acidentes e exigir de todas as entidades executantes a definição e o cumprimento de medidas preventivas adequadas à prevenção desses riscos.

O acórdão recorrido, não obstante elencar os deveres da Ré enquanto fiscal da obra e coordenadora de segurança, impostos pelo Decreto-Lei nº 273/2003 de 29/10,  absolveu a Ré com base no seguinte tópico de argumentação:

Tendo o contrato de subempreitada celebrado entre a 1ª Ré e a 3ª Ré (empreiteira ) no dia 24/2/2014, o acidente ocorreu no dia 11 de Março  de 2014, significando que os trabalhos tinham começado a execução há cerca de 15 dias

O contrato de subempreitada foi celebrado entre a 1ª R. e a 3ª R. no dia 24.2.2014 e o acidente ocorreu no dia 11 de Março seguinte. Sucede que a Eng.ª FF ( funcionária da 5ª Ré) efetuou uma visita à obra logo no dia em que o contrato foi assinado e, pelo menos, uma segunda visita cerca de uma semana depois, e não lhe era exigível que permanecesse todo o tempo na frente da obra, como se justificou no acórdão.

Por isso, deve acolher-se a justificação constante do acórdão quanto à falta dos pressupostos da responsabilidade civil delitual, nomeadamente da ilicitude:

“Aquela funcionária da 5ª R. não podia saber em que condições estava a ser aberta a vala no dia da ocorrência do sinistro, nem prever que o EE, naquele dia, naquele momento, acedesse à parte da vala não entivada, com ou sem ordem da entidade patronal.

Note-se que não havia uma total falta de entivação. O que poderia haver era uma entivação incompleta e uma indevida ocupação, por um trabalhador, da parte da vala não entivada, muitas vezes imprevisível e momentânea.

A Eng.ª FF visitava aquela frente de obra, como visitava as outras frentes da empreitada ao serviço da 5ª R., contratada pela dona da obra. Essas visitas funcionais ocorriam regularmente e ao longo de vários meses, nos anos de 2013 e 2014. Numa das visitas efetuadas à frente de obra aqui em causa, detetou uma falha de segurança, mais concretamente a existência de materiais soltos nas laterais da vala, e noutra frente de obra detetou falta de entivação, que denunciou e foram corrigidas (pontos 43 e 47).

Sempre que detetou falhas de segurança, nas várias frentes registou esse facto, e obrigou à sua correção (ponto 42). Estes factos revelam ação funcional.

A 5ª R. não era responsável pela formação dos trabalhadores para prevenção do risco.

Não resulta provado que tivesse deixado de cumprir os seus deveres, com exceção da obrigação que sobre ela impendia de efetuar registos das suas atividades relativamente à frente de obra onde se deu o acidente. Todavia, a falta de registos não constitui causa adequada do desmoronamento de terras e soterramento da vítima. Esta teria ocorrido independentemente do registo de atividade que vale sobretudo para conferir transparência e controlo à ação de fiscalização e coordenação”.

Adere-se à fundamentação exposta, dada a sua pertinência e adequação, pois para além de a 5ª Ré não ser responsável pela formação dos trabalhadores, não assume um papel tão activo e permanente como o director da obra no controle e supervisão diária, ou a própria entidade executante.


2.6. A quantificação dos danos não patrimoniais e a responsabilidade solidária

O acórdão recorrido manteve a quantificação dos danos arbitrados na sentença, ou seja, quanto aos danos não patrimoniais o valor de € 10.000,00 (dano não patrimonial da vítima), € 70.000,00 (dano da privação da vida) e € 10.000,00 (danos não patrimoniais para cada um dos Autores).

No entanto, reduziu desde logo a proporção da responsabilidade da 3ª Ré para 65% do seu valor total, ou seja, € 58.500,00, argumentando que “O regime de solidariedade na responsabilidade dos vários agentes não obsta a que a responsabilidade de algum deles deva ser mais limitada em função de um menor grau de culpa na contribuição para o facto ilícito”.

A Ré/revistante preconiza a redução dos danos para os valores de € 5.000,00 ( dano não patrimonial da vítima), € 40.000,00 ( dano da privação da vida ) e € 5.000, 00 ( danos não patrimoniais para cada um dos Autores ), e que a sua proporção se fixe em 55% do valor global.

E os Autores recorrentes sustentam que a responsabilidade é solidária pelo que não é legitimo estabelecer já qualquer proporção, reclamando, e que a interpretação do art.512 nº1 do CC “deturpa o regime da solidariedade e desprotege os lesados a ao reduzir consideravelmente a aplicação daquele regime nas relações externas”.

Quanto à quantificação, em juízo de equidade, dos danos não patrimoniais não há razão para alterá-la, que, de resto, até parece ser escassa segundo os padrões jurisprudenciais actuais.

Como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial ( arts.496 nº3 e 494 do CC ), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, sendo certo que o seguro de responsabilidade civil é também um elemento a ter em conta, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.

Assim, para a quantificação do dano, o nosso sistema assenta no recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita, pois não está instituído um sistema tarifado.

Seguindo este critério de orientação e uma vez que natureza e intensidade das lesões deve servir como “factor-base da ponderação” (cf. MARIA VELOSO, “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, vol.III, Direito Das Obrigações, pág.542 ), impõe-se considerar que, desde logo, a gravidade da ilicitude  e das consequências, atenta a morte da vítima, com 50 anos de idade, a forte ligação afectiva com os Autores (seus filhos), sendo certo que os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados.

Por outro lado, sendo a responsabilidade solidária, imposta no art. 497 nº1 do CC, não pode haver aqui lugar a redução, como preconiza a Ré/revistante, porque ela só por via do direito de regresso entre eles é que é possível fazer-se ( nas relações internas), como se anotou no douto voto de vencido.

Na verdade, o art. 497 CC ao estabelecer a regra da solidariedade na responsabilidade civil apenas pressupõe que várias pessoas sejam responsáveis pelos mesmos danos, independentemente do grau de ilicitude e de culpa de cada uma delas, nem se exige que haja uma actuação conjugada ou concertada para a responsabilização ser solidária, ou seja, no domínio da responsabilidade civil, o art.497 do CC impõe que cada um dos autores responda perante o lesado pelo pagamento integral da indemnização (art. 512  nº1 do CC).


2.7.- Síntese conclusiva

1.- A norma positivada no art. 486 do Código Civil, estabelece uma situação de responsabilidade pela omissão, exigindo a comprovação de dois requisitos específicos: (1) a existência do dever jurídico de praticar o acto omitido, (2) e que o acto omitido tivesse seguramente ou com maior probabilidade, obstado ao dano.

2.- No entanto, fora dos casos tipicizados no art. 486 do Código Civil, o nosso direito aceita ainda o princípio geral do dever de prevenção do perigo.

3. A qualificação de uma actividade perigosa, para efeitos do nº2 do art. 493 C.C., abalizada pela própria natureza da actividade ou da natureza dos meios utilizados, não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, pelo que só casuisticamente poderá ser aferida, mas como critério geral de orientação tem-se adoptado a tese da “maior probabilidade dos danos” em comparação com as restantes actividades em geral.

4. Para além de determinar a inversão do ónus da prova, o nº2 do art. 493 CC agrava a medida da normal diligência segundo o padrão de conduta exigível, pelo que o lesante só pode exonerar-se da responsabilidade “ se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”, e, assim, para afastar a responsabilidade, o agente carece de demonstrar que levou a própria diligência “ não menos que ao extremo limite”, pois “ a previsibilidade do dano está  re ipsa”, sendo, por isso, rigorosa a prova liberatória.

5. Os trabalhos de abertura de uma vala para colocação de tubagem de saneamento com cerca de 3,40 metros de profundidade, deve ser qualificada como actividade perigosa, para efeitos do art. 493 nº2 CC, tanto assim que a lei impõe regras específica de protecção de segurança no trabalho, pela especial perigosidade.

6. Para efeitos do art. 493 nº1 CC (violação do dever de diligência) numa subempreitada de uma obra, apesar da autonomia de ambos os contratos, o empreiteiro não mantém apenas o dever de fiscalização, como o dono da obra ( art.1209 CC), mas conserva deveres acrescidos, como o dever de vigilância consubstanciado, além do mais, nos deveres de controle, direcção e supervisão técnica.

7. Pelos danos causados pela morte de um trabalhador contratado pelo subempreiteiro que ficou soterrado aquando da abertura de uma vala para o saneamento em virtude de não terem sido efectuadas todas as medidas de segurança, respondem solidariamente ( art. 497 CC) o subempreiteiro e o empreiteiro.

 8. O art. 497 CC ao estabelecer a regra da solidariedade na responsabilidade civil apenas pressupõe que várias pessoas sejam responsáveis pelos mesmos danos, independentemente do grau de ilicitude e de culpa de cada uma delas, não se exigindo que haja uma actuação conjugada ou concertada para a responsabilização ser solidária, pelo que no domínio da responsabilidade civil extracontratual cada um dos autores responde perante o lesado pelo pagamento integral da indemnização.



III - DECISÃO


Pelo exposto, decidem:

1)


Julgar improcedente a revista da 3ª Ré Vítor Almeida & Filhos, S.A e parcialmente procedente a revista dos Autores.

2)


Condenar os Réus Pavilanheses – Construções Unipessoal Lda., CC, Vítor Almeida & Filhos, S.A. a pagarem  solidariamente, a cada um dos Autores., a quantia de € 5.000,00 ( por dano não patrimonial da vítima) € 35.000,00 ( pelo dano não patrimonial de privação do direito à vida da vítima) e € 10.000,00 ( por danos não patrimoniais próprios dos AA), e no pagamento solidário aos Autores, a título de dano patrimonial, a quantia € 1.040,00, correspondente às despesas de funeral, sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.

3)


Confirmar o acórdão quanto à absolvição do pedido da 5ª Ré Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda.

4)


 Condenar a Ré Vítor Almeida & Filhos, S.A nas custas da sua revista.

 Condenar os Autores nas custas da sua revista, na proporção de 50%.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Junho de 2021


Os Juízes Conselheiros


Jorge Arcanjo (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Alexandre Reis


Atesto o voto de conformidade dos senhores Juízes Conselheiros Maria Clara Sotomayor e Alexandre Reis, que não assinam em virtude da sessão se efectuar por vídeo conferência.

Jorge Arcanjo