Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
207/09.5TBVLP.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR
CONSUMIDOR
DUPLA CONFORME
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CULPA DO LESADO
EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
DEVER DE INFORMAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS INSTRUMENTAIS
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( DO PRODUTOR ) / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO DO CONSUMO - CONSUMIDOR.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, 763.
- Calvão da Silva, Responsabilidade civil do produtor, 1990, 655 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 389.º, 563.º, 570.º.
LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LDC), LEI Nº 24/96, DE 31 DE JULHO: - ARTIGOS 2.º, N.º 2.
REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRODUTOR (DL N.º 383/89, DE 06-11, ALTERADO PELO DL N.º 131/2001, DE 24-04): - ARTIGOS 1.º, 4.º, N.º1, 7.º, N.º1, 8.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15/11/2007 (PROC. Nº 07B2998), DE 01/07/2010 (PROC. Nº 2164/06.OTVPRT.P1), DE 25/11/2010 (PROC. Nº 896/06.2TBPVR.P1.S1), E DE 28/01/2016 (PROC. Nº 136/12.5TVLSB.L1.S1), CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 06/12/2006 (PROC. Nº 06B3894), DE 29/04/2010 (PROC. Nº 792/022YRPRT.S1) E DE 07/07/2010 (PROC. Nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1), CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 15/11/2007 (PROC. Nº 07B2998), DE 1 DE JULHO DE 2010 (PROC. Nº 2164/06.OTVPRT.P1), DE 06/05/2010 (PROC. Nº 11/2002.P1.S1), E DE 28/01/2016 (PROC. Nº 136/12.5TVLSB.L1.S1), CONSULTÁVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Tendo a sentença de 1ª instância condenado solidariamente as rés a pagar ao autor a quantia global de € 37.699,59 a título de indemnização e tendo o acórdão recorrido concluído pela condenação solidária daquelas numa parte desse valor e pela condenação da ré F no pagamento do remanescente daquele montante indemnizatório, inexiste dupla conforme obstativa da admissão da revista.

II - Os poderes do STJ no domínio das presunções judiciais resumem-se ao controlo da observância dos respectivos pressupostos legais – designadamente, a logicidade da ilação de factos essenciais a partir de factos instrumentais dados como provados –, o que não abarca a substância dos juízos probatórios das instâncias.

III - A formulação do juízo de causalidade envolve matéria de facto e matéria de direito, estando vedado ao STJ sindicar o juízo de facto feito pela Relação e cabendo-lhe apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade, reconduzindo-se este à interpretação do art. 563.º do CC de acordo com a teoria da causalidade adequada.

IV - A conclusão do acórdão recorrido quanto à verificação do nexo causal respeita inteiramente esse critério na medida em que, em concreto, a deformação da escada, devida ao défice de resistência do material, deu causa à queda do autor, sendo que, em abstracto, tal deformação era apta a ocasionar tal evento.

V - No âmbito do regime de responsabilidade civil do produtor (DL n.º 383/89, de 06-11, alterado pelo DL n.º 131/2001, de 24-04), é irrelevante o apuramento da culpa do produtor (trata-se de uma responsabilidade de índole objectiva) bem como, estando em causa danos resultantes de lesão corporal, o uso profissional ou privado dado ao produto perigoso; por seu turno, a culpa do lesado, qualquer que seja o seu grau, não determina, necessariamente, a exclusão da obrigação de indemnizar.

VI - Apurando-se que o autor se encontrava de férias e que usou a escada de onde veio a cair na sua residência, é de considerar que o mesmo não a empregou no desempenho de qualquer actividade profissional e que aquele deve ser tido como consumidor (n.º 2 do art. 2.º da LDC), estando, desse modo, a ré F adstrita ao dever de informação previsto no art. 8.º deste diploma.

VII - Demonstrando-se que a escada foi vendida pela ré F sem instruções sobre a sua utilização, é de concluir pela inobservância do dever de informação, sendo que a actividade profissional desempenhada pelo autor é irrelevante para afastar a tutela legal de que este beneficia enquanto consumidor ou para determinar a responsabilidade civil da mesma ré.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




1. AA instaurou acção declarativa de condenação contra BB - Companhia de Seguros, CC - Materiais de Construção, S.A., e DD & Cª, Lda, pedindo que os RR. sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de €59.710,49 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

Como fundamento para a sua pretensão, alegou, em síntese, que: - no dia 18 de Agosto de 2008 adquiriu no estabelecimento comercial CC - Materiais de Construção, S.A., localizado em Chaves, uma escada em alumínio, com três elementos e com a altura de nove metros; - no dia seguinte decidiu servir-se dessa escada na sua residência em Valpaços, articulou os três elementos da mesma e posicionou-a contra uma parede; - quando havia já escalado os três elementos da dita escada, o encaixe entre o segundo e o terceiro elementos dobrou, o terceiro elemento destacou-se e soltou-se, provocando o desequilíbrio do A. que acabou por cair; - o A. sofreu lesões e consequentemente danos, quer de ordem material quer moral, quantificados no montante peticionado.

Regularmente citadas, todas as RR. contestaram.

A R. CC contestou, excepcionando a caducidade do direito de acção contra si, e impugnando os factos alegados pelo A., imputando qualquer responsabilidade que possa existir ao produtor da escada e negando ter prestado ao A. qualquer informação relativa à mesma. Conclui que, enquanto vendedor, apenas é responsável caso se venha a provar que o cumprimento defeituoso procedeu de culpa sua, o que não foi o caso, pelo que, a não proceder a invocada excepção, conclui pela improcedência da acção.

A R. BB - Companhia de Seguros, Companhia de Seguros, por sua vez, invoca a excepção da sua ilegitimidade, por o seguro que celebrou com a R. CC não ser um seguro obrigatório, para além de invocar a irresponsabilidade da sua segurada, imputando a responsabilidade ao produtor.

Finalmente, a R. DD & Companhia, Lda. impugnou a versão dos factos alegados pelo A., imputando a ocorrência do sinistro a culpa do próprio A. devido a uma errada utilização da escada. Além disso, requereu a intervenção acessória provocada de EE, Companhia de Seguros, S.A. para a qual transferiu a responsabilidade civil extracontratual por danos causados a terceiros.

A A. respondeu às excepções, concluindo pela sua improcedência.

      Foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal de EE - Companhia de Seguros, S.A., a qual foi citada e apresentou contestação. Defende-se por excepção, invocando que os danos reclamados pelo A. se encontram excluídos da cobertura do contrato que não abrange responsabilidade objectiva ou pelo risco, e por impugnação.

      A fls. 271, foi proferido despacho que admitiu a intervenção principal da BB - Companhia de Seguros como associada dos RR.

A fls. 317, foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a invocada excepção de caducidade do direito de acção contra a R. CC.


Foi proferida sentença de fls. 758, decidindo nos seguintes termos:

“Por tudo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente:


Condeno as rés DD & Companhia, Lda. e EE - Companhia de Seguros, SA, solidariamente, a pagar ao autor AA a quantia global de € 37.699,59 (trinta e sete mil seiscentos e noventa e nove euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo as rés da parte restante do pedido.


Absolvo as rés CC – Materiais de Construção, S.A. e BB - Companhia de Seguros, Companhia de Seguros, S.A. do pedido.”


Inconformadas, as RR. EE e DD & Companhia Lda. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.


Por acórdão de fls. 875, foi mantida a matéria de facto e, a final, julgado nos seguintes termos:

“Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da ré seguradora EE e improcedente a da ré DD e, consequentemente, revogam em parte a decisão recorrida e condenam:

1. A ré seguradora EE e a ré DD & Companhia Lda., solidariamente, a pagar ao autor AA a quantia de 2.545,20€ acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

2. A ré DD & Companhia Lda. a pagar ao autor AA a quantia de 35.154,39€ acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação a té integral pagamento.  

3. No restante mantêm a decisão recorrida.”


2. Vem a R. DD interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1 - 0 autor é eletricista de profissão há mais de 30 anos, conforme declarou no seu depoimento e está assente na douta sentença e no douto acórdão, pelo que não se trata de um mero comprador consumidor, mas sim de uma aquisição de um meio de trabalho imprescindível utilizado no exercício da sua profissão.

2 - Ficou provado por via das declarações do autor que o mesmo encaixou o último degrau do terceiro lance no último do segundo lance, quando devia fazê-lo com no segundo ou terceiro degrau; que o mesmo sabia perfeitamente as regras de montagem da escada, as medidas de segurança a adotar e o modus faciendi adequado e necessário à execução dos trabalhos, não carecendo, assim de quaisquer recomendações verbais ou escritas por parte do vendedor.

3 - Houve uma violação grosseira da obrigação geral de cuidado, que se imputa ao autor nas circunstâncias concretas, tanto mais que a sua conduta, a técnica e o modo de execução da montagem dos lances, ao alto e encostada à parede, são por si só contrárias e violadoras de todas as regras de segurança a observar, de resto, correntes e exigíveis naquela atividade profissional de eletricista.

4 - A ré juntou na última sessão de audiência de julgamento, documentos informativos das regras a cumprir na montagem e encaixe dos lances da escada, necessariamente no chão e, de seguida, o seu encosto obrigatório à placa da casa, e não à parede, por razões óbvias de estabilidade, firmeza e segurança na subida.

5 - Estes documentos não foram apreciados pelo Tribunal da Primeira Instância e da Relação, quando o deveriam ter feito.

6 - A falta de cumprimento e violação das regras de segurança no trabalho, por parte do empresário autor, terá de imputar-se a si próprio, a título de culpa, pois que se demonstrou a existência de nexo causal em termos de causalidade adequada entre a violação das regras de segurança e a produção do acidente.

7 - O regulamento geral de segurança e higiene do trabalho nos estabelecimentos comerciais, aprovado pela Portaria nº 53/71, de 3 de fevereiro, na redação introduzida pela Portaria nº 702/80, de 22 de setembro, dispõe: "Os trabalhadores expostos aos riscos de queda livre devem usar cintos de segurança, de forma e materiais apropriados, suficientemente resistentes, bem como cabos de amarração e respetivos elementos de fixação".

8 - "Os cintos de segurança não devem permitir uma queda livre superior a 1 metro, a não ser que dispositivos apropriados limitem o mesmo efeito de uma queda de maior altura."

9 - Ora, o autor encontrava-se a 6,5 metros de altura do chão!! Tendo agarrado à mão esquerda, enquanto subia e se encontrava já no terceiro lance, uma haste metálica com cerca de 2 metros de comprimento.

10 - A responsabilidade pela queda é totalmente imputável ao autor que, como profissional da arte, bem sabia dos riscos e da perigosidade que é trabalhar a mais de 6,5 metros de altura sem ter ao seu dispor e sem usar meios de proteção.

11 - A postura descuidada e imprevidente assumida e a técnica de montagem aventureira viola, por si, todas as recomendações e cuidados a ter quanto à montagem e encaixe da escada, que deve ser efetuada sempre no chão.

12 - A conclusão do Tribunal da Primeira Instância e do Tribunal da Relação, em considerar irregular quer a montagem errada das escadas, quer despiciendos ou inúteis o não uso do cinto de segurança, nem cabos de amarração e os respetivos elementos protetivos de fixação, ou seja, é manifestamente errada e ilógica.

13 - O autor, eletricista, executava uma atividade por conta própria, no seu interesse e benefício exclusivo, pelo que constituiu um desleixo indesculpável uma atividade negligente grosseira culpabilizante do mais alto grau, dado que lhe incumbia cumprir o prescrito no nº 1 do DL 159/99, de 11 de maio: efetuar um seguro que garantisse o pagamento das prestações por acidente de trabalho, diploma esse que regulamenta o seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes.

14 - A pretextada causalidade relativa à pretensa culpada ré DDé de excluir pois que a solução do pleito emerge diretamente da não alegação e prova de que o autor atuou corretamente na montagem e encaixe do último lance da escada e se muniu de todos os elementos protetivos de forma a evitar a queda o que afasta qualquer causa exterior ou concausal súbita de forma a provocar a queda e as lesões de que o autor foi vítima.

15 - Em suma, a queda foi resultante de uma atividade que o autor exercia no seu exclusivo interesse, sem a mínima segurança, por incúria total em não respeitar as normas da montagem e encaixe da escada e as normas de segurança.

16 - A ré DD alegou que o autor foi o único responsável pela queda, ao não cumprir as regras de segurança na montagem da escada, reconhecendo o próprio Tribunal que o correto e exigível seria o de proceder ao encaixe dos três lances no chão e não ao alto.

17 - Além disso, estranhamente, o autor não encaixou os degraus no último lance nos dois últimos do lance médio das escadas, como se impunha.

18 - As instâncias, podem tirar, através das chamadas presunções judiciais, ilações lógicas da matéria de facto dada como provada, completando-a e esclarecendo-a.

19 - O Supremo Tribunal poderá sindicar se a factualidade dada como provada em confronto com tal atividade padece de alguma ilogicidade ou se parte de factos não provados.

20 - O autor não demonstrou, nem o exame pericial o revelou ou concluiu, que a culpa era da ré por vício de fabrico da escada.

21 - Para além disso, o Supremo Tribunal poderá aferir se a presunção extraída pelas instâncias viola ou não os artigos 349º e 351º do CC, ou seja, se podem, ou não, ser relevantes para o efeito, de tal forma que prevaleçam como causais e determinantes na eclosão do acidente e não o defeito da coisa fabricada, que a ré impugna e nunca aceitou.

22 - Competia ao Tribunal da Relação bem como ao da Primeira Instância, na qualidade de intérpretes, tirar de um facto conhecido, o da omissão violadora das regras de montagem e de articulação da escada, facto conhecido, para firmar um facto aparentemente desconhecido, ou seja, de que o autor, obrigatoriamente, tendo em conta as regras práticas da sua experiência, deveria articular corretamente a escada e respeitar as regras de segurança em altura, munindo-se de todos os elementos de proteção para evitar a queda e os danos sofridos.

23 - Foram, assim, violados os artigos 349º, 350º e o nº 1 e 2 do artigo 351º, todos do CC.

24 - Foi igualmente violado o artigo 376º do CC pois que o relatório da peritagem faz prova plena quantos às declarações atribuídas ao seu autor, nele nada constando que a diminuição da resistência à tração do alumínio da escada fosse causa da produção do acidente.

25 - Foi violado o artigo 38º do DL 50/2005, de 25 de fevereiro pois as escadas devem ser imobilizadas antes da sua utilização e fixadas de forma segura, de maneira que a mesma seja utilizada pelos trabalhadores em permanência com um apoio e uma pega seguros, inclusivamente quando seja necessário carregar um peso à mão sobre as mesmas.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá revogar-se o acórdão proferido, substituindo-se por outro, no qual se declare que o autor foi o único culpado na produção do sinistro, e, como tal, absolver-se a recorrente com as legais consequências.


O Recorrido contra-alegou, invocando como questão prévia a verificação de dupla conforme que obsta ao conhecimento da revista, e, subsidiariamente, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte:

A) A Ré CC - Materiais de Construção, S.A é uma sociedade comercial que tem por objecto a comercialização de materiais de construção, móveis, plantas, flores e artigos para o lar.

B) A Ré DD & Companhia, Lda. é uma sociedade comercial que tem por objecto o fabrico e comercialização de escadas e escadotes, dobradiças, ferragens e outros produtos metálicos.

C) Entre a Ré CC - Materiais de Construção, S.A. e a BB - Companhia de Seguros -Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, em vigor a 18 de Agosto de 2008, titulado pela apólice nº …, com o conteúdo de fls. 95 a 110, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

D) Entre a Ré DD & Companhia, Lda. e a EE Companhia de Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, em vigor a 18 de Agosto de 2008, titulado pela apólice nº 130…, com o conteúdo de fls. 191 a 206, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

a. No dia 18 de Agosto de 2008, o autor que se encontrava em Portugal a fim de passar o período de férias estivais, adquiriu no estabelecimento comercial CC - Materiais de Construção, S.A., aqui 2ª ré, localizado na cidade de Chaves, pelo preço de € 138,95, uma escada de alumínio eco tripla Deg. Red. 3+3+3, ou seja, com três elementos, com a altura de nove metros.

b. A mesma permitia atingir um máximo de 6,50 metros de altura.

c. No dia seguinte ao da compra, 19 de Agosto, o Autor resolveu servir-se da referida escada na sua residência nesta cidade de Valpaços, com a finalidade de montar um sistema de auto vigilância.

d. Articulou, então, os três elementos da mesma, cada qual com três metros, e posicionou-a contra uma parede, iniciando a subida.

e. Havia já escalado os três elementos da dita escada, quando o encaixe entre o segundo e o terceiro elementos dobrou.

f. Ao dobrar, o terceiro elemento, onde o Autor se encontrava, destacou-se do encaixe e soltou-se, perdendo o contacto com a parede, que lhe servia de suporte.

g. Provocando o desequilíbrio do Autor e a sua queda, juntamente com o mesmo, de uma altura de cerca de sete metros.

h. Caindo contra o solo.

i. O Autor foi, de imediato, transportado, em ambulância, ao serviço de urgência do Hospital de Chaves, onde realizou exames vários.

j. De seguida, foi transferido para o serviço de cirurgia daquela unidade hospitalar.

k. Ali, foi submetido a uma TAC a um exame e Raio X, tendo-lhe sido diagnosticada contusão do tronco.

I. Permaneceu internado naquele serviço durante dois dias, tendo-lhe sido administrados soro e analgésicos.

m. Teve alta no dia 21 de Agosto, com analgésicos, os quais adquiriu nesse mesmo dia.

n. Durante este período, permaneceu acamado, por mal conseguir mexer-se, devido às dores intensas que cada movimento lhe provocava

o. O Autor teve de regressar à Suíça, por ser obrigatória a sua apresentação no local de trabalho no dia 25 de Agosto, segunda-feira.

p. Porque as dores sofridas em consequência das lesões não abrandavam, sendo-lhe fisicamente impossível regressar ao trabalho, foi, nesse mesmo dia 25 de Agosto observado pelo Dr. FF.

q. Como consequência necessária da queda sofrida, em 9 de Outubro, apresentava hematomas múltiplos e dores por todo o corpo, sendo as mais pronunciadas na região do tórax, derivantes das contusões sofridas.

r. Tinha dores no ombro direito.

s. Foi submetido a um exame ecográfico que revelou uma entesite insercional humeral do supra-espinhal com possível distracção de algumas fibras e com suspeita de avulsão subtil córticoperiosteal por luxação.

t. Por concomitância, uma síndrome cervical pós-traumática acompanha todo o demais.

u. Foram-lhe prescritos anti-inflamatórios, analgésicos, miorelaxantes e ciclos e fisioterapia.

v. A incapacidade laboral foi de 100% no período de 19 de Agosto a 7 de Setembro de 2008.

w. E de 50% de 8 de Setembro de 2008 a 1 de Outubro de 2008.

x. No dia 2 de Outubro de 2008, o Autor retomou a actividade profissional

y. O tratamento médico prosseguiu uma vez que persistiam consideráveis dores a nível torácico, do ombro e, sobretudo, da região cervical, motivo porque continuava também a fisioterapia.

z. O Autor permanecia com dores intensas ao nível da região cérvico-occipital, as quais, somente à custa de analgésicos, conseguia controlar.

aa. Sentia mal-estar e cefaleias frequentes que o impediam, muitas vezes, de descansar.

bb. Foi, entretanto, submetido a sessões de fisioterapia antálgica.

cc. E a consultas reumatológicas.

dd. Não obteve melhorias.

ee. Por tal motivo, foi submetido a um exame neurológico, tendo, o mesmo, revelado fractura na cervical.

ff. Como consequência necessária do referido acidente, o Autor permanecerá com sequelas definitivas e irreversíveis ao nível da região cervical.

gg. Para além do sofrimento físico provocado pelas lesões e tratamentos a que foi submetido, o Autor sentiu sofrimento psicológico, com angústia e desespero.

hh. O Autor despendeu na aquisição da escada a quantia de € 138,95.

ii. No Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, o Autor despendeu a quantia de € 45,35.

jj. Em medicamentos, o Autor despendeu a quantia de € 15.29 (quinze euros, vinte e nove cêntimos).

kk. No pagamento de despesas relacionadas com a tradução, para língua portuguesa, dos documentos necessários para instruir a presente acção, o Autor despendeu € 205,34.

II. O Autor permanecerá com sequelas físicas definitivas, designadamente ao nível da região cervical.

mm. A sua capacidade aquisitiva foi reduzida em 6 %.

nn. À data da ocorrência do acidente danoso, o Autor auferia a remuneração mensal de CHF 5200, ou € 3421.

00. A Ré CC não interveio no processo de fabrico da escada, embalamento ou rotulagem do bem em causa.

pp. A DD & Companhia, Lda. comprometeu-se para com a CC, Materiais de Construção, S. A., no âmbito do contrato nº …/08, a garantir o bom estado e bom funcionamento da escada.

qq. Bem como a assistência e o transporte, no que respeita ao serviço pós-venda do bem que lhe fornecera.

rr. Foi a DD & Companhia, Lda. quem procedeu ao embalamento da escada e a transportou até às instalações da CC - Materiais de Construção, S. A., para revenda ao público.

ss. A escada denominava-se "escada de grau redondo".

tt. É um modelo fabricado pela ré DD há mais de 10 anos e com dezenas de milhares de unidades vendidas em Portugal e em Espanha.

uu. As escadas são vendidas como um todo, devidamente articulado, encaixado e preso entre si.

vv. Procedendo-se, quando usada, ao seu alongamento ou não, conforme as necessidades e a altura em questão.

ww. Por conta deste sinistro, o Autor, no âmbito de um seguro de acidentes pessoais celebrado com a Seguradora suíça SUVA, titulado pela apólice nº 10…., recebeu desta a quantia de 1.440 Fr. Suíços.


4. Conforme consta do despacho de admissão da revista, não ocorre dupla conforme porque a sentença de 1ª Instância condenou as RR. DD & Companhia, Lda. e EE - Companhia de Seguros, S.A., solidariamente, a pagar ao A. a quantia global de € 37.699,59, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento; e o acórdão da Relação condenou as RR. solidariamente a pagar apenas parte dessa indemnização (€2.545,20, acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento), e condenou a R. Ferral a pagar o remanescente, ou seja, a quantia de € 35.154,39, acrescida dos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.


5. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, está em causa neste recurso a seguinte questão:

- Responsabilidade da R. Recorrente pelos danos sofridos pelo A., em especial a sua exclusão devido a alegada culpa exclusiva do lesado.


6. No presente recurso discute-se a questão da existência ou não de responsabilidade da R. DD ao abrigo do regime de responsabilidade civil do produtor (constante do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 131/2001, de 24 de Abril) e não o montante da indemnização devida, caso se conclua pela responsabilização, montante que ficou já definitivamente fixado pelo acórdão recorrido.

      Assinale-se que a responsabilidade civil do produtor reveste natureza objectiva (art. 1º, do Decreto-Lei nº 383/89) e diz respeito a produto perigoso, isto é, aquele que “não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação.” (art. 4º, nº 1).

       Tradicionalmente classificam-se os tipos de defeitos distinguindo ente defeito de concepção, defeito de fabrico e defeito de informação (cfr. Calvão da Silva, Responsabilidade civil do produtor, 1990, págs. 655 e segs).

Além disso, são ressarcíveis “os danos resultantes de morte ou lesão pessoal” (art. 8º, 1ª parte), independentemente do uso dado ao produto, enquanto os danos materiais são ressarcíveis apenas quando ocorram “em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino” (art. 8º, 2ª parte). Importa, por fim, ter presente que vigora neste domínio um regime especial quanto à relevância da culpa do lesado – que se afasta do regime do art. 570º, nº 1, do Código Civil – admitindo-se a concorrência entre a responsabilidade objectiva do produtor e a culpa do lesado. Com efeito, dispõe o art. 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 383/89, que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para o dano, pode o tribunal, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização”.

Nas matérias não especialmente reguladas pelo Decreto-Lei nº 383/89 – designadamente no que respeita ao nexo de causalidade –, aplicam-se as regras gerais do Código Civil.


7. Tendo presentes tais aspectos do regime legal da responsabilidade civil do produtor, podem, desde já, afastar-se diversos argumentos da Recorrente no sentido da sua desresponsabilização:

- Tratando-se de um regime de responsabilidade objectiva, a prova da culpa do produtor é irrelevante (art. 1º, do Decreto-Lei nº 383/89);

- Estando em causa danos resultantes de lesão corporal, sempre seria irrelevante o uso profissional ou privado do produto (art. 8º). Verificados todos os requisitos, o produtor será responsável pelos danos resultantes de morte ou de lesão corporal de qualquer vítima do produto posto em circulação;

- Ainda que, eventualmente, se venha a considerar ter existido culpa do lesado, e qualquer que seja o grau da mesma, o citado art. 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 383/89, não prevê a exclusão automática da obrigação de indemnização.


8. Se, para definir o âmbito dos danos indemnizáveis, não importa se o A. actuava no âmbito da sua actividade profissional ou fora dela, já esta clarificação se torna importante para determinar: (i) Se são aplicáveis ao caso os regimes legais relativos à segurança e higiene no trabalho, assim como à obrigatoriedade de seguro de acidentes de trabalho; (ii) Se o A. lesado é um consumidor, designadamente para efeitos da definição do âmbito e conteúdo dos deveres de informação que o fabricante devia cumprir.

Ficou provado que “No dia 18 de Agosto de 2008, o autor que se encontrava em Portugal a fim de passar o período de férias estivais, adquiriu no estabelecimento comercial CC - Materiais de Construção, S.A. (…)” e que No dia seguinte ao da compra, 19 de Agosto, o Autor resolveu servir-se da referida escada na sua residência nesta cidade de Valpaços, com a finalidade de montar um sistema de auto vigilância.”

Perante a prova feita, dúvidas não subsistem de que, no momento do sinistro, o A. não se encontrava no exercício de qualquer actividade profissional, não sendo, por isso, aplicável ao caso dos autos qualquer dos regimes legais invocados pela Recorrente, relativos a segurança e higiene no trabalho, à obrigatoriedade de seguro de acidentes de trabalho ou a qualquer outra matéria conexa.

Perante a prova feita, não pode também deixar de se concluir que, para efeitos dos autos, o A. é consumidor, nos termos definidos pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, sucessivamente alterada), que, no seu art. 2º, nº 2, dispõe: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”


Deste modo, é aplicável, em matéria de direito de informação do consumidor o previsto no art. 8º da mesma lei, na redacção em vigor à data do sinistro (18/08/2008):

“1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico.

 2 - A obrigação de informar impende também sobre o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor, o embalador e o armazenista, por forma que cada elo do ciclo produção-consumo possa encontrar-se habilitado a cumprir a sua obrigação de informar o elo imediato até ao consumidor, destinatário final da informação.

 3 - Os riscos para a saúde e segurança dos consumidores que possam resultar da normal utilização de bens ou serviços perigosos devem ser comunicados, de modo claro, completo e adequado, pelo fornecedor ou prestador de serviços ao potencial consumidor.

 (…)

 5 - O fornecedor de bens ou o prestador de serviços que viole o dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor, sendo solidariamente responsáveis os demais intervenientes na cadeia da produção à distribuição que hajam igualmente violado o dever de informação.

 (…).”


Esclarecido o enquadramento normativo aplicável ao caso dos autos, prossigamos a apreciação das pretensões recursórias.


9. Alega a Recorrente, de forma repetida, que os juízos probatórios das instâncias quanto à causalidade do sinistro se encontram eivados de ilogicidade e de que, por isso, foram desrespeitados os arts. 349º a 351º do Código Civil.

Deve ter-se presente que:

- Por um lado, não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o conteúdo e substância dos juízos probatórios das instâncias, mas tão-só verificar o respeito pelos pressupostos subjacentes a tais juízos, designadamente da logicidade da ilação de factos essenciais a partir de factos instrumentais dados como provados (neste sentido, cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 06/12/2006 (proc. nº 06B3894), de 29/04/2010 (proc. nº 792/022YRPRT.S1) e de 07/07/2010 (proc. nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt);

- Por outro lado, no que respeita à determinação da causa do sinistro, o juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade (neste sentido, ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2007 (proc. nº 07B2998), de 1 de Julho de 2010 (proc. nº 2164/06.OTVPRT.P1), de 06/05/2010 (proc. nº 11/2002.P1.S1), e de 28/01/2016 (proc. nº 136/12.5TVLSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt).


       Os factos provados relevantes para o efeito são os seguintes:

- No dia 18 de Agosto de 2008, o autor que se encontrava em Portugal a fim de passar o período de férias estivais, adquiriu no estabelecimento comercial CC - Materiais de Construção, S.A., aqui 2ª ré, localizado na cidade de Chaves, pelo preço de € 138,95, uma escada de alumínio eco tripla Deg. Red. 3+3+3, ou seja, com três elementos, com a altura de nove metros.

- A mesma permitia atingir um máximo de 6,50 metros de altura.

- No dia seguinte ao da compra, 19 de Agosto, o autor resolveu servir-se da referida escada na sua residência nesta cidade de Valpaços, com a finalidade de montar um sistema de auto vigilância.

- Articulou, então, os três elementos da mesma, cada qual com três metros, e posicionou-a contra uma parede, iniciando a subida.

- Havia já escalado os três elementos da dita escada, quando o encaixe entre o segundo e o terceiro elementos dobrou.

- Ao dobrar, o terceiro elemento, onde o Autor se encontrava, destacou-se do encaixe e soltou-se, perdendo o contacto com a parede, que lhe servia de suporte.

- Provocando o desequilíbrio do Autor e a sua queda, juntamente com o mesmo, de uma altura de cerca de sete metros.

- Caindo contra o solo.


Entre outros, não foram provados os seguintes factos:

- Estava aposto na escada um autocolante contendo a informação de que o peso máximo que a mesma poderia suportar era de 100 Kg.

- A escada foi encostada à parede com os encaixes posicionados do lado contrário de quem sobe.


A aparente contradição quanto à prova da altura da queda do A. foi esclarecida pelo acórdão recorrido nos termos que em seguida se transcrevem:

“A contradição estará, na perspectiva da apelante, no facto de não ser possível a queda da escada em que o autor subiu a mais de 6,5 m, o máximo que permitia de altura. O certo é que a resposta à al. g) diz respeito já não à altura permitida pela escada, mas à altura em que o autor estaria aquando da queda, tendo em conta o degrau em que assentou os pés e a altura do seu corpo, com o objectivo de conseguir realizar o serviço que pretendia fazer, como resulta da motivação das respostas à matéria de facto. E isto está de acordo com o que foi peticionado, vertido na base instrutória, fazendo ressaltar a altura da queda para efeitos do impacto no solo do corpo do autor para justificar os danos físicos apresentados. Daí que as duas respostas visem factos diferentes, com objectivos diferentes, pelo que comportam respostas diferentes, apesar de serem conexas entre si. Assim sendo, não se verifica a oposição ou incompatibilidade entre si”.


Tendo presente a alegação da revista da Recorrente de ilogicidade dos juízos probatórios quanto à causa do acidente, aqui se transcreve o acórdão da Relação:

“Coloca-se a questão da causa da queda do autor ao solo. O autor defende que caiu porque a escada cedeu no local da deformação, que desencadeou a desarticulação do terceiro elemento que caiu ao solo juntamente com o autor. Por sua vez as rés defendem que a queda se deveu à colocação da escada na parede em sentido inverso. O tribunal concluiu que a queda se deveu à deformação do segundo elemento causada pela falta de resistência do material aplicado como o demonstrou a perícia junta aos autos, que no seu relatório conclusivo aponta um défice de resistência em cerca de 20% aos valores nominais mínimos (fls. 569 a 582).

E julgamos que esta conclusão é a que melhor se adequa à realidade dos factos provados. Na verdade, não se provou que a escada tenha sido colocada na parede em sentido inverso. E uma cedência de um dos elementos em altura desequilibra o conjunto, mais concretamente o terceiro lanço, que o faz sair do encaixe e o solta provocando a sua queda e a do autor a que se encontrava agarrado. É a deformação, por causa do défice de resistência, que é a causa adequada da queda do terceiro elemento da escada juntamente com o autor, onde se encontrava. A posição defendida pelas rés não se provou e a apresentada pelo autor é a mais verosímil face aos elementos de facto provados, com destaque para a deficiência da resistência do material aplicado na estrutura dos elementos da escada. Ficou assim provado que o acidente se deveu a defeito de produção da escada, sendo o produtor responsável pelas suas consequências nos termos do DL. 383/89 de 6/11 com as alterações introduzidas pelo DL. 131/2001 de 24/04 e a seguradora nos termos do contrato de seguro que com ele celebrara, como está devidamente exposto na decisão recorrida.”

        

Apreciando o juízo normativo da causalidade, como compete a este Supremo Tribunal, segue-se, na interpretação do art. 563º do CC, a teoria da causalidade adequada, reiteradamente aceite pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., por exemplo, os acórdãos de 15/11/2007 (proc. nº 07B2998), de 01/07/2010 (proc. nº 2164/06.OTVPRT.P1), de 25/11/2010 (proc. nº 896/06.2TBPVR.P1.S1), e de 28/01/2016 (proc. nº 136/12.5TVLSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt) de acordo com a qual “É necessário (…) não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, pág. 763).

A conclusão do acórdão recorrido quanto à verificação do nexo causal respeita inteiramente estes critérios: em concreto a deformação da escada, devida ao défice de resistência do material, causou a queda do A. e, em abstracto, tal deformação era apta a causá-lo.

Contestando o valor probatório atribuído à peritagem, alega a Recorrente que “o relatório da peritagem faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nele nada constando que a diminuição da resistência à tração do alumínio da escada fosse causa da produção do acidente.” Não tem razão. A força probatória da prova pericial é fixada livremente pelas instâncias (art. 389º do CC), as quais, mediante uso de presunção judicial que não merece censura, concluíram que o défice de resistência do material foi causa da deformação da escada.

Uma vez que foi dado como provado que a Recorrente há muito fabricava o tipo de escada dos autos sem ocorrência de problemas, é provável que – de entre a referida trilogia “defeito de concepção”, “defeito de fabrico” e “defeito de informação” – se trate de um defeito de fabrico. E de um defeito particularmente grave, na medida em que a falta de resistência constitui uma das maiores fontes de perigo de uma escada de alumínio.


10. Além de defeito de fabrico, foi também provado um defeito de informação uma vez que a escada foi vendida sem quaisquer instruções sobre a sua utilização, não se tendo sequer provado que estivesse “aposto na escada um autocolante contendo a informação de que o peso máximo que a mesma poderia suportar era de 100 Kg”. Verifica-se assim, o manifesto desrespeito pelos direitos de informação do A. consumidor, consagrados no supra citado art. 8º da Lei de Defesa do Consumidor.

Pretende a Recorrente descaracterizar tal defeito de informação através da alegada culpa do lesado. Invoca, em síntese, que o A.“sabia perfeitamente as regras de montagem da escada, as medidas de segurança a adotar e o modus faciendi adequado e necessário à execução dos trabalhos, não carecendo, assim de quaisquer recomendações verbais ou escritas por parte do vendedor” pelo que “Competia ao Tribunal da Relação bem como ao da Primeira Instância, na qualidade de intérpretes, tirar de um facto conhecido, o da omissão violadora das regras de montagem e de articulação da escada, facto conhecido, para firmar um facto aparentemente desconhecido, ou seja, de que o autor, obrigatoriamente, tendo em conta as regras práticas da sua experiência, deveria articular corretamente a escada e respeitar as regras de segurança em altura, munindo-se de todos os elementos de proteção para evitar a queda e os danos sofridos.”

A perspectiva da Recorrente não é aceitável. O A. tem, no caso dos autos, o estatuto jurídico de consumidor com toda a protecção legal inerente que não lhe pode ser negada em função da actividade profissional que exerce que, para a determinação da responsabilidade civil do produtor, aqui R. Recorrente, é irrelevante.


11. Em síntese, considera-se que a Recorrente é responsável pelos danos causados ao A. pela utilização do produto defeituoso que pôs em circulação, identificando-se quer um grave defeito de concepção e/ou fabrico, quer um grave defeito de informação.


12. Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 15 de Setembro de 2016


Maria da Graça Trigo (Relator)

Bettencourt de Faria

João Bernardo