Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6000/16.1T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: FRACIONAMENTO DE PRÉDIOS RÚSTICOS
ANULABILIDADE
USUCAPIÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / POSSE / USUCAPIÃO / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / FRACCIONAMENTO E EMPARCELAMENTO DE PRÉDIOS RÚSTICOS.
Doutrina:
- Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 3.ª Edição, p. 525 e ss.;
- Fernando Pereira Rodrigues, Usucapião, Constituição Originária de Direitos Através da Posse, p. 35;
- Mónica Jardim e Dulce Lopes, Acessão industrial imobiliária e usucapião parciais versus destaque, Da Intersecção entre o Direito Civil e o Direito Urbanístico, p. 810;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.ª Edição, p. 269.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1287.º, 1376.º E 1379.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 07-06-2011, PROCESSO N.º 197/2000, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-04-2015, PROCESSO N.º 10495/08;
- DE 26-01-2016, PROCESSO N.º 5434/09;
- DE 06-04-2017, PROCESSO N.º 1578/11;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 1011/16;
- DE 03-05-2018, PROCESSO N.º 7859/15;
- DE 12-07-2018, PROCESSO N.º 7601/16, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 30-04-2002, PROCESSO N.º (001397, IN WWW.DGSI.PT E CJ, TOMO II, P. 126.
Sumário :
1. Atenta a primitiva redação do art. 1379º, nº 1, do CC, a anulabilidade do ato de fracionamento de prédios rústicos, contra o disposto no art. 1376º, não impede a aquisição originária do direito de propriedade por via da usucapião.

2. A tal não obsta o facto de art. 1287º do CC excecionar, para efeitos de invocação da usucapião, a existência de “disposição em contrário”, segmento normativo que não abarca os casos de mera anulabilidade, como o que estava regulado na primitiva redação do art. 1379º, nº 1, do CC.

Decisão Texto Integral:
I - O EXMº MAGISTRADO do MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação declarativa com processo comum contra AA e mulher BB, pedindo anulação dos negócios constantes das escrituras de justificação, outorgadas no dia 18-9-13, referentes à aquisição, por usucapião, de duas parcelas de terreno, cada uma com a área de 3.778,50 m2, segmentos do prédio rústico, sito em …, freguesia e concelho de …, descrito na CRP de …, sob o nº 13.889, e inscrito na matriz, sob o art. 19º da Secção 1, e outras duas parcelas, cada uma com a área de 11.894,24 m2, integrantes do prédio rústico, descrito na CRP de …, sob o nº 1484, e inscrito na matriz, sob o art. 2º da Secção AP.

Os RR. contestaram e invocaram que o facto de serem possuidores das parcelas pelo período necessário à aquisição do direito de propriedade por usucapião determina a improcedência da ação.

Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.

O A. apelou e a Relação confirmou a sentença, embora com um voto de vencido.

O A. interpôs recurso de revista em que invoca, como questão essencial, que a anulabilidade do ato de fracionamento, contra o disposto na anterior redação do art. 1379º, nº 1, do CC, impede a justificação notarial do direito de propriedade sobre as parcelas em causa adquirido por via da usucapião.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.


II – Factos provados:

1. Na década de 60, os donos do prédio descrito na CRP de …, sob o nº 13.889, e inscrito na matriz, sob o art. 19º da Secção 1, avós paternos do R., dividiram-no em parcelas que doaram, verbalmente, a cada um dos filhos, tendo entregue uma das parcelas ao filho CC, pai do R., e outra ao filho AA;

2. Nos anos 80, o pai do R. comprou, também verbalmente, a parcela do irmão AA; nessa altura, o pai do R. doou-lhe verbalmente ambas as parcelas (a que recebera dos pais e a que adquiria ao irmão);

3. Tais parcelas correspondem às parcelas a destacar do prédio rústico, descrito na CRP de …, sob o nº 13.889, e inscrito na matriz, sob o art. 19º da Secção 1;

4. Os RR. assim como, antes deles, os pais do primeiro, cuidaram das parcelas, limpando-as, desmatando-as e, por vezes, cultivando-as;

5. Os RR., assim como, antes deles, os pais do primeiro, atuaram sempre à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de serem donos de cada uma das parcelas;

6. No dia 18-9-13, por escritura pública, celebrada no Cart. Not. de DD, em …, os RR. AA e mulher BB justificaram a posse de duas parcelas de terreno (referidas em 3.), cada uma com a área de 3.778,50 m2, compostas por vinha, ambas a destacar do prédio rústico composto por vinha e árvores de fruto, sito em …, freguesia e concelho de …, descrito na CRP de Palmela, sob o nº 13.889, e inscrito na matriz, sob o art. 19º da Secção 1;

7. O prédio descrito na CRP de …, sob o nº 1.484, e inscrito na matriz, sob o art. 2º da Secção AP, foi comprado pelos avós paternos do R., por volta de 1950;

8. Na década de 60, doaram, de forma verbal, ao filho CC, pai do R., as parcelas com a área de 11.894,24 m2, cada uma, que, nessa altura, já se encontravam delimitadas por um caminho particular;

9. Mais tarde, nos anos 80, o pai do R. doou, verbalmente, as referidas parcelas;

10. Os RR. assim como, antes deles, os pais do R., cuidaram das parcelas, limpando-as, desmatando-as e tratando da respetiva manutenção, cultivando e colhendo os seus frutos;

11. Os RR., assim como, antes deles, os pais do primeiro, atuaram sempre à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de serem donos de cada uma das parcelas;

12. No mesmo dia, por escritura pública celebrada no mesmo cartório, os RR. justificaram a posse de duas parcelas de terreno (referidas em 8.), cada uma com à área de 11.894,24 m2, composta por vinha, ambas a destacar do prédio rústico, composto por terras de semeadura, pinhal, vinha e árvores de fruto, sito em A…-…, freguesia e concelho de …, descrito na CRP de …, sob o nº 1.484, e inscrito na matriz, sob o art. 2º da Secção AP.


III – Decidindo:

1. Com a presente ação, proposta em 7-9-2016, o Mistério Público impugna duas escrituras de justificação notarial mediante as quais os RR. procuraram titular, com base na usucapião, o direito de propriedade relativo a 4 parcelas provenientes de 2 prédios rústicos (duas de cada um).

Na tese que os RR. defenderam na contestação, a tais atos está subjacente uma divisão material dos prédios que ocorreu na década de 60 do Séc. XX, altura em que se iniciou a posse sobre as mencionadas parcelas, a qual é suscetível de conduzir à aquisição do direito de propriedade sobre cada uma delas por via da usucapião.


2. O regime do fracionamento legal de prédios rústicos tem evoluído ao longo do tempo.

Resultava do art. 107º do Decreto nº 16.731, de 13 de Abril de 1929, que era “proibida, sob pena de nulidade … a divisão de prédios rústicos de superfície inferior a 1 hectare ou de que provenham novos prédios de menos de ½ hectare”.

Tal regime foi genericamente mantido pela Lei nº 2.116, de 18-4-62, cuja Base I, nº 1, previa que “os terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima correspondente à unidade de cultura fixada pelo Governo para cada zona do País”. O nº 2 cominava com a “nulidade” os atos de divisão contrários ao disposto no nº 1.

Na vigência deste diploma mantiveram-se as áreas mínimas previstas no art. 107º do Decreto nº 16.731 para aferir da validade dos atos de fracionamento de prédios rústicos.

Tal regime sofreu uma modificação parcial com o CC de 1967, cujo art. 1379º, nº 1, passou a estabelecer que “são anuláveis os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos arts. 1376º e 1378º …” (no art. 1376º consagrou-se a regra segundo a qual “os terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País …”).

O DL nº 384/88, de 25-10, revogou a Lei nº 2.116, de 14-8-62, e procurou “aperfeiçoar e ampliar os mecanismos reguladores do fracionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas”, estabelecendo no art. 19º, nº 1, que “ao fracionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal aplicam-se, além das regras dos arts. 1376º e 1379º do CC, as disposições da presente lei”. No art. 20º, nº 1, previa-se que “a divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola e economicamente viável só poderá realizar-se” se da “divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica” (al. c)) e se “do fracionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica” (al. d)).

Complementarmente, o DL nº 103/90, de 22-03, veio estatuir no art. 47º que:

1 – São anuláveis os atos de fracionamento ou troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal que contrariem o disposto no art. 20º do DL nº 384/88, de 25-10.

2 – Têm legitimidade para a ação de anulação o Ministério Público, a DGHEA ou qualquer particular que goze de direito de preferência no âmbito da legislação sobre o emparcelamento ou fracionamento.

3 – O direito de ação de anulação caduca decorridos três anos sobre a celebração dos atos referidos no nº 1.

4 – A DGHEA tem igualmente legitimidade para a ação de anulação a que se refere o art. 1379º do CC”.

Com a nova redação do art. 1379º introduzida pela Lei nº 111/15, de 27-8, prevê-se que “são nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos arts. 1376º e 1378º”.


3. Quanto à área da unidade de cultura relevante para efeitos daqueles preceitos também se verificou uma evolução legislativa:

O mencionado art. 107º do Decreto nº 16.731, de 13-4-9 (nos termos do qual era “proibida, sob pena de nulidade … a divisão de prédios rústicos de superfície inferior a 1 hectare ou de que provenham novos prédios de menos de ½ hectare”), continuou a vigorar até à data da entrada em vigor da Port. nº 202/70.

Com a Portaria nº 202/70 foi fixada para a zona dos prédios em causa a área de 7,5 hectares como mínima para a unidade de cultura de terras de sequeiro.

Assim, a progressão no tempo revela que:

a) Até à entrada em vigor da Portaria nº 202/70 eram anuláveis os atos de fracionamento de prédios rústicos de área inferior a 1 hectare (10.000 m2) ou de que proviessem novos prédios de menos de ½ hectare (5.000 m2);

b) A partir da entrada em vigor da Portaria nº 202/70, até à entrada em vigor da Portaria nº 219/16, de 9-8, passou a valer para a zona a área de 7,5 hectares (75.000 m2) para terrenos de sequeiro;

c) A partir da entrada em vigor da Portaria nº 219/16 (já depois de ter sido proposta a presente ação), para a mesma zona foi fixada a área mínima de 48 hectares (48.000 m2) para terrenos de sequeiro.


4. O Ministério Público pugna por que se considere que a data do fracionamento corresponde à data em que foram outorgadas as escrituras de justificação notarial. Alega que só com a justificação notarial se tornou pública a invocação da usucapião sustentada na posse e só nesse momento o fracionamento se materializou num documento, através do qual se pôde verificar a infração das regras a que o mesmo obedeceu, para efeitos de invocação da anulabilidade referida na anterior redação do art. 1379º, nº 1, do CC.

Não cremos que tal argumento proceda, na medida em que a justificação notarial constitui um mero instrumento jurídico através do qual, por via da invocação de razões de ciência, se obtém um título justificativo da aquisição do direito real por usucapião.

Não é o referido ato que traduz o fracionamento do prédio, o qual deve corresponder ao ato de divisão material, a partir do qual se iniciou a posse sobre cada uma das parcelas que, prolongando-se no tempo, por período legalmente suficiente, permitiu a invocação por parte dos RR. da aquisição originária do direito de propriedade sobre cada uma delas por via da usucapião.

Posto que a usucapião, como forma de aquisição originária de direitos reais, careça de ser invocada (art. 303º, ex vi art. 1284º do CC), quando tal ocorra e quando se reconheça a verificação dos correspondentes requisitos legais (posse prolongada no tempo por período suficiente), essa aquisição retrotrai-se à data do início da posse (art. 1288º do CC).

No caso não existia qualquer obstáculo ao fracionamento que foi operado no prédio rústico descrito sob o nº 1.484, e inscrito na matriz, sob o art. 2º da Secção AP, que deu origem à justificação notarial do direito de propriedade sobre duas parcelas, cada uma de com à área de 11.894,24 m2 (que superava a área da unidade de cultura para a zona relacionada com terrenos de sequeiro, que estava fixada em 1 hectare (10.000 m2).

Esse limite já não foi respeitado, no entanto, relativamente ao fracionamento do outro prédio descrito na CRP de …, sob o nº 13.889, e inscrito na matriz, sob o art. 19º da Secção 1, de que surgiram duas parcelas com a com a área de 3.778,50 m2. Porém, quanto a este ato de fracionamento, aquando da instauração da presente ação já havia decorrido há muito o prazo de 3 anos previsto no nº 3 do art. 1379º do CC, na sua primitiva redação.


5. É verdade que o art. 1287º do CC prescreve que a usucapião opera “salvo disposição em contrário”.

De tal disposição e das razões que subjazem, por exemplo, à proibição de atos de fracionamento contrários a diretrizes de natureza imperativa que decorrem de sucessivos diplomas que regulam a gestão do território retiram alguns autores a inviabilidade de, através da invocação da usucapião, se ultrapassarem os bloqueios colocados àquele fracionamento e que transparecem dos dispositivos anteriormente citados.

Assim o defendem designadamente Mónica Jardim e Dulce Lopes, em “Acessão industrial imobiliária e usucapião parciais versus destaque”, em Da Intersecção entre o Direito Civil e o Direito Urbanístico, p. 810, onde concluem que “razões ponderosas há – de interesse público, ainda que não urbanístico – para controlar o cumprimento deste requisito, sob pena de, também aqui, se deixar entrar pela janela aquilo a que se quis fechar a porta”.

Semelhante posição é assumida por Fernando Pereira Rodrigues quando refere que “a usucapião é um meio alternativo de constituição do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo através da posse, no pressuposto de que essa aquisição, em abstrato, também poderia ter lugar através de outro meio legal de aquisição, designadamente o negócio jurídico ou o contrato”. Acrescenta o mesmo autor que “não pode funcionar como válvula de escape para se adquirir o bem que de outro modo nunca seria suscetível de aquisição”, concluindo que “se um prédio urbano ou um prédio rústico, em termos legais, não podem ser objeto de fracionamento, não pode o mesmo operar-se mediante invocação da usucapião, quinda que no plano da realidade empírica ele se verifique (Usucapião, Constituição Originária de Direitos Através da Posse, p. 35).

Não se trata, porém, de uma posição pacífica.

Na doutrina, tal posição é contrariada, com larga argumentação, por Durval Ferreira, em Posse e Usucapião, 3ª ed., pp. 525 e ss., e em Posse e Usucapião versus Destaques e Loteamentos, apontando como linha de rumo a natureza “agnóstica” da posse e a necessidade de o direito acolher o que se estabilizou, através de uma posse prolongada e sem intervenção das autoridades públicas ou de terceiros, designadamente em casos como o do fracionamento ilegal de prédios rústicos.

Trata-se de solução que encontra apoio nos ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela (nota 6 ao CC anot., p. 269, 2ª ed.) quando referem que “se através de um negócio jurídico nulo (v.g. por falta de forma) se realizar um fracionamento ou uma troca contrária ao disposto nos artigos 1376º e 1379º, e se, na sequência disso, se constituírem as situações possessórias correspondentes, aqueles preceitos não obstam a que estas situações se consolidem por usucapião, logo que se verifiquem todos os requisitos legais. Embora as regras sobre fracionamento e troca de terrenos aptos para cultura sejam determinados por razões de interesse público, os negócios que as infrinjam só são impugnáveis dentro de um prazo bastante curto (o prazo indicado no nº 3). Decorrido este prazo, a violação da lei deixa de relevar seja para que efeito for, não podendo, por conseguinte, impedir a aquisição de direitos por usucapião."


6. Relativamente a situações que envolvam a violação de normas imperativas cominadas com a nulidade verifica-se uma tendência jurisprudencial para a inviabilidade de contornar essa proibição através da invocação da usucapião.

Assim se decidiu, por exemplo, no Ac. da Rel. de Lisboa, de 30-4-02, www.dgsi.pt (001397) e Col. Jur. tomo II, p. 126, relatado pelo ora relator (sobre um caso em que estava em causa o regime das AUGI, com o seguinte sumário: “é insuscetível de conduzir à aquisição do respetivo direito de propriedade, por usucapião, a posse de uma parcela de terreno incluída num prédio rústico que foi objeto de operação de loteamento clandestino, integrado em Área Urbana de Génese Ilegal, dado que seriam violadas normas de natureza imperativa e lesados interesses de ordem pública”).

Outras situações têm sido apreciadas pelos tribunais e designadamente por este Supremo Tribunal de Justiça sendo a invocação da usucapião impedida quando está em causa a violação de regras de direito do urbanismo ligadas, por exemplo, ao regime dos loteamentos urbanos (v.g. Acs. do STJ de 26-1-16, 5434/09, de 30-4-15, 10495/08, de 7-6-11, 197/2000, em www.dgsi.pt; contra, com voto de vencido: Ac. do STJ, de 6-4-17, 1578/11).

Já, porém, estando em causa o regime de fracionamento de prédios rústicos sem objetivos urbanísticos, como ocorreu no caso concreto, a solução que vem sendo adotada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça é de sentido inverso, como o comprovam os recentes acórdãos de 1-3-18, 1011/16, de 3-5-18, 7859/15 e de 12-7-18, 7601/16, em www.dgsi.pt.

No Ac. do STJ de 1-3-18 a solução adotada está condensada no seguinte sumário:

“A expressão “disposição em contrário” ressalvada pelo art. 1287º do CC, não abarca a situação prevista no art. 1376º do mesmo código, na medida em que inexiste qualquer norma excecional que estabeleça, taxativamente, que a posse mantida sobre parcela de terreno com área inferior à unidade de cultura não conduz à usucapião.


Operada a divisão material de um prédio rústico em duas parcelas de terreno com área inferir à unidade de cultura … e verificados os requisitos da aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre cada uma destas parcelas, esta aquisição prevalece sobre a proibição contida no art. 1376º, nº 1 do CC, não operando a anulabilidade do ato de fracionamento previsto no nº 1 do art. 1379º do CC (na redação anterior à introduzida pela Lei nº 111/15, de 27-8).

A usucapião visa satisfazer o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer a proteção do valor da publicidade/confiança que nesse tráfego lhe é aduzido pela posse”.


7. No caso, considerando que se nos apresenta uma divisão material de prédios rústicos, sem que se intrometa qualquer outra questão de natureza urbanística que porventura encontrasse nas respetivas regras consequências mais gravosas do que a anulabilidade prevista na primitiva redação do art. 1379º do CC, concluímos pela improcedência da ação de impugnação sustentada na anulabilidade dos atos de fracionamento subjacentes às escrituras de justificação notarial.

Tendo-se verificado a divisão material dos prédios em parcelas na década de 60, a partir daí iniciou-se uma situação de posse prolongada e ininterrupta sobre cada uma das referidas parcelas de terreno, o que, independentemente do vício de anulabilidade invocado pelo A., determinou a constituição originária do direito de propriedade sobre cada uma delas por via do instituto da usucapião.


IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando, ainda que com fundamentação não totalmente coincidente, o acórdão recorrido que julgou improcedente a ação.

Sem custas na revista.

Notifique.

Lisboa, 8-11-18


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo