Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
113/06.5TBORQ.E1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
PRÉDIO CONFINANTE
UNIDADE DE CULTURA
COMPRA E VENDA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 04/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS - DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS / DIREITO DE PREFERÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, “Código de Processo Civil “ Anotado, 8.ª Ed. (1987), 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668º. E jurisprudência aí citada.
- Aliste Santos, Tomás-Javier, La Motivazione de las Resoluciones Judiciales, Marcial Pons, Proceso y Derecho, Madrid, 2011, 398, 399, 394.
- Antunes Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 127.º, n.º 3847, 294-310; n.º 3848, 326-335 e 365-378.
- De la Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, 445-466.
– Habermas, Jürgen, Verdad y Justificación, Editorial Trotta, Madrid, 2007, 237.
- J. A. Reis, “Código de Processo Civil” Civil Anotado, Vol. V, 49 e ss., 53 e ss.,142-143, nota 5.
- J. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil” Civil Anotado, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, 645-646 nota 2.
- J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 247, nota 5, e 228, nota 2.
- João Branquinho e Desidério Murcho, in “Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos”, Gradiva,200-2001.
- M. Henriques Mesquita, na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, Tomo II, 1991, 36 a 39; na RLJ, Ano 126.º, Junho de 1993, n.º 3827, 57-64, 81-86.
- Martinez Zorrilla, David, Metodologia Jurídica y Argumentación, Marcial Pons, Madrid, 2010, 207.
- Nicola Abbaganano, in “Dicionário de Filosofia”, Martins Fontes, São Paulo, 2003, 203-205.
- Tarufo, Michelle, La Motivazione della sentenza civile, Padova, 1975, pp. 149-169, Citado por Aliste Santos, Tomás-Javier, La Motivazione de las Resoluciones Judiciales, Marcial Pons, Proceso y Derecho, Madrid, 2011, 253.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1380.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 264.º, 607.º, 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALS. D) E C), 661.º, 684.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 01-06-1973, NO B.M.J. 228, 136; DE 06-01-1977, NO B.M.J. 263, 187.
-DE 09-07-1982, NO B.M.J. 319, 199.
-DE 13-10-1993.
-DE 25-03-2006, PROC. N.º 1861/1999.P1.S1.
-DE 4-10-2007, PROC. N.º 07B2739, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 30-09-2008.
Sumário :
I - Ocorre contradição entre a fundamentação e a decisão – fundamento de nulidade da decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, – quando, numa operação de argumentação lógica os pressupostos de facto (supostamente válidos) contradizem ou conformam um sentido de razão oposto ao que se inferiu no epítome conclusivo.

II - Se a contradição alvitrada e exumada como fundamento de nulidade de decisão se revela, como o próprio arguente confessa, de ordem doutrinária, nela não se descortinando qualquer vício de estruturação e fundamentação, deve a arguida nulidade improceder.

III - A nulidade de decisão por omissão de pronúncia, prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2, do mesmo Código e serve de cominação para o seu desrespeito, isto é, do dever de conhecer de todas as questões postas pelas partes, essenciais à solução do pleito, a não ser que o não conhecimento de algumas esteja prejudicado pela decisão de outras.

IV - Não tendo o acórdão recorrido conhecido de questão de que devia conhecer – por ser objecto do recurso de apelação –, cometeu irregularidade, suprível, porém, no âmbito do recurso de revista, com amparo do disposto no art. 684.º, n.º 1, do CPC.

V - Quando o proprietário de um terreno pretende exercer o direito de preempção sobre a venda de um terreno que lhe é confinante, deve a aceitação supor: (i) que a preferência é exercida tendo como objectivo axial e inarredável a criação de uma parcela de terreno que se compagina com critérios de rentabilidade da exploração agrícola (para a região); (ii) que os terrenos a preferir configurem uma relação de contiguidade suposta para a união e agregação das terras e com isso uma exploração mais proficiente e eficiente da sua qualidade; (iii) que qualquer proprietário de terreno confinante e que esteja nas preditas condições pode exercitar (reciprocamente) o direito de prelação, independentemente de o seu terreno se constituir como um minifúndio; (iv) que se verifique uma alienação – venda ou dação em cumprimento – de um terreno a um sujeito que não seja dono de terreno que esteja numa relação de confinância com o prédio alienado.

VI - A preocupação do Estado com a dispersão/fragmentação da propriedade, a que se associam os elevados custos de produção e a baixa produtividade (relativa) dos terrenos viria a ser plasmada na Lei n.º 2116, de 15-06-1962, que criou as bases de regulação do emparcelamento e que viria a ser substituído pelo regime que resultou da aprovação do Código Civil (art. 1380.º).

VII - Sendo este o escopo da lei e o seu sentido histórico-social e de ordenação da propriedade rústica, não assiste direito de preferência com base na confinância, nos precisos termos em que o art. 1380.º do CC o prevê, ao proprietário de um terreno de 6, 5500 hectares para emparcelamento com um prédio (terreno), confinante, com a área de 252, 5250 hectares.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

AA, intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “BB, S.A.”, CC e DD, pedindo, nomeadamente, que seja reconhecido ao Autor o direito de preferência sobre o prédio que identifica nos artigos  da petição inicial; se ordene a substituição do segundo e terceiro Réus pelo Autor na titularidade do direito de propriedade; se condene o primeiro Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização, as despesas com o pagamento de benfeitorias a que a acção dê lugar e, finalmente, se condene os Réus a pagar ao Autor, a título de indemnização, as despesas extrajudiciais a que a acção dê lugar, a liquidar em execução de sentença.

Para o efeito alegou, em síntese, ser proprietário de uma parcela de terreno que confina com uma outra de que era proprietária a Ré BB, que ambas as parcelas estão classificadas como prédios rústicos, sendo que a sua parcela tem área inferior à definida por lei como área mínima de cultura na região em causa. Sucede que a primeira Ré procedeu à venda da parcela de terreno de que era proprietária aos segundo e terceira Réus, sem que ao Autor tenham sido comunicados os elementos essenciais do negócio de molde a ser-lhe possibilitado o exercício do direito de preferência, que através da presente acção reclama. Mais alega que os, segundo e terceira Réus, não são proprietários de qualquer outra parcela confinante com aquela que adquiriram, e que o facto de o prédio objecto da venda ter área superior à unidade de cultura não é impeditivo do direito de preferência de que se arroga.

Regularmente citados apresentaram os Réus a sua contestação, tendo excepcionado a ilegitimidade activa em virtude de a parcela de que o Autor se arroga proprietário resultar de um fraccionamento ilegal, padecendo esse acto do vício de nulidade que, sendo declarada, invalida aquela desanexação e concomitantemente implica a ilegitimidade do Autor. Excepcionaram ainda a inexistência do direito de preferência, defendendo que este só ocorre reciprocamente entre prédios confinantes de área inferior à definida como área mínima de cultura para a região em causa. No caso de um deles ter área superior, só a este é reconhecido o direito a preferir. Invocaram ainda a má-fé do Autor, alegando que este interveio nas negociações da venda da parcela numa fase anterior à dos Réus, surgindo a desanexação da parcela a favor do Autor como forma de contornar, através da criação do direito de preferência, a perda de oportunidade de negócio. Além disso, os Réus deduziram ainda reconvenção, invocando a simulação do preço constante na escritura de compra e venda e a realização de benfeitorias no imóvel. Terminam pugnando pela procedência das excepções e a consequente absolvição do pedido. Na hipótese da procedência da acção, pedem a condenação do Autor no depósito da diferença de preço e IMT, no valor total de € 52.500,00, e a pagar ao segundo e terceiro Réus a quantia de €626.650,95 a título de benfeitorias, acrescida de juros de mora. Mais pedem a condenação do Autor como litigante de má-fé em multa e indemnização.

Replicou o Autor pugnando pela improcedência das excepções e da reconvenção. Pede ainda a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor do Autor a liquidar em execução de sentença.

Treplicaram os Réus pugnando pela improcedência das excepções deduzidas em relação à reconvenção.

O Autor comprovou o depósito da quantia de 350.000,00 € à ordem dos presentes autos (sendo esse o preço que, no seu entendimento, deveria depositar relativo à transacção do imóvel em causa), bem como o registo da acção.

Suscitaram os Réus a caducidade da acção em virtude do Autor não ter comprovado o depósito da diferença de preço e de IMT, conforme haviam alegado na contestação/reconvenção.

De seguida, foi proferido despacho saneador onde se fixou o valor da acção, foram julgadas improcedentes a excepção dilatória de ilegitimidade e a excepção peremptória de caducidade da acção, sendo seleccionada a matéria de facto assente e quesitada na base instrutória a matéria controvertida.

Desta selecção reclamaram os Réus em termos que vieram a ser parcialmente atendidos pelo M.mo Juiz “a quo”.

Inconformados com o despacho saneador, na parte em julgou improcedente a excepção peremptória de caducidade da acção, vieram os Réus apelar de tal decisão tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso.

Os Réus vieram ainda requerer a redução do pedido reconvencional quanto a benfeitorias, que fixaram em 541.112,88 €, o qual foi admitido pelo M.mo Juiz “a quo”.

Posteriormente foi realizada a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou totalmente improcedente, por não provada, a acção movida pelo Autor contra os Réus, bem como julgou prejudicada a apreciação do pedido reconvencional deduzido pelos Réus. Declarou ainda que nenhuma das partes tinha litigado de má-fé e, por isso, julgou improcedentes os recíprocos pedidos de condenação como tal.

Do recurso de apelação que haviam interposto, viria a ser declarada a caducidade do direito, que após a admissão do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, viria a ser revogado e a causa julgada de mérito, de que resultou ter o tribunal de apelação julgado a apelação improcedente e mantido a decisão de primeira instância.  

Mantém o recorrente a dissidência quanto ao julgado, para o que pede revista.

Nas alegações que produziu para o feito pretendido, o recorrente dessumiu o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.

i.a) – Quadro Conclusivo.

A)O presente recurso é interposto nos termos do 721º, nº1 do Código de Processo Civil na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 7º, nº1 da Lei 41/2013 de 26 de Junho e 11º, nº 1 e 12º, nº 1 do Decreto Lei nº 303/2007 de 24 de Agosto

B) De facto ao excepcionar no art. 7º, nº 1 da Lei 41/2013 de 26 de Junho a aplicação, em sede de recursos "do disposto no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei" e prescrevendo o art.11º, nº 1 do Decreto-lei nº 303/2007 de 24 de Agosto que o regime instituído por aquele diploma legal não se aplicava às acções pendentes à data da respectiva entrada em vigor que de acordo com o art.12º, nº1 do mesmo diploma foi fixada em 1 de Janeiro de 2008; é de concluir que em matéria de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, para processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008 não é aplicável o regime da "dupla conforme" introduzido pela alteração á redacção do art.721º, nº 3 e aditamento do art. 721º - A produzida pelo referido Decreto-Lei nº 303/2007 e reproduzido no art. 671º, nº 3 do C.P.C. Actual, mantendo-se em vigor o regime anterior que permitia o recurso de revista da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça de todas as decisões dos Tribunais da Relação que se pronunciassem sobre o mérito da causa.

C) Em qualquer caso e à cautela, subsidiariamente, por dever de patrocínio indica-se um acórdão fundamento que se encontra em contradição com aquele de que se recorre e que justificaria sempre um recurso de revista excepcional ao abrigo dos arts. 721º, nº 3 e 721º-A, nº 1 al. c) do C.P.C. com a alteração do Decreto-Lei nº 303/2007 e art. 671º, nº 3, in fine, e 672.º nº1 al. c) do Novo Código de Processo Civil aprovado Lei 41/2013 de 26 de Junho.

D) De facto o Tribunal "a quo" decidiu pela improcedência do recurso com dois fundamentos essenciais:

1 - A vendedora não estava obrigada a comunicar o projecto de venda para exercício do direito de preferência por parte do autor porque no momento da celebração do contrato promessa o A. aqui recorrente ainda não era preferente por não ser proprietário de prédio confinante, qualidade que adquiriu posteriormente (mas em momento anterior à venda [afirmação e sublinhado nossos], sendo que é no momento em que se estabiliza o projecto de venda que tem de ser feita a comunicação e esse momento é o correspondente á celebração do contrato promessa e não qualquer outro posterior.

Argumento em que acrescentou que os elementos essenciais do negócio se estabilizaram com o contrato promessa desconsiderando o facto de pelo menos o prazo de pagamento ter sido alterado já que no acto da escritura foram apenas pagos, por confissão de uma ré, 350.000 euros, tendo o restante sido pago mais tarde.

2 - Como segunda razão para improceder o direito do A. a preferir no negócio objecto dos autos, sustenta o acórdão recorrido importando aliás "ipsis verbis" a sentença de primeira instância que, se fosse reconhecido o direito de preferência ao A. o mesmo deixava de ser minifundiário para se tornar latifundiário o que, constituía uma violação à norma constitucional vertida no artigo 94º da CRP.

E). Quanto ao primeiro argumento, não existir obrigação de comunicação do projecto de venda ao autor aqui recorrente por se terem estabilizados os elementos do projecto de venda no momento da celebração do contrato promessa, sem atender à alteração na forma e da própria doutrina constante do acórdão a jurisprudência uniforme postula que sobre o vendedor impende a obrigação de "comunicação para a preferência" em momento anterior à venda nunca se referindo a qualquer outro momento relevante para aferir da existência de tal obrigação e que só depois de conhecidos e comunicados todos os factos essenciais do negócio nestes se incluindo a forma e o prazo de pagamento do preço.

F) E é essa doutrina que decorre do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 6628/10.3TBLRA.C1 e datado de 14-01-2014, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Henrique Antunes publicado em www.dgsi.pt.. que se indica, por mera cautela de patrocínio como acórdão fundamento por conter decisões que estão em contradição com a decisão constante do acórdão recorrido.

G) Com efeito decorre daquele acórdão, com clareza a necessidade do vendedor proceder à comunicação do projecto de venda a todos os preferentes em momento anterior à venda e já depois de estabilizados todos os elementos essenciais do negócio e no caso de proprietários confinantes mesmo a identidade do comprador e não em momento anterior ou simultâneo com essa estabilização como é a doutrina constante do acórdão recorrido.

H) Ou também a necessidade de comunicação de todos os elementos essenciais do negócio designadamente a forma e o prazo de pagamento do preço e não apenas o respectivo montante.

I) Afirma-se no referido acórdão fundamento: O obrigado à preferência tem o dever jurídico - e não o simples ónus - de comunicar o projecto de venda, com todos os seus essentialia negotii, ao preferente (art.416º, nº 1, ex-vi art. 1380º, nº 4 do Código Civil)..... Mas é aquele que cabe a prova de fez a comunicação, não competindo, por isso, ao preferente a prova da falta dessa comunicação (art. 342º, nº 2 do Código Civil).... A violação da preferência pode, assim, resultar tanto da pura e simples ausência de comunicação, imputável ao obrigado,.... do prazo e da forma de pagamento, uma das cláusulas contratuais que o obrigado à preferência deve levar ao conhecimento do preferente quando o notifica para, querendo, exercer o seu direito .... No tocante, porém, à preferência dos proprietários confinantes, deve exigir-se a comunicação da identidade do projectado comprador..., apenas perante uma concreta situação de preferência, já formada e perante todos os elementos essenciais da comunicação é possível ao preferente renunciar, pelo que a renúncia só é eficaz quando referida a uma transacção concreta, quando ao preferente tiver sido dado conhecimento do projecto de venda e das cláusulas do contrato” (art. 809º, nº 1 do Código Civil)

J). Quanto á segunda questão suscitada - ser ou não o A. titular do direito de preferência sendo proprietário de um prédio com área inferior à unidade de cultura por poder dar lugar à constituição de um latifúndio a questão é linear afirmando o acórdão fundamento "O proprietário confinante tem o direito de preferir, mesmo que a área do seu prédio iguale ou exceda a da unidade de cultura, desde que o prédio alienado tenha uma dimensão inferior a essa unidade, o mesmo direito assistindo ao proprietário do prédio confinante com área inferior à unidade de cultura, ainda que o prédio objecto de alienação tenha uma área igualou superior a essa mesma unidade [sumário]"

K) Parece-nos assim que o Acórdão da Relação recorrido está em contradição com outro(s) transitado em julgado, proferido por Tribunal da Relação e até Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre as mesmas questões fundamentais de direito tal como exige o art. 672º nº  1 al. c) do Novo C.P.C. para a revista excepcional caso se entenda', o que não se concede, aplicável este regime de recursos e por isso se invoca apenas a título subsidiário.

L) Discute-se neste processo, de forma sucinta, se o AA, ora Recorrente, tem ou não direito de preferência sobre o prédio designado por "...", sito na freguesia de …, concelho de ..., com a área total de 252,5250 há., inscrito na matriz sob o artigo …, a desanexar do prédio misto com a mesma denominação "...", com a área total de 260,6500 ha., sito na freguesia de …, concelho de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial desse concelho sob a ficha nº … de 14 de Julho de 2000, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1 da secção B e na matriz urbana sob o artigo … [prédio melhor descrito nos pontos A) e B) da matéria assente]

M) Prédio que, no dia 30 de Setembro de 2005 foi vendido, por escritura pública de compra e venda aos Réus CC e DD, pela Ré "BB - … SA", pelo preço escriturado de €350.000,00 - trezentos e cinquenta mil euros. [Facto que se encontra assente sob o facto F].

N) Sem que ao AA. tivesse sido comunicado o projecto de venda, do prédio assim referido, não lhe tendo comunicado a identidade do pretenso comprador, o preço, o tempo da outorga da escritura e as respectivas condições de pagamento [Facto que foi levado à sentença como assente pela inscrição G), mas que devia outrossim ter sido considerado provado pela resposta negativa que os quesitos 10 a 10-E mereceram na decisão sobre a matéria de facto].

O) Sendo que o M. é proprietário de um prédio (acima descrito) confinante com o alienado aos Segundo e terceira Ré pela Primeira de área inferior à Unidade de Cultura para aquela zona - Facto assente em O) e E) - e

P) Já o era no momento da outorga da escritura pública.

Q) Os referidos segundo e terceira Ré, adquirentes do prédio, não são proprietários de qualquer outro prédio confinante com aquele que está em causa na presente acção - citando mui douta sentença por ocasião da subsunção jurídica dos factos considerados provados.

R) E esta é a questão suscitada: Com estes factos provados deve ou não acção e o recurso serem procedentes porque parafraseando a sentença de 1ª instância, uma vez que temos, dois prédios rústicos confinantes, um deles tem a área inferior à unidade de cultura definida para a região, não foi dado ao AA a possibilidade de preferir na venda; os Réus adquirentes não são proprietários de qualquer outro prédio que também seja confinante.  

S) O A. na qualidade de proprietário de prédio confinante com área inferior à unidade de cultura beneficia de direito de preferência na venda do prédio vendido e adquirido pelos réus e deve, por isso, substituir os réus compradores na escritura de compra e venda é o que se pede e é estamos convictos o que se decidirá fazendo-se justiça.

T) Mas no acórdão recorrido estamos desde logo perante uma verdadeira contradição entre a fundamentação e a decisão (art. 615º, nº 1 al. c) do actual C.P.C.).

U) Afirma-se no acórdão recorrido "Com efeito, uma proposta de venda difere - possuindo um âmbito mais lato ou vago - de uma comunicação de um projecto de venda, sendo que o nº 1 do citado art. 416º o que exige é que o obrigado à preferência comunique ao preferente que prometeu vender (mas antes de consumada a venda) [sublinhado nosso] devendo constar de tal comunicação todas as clausulas essenciais do contrato projectado (nomeadamente o preço da venda, o prazo de pagamento do preço e a identidade do comprador) "

V) Desta afirmação decorre inequivocamente que o momento para aferir da existência ou não do direito de preferência é o momento da consumação da venda e que a "comunicação para a preferência" deverá ser sempre posterior à "estabilização dos elementos essenciais do negócio" e nunca simultânea com ela.

W) E esta interpretação é a única que a lei comporta já que nela não se estabelece nenhum prazo para a comunicação da preferência, nem nenhum momento a partir do qual essa comunicação deixa de ser exigível e «Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus».

X) A conclusão decisória é contraditória com esta doutrina considerando, por apelo à sentença de 1ª instância que a obrigação de comunicação de preferência se esgota e caduca ou prescreve no momento em que ficam estabilizados os elementos essenciais do negócio máxime através da celebração de um contrato promessa e não no único momento relevante que é o da venda

Y)Isto, para além de no recurso terem sido expressamente invocadas as questões da alteração do preço ou, no mínimo da respectiva forma de pagamento; e de tais questões terem sido absolutamente desconsideradas; num comportamento processual que não pode deixar de ser reconduzido a uma omissão de pronúncia (art.615º, nº1 al. d)).

Z) De facto, no recurso interposto da sentença de 1ª instância, e que no essencial se reproduzirá por o acórdão recorrido se ter louvado expressamente na fundamentação da sentença afirmava-se nas respectivas conclusões que são o que releva nesta sede.

XXXVI. Ora no caso dos autos, a celebração do contrato promessa de compra e venda, que não pode como se disse, apresentar-se como venda para efeito do exercício legal de preferência, é ainda mais frágil se atentarmos que o próprio contrato promessa não se manteve constante até à venda que, só ocorreu cerca de 6 meses depois.

De facto, é a seguinte a factualidade provada com relevância para a situação em apreço:

·“Em finais de Janeiro e inicio de Fevereiro de 2005, a Ré BB SA divulgou na região de ... que pretendia vender o "..." pelo preço de quinhentos mil euros negociável' - Facto provado em U).

·no dia 23 de Março de 2005 - a Re BB SA, na qualidade de promitente vendedora, e o co-réu CC, na qualidade de promitente comprador, declararam por escrito, e cujas assinaturas foram reconhecidas presencialmente perante notário, que a primeira prometia vender ao segundo e este prometia comprar-lhe, livre de ónus ou encargos a parte do prédio "...': sito na freguesia de Santa..., concelho de ..., a que corresponde a fracção com a área de 252,5250ha., inscrito na matriz predial urbano sob o artigo … e na matriz predial rustica sob o artigo 1 - secção B e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº …, pelo preço de quatrocentos mil euros" - Facto provado em B).

· por Escritura Pública celebrada no dia 16 de Maio de 2005, no Cartório Notarial em Vilamoura, EE e mulher, (...) declararam doar ao seu filho AA (M. no presente processo e recorrente da sentença proferida), por conta das suas quotas disponíveis e sem qualquer reserva o encargo, o prédio Rústico denominado "...", sito na freguesia de Santa..., concelho de ... composto de cultura arvense com a área de sessenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados (...)" - facto provado em O) e E).

·Ficou também assente que o direito ao exercício legal de preferência sobre o imóvel vendido pelo primeiro Reu aos segundos, que o AA. pretende ver reconhecido decorre precisamente da propriedade do imóvel supra identificado.

· por escritura pública outorgada no dia 30 de Setembro de 2005 no Primeiro Cartório da Secretaria Notarial de …, FF, na qualidade de Procurador da sociedade Anonima BB (. . .) declarou vender aos co-réus CC e DD estes declararam aceitar comprar, pelo preço de trezentos e cinquenta mil euros, o prédio isto denominado "..." (…)" (Facto F)

· por escritura pública celebrada no dia 18 de maio de 2006 no Cartório da Secretaria Notarial de …, intitulada de rectificação, FF, na qualidade de procurador da Sociedade Anónima BB (. . .), CC e DD (todos réus no processo e ora Recorridos) rectificaram a escritura de comora e venda do prédio "..." a que se alude em F) no sentido de ficar a constar que o prédio foi vendido pelo preço acordado e pago de quatrocentos mil euros - facto provado em I)

XXXVII. Ora ressalta desde logo que o contrato promessa outorgado em 23 de Março de 2005 não teve a intervenção da Ré adquirente DD, o que obsta a que se considere que os elementos essenciais do negócio tenham sido fixados naquele contrato, já que, sendo a identidade dos compradores, um elemento essencial, forçoso é concluir que os mesmos se alteraram.

XXXVIII. Depois o próprio preço prometido não foi o preço que posteriormente foi declarado na venda celebrada em 30 de Março, data em que para todos os efeitos se consideram preenchidos os pressupostos para a instauração da acção de preferência correspondente.

XXXIX. Depois, quanto à modalidade do pagamento do preço pago, e ainda que nesta parte, e sem conceder, se acompanhe a sentença proferida, é evidente que o preço não foi pago no ato da escritura, nem tão pouco foi objecto de pagamento faseado que constava do contrato promessa de compra e venda.

XL. De facto, acerca do preço pago a decisão recorrida não relevou como devia o depoimento de parte prestado pela Ré adquirente DD produzido na primeira sessão de julgamento ocorrida no dia 15 de Maio de 2012, e que se encontra gravado em suporte magnético de gravação com início às 11h53m01 ss, e fim às 12h01m55ss, referiu o seguinte:

" A matéria do quesito 20.º, declarou que, com o co-réu, pagou o preço de € 400.000. (...) Confrontada com a escritura pública de fls. 25, mantém que o preço foi de € 400.000,00, € 350.000,00 pagos no acto da escritura e € 50.000,00 pagos em data posterior, em dinheiro. Isto aconteceu porque a depoente e o co-réu não tinham a quantia necessária para pagar a totalidade do preço na data da escritura.

XLI. O que equivale a dizer que foi a própria Ré quem reconheceu que no momento da outorga da escritura só estavam pagos €350.000,00 e que, o pagamento do preço acordado estava dependente de capacidade económica dos Réus, condições que não constavam manifestamente do contrato promessa celebrado em Março de 2005.

AA) E sobre esta questão expressamente suscitada (preço e respectiva forma de pagamento) o acórdão recorrido limitou-se a afirmar: "sendo que o preço prometido em tal transacção, no valor de 400.000 Euros, foi o preço que veio efectivamente a ser pago (fls.72) Omitindo qualquer pronúncia sobre as questões suscitadas quer quanto ao preço, quer quanto á confissão sobre a respectiva forma de pagamento que constitui indubitável elemento essencial do negócio e que não constava do contrato promessa.

BB) O acórdão recorrido parafraseando a sentença de 1ª instância e fazendo seus, por citação os respectivos argumentos, declara improcedente o recurso no essencial porque "os elementos essenciais do negócio, o chamado projecto de venda, estabilizaram-se com a outorga do contrato promessa de compra e venda a que se alude em B), ou seja a 23 de Março de 2005, (...) só que (...) nessa data, o Autor não era proprietário de qualquer prédio confinante, vindo o prédio de que agora se arroga proprietário a "nascer" (...) apenas em Maio de 2005, concluindo depois que "por não ser proprietário do prédio confinante no momento em que à Ré BB seria exigível a comunicação do negócio para efeitos de exercício de direito de preferência, não assiste ao AA. o direito de ver reconhecida a preferência legal.

CC) Ora o art. 1410º C. Civil, preceito que rege, em geral, a matéria, estabelece que o beneficiário da preferência a quem não se dê conhecimento da venda tem o direito de haver para si a coisa alienada, desde que o requeira dentro de seis meses, contados do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço.

DD) A exercitabilidade do direito de prelação através da acção de preferência pressupõe, como do preceito resulta, a violação da obrigação de preferência, com a consumação da alienação sem satisfação do dever de comunicação do projecto da venda e cláusulas do contrato ou mediante irregular cumprimento desse dever (art. 416º, n.º ­1 C. Civil).

EE) Ora, do regime legal acima explicitado decorre que, o momento, a circunstância o acontecimento relevante para o exercício legal do direito de preferência é a venda, é a alienação, e não como pretende o acórdão recorrido a celebração de um qualquer contrato promessa de compra e venda, que podia não chegar a ser concretizado, cujos termos e condições podiam não ser as contratualizadas e que por ser mera promessa de aquisição, não opera qualquer alteração ao direito de propriedade que continua a ser do Promitente vendedor.

FF) Mas mais não faz sentido defender que o direito de preferência nasceu e morreu no momento em que os Réus celebraram entre si o contrato promessa, já que isso levaria à conclusão de que, qualquer preferente a quem não tivesse sido comunicada a intenção da venda nesse momento, com copia do contrato promessa, tivesse de lançar mão de acção de preferência antes da concretização do negocio prometido; e numa situação absurda podia ter de preferir não sobre uma venda mas sobre uma promessa de venda.

GG) Ora, cremos que, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido o momento relevante será o da venda e não o da outorga do contrato promessa de compra e venda que não é atentatório ou violador do direito de preferência dos proprietários confinantes, com o prédio objecto de contrato, em nada bulindo com o direito real de preferência que, até à venda, continua a ser susceptível de ser exercido.

HH) Dizendo de outro modo, o contrato-promessa de compra e venda não tem a virtual idade de transferir a propriedade, já que se trata de contrato de prestação de facto, que pode não ser sequer consumado, como acima se disse.

11)Por outro lado, até por recurso ao lapso de tempo decorrido desde a outorga do contrato promessa até a celebração da escritura pública de compra e venda, temos como evidente que não pode fixar-se naquele único momento (celebração do contrato promessa) a obrigação que pendia sobre o Reu BB de comunicar aos proprietários confinantes o projecto de venda.

JJ) Recorrendo ainda à redacção literal da norma jurídica vertida no artigo 1380º nº 1 do CC, constatamos que os direitos legais de preferência incidem sempre sobre uma alienação, tendo por objecto a compra e venda ou a dação em cumprimento, um negocio que precisamente altere a titularidade do direito de propriedade da coisa vendida, o que não é manifestamente compatível com a celebração de um contrato promessa de compra e venda como o outorgado por um dos adquirentes.

KK) Circunstância que é também condição para a interposição da acção legal de preferência a que alude o art. 1410º do CC, que estabelece que só quando o alienante tenha o dever de oferecer a preferência a alguém, na altura da venda ou dação em pagamento do imóvel, e haja faltado ao cumprimento desse dever, é que o lesado pode recorrer à acção de preferência.

LL) Seguindo aqui o entendimento de H. MESQUITA, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, 211, nota 132, RLJ, 126º-62 e 132.º-191 e ss, se, ou enquanto, o obrigado não efectuar a notificação para preferir e enquanto o negócio de venda ou dação projectado, haja ou não contrato-promessa, se não efectivar, o preferente legal não pode invocar ou exercitar qualquer direito. Até que ocorra um desses factos ou situações, através dos quais adquire o respectivo direito subjectivo, o preferente legal mantém-se tão só como detentor da expectativa que a norma legal que lhe reconhece o direito lhe atribui - a de virem a verificar-se essas condições, que fazem surgir o direito a favor do preferente (no caso de alienação, o direito potestativo de substituição através da acção de preferência).

MM) Não prevendo a lei qualquer prazo para a comunicação da preferência o único momento que releva para aferir da existência do direito é o da venda; ou, no limite e recorrendo ao elemento sistemático da interpretação o prazo de 8 dias anterior à venda por ser esse o prazo que o preferente dispõe para declarar se pretende ou não preferir.

NN) Mas no caso concreto o entendimento sufragado no acórdão recorrido é tanto mais inconsistente se tivermos em conta que, como acima se disse, o contrato promessa foi celebrado apenas por um dos Réus, e por um preço diferente do preço que viria a ser pago pelo Réus adquirentes, na data da outorga da escritura publica de compra e venda.

00) Ora, mobilizando uma vez mais os ensinamentos do professor H. Mesquita, na obra acima citada, págs. 225 e ss, pode afirmar-se que, no exercício legal de preferência, estamos perante uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, do direito (...)», que se inicia com o momento em que o obrigado à preferência decide realizar o negócio de alienação e se desenvolve até à respectiva efectivação, fase em que, sucessivamente, o preferente goza do direito (creditório) à notificação do negócio projectado, do direito (potestativo) de declarar preferir e do direito (creditório) de exigir que consigo seja realizado o contrato projectado.

PP) Só com a escritura pública de compra e venda outorgada no dia 30 de Setembro de 2005 se fixaram os elementos essenciais à concretização do projecto, da intenção de venda do imóvel aos adquirentes, desde logo foi ali que se estabeleceram os concretos adquirentes, ao passo que no contrato promessa apenas havia intenção de vender a um dos Réus, foi ali que se fixou o preço de 350.000,00, mais baixo do que o preço prometido vender e foi também ali que ficaram definidas a modalidade e o tempo do pagamento.

00) Intimamente ligada ao dever de preferência, consubstanciada na obrigação de comunicar o projecto de venda e as cláusulas do contrato projectado, está a acção de preferência regulada no artigo 1410º do Código Civil. Neste caso, só quando o alienante tenha o dever de oferecer a preferência a alguém, na altura da venda ou dação em pagamento do imóvel, e haja faltado ao cumprimento desse dever, é que o lesado pode recorrer à acção de preferência.

RR) O que equivale a dizer que, a obrigação da Ré BB comunicar aos proprietários dos prédios confinantes com o seu, o projecto de venda só ocorreu posteriormente, quando fixou que a alienação se faria aos dois Réus e não apenas ao promitente-comprador, que o preço a pagar seria de € 350,000, e não de 400 mil como prometido, ou, no mínimo, como foi objecto de confissão embora não transposta para os factos provados o pagamento no momento da escritura foi de apenas 350.000 Euros sendo o restantes 50.000 euros pagos em função da capacidade económica dos réus o que altera drasticamente as condições do negócio.

BB) Termos em que com o acórdão recorrido confirmando nesta parte a sentença de 1ª instância violou, interpretando e aplicando erradamente, as normas vertidas nos artigos 1380º, nº 1 do CC, 1410º do CC, 416º, nº 1 CC, e artigo 18º, nº 1, do Decreto Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, porquanto interpretou as normas referidas no sentido em que o direito legal de preferência em causa nos autos nasceu com a outorga do contrato promessa de compra e venda celebrado entre o promitente vendedor (primeiro reu) e o segundo reu (promitente comprador) e esgotou-se nesse momento, defendendo que, não sendo o AA. proprietário de prédio confinante à data da outorga desse contrato promessa, não tinha direito de preferência, nem o reu a obrigação de preferência.

TT) Quando as mesmas deviam ter sido entendidas por relação ao contrato de compra e venda outorgado pelos Réus em 30 de Setembro de 2005, por ter sido esse o momento em que se fixaram os elementos essenciais do contrato e por ser a venda (e não a mera promessa de venda), o facto jurídico a partir do qual nasce o direito de preferência.

UU) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra decisão que declarando procedente o recurso reconheça ao AA. o direito de preferir na compra e venda celebrada entre os réus no dia 30 de Setembro de 2005, nas mesmas condições dos Réus adquirentes CC e DD.

W) Como segunda razão para declarar improcedente o recurso o Venerando Tribunal "a Quo" sustenta que, se fosse reconhecido o direito de preferência ao AA. o mesmo deixava de ser minifundiário para se tornar latifundiário o que, constituía uma violação à norma constitucional vertida no artigo 94º da CRP.

WW) Ora uma vez mais, a decisão assim proferida padece de vicio de violação da lei por errada interpretação e aplicação do regime legal vertido no artigo 18 do Decreto Lei nº 88 de 25 de Outubro e no artigo 1380º, nº 1 do Código Civil, em correlação com o artigo 94º da CRP.

XX) O A. não é proprietário de qualquer outro prédio contíguo, vizinho ou sequer perto do prédio objecto de venda.

YY) Pelo que, mal andou uma vez mais o Venerando Tribunal da relação na interpretação e aplicação que fez das normas vertidas no artigo 18º, nº 1 do DL 384/88 de 25/10, no art. 1380º do Código Civil, e no artigo 94º da CRP ao arrepio de jurisprudência que é neste momento uniforme; e utilizando argumentação e conceitos que são historicamente datados.

ZZ) Para o distrito de Beja, onde fica situado o prédio rústico objecto do contrato de compra e venda em apreço nos presentes autos, a unidade de cultura está fixada em 7,5 hectares para os terrenos de sequeiro (cfr. Portaria nº 202/70, de 21.4, que foi mantida em vigor por força do disposto no art. 53º do Dec. Lei nº 103/90, de 22.3).

AAA) A interpretação que se firmou e que é neste momento unânime exclui quer a interpretação a que fez recurso o acórdão recorrido quer uma interpretação que postularia que o art. 18º, nº 1 do Dec. Lei nº 384/88 deve ser interpretado no sentido a permitir o exercício do direito de preferência ao proprietário do prédio confinante, independentemente de a área deste ser superior ou inferior à unidade de cultura.

BBB) A interpretação correcta é a constante quer do acórdão fundamento, quer do Acórdão desse Colendo Supremo Tribunal de Justiça já citados supra e que determina que O proprietário confinante tem o direito de preferir, mesmo que a área do seu prédio iguale ou exceda a da unidade de cultura, desde que o prédio alienado tenha uma dimensão inferior a essa unidade, o mesmo direito assistindo ao proprietário do prédio confinante com área inferior à unidade de cultura, ainda que o prédio objecto de alienação tenha uma área igual ou superior a essa mesma unidade.

CCC) Pelo que, também por esta razão terá de ser revogado o acórdão recorrido e vir a ser reconhecido o direito de preferência ao AA Recorrente.

DOO) Não obstante o acórdão recorrido não se lhe referir expressamente a referência repetida ao nascimento ilegal do prédio de que o A. é proprietário deixa perpassar a ideia de que subjacente à decisão estaria uma consideração não assumida mas implícita de uma situação de abuso de direito.

EEE) Precavendo desde já qualquer idêntico entendimento e procurando evitar que uma decisão de procedência deste recurso e um regresso à 2a instância obrigue a novo esforço de recorrência deixa-se expresso que, nenhum facto provado na matéria assente, nenhum quesito elevado a facto provado na decisão da matéria de facto, nem nenhum elemento probatório do processo é apto a permitir essa conclusão, sendo que nada nessa matéria foi alegado.

FFF) Mas mais, tivesse tal questão sido discutida no processo e o AA. teria tido oportunidade de provar e demonstrar, com prova documental, que esta herdade com esta área e configuração existe desde os idos de 1940 e que lhe foi oferecida pelos pais como presente de casamento tendo aliás compensado outros herdeiros com promessa de doação de terrenos de área semelhante em ….

GGG) Acresce que a aplicação do abuso do direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos, além disso, as consequências que se retirem do abuso devem estar compreendidas no pedido feito ao Tribunal, em virtude do princípio dispositivo - Cf. STJ 20-Mai.-1997 (FERNANDES DE MAGALHÃES), BMJ 467 (1997), 557-564 (562), RLx 29-Jan.-1999 (SALAZAR CASANOVA), CJ XXIII (1998) 1, 103-105 (104/11) e RLx 18­Mar.-2003 (CC ABRANTES GERALOES), CJ XXVIII (2003) 2, 79-86 (85/1). Jurisprudência anterior: Tratado 1/1, 2ª ed., 247, nota 501.

HHH) Em matéria de benfeitorias e apenas para a eventualidade do recurso ser considerado procedente e esse Colendo Tribunal entender que dispõe de todos os factos que lhe permitem uma decisão integral a matéria considerada provada é a seguinte:

"22º - os co réus CC e DD instalaram energia eléctrica no "...” tendo pago pela montagem de um posto de transformação a respectiva fiscalização o preço de €21.252,63.

23º e despenderam a quantia de €841,50 a titulo de pagamento de serviços pela elaboração do respectivo projecto.

24º efectuaram no ... trabalhos de limpeza das linhas de água, abertura de valas para drenagem, emparelhamento da terra escavada, construção de dois pontões, terraplanagem para construção de um armazém e despedrega de 220 ha para permitir a sementeira directa.

25º - tais trabalhos tiveram o custo no valor global de €125.866,70

26º foram aqueles co réus que agarram aquele custo

27º - mandaram elaborar um projecto de construção de uma barragem no ... pelo qual pagaram o preço de €423,50.

28º - O que implicou que fizesse o levantamento altimétrico do prédio dos autos, serviço pelo qual pagaram €1111,00

29º e requereram a emissão de licença para a construção da aludida barragem pela qual pagaram €194,00.

30º os co-réus CC e DD mandaram fazer, a suas expensas o levantamento topográfico do ... para a inserção de parcelas (P3) na respectiva planta e implementaram no terreno as linhas das vedações e a elaboração de área social.

31º - tais trabalhos tiveram um custo de € 2828,00, custo esse que foi pago por aqueles co-réus.

32º - mandaram construir no "..." um armazém pelo qual pagaram €71 443,41

33º e construíram um bebedouro que lhes custou a quantia de €8364,81

34º - os co-réus CC e DD efectuaram também, no ... a reconstrução da casa de arrumos, dos galinheiros e currais e da casa para as máquinas, construíram duas casas de bombagem a entrada da propriedade, lintéis para assentamento de cercas e portões, abertura de caboucos e as sapatas para assentamento da estrutura do armazém e seu posterior enchimento, um alpendre para máquinas e alfaias, uma fossa séptica e pavimentaram a zona envolvente da habitação.

35º - pela realização dos sobre ditos trabalhos os co-réus CC e DD pagaram a quantia global de €74 972,86.

36º os co-réus CC e DD mandaram construir as paredes, telhados, pavimentos, instalação eléctrica e canalização da casa de habitação do ..., tendo pago pelos respectivos trabalhos e licenciamento, o valor de €121 621,89.

37º e mandaram vedar toda a propriedade, o que lhes custou €122914,62

38º - os Co réus CC e DD compraram um semeador para utilizar no prédio dos autos, pelo qual pagaram €21056,00.

39º compraram pelo preço total de €53 760,00, 71 vacas adultas e dois burros os quais colocaram no ....

40º provado que a ré DD candidataram-se ao programa A... e que essa candidatura foi aceite

41º provado que a instalação referida no quesito 22 foi comparticipada ao abrigo do programa A....

42º as supra descritas obras/reparações/construções foram efectuadas com o conhecimento do Autor.

43º e não podem ser retiradas do prédio ....

III) Atente-se ainda á fundamentação da matéria de facto que neste caso se deixou exarada na decisão sobre a matéria de facto proferida em momento prévio à sentença, e que é bem reveladora do erro de julgamento com que o Meritíssimo Juiz respondeu aos quesitos sobre os quais foi chamado a pronunciar-se.

Ali pode ler-se que: "Adquiri a convicção de que os réus CC e DD realizaram as obras descritas nos quesitos 22º a 37º e pagaram os valores ai referidos (saber-se se houve comparticipação do Estado Português ou da União Europeia no financiamento dessas obras constitui questão diversa, pois tendo ou não havido, certo é que os sujeitos passivos das obrigações de pagamento dos preços das mesmas obras são aqueles réus e mais ninguém, sendo eles portanto, os autores desses pagamentos), com base no relatório pericial de fls. 130 a 235, 409 a 420. 672 a 720. 723 a 752 e 931 e seguintes que provaram o custo de cada uma dessas obras, e nos depoimentos das testemunhas GG, HH, II, JJ, KK, LL e MM, que confirmaram a realização das mesmas obras.

Merece realce a despedrega, operação referida no quesito 24º e que suscitou especial controvérsia. O autor pretendeu por em causa a realização dessa operação, nomeadamente através da junção aos autos na 3ª sessão da audiência de julgamento de dois pareceres segundo os quais essa operação não faz sentido em solos com as características dos do ..., pelo menos com a extensão alegada pelos Réus CC e DD, Em respostas, estes réus juntaram posteriormente um parecer em sentido contrário. Determinei a tomada de esclarecimentos aos subscritores dos três pareceres, tendo cada um deles mantido, no essencial, a posição que assumira no parecer por si subscrito. Seja como for, uma conclusão parece-me impor-se: ainda que haja opiniões discordantes, a realização de uma operação de despedrega como aquela que os eus CC e DD realizaram faz sentido, é defensável, não é algo que possa considerar-se absurdo. O mesmo é dizer que a contra prova que o autor pretendia fazer sobre a esta matéria fracassou. Julguei por isso provada, com base nos meios de prova referidos no paragrafo anterior, que também esta operação se realizou. Aliás se se atentar nas fotografias enviadas pelo Ministério da Agricultura antes da última sessão da audiência de julgamento, captadas em 26.04.2008 (ainda não paginadas), é bem visível o resultado dessa operação e compreensível o recurso aos meios técnicos a que os réus CC e DD recorreram, dada a quantidade e a dimensão das pedras.

O facto vertido no quesito 38º ficou provado através dos documentos de fls. 236 a 246. (...)

Resulta dos documentos de fls. 674 a 676 que a instalação referida no quesito 22 - e apenas ela - foi comparticipada ao abrigo do programa A.... Daí a resposta restritiva ao quesito 41º Note-se que outras obras realizadas pelos réus CC e DD foram também comparticipadas, mas ao abrigo de outro programa, denominado A…, como resulta do já mencionado processo administrativo remetido a este tribunal, por copia, pelo Ministério da Agricultura no decurso da audiência de julgamento, bem como do documento de fls. 754 a 755 dos autos. (...) o quesito 43º suscitou uma controvérsia em grande parte originada por uma interpretação errada do tero "retiradas" dele constante.

"Retirar" é, neste contexto, sinonimo de deslocar uma coisa de um local para outro, de fazer sair uma coisa do sítio onde se encontra para a colocar noutro sítio, mantendo a integridade dessa coisa. De forma alguma "retirar" pode ser considerado sinonimo de destruir uma coisa, de demolir uma obra e levar os destroços para outro local, ainda que aproveitando eventualmente algumas das partes dessa coisa ou obra. Isso não é retirar uma coisa, é destruí-la.

Aliás, se o termos "retirar" tivesse (mal) sido utilizado como sinónimo de destruir, o quesito 43º não faria qualquer sentido: é evidente que qualquer obra humana é susceptível de ser destruída, removendo-se depois os destroços para local diverso. Porém não é disso que se trata no quesito, mas sim de saber se determinadas obras, reparações ou construções podem ser retiradas do prédio dos autos, lavadas para outro local com salvaguarda da sua integridade.

Nesta ordem de ideias constitui uma evidência que nenhuma das obras, reparações ou construções realizadas pelos réus CC e DD pode ser retirada do prédio, pois estão nele incorporadas com caracter permanente.

Assim:

- não é viável retirar a vedação, pois, como resultou provado da testemunha JJ, não infirmado por qualquer outro nesta matéria, os postes estão implantados no solo com cimento. Se se partisse os postes ou arrancasse as bases de cimento da rocha onde esta implantada (arrancamento esse que seria um completo absurdo a todos os títulos, desde logo porque seria uma tarefa extremamente difícil e onerosa) já não se estaria a retirar a vedação mas sima destruí-la. Tal como retirar a rede deixando os postes implantados o terreno ou destruindo-os também equivaleria a destruir a vedação, não a retirá-la.

- não é viável retirar os melhoramentos da casa de habitação da herdade. Como é por demais óbvio, são obras que ficaram incorporadas no edifício.

- não é viável retirar as obras referidas nos quesitos 24º, 33º e 34º. Mais uma vez, estamos perante obras que ficaram incorporadas no prédio. Retirar, equivaleria a destruir, logo não seria retirar.

- O mesmo se diga do armazém referido no quesito 32°. Como resultou dos depoimentos das testemunhas MM, HH e II, o armazém não é amovível, não é desmontável e remontável noutro local, pois as suas fundações estão implantadas no terreno e as suas paredes são de tijolo. De novo, não é possível retirar, só destruir.

- relativamente à instalação de energia eléctrica resultou dos depoimentos das testemunhas II, NN, e MM foi necessário instalar um posto de transformação, ligado à rede eléctrica, para instalar energia eléctrica no "..." posto de transformação que não pode, agora ser desmontado, como explicou OO. "

JJJ) o ordenamento jurídico português, em matéria de benfeitorias, não reconhece aos Réus reconvintes o direito de serem ressarcidos dos custos da obra, mas o direito de, serem indemnizados pelas benfeitorias realizadas nos termos dos artigos 1273.° e 1275.° do C. C.

KKK) No caso em apreço os Réus não deram ao decisor elementos essenciais para que este tivesse podido como se impunha, fazer essa categorização das benfeitorias cuja indemnização é reclamada na reconvenção.

LLL) Mas, mesmo que tivéssemos de considerar que as obras realizadas constituem benfeitorias úteis, ter-se-ia de apurar se eram susceptíveis de serem levantadas e, não o sendo, os réus seriam indemnizados segundo as regras do enriquecimento sem causa (o que significa que o proprietário não pagaria mais do que o despendido nelas, nem pagará mais que o valor que as benfeitorias representam para a coisa.)

MMM) Seria portanto essencial acharem-se estes dois valores, o que foi pago e o acréscimo de valor que proporcionaram na coisa.

NNN) No entanto se é certo que os custos despendidos pelos Réus e que a douta decisão sobre a matéria de facto considerou provada com o enviesamento supra apontado e outros que se indicarão, estão elencados, nada se disse acerca da mais valia que as mesmas representavam para o terreno, pelo que a matéria de facto considerada provada, é manifestamente insuficiente para permitir a fixação do valor da indemnização que fosse devia aos possuidores benfeitorizantes.

000) Na verdade, os limites do enriquecimento sem causa são dois, consoante o que se mostre mais elevado, como assinala o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado - Obrigações, 111/248: "deve ser restituído o enriquecimento em concreto (1º limite)" - desconhece-se qual foi, ou a forma de o calcular, pois não vem alegado o valor do prédio, antes de incorporadas benfeitorias; "até ao montante do dano em abstracto ou do dano em concreto" (2º e 3º limites) - não foram pura e simplesmente alegados valores que permitissem avaliar se este dano, as quantias efectivamente despendidas, superavam o valor do locupletamento.

PPP) Como lembram A. Varela e P. Lima, in C.C. anotado, V. I, p.412, as benfeitorias podem valer menos do que aquilo que o possuidor despendeu para as realizar e pode verificar-se também a hipótese inversa. O que se pretende é que nem o autor das benfeitorias colha vantagem da mais valia ocorrida, nem o enriquecido fique prejudicado, por ficar obrigado a restituir mais do que efectivamente auferiu com a incorporação.

QQQ) Acresce que, quanto à impossibilidade de tais benfeitorias serem levantadas, a decisão proferida é totalmente errada.

RRR) Deixamos aqui reproduzidas as conclusões sumariadas retiradas do Ac. Do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 03.12.2012, no processo nº 170/08.0TBMDB.P1, disponível em www.dgsi.pt no qual se decidiu que: I - Tratando-se de benfeitorias úteis, o possuidor tem, em princípio e antes do mais, direito a levantá-las, desde que o possa fazer sem detrimento da coisa, só tendo direito ao respectivo valor no caso de não haver lugar ao seu levantamento. II - Compete ao possuidor alegar e provar a impossibilidade de levantamento por o mesmo causar detrimento da coisa benfeitorizada e não das benfeitorias, cujo detrimento não tem relevância jurídica. III - Para evitar o injusto locupletamento permite-se ao benfeitorizante que levante as benfeitorias ou, não sendo isso possível sem detrimento, que receba indemnização calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa. IV - Não há lugar a esta indemnização quando o detrimento provocado pelo levantamento se reporta às benfeitorias e não à coisa benfeitorizada. V - Sendo esta um prédio rústico dificilmente se concebe que o levantamento de benfeitorias úteis provoque detrimento do prédio, sendo de presumir que não ocorrerá prejuízo com o seu levantamento.

Donde, não tendo os réus logrado provar os factos constitutivos do seu direito designadamente o art. 43º que deve ser considerado "não provado", sempre teria de improceder a reconvenção por si deduzida.

Revidaram as recorridas – cfr. fls. 2153 a 2164 – tendo, sem epítome conclusivo, impetrado a manutenção do julgado.   

i.b.) – Questões a merecer apreciação na revista.

A pretensão do recorrente reivindica para resolução adrede as sequentes questões:

a) – Nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão - artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código Processo Civil.

b) – Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia – cfr. artigo 615.º. n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil.

b) – Direito de preempção – artigo 1380.º do Código Civil.

c) – Benfeitorias realizadas no prédio objecto do negócio preferido.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

Vem adquirida para a solução do litígio a factualidade que a seguir queda extractada.

A) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 14 de Julho de 2000, a aquisição, a favor da Ré “BB – …, S.A.”, por a accionista PP, casada com FF em comunhão geral, mas separada judicialmente de pessoas e bens, o haver transferido para o património daquela referida sociedade, do prédio misto denominado “...”, da freguesia de ..., composto de cultura arvense e sobreiros, com a área de 260,6500 ha. e urbano, composto de quatro compartimentos para habitação, cavalariça, palheiro e forno de cozer pão, confrontando do Norte com Herdade ..., Sul com Estrada Municipal … – Aldeia de ..., Poente com QQ e Nascente com Herdade ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 1 – secção B e urbana sob o artigo 612 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …

B) No dia 23 de Março de 2005, a BB – …, S.A.”, na qualidade de promitente vendedora, e o co-Réu CC, na qualidade de promitente-comprador, declararam, por escrito e cujas assinaturas foram reconhecidas presencialmente perante notário, que a primeira prometia vender ao segundo e este prometia comprar-lhe, livre de ónus ou encargos, a parte do prédio “...”, sito na freguesia de ..., concelho de ..., a que corresponde a fracção com a área de 252,5250 ha., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 612 e na matriz predial rústica sob o artigo 1 – secção B e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/…, pelo preço de quatrocentos mil euros.

C) Naquele mesmo dia 23 de Março de 2005, os co-Réus CC e DD começaram a usufruir e gozar do sobredito prédio.

D) Por Escritura Pública celebrada no dia 16 de Maio de 2005 no Cartório Notarial em Vilamoura, EE e mulher, RR, declararam doar ao seu filho AA, por conta das suas quotas disponíveis e sem qualquer reserva ou encargo, o prédio rústico denominado “...”, sito na freguesia de Santa..., concelho de ..., composto de cultura arvense, com a área de sessenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados a desanexar dos descritos na Conservatória do Registo Predial de ..., sob os números quinhentos e sessenta e dois mil trezentos e trinta e um (... – ...), nela registada a aquisição a seu favor, pela inscrição G-um, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art.º … – secção B e 22 – secção BB. Que a parcela a desanexar corresponde à referida descrição quinhentos e sessenta e artigo 36 secção B.

E) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 24 de Maio de 2005, a aquisição, por doação, a favor do A. AA, do prédio rústico denominado “...”, freguesia de ..., composto de cultura arvense, com a área de 6,5500 ha., confrontando do norte com quinhão de D. SS e de TT, nascente com terras de FF, sul com terras de UU, Dr. VV e outros e do poente com terras de EE, inscrito na matriz sob o artigo 36 – secção B, desanexado dos prédios …/… ... e …/… ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/….

F) Por Escritura Pública outorgada no dia 30 de Setembro de 2005 no Primeiro Cartório da Secretaria Notarial de Beja, FF, na qualidade de procurador da Sociedade Anónima “BB – …, S.A.”, declarou vender aos co-Réus CC e DD e estes declararam aceitar comprar, pelo preço de trezentos e cinquenta mil euros, o prédio misto denominado “...”, sito na freguesia de ..., concelho de ..., com a área total de 252,5250 ha. e prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo …, a desanexar do prédio misto denominado “...”, com a área total de 260,6500 ha., sito na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho sob a ficha n.º 0… de 14 de Julho de 2000, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1 da secção B e na matriz urbana sob o artigo ….

G) A Ré “BB – …, S.A.” não comunicou ao A. o projecto de venda do prédio “...”, não lhe tendo, nomeadamente, dado a conhecer a identidade do pretenso comprador, o tempo da outorga da escritura, o preço e as respectivas condições de pagamento.

H) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 28 de Novembro de 2005, a aquisição por compra, a favor dos co-Réus CC e DD, do prédio misto denominado “...”, da freguesia de ..., composto de cultura arvense, com a área de 252,5250 ha. E urbano composto de quatro compartimentos para habitação, celeiro, cavalariça, palheiro e forno, inscrito na matriz rústica sob parte do artigo 1 – secção … e urbana sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/…, desanexado do prédio descrito sob o n.º …/….

I) Por Escritura Pública celebrada no dia 18 de Maio de 2006 no Cartório da Secretaria Notarial de …, intitulada de “rectificação”, FF, na qualidade de procurador da Sociedade Anónima “BB – …, S.A.”, CC e DD, rectificaram a escritura pública de compra e venda do prédio “...” a que se alude em F), no sentido de ficar a constar que o prédio foi vendido pelo preço acordado e pago de quatrocentos mil euros.

J) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 3 de Junho de 1976, a aquisição, por compra, a favor de XX e mulher, ZZ, do prédio misto denominado “Herdade ...”, da freguesia de ..., composto de terras de semear, cultura arvense e oliveiras, com a área de 110,3500 ha., inscrito na matriz sob o art.º 45, secção B e urbano composto de edifício de rés-do-chão, destinado a habitação com dez compartimentos, inscrito na matriz sob o artigo 582, urbano com dois compartimentos destinados a celeiro, inscrito na matriz sob o artigo 583, urbano composto de edifício de rés-do-chão, destinado a habitação com cinco divisões e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo P…, urbano com um compartimento destinado a armazém agrícola e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo P1394, urbano composto de edifício de rés-do-chão, destinado a habitação com três divisões e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo P…, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/…..

K) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 26 de Dezembro de 1964, a aquisição, por adjudicação, a favor de AAA de 7/22 avos indivisos e, por ap. de 29 de Dezembro de 1964, a aquisição por adjudicação, a favor de BBB de 15/22 avos indivisos do prédio misto denominado “Herdade …”, da freguesia de ..., composto de terras de cultura arvense e de parte urbana, constituída por uma morada de casas com três compartimentos térreos, inscrito nas respectivas matrizes rústica sob o art.º 1, secção KK, com a área de 287,7000 ha., e na urbana sob o artigo 833, com a área coberta de 40 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ….

L) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 29 de Outubro de 1996, a aquisição, por sucessão, a favor de CCC, DDD e EEE, do prédio rústico denominado “...”, da freguesia de ..., composto de cultura arvense, com a área de 14,1750 ha., inscrito nas respectivas matrizes rústica sob o art. 2, secção B, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/….

M) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 8 de Fevereiro de 2000, a aquisição, por compra, a favor de EE e mulher RR, do prédio rústico denominado “...”, freguesia de ..., composto de cultura arvense, montado de azinho, com a área de 160,6500 ha., inscrito na matriz sob o artigo 22 – secção BB e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …/….

N) Na Conservatória do Registo Predial de ... está inscrita, por ap. de 11 de Outubro de 2005, a aquisição, por sucessão testamentária, a favor de FFF e por ap. de 21 de Dezembro de 2005, a aquisição, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, a favor de GGG, HHH, III, JJJ, do prédio rústico denominado “…”, freguesia de ..., composto de terras de cultura arvense, com a área de 39,0250 ha., inscrito na matriz sob o artigo 8 – secção BB e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ….

Que resultaram da discussão da causa:

O) O A. dedica-se à actividade de exploração de culturas arvenses - trigo e aveia – e de vacas, porcos e ovelhas.

P) O A. tem o gozo e fruição de três terrenos contíguos à “...”, os quais têm uma área total de 438 ha.

Q) O A. explora de forma cíclica e regular cerca de 180 ha. em culturas arvenses.

R) O remanescente da área por explorar fica em repouso e/ou é deixada para a exploração de animais.

S) O A. possui cerca de 550 ovelhas, 70 vacas e 30 porcos.

T) Os rendimentos do A. provêm, na sua maioria, da exploração arvense e animal.

U) Em finais de Janeiro e início de Fevereiro de 2005, a Ré “BB – …, S.A.” divulgou, na região de ..., que pretendia vender o “...” pelo preço de quinhentos mil euros negociável.

V) À data referida em C) o prédio denominado “...” encontrava-se ao abandono.

W) … e a casa de habitação nele existente estava em ruínas.

X) No mês de Maio de 2005, o A. insurgiu-se contra um tractorista que, na ocasião, trabalhava para os Réus CC e DD no “Curral das Velhas”, por aquele ter derrubado um marco delimitador das extremas do prédio “...”.

Y) Em Janeiro de 2006 o pai do A. interpelou o co-Réu CC João para que este rectificasse uma extrema do prédio quando este, no “Curral das Velhas”, levava a cabo a construção de cercas para o gado.

Z) Os co-réus DD e CC pagaram à co-Ré BB, pela compra do “...”, o preço de € 400.000,00 e não o inicialmente declarado de € 350.000,00.

AA) E pagaram € 2.500,00 a título de IMT.

BB) Os co-Réus CC e DD instalaram energia eléctrica no “...”, tendo pago pela montagem de um posto de transformação e respectiva fiscalização o preço de € 21.252,63.

CC) E despenderam a quantia de € 841,50 a título de pagamento de serviços pela elaboração do respectivo projecto.

DD) Efectuaram, no “...”, trabalhos de limpeza das linhas de água, abertura de valas para drenagem, espalhamento da terra escavada, construção de dois pontões, terraplanagem para construção de um armazém e despedrega de 220 ha. para permitir a sementeira directa.

EE) Tais trabalhos tiveram um custo no valor global de € 125.866,70.

FF) Foram aqueles co-réus que pagaram esse custo.

GG) Mandaram elaborar um projecto de construção de uma barragem no “...”, pelo qual pagaram o preço de € 423,50.

HH) O que implicou que fizesse o levantamento altimétrico do prédio dos autos, serviço pelo qual pagaram € 1.111,00.

II) E requereram a emissão de licença para a construção da aludida barragem, pela qual pagaram € 194,00.

JJ) Os co-Réus CC e DD mandaram fazer, a suas expensas, o levantamento topográfico do “...”, para inserção dos parcelários (P3) na respectiva planta e implementaram no terreno as linhas das vedações e a elaboração da área social.

KK) Tais trabalhos tiveram um custo de € 2.828,00, custo esse que foi pago por aqueles co-Réus.

LL) Mandaram construir no “...” um armazém pelo qual pagaram € 71.443,41.

MM) E construíram um bebedouro, o que lhes custou a quantia de € 8.364,84.

NN) Os co-Réus CC e DD efectuaram, também, no “...”, a reconstrução da casa dos arrumos, dos galinheiros e currais e do cais para as máquinas, construíram duas casas de bombagem, a entrada da propriedade, lintéis para assentamento de cercas e portões, abertura dos caboucos e as sapatas para assentamento da estrutura do armazém e seu posterior enchimento, um alpendre para máquinas e alfaias, uma fossa séptica e pavimentaram a zona envolvente da habitação.

OO) Pela realização dos sobreditos trabalhos os co-Réus CC e DD pagaram a quantia global de € 74.972,86.

PP) Os co-Réus CC e DD mandaram reconstruir as paredes, telhados, pavimentos, instalação eléctrica e canalização da casa de habitação do “...”, tendo pago, pelos respectivos trabalhos e licenciamento, o valor de € 121.621,89.

QQ) E mandaram vedar toda a propriedade, o que lhes custou € 122.914,62.

RR) Os co-Réus CC e DD compraram um semeador para utilizar no prédio dos autos, pelo qual pagaram € 21.056,00.

SS) Compraram, pelo preço total de € 53.760,00, 71 vacas adultas e dois touros, os quais colocaram no “...”.

TT) A Ré DD candidatou-se ao programa A..., candidatura essa que foi aceite.

UU) A instalação referida em BB) foi comparticipada ao abrigo do programa A....

VV) As supra descritas obras/reparações/construções foram efectuadas com o conhecimento do Autor

WW) … e não podem ser retiradas do prédio (“...”).”

II.B. – DE DIRETO.

II.B.1. – Nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão - artigo 615º, n.º 1, alínea c) do Código Processo Civil.

Estima o recorrente que é patente uma divergência insanável e infranqueável entre a fundamentação da decisão e a decisão, por (sic): “(…) no acórdão recorrido estamos desde logo perante uma verdadeira contradição entre a fundamentação e a decisão (art. 615º, nº 1 al. c) do actual C.P.C.).

 Afirma-se no acórdão recorrido "Com efeito, uma proposta de venda difere - possuindo um âmbito mais lato ou vago - de uma comunicação de um projecto de venda, sendo que o nº 1 do citado art. 416º o que exige é que o obrigado à preferência comunique ao preferente que prometeu vender (mas antes de consumada a venda) [sublinhado nosso] devendo constar de tal comunicação todas as clausulas essenciais do contrato projectado (nomeadamente o preço da venda, o prazo de pagamento do preço e a identidade do comprador) "

Desta afirmação decorre inequivocamente que o momento para aferir da existência ou não do direito de preferência é o momento da consumação da venda e que a “comunicação para a preferência” deverá ser sempre posterior à “estabilização dos elementos essenciais do negócio” e nunca simultânea com ela.

E esta interpretação é a única que a lei comporta já que nela não se estabelece nenhum prazo para a comunicação da preferência, nem nenhum momento a partir do qual essa comunicação deixa de ser exigível e «Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus».

 A conclusão decisória é contraditória com esta doutrina considerando, por apelo à sentença de 1ª instância que a obrigação de comunicação de preferência se esgota e caduca ou prescreve no momento em que ficam estabilizados os elementos essenciais do negócio máxime através da celebração de um contrato promessa e não no único momento relevante que é o da venda.”

A contradição entre os termos de uma operação de logicidade – postuladas as premissas e a conclusão – ocorre quando do termo conclusivo da operação (silogística) emerge um sentido antagónico e incontido nas premissas condicionantes ou onde ela se deveria conter. As premissas na medida em que enunciam as balizas e os parâmetros em que um raciocínio se tem que movimentar contêm os pressupostos de razoamento que, num processo indutivo, encerram e condicionam a validade da conclusão.  

A sentença não se constitui como um silogismo, [[1]] no sentido de uma operação de logicidade subjectivo-formal, mas antes como uma operação de coerência racional intrínseca na argumentação que desenvolve no sentido de configurar um resultado em que o conteúdo de sentido se prefigure compatível com os termos da enunciação dos problemas a resolver. A sentença constitui um momento de solução de uma caso, em que para além das soluções fácticas já encontradas importa encontrar o sentido normativo para a factologia sedimentada. [[2]] Assim é que na sentença o juiz não está ilaqueado de lançar mão de máximas de experiência para integrar os factos que por si só não se poderiam constituir como factores de subsunção às normas aplicáveis. Daí que para além dos pressupostos de facto em que a decisão tem que assentar, a sentença deva apresentar uma coerência ou uma compatibilidade, não só semântica ou formal, mas, principalmente, material entre o que ficou adquirido, no plano fáctico, com aquilo que o tribunal deve argumentar, num plano discursivo, para constituir uma peça em que o conjunto do teor argumentativo se mostre compatível e inteligível com a realidade (fáctica) descrita e conseguida apurar no conspecto endoprocessual. [[3]] Os argumentos devem apresentar-se organizados e configurados segundo critérios de coerência racional e lógica, como forma de se figurarem válidos e prestáveis para a conclusão que pretendem impor.

Para que ocorra uma contradição entre um enunciado ou pressuposto de facto e uma conclusão (decisória) avulta como decisivo que o razoamento ou o raciocínio dedutivo se revele antinómico ou adverso na sua coerência, validade e compatibilidade discursiva e fáctico-material. Vale por dizer que numa operação de argumentação lógica os pressupostos de facto (supostamente válidos) contradizem ou conformam um sentido de razão oposto ao que se inferiu no epítome conclusivo. Existe, assim, uma inconciliabilidade ou incongruência intrínseca e lógico-material entre o que foi enunciado como pressuposto (fáctico) da decisão e a desinência normativa obtida.

Especam os recorrentes a sua arguição de nulidade do acórdão revidendo no facto de (sic) “Existe insuficiência da fundamentação e contradição entre esta e a decisão (…) ao u reconhecer, por um lado, a violação dos direitos de personalidade dos recorrentes, para depois considerar que os mesmos estão ao mesmo nível de protecção constitucional do direito de propriedade” – cfr. pág. 10 das alegações.

A simples transcrição do fundamento que indicam para acoimar a decisão de contraditória esvanece ou faz claudicar a inteireza ou robustez do fundamento. Na verdade, não se colhe deste fundamento substantivo ou de argumentação discursiva que atina com a compreensão e interpretação que o julgador pondera para o valor juspositivo a atribuir a cada um dos direitos fundamentais, e constitucionalmente reconhecidos, no escalão ou na densificação ético-normativa-constitucional-filosófica que lhe deve caber quando postos em confronto.

Como se dessume da introdução enformadora supra, a contradição entre os fundamentos e a decisão tem de resultar de uma formulação antitética ou antinómica do texto da decisão. Vale dizer, a contradição com que a lei pretende alancear uma decisão judicial quando prescreve que é nula a decisão em que os fundamentos estejam em contradição com a decisão, é uma inconciliabilidade entre o que foi argumentado na fundamentação e a antinómica ou desconchavada conclusão que o julgador extrai dessa argumentação. Ou ainda dito de outro modo, existe contradição entre os fundamentos e a decisão quando na decisão se expendem argumentos que na logicidade das premissas expostas deveriam conduzir a determinado resultado e a decisão acaba por extrair um resultado incontido na compreensão racional e lógico-indutiva que essas premissas albergam. Na discursividade interna de um raciocínio expressa-se uma ideia que, a plausibilidade e a razoabilidade da interpretação, faz induzir um remate lógico conciliável e compreendido no desenvolvimento lógico-racional que lhe está imanente. O fio condutor expresso numa argumentação demonstrativa de uma proposição deve ser coerente e desembocar numa conclusão que se integre e congrace com o núcleo lógico-racional da argumentação que se apresentou. A dissonância ou dessintonia entre o que raciocínio apresentado pretendeu demonstrar e a conclusão que se extraiu constitui uma falsidade lógica ou uma falácia de demonstração substantiva quando esta se evidencia como não estando contida no expendido raciocínio. [[4]] Para que exista uma coerência lógica e compatível entre um discurso argumentativo e a inferência (conclusão) que dele se pretende extrair é necessário que as asserções expendidas impliquem uma sinonímia explícita e intrínseca.

Michele Taruffo, citado por Aliste Santos, [[5]] distingue duas hipóteses de contradições, em primeiro lugar, contradições derivadas da ruptura da relação de inferência necessária entre as premissas (o corpo dos motivos) e a conclusão obtida quer se expressa no dispositivo. “Neste suposto, como diz Taruffo, do corpo dos motivos se infere com conclusão lógica «A» enquanto que, pelo contrário, no dispositivo se afirma «B»”. Em segundo lugar, as contradições podem dar-se entre os argumentos que compõem a própria justificação com independência da necessária relação de independência lógica com a parte dispositiva da resolução.” [[6]]  

Como se infere do troço alegatório supra transcrito, não ocorre uma contradição entre os fundamentos e a decisão. O que pode acontecer é que o tribunal percorreu uma linha de qualificação dos direitos fundamentais em conflito que desagrada ou implica com a compreensão ética e valorativa que os recorrentes lhe atribuem. Ocorre, nesta perspectiva, uma divertida qualificação dos direitos fundamentais em confronto, no plano da substantividade e da equação da normatividade juspositiva, e não um error in procedendo

Do que vem dito, estima-se não ocorrer o acoimado vício de nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Do mesmo passo, se dirá, que não ocorre insuficiência de motivação, dado que não se detectam na fundamentação “(…) erros de subsunção ou, mais genericamente, de deficiente razoamento de quaisquer tipos de inferências que conduzem à decisão.” [[7]] O que poderá ocorrer é uma discrepância entre o que os recorrentes entendem dever ser a avaliação e justa ponderação do seu direito, na sua estrita perspectiva, com o que o tribunal ponderou ser a sua avaliação dos factos que estão adquiridos para o processo. Divergir na avaliação e subsunção da facticidade provada não equivale a deficiente fundamentação, antes deve ser perspectivado como uma dissensão de abordagem do factos e da sua subsunção à previsão normativa adrede.

Do que vem dito não se descortina qualquer vício na estruturação e fundamentação da decisão revidenda.

A contradição alvitrada e exumada – sem grandeza de exercício de raciocínio intelectivo – revela-se, como o próprio recorrente confessa de ordem doutrinária. Para o recorrente o momento processual-funcional, no plano do instituto do direito de preferência, situa-se antes de concretização do negócio jurídico substanciador do acto em que se materializa/concretiza a preferência e não como defluiu da decisão, no momento que antecede a concretização de um contrato-promessa do negócio prometido realizar e que contém o objecto direito de preferência. A conclusão da decisão – que nesta parte segue e coonesta a decisão de primeira instância - constitui-se, em lhana verdade, como o cerne da questão a decidir no litigio em causa.

Na verdade saber, ou perquirir, se “(…)o momento para aferir da existência ou não do direito de preferência é o momento da consumação da venda e que a “comunicação para a preferência” deverá ser sempre posterior à “estabilização dos elementos essenciais do negócio” e nunca simultânea com ela” constitui-se como o imo da questão do recurso e da sua solução dependerá a sorte que vier a ser ditada para a resolução do caso.

A aparente contradição não se verifica no texto, ou melhor dito entre a fundamentação do acórdão e a decisão, dado que a decisão proferida acaba por definir, de acordo com o decidido no tribunal de primeira instância, que o momento para aferição da existência, ou não, do direito de preferência se situa quando o contrato de promessa foi celebrado e não quando o contrato prometido se concretizou.  

Esta, por ter sido a base da divergência que tem vindo a opor o recorrente às decisões proferidas pelas instâncias, não pode ser erigida numa questão processual, antes e constitui-se como a vexatio quaestio a dirimir na decisão a proferir no acórdão que nos ocupará o labor decisório de ora avante.

Soçobra esta questão processual.

II.B.2. – Nulidade da decisão por omissão de pronúncia – artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código Processo Civil.

De igual passo não deixam de acoimar a decisão sob sindicância de ser omissa quanto deixou de se pronunciar sobre (sic): “(…) as questões da alteração do preço ou, no mínimo, da respectiva forma de pagamento; e de tais questões terem sido absolutamente desconsideradas; num comportamento processual que não pode deixar de ser reconduzido a uma omissão de pronúncia (art.615º, nº1 al. d)).

 De facto no recurso interposto da sentença de 1ª instância, e que no essencial se reproduzirá, por o acórdão recorrido se ter louvado expressamente na fundamentação da sentença afirmava-se nas respectivas conclusões que são o que releva nesta sede. Ora no caso dos autos, a celebração do contrato promessa de compra e venda, que não pode como se disse, apresentar-se como venda para efeito do exercício legal de preferência, é ainda mais frágil se atentarmos que o próprio contrato promessa não se manteve constante até à venda que, só ocorreu cerca de 6 meses depois.”

(…) E sobre esta questão expressamente suscitada (preço e respectiva forma de pagamento) o acórdão recorrido limitou-se a afirmar: "sendo que o preço prometido em tal transacção, no valor de 400.000 Euros, foi o preço que veio efectivamente a ser pago (fls.72). Omitindo qualquer pronúncia sobre as questões suscitadas quer quanto ao preço, quer quanto á confissão sobre a respectiva forma de pagamento que constitui indubitável elemento essencial do negócio e que não constava do contrato promessa.

O acórdão recorrido parafraseando a sentença de 1ª instância e fazendo seus, por citação os respectivos argumentos, declara improcedente o recurso no essencial porque "os elementos essenciais do negócio, o chamado projecto de venda, estabilizaram-se com a outorga do contrato promessa de compra e venda a que se alude em B), ou seja a 23 de Março de 2005, (...) só que (...) nessa data, o Autor não era proprietário de qualquer prédio confinante, vindo o prédio de que agora se arroga proprietário a "nascer" (...) apenas em Maio de 2005, concluindo depois que "por não ser proprietário do prédio confinante no momento em que à Ré BB seria exigível a comunicação do negócio para efeitos de exercício de direito de preferência, não assiste ao AA. o direito de ver reconhecida a preferência legal.”
Numa lógica de encadeamento de actos destinados a conduzir a um resultado jurídico-materialmente justo e de feição ao Direito, os actos judiciais cumprem no processo uma função pré-estabelecida e estão pré-ordenados à consecução de um determinado resultado, a emissão de pronúncia por parte de um órgão jurisdicional de um juízo decisório que se possa impor na ordem jurídica a todos os que estejam envolvidos no dissídio de direito levado a tribunal para solução. Porém, a decisão que num procedimento judicial venha a ser proferida deve conter-se dentro dos limites do direito rogado e em congruência com os factos alegados e as provas aportadas pelas partes. [[8]]

A congruência de uma decisão – princípio adoptado de forma expressa no ordenamento jurídico processual espanhol (cfr. artigo 218.º da Lei de Enjuiciamento Civil) – enquanto princípio referente ao desenvolvimento do processo, expressa os limites do juízo jurisdicional, isto é, o âmbito que se deve alcançar e que a sentença não deve ultrapassar, fundamentalmente no aspecto do pronunciamento do veredicto, mas também no intelectual e lógico (fundamentos da decisão). O mencionado principio, que no ordenamento jurídico processual indígena colhe assento nos artigos 264.º e 661.º do Código Processo Civil, desdobra-se em três vertentes ou assume-se como polarizador de três proposições paradigmáticas, a saber: adequação da sentença às pretensões das partes, de maneira que aquela dê arrimada resposta a todas estas; correlação entre as petições de tutela e os pronunciamentos da decisão; harmonia entre o solicitado e o decidido.

A congruência de uma sentença atina com uma qualidade que se refere, não à relação entre si das distintas partes e elementos da sentença, mas sim à relação da sentença com a pretensão dos litigantes. Uma sentença é congruente na medida em que decide na coerência interna do processo e é incongruente, ainda que revelando coerência na sua argumentação lógico-racional, se se afasta da estrutura performativa que resulta ou decorre da composição de interesses postos em tela de juízo na causa.

Podem ocorrer incongruências quando na sentença deixam de se fazer declarações que as pretensões exigem ou omitem declarações ou decisões sobre pontos litigiosos. A doutrina alemã e austríaca falam, neste caso, no chamado “instituto do procedimento da integração”. Neste caso, se ocorre omissão de pronúncia não existe violação do princípio da congruência ou seja que a sentença não deve taxar-se de incongruente. Do que se trata é de uma sentença incompleta e o que haverá é que completá-la, mediante petição da parte. Segundo uma corrente chamar-se-ia a este vício “incongruência omissiva”, em violação do que se chama princípio da exaustividade.       

A regra ou princípio da incongruência ou incoerência, que, itera-se, deve cumprir-se entre as alegações de facto, não se aplica relativamente às alegações de direito da acção ou da contestação, já que pode ocorrer divergência e desconformidade entre estas alegações e a decisão, por o tribunal não estar sujeito e vinculado às alegações jurídicas ou indicações normativas que as partes forneçam. Na verdade o tribunal está vinculado ao fundamento, não pela fundamentação, e a fundamentação inclui não só a forma de apresentar os argumentos, mas também os concretos elementos jurídicos aduzidos: os preceitos legais e os princípios jurídicos citados e o entendimento que deles as partes fazem. Consubstancia-se neste procedimento a regra “iura novit curia” – o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha á causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia” é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.      
A lei delineia e modela a estrutura da sentença – cfr. artigo 607.º do Código Processo Civil - pontuando as partes em que se estrutura e as questões que deve apreciar e decidir. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de ervar o acto de nulidade.
Concretamente apela a recorrente para os vícios contidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código Processo Civil que, preceitua é nula a decisão: “d) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).”
Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito [[9]]. O dever imposto no art. 608º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado [[10]]. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito [[11]]. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos [[12]] – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes [[13]] –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.”

Para o caso, o recorrente estima que a decisão sob sindicância deixou de pronunciar sobre questões que já o não tinham sido na decisão da primeira instância, a saber “(…) alteração do preço ou, no mínimo, da respectiva forma de pagamento.”

As questões que o recorrente pretende que sejam objecto de pronúncia, atinam com a materialidade jurídica em que se funda o direito a que se arroga, a saber o direito de preempção, ou prelação, na aquisição de um prédio rústico de que um prédio de sua pertença se apresenta confinante. Reportamo-nos, concretamente, ao modo de pagamento do preço. Na verdade, na obrigação de comunicação dos elementos essenciais do contrato de venda do imóvel sujeito a preempção não está contido item vinculativo de comunicação do modo de pagamento do preço pelo qual a venda se vai concretizar. Elemento essencial é, sim, a indicação do montante pelo qual o prédio objecto de preferência irá ser alienado. Se este item preceptivo não for cumprido pode, eventualmente, ficar incompleto e deficiente o ajustado e cabal cumprimento do dever contido na injunção normativa que comina a obrigação de comunicação.

Na venda efectuada o preço veio a ser objecto de alteração e essa questão deveria, pelo menos, e ainda que de forma perfunctória, sido esquissada no acórdão sob sindicância.

Não o tendo sido, o acórdão terá cometido uma irregularidade – ao omitir a pronúncia – quanto a uma questão que lhe tinha sido impetrada na apelação que lhe foi endereçado. Tratando-se, no entanto, de uma omissão cujo conhecimento pode ser objecto de análise no recurso de revista, por não depender de quais         quer elementos que este tribunal de revista careça – v. g. de produção suplementar ou complementar de prova (a prova está plasmada nos documentos disponíveis no processo) – o tribunal conhecerá, suprindo a omissão, no recurso de revista, com amparo do disposto no artigo 684.º, n.º 1 do Código Processo Civil.           

II.B.2. – Direito de preferência – artigo 1380.º do Código Civil.

Para a decisão que proferiu o tribunal de apelação cevou-se na fundamentação de direito que a seguir queda extractada, na sua parte interessante, (sic): “(…) apreciando agora a primeira questão suscitada pelo Autor, ora recorrente - saber se lhe deve ser reconhecido o direito de preferência na transacção efectuada entre a 1.ª Ré e os 2.º e 3.º Réus quanto ao imóvel identificado nos autos - haverá que dizer a tal propósito que importa ter presente qual o regime jurídico da preferência, designadamente no tocante aos terrenos agrícolas confinantes.

Neste sentido, o art.1380.º do Cód. Civil, nos seus n.ºs 1 e 4, estipula que: - Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda (...) de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante (n.º1); - É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações (n.º 4).

Por sua vez, dispõe o art. 416.º nºs 1 e 2 do Cód. Civil, que, querendo vender a coisa, o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do direito de preferência o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, devendo o titular, recebida a comunicação, exercer o seu direito dentro do prazo de 8 dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

Por outro lado, o art.1410.º n.º1 do Cód. Civil estatui que “o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda (...) tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.

Resulta ainda do disposto no art.18.º n.º1 do D.L.384/88, de 25/10 que “os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art. 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.

Por força do estatuído no art.204.º n.º2 do Cód. Civil resulta da descrição dos prédios confinantes que ambos têm natureza rústica (cfr. alíneas B), D), E), F), H9 e I) dos factos provados).

Acresce que a Portaria n.º 202/70, de 21/4, define as áreas de cultura para as diversas zonas do País, sendo certo que para os terrenos de sequeiro que estão situados no distrito de Beja - como ocorre com os terrenos aqui em causa - a unidade de cultura está fixada em 7,5 ha.

Ora, da conjugação dos preceitos legais supra citados vem-se entendendo que o obrigado à preferência deve comunicar ao titular do respectivo direito não uma mera intenção de vender, mas a existência de um ajuste concreto efectuado com terceiro, devendo constar dessa comunicação, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos essenciais do negócio prometido.

Com efeito, uma proposta de venda difere - possuindo um âmbito mais lato ou vago - de uma comunicação de um projecto de venda, sendo que o n.º1 do citado art.416.º o que exige é que o obrigado à preferência comunique ao preferente que prometeu vender (mas antes de consumada a venda), devendo constar de tal comunicação todas as cláusulas essenciais do contrato projectado (nomeadamente o preço da venda, o prazo de pagamento do preço e a identificação do comprador).

Assim, a “comunicação para preferir” é mais específica que a “proposta para contratar”, já que exige que as condições pretendidas pelo dono tenham já encontrado candidato disposto a cobri-las.

A este propósito afirma Antunes Varela que “o preferente pode não aceitar a proposta para contratar (por não possuir na altura os meios necessários para a aquisição, por considerar o preço elevado e supor que ninguém esteja disposto a cobri-lo ou por qualquer outra razão) e querer, todavia, preferir na venda mais tarde, quando ajustada pelo obrigado à preferência (por já ter nessa altura os recursos necessários, por então se persuadir de haver alguém disposto a dar pela coisa o preço pedido pelo alienante ou por algum outro motivo)” - cfr. Revista Decana, Ano 122º, pág.305.

Por sua vez, deve entender-se que são essenciais todos os elementos ou factores do negócio susceptíveis de influenciar decisivamente na formação da vontade do titular da preferência, permitindo-lhe assim a ponderação consciente entre preferir ou abdicar de um direito de opção que lhe assiste - cfr., neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 19/11/02, in CJSTJ, Tomo III, pág.133.

Por isso, entre esses elementos essenciais Pires de Lima e Antunes Varela referem que, para além do preço e forma de pagamento, o candidato à compra do prédio deve ser mencionado e identificado na notificação para preferência – cfr. Cód. Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed., pág.373.

Ora, da factualidade apurada nos autos resulta claro que o prédio do A. tem a área de 6,5500 ha (cfr. alínea E) dos factos provados), enquanto o prédio dos RR. tem a área de 252,5250 ha (cfr. alínea F) dos factos provados), não tendo existido da parte da 1.ª R. o cumprimento do disposto no art.416.º n.º1 do Cód. Civil, ou seja, não existiu qualquer comunicação ao A. para a preferência na prometida venda do imóvel identificado nos autos (cfr. alínea B) e G) dos factos provados) - sendo que, em nosso entendimento, também não tinha que existir tal comunicação - uma vez que na data em que foi celebrado o contrato promessa de compra e venda entre a 1.ª R. e os 2.º e 3.º RR. (do qual constam os elementos essenciais do negócio) – ou seja, em 23/3/2005 – o A. não reunia, ainda, os requisitos para ser considerado preferente, pois o prédio rústico confinante com aquele apenas passou a ser sua propriedade após o mesmo lhe ter sido doado pelos seus pais por escritura pública celebrada em 16/5/2005 (cfr. alínea D) dos factos provados).

Deste modo, forçoso é concluir que o A. só fez “nascer” o prédio de que se arroga proprietário e assim hipotético titular do direito de preferência (por desanexação ilegal de prédio propriedade de seus pais, porque inferior à unidade de cultura para aquela região) cerca de 2 meses depois da celebração do supra referido contrato promessa.

E nem se diga que o projecto de venda, os elementos essenciais do negócio firmados no contrato de promessa não se mantiveram se, afinal, quem prometeu vender foi quem vendeu, quem prometeu comprar foi, CC ou quem este designar (cfr. 5.º parágrafo e alínea f), da clausula 2.ª do mencionado contrato de promessa de compra e venda junto aos autos) foi quem comprou, conjuntamente com sua irmã, que para o efeito designou, DD, sendo que o preço prometido em tal transacção, no valor de 400.000,00 €, foi o preço que efectivamente veio a ser pago, tendo o promitente vendedor consentido a posse do prédio desde a data em que foi celebrado tal contrato, isto é, a partir de 23/3/2005 (cfr. alínea C) dos factos provados).

(…) Ora, voltando ao caso dos autos, constata-se que o prédio do A., com a área de 6,5500 ha, nasceu de uma desanexação ilegal - já que contrária à lei e ao pensamento do legislador, não respeitando o disposto nos arts.19.º a 21.º do D.L.384/88 e nos arts.1376.º e 1377.º do Cód. Civil - atendendo a que os pais do A., proprietários de um prédio rústico com a área de 160,6500ha, isto é, proprietários de uma exploração economicamente viável, desanexaram a referida parcela, com área inferior à unidade de cultura para aquela região, ou seja, economicamente inviável, e fizeram a sua doação ao A. para que este, inexoravelmente, se colocasse na posição de proprietário de prédio economicamente inviável, mas confinante com o prédio vendido (cfr. alíneas D), E) e M) dos factos provados).

Por outro lado, convém ainda frisar que se apurou nos autos que o A. já usava e fruía do prédio dos pais, ou seja do prédio objecto de desanexação e da própria parcela desanexada, bem como de outros terrenos contíguos com o prédio objecto da venda, explorando na totalidade uma área de 438 ha (cfr. alínea P) dos factos provados).

Daí que, se já estamos na presença de um latifúndio - pois o prédio objecto da venda tem a área de 252,520 ha (cfr. alíneas F) e H) dos factos provados) - não se pode permitir, de todo, sob pena de inconstitucionalidade (cfr. citado art.94.º da C.R.P.), a passagem de um minifundiário a latifundiário.

Assim sendo, quando o legislador, numa estratégia de política agrícola, pretendeu fomentar a viabilidade económica das explorações agrícolas, ao abrigo do disposto no citado art.18º nº1 do D.L.384/88 - ainda que não permitindo a constituição de novos latifúndios - não estava seguramente a enquadrar, na previsão do referido preceito legal, uma situação idêntica ou similar aquela que o A. pretende obter com a instauração da presente acção…

Por isso, não podemos deixar de sufragar o que, a tal propósito, afirmou o M.mo Juiz “a quo” na sentença recorrida que, de imediato, se transcreve:

- (…) Não pode, sob pena de inconstitucionalidade, o art. 18.º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, ser interpretado no sentido de que através do direito de preferência ali consagrado o já latifundiário possa aumentar a área do seu latifúndio e, por seu turno, o minifundiário transformar-se em latifundiário.

Daí que, tendo o prédio objecto da venda uma área de 252,5250ha, dúvidas não há de que estamos perante um latifúndio e que o Autor, através do direito de preferência de que se arroga, quer abandonar a sua posição de minifundiário (uma vez que o seu prédio tem área inferior à da unidade de cultura) para passar a ser um latifundiário, o que viola o art. 94.º da CRP.

Em conclusão, estamos em crer que a melhor interpretação do referido artigo 18.º, conforme à Constituição, será aquela segundo a qual é reconhecido aos proprietários de prédios confinantes o direito de preferência, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura, mas desde que o exercício desse direito não envolva a constituição ou a ampliação de um latifúndio – sublinhado nosso.

Nestes termos, face às razões e fundamentos supra explanados, resulta claro que o A. - de todo - não goza do direito de preferência na transacção efectuada entre a 1.ª Ré e os 2.º e 3.º Réus quanto ao imóvel identificado nos autos. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelo A., ora apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ele indicados.

Atenta a improcedência da acção mostra-se prejudicado o conhecimento da segunda questão levantada pelo A. no presente recurso, qual seja a de saber se o pedido reconvencional deduzido pelos 2.º e 3.º RR., quanto às benfeitorias realizadas no dito imóvel, deveria ter sido julgado totalmente improcedente.”

O direito de preferência que a lei consagrava no artigo 1380.º do Código Civil, depende da verificação/preenchimento dos seguintes pressupostos: i) que um dos prédios tenha sido objecto de venda ou dação em pagamento de um prédio com área inferior à unidade de cultura; ii) que o dono do prédio preferente seja confinante com o prédio objecto da alienação; iii) que aquele prédio tenha área inferior à unidade de cultura; iv) que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio confinante. “O direito de preferência estabelecido no art. 1380º do CC só existe e só pode ser reconhecido quando haja reciprocidade, ou seja, quando qualquer dos proprietários confinantes possa valer-se, ou seja titular, de idêntico direito relativamente à venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio confinante com o seu – o que não era o caso dos primeiros réus na data em que venderam o prédio à recorrente, pois que, nessa data, tal prédio já não tinha a natureza de prédio rústico.

Quem pretender o reconhecimento judicial de um direito real de preferência, invocando a qualidade de proprietário confinante, deverá alegar e provar, tendo em conta as regras de repartição do ónus da prova do art.º 342.º do CC, os pressupostos ou factos constitutivos do seu direito, indicados no n.º 1 do art.º 1380.º do mesmo Código:

- que tenha sido objecto de venda, dação em cumprimento ou aforamento um prédio com área inferior à unidade de cultura;

- que (ele, preferente) é dono de prédio confinante com o prédio alienado;

- que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.

O n.º 1 do art.º 1380.º contém ainda uma outra exigência – a de também o prédio (confinante) de quem se apresenta a preferir ter área inferior à unidade de cultura.

E é esta exigência que concretiza a reciprocidade a que alude a recorrente: o direito de preferência, tal como vem estruturado naquele aludido preceito, é, como aliás decorre da letra da lei, um direito recíproco entre proprietários de terrenos confinantes, com áreas que não atingem a unidade de cultura.

 Não era assim no direito anterior (Lei 2116, de 14 de Agosto de 1962), em que a preferência, embora só podendo igualmente exercer-se sobre prédios inferiores à unidade de cultura – e nunca sobre prédios de área igual ou superior à referida unidade – era conferida aos proprietários dos prédios confinantes, independentemente da sua superfície. Ou seja: se ambos os prédios fossem minifúndios, o direito de preferência era recíproco; se só um deles o fosse, o direito de preferência existia apenas a favor do dono do outro, o que vale dizer que a preferência era exclusiva deste, deixando de poder falar-se de reciprocidade; se nenhum deles tivesse estrutura minifundiária, pura e simplesmente não havia direito de preferência.

O Dec-lei 384/88, de 25 de Outubro, que veio estabelecer em novos moldes o regime jurídico do emparcelamento rural, modificou de novo o regime da preferência legal relacionada com os minifúndios. De acordo com o art.º 18.º deste diploma, os proprietários de terrenos confinantes, quando um deles tenha área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência, qualquer que seja a área do outro. A preferência continua a ser um direito recíproco, que se aplica não só à alienação de minifúndios como também à venda de prédios de área igual ou superior à unidade de cultura, e que aproveita ao mesmo tempo, quer aos donos de minifúndios, quer aos proprietários de prédios com área superior à unidade de cultura, desde que o prédio de um deles (seja o do titular da preferência seja o do obrigado à preferência) seja inferior à unidade de cultura. O direito recíproco de preferir, estabelecido por este normativo, a favor dos donos dos prédios confinantes, existe, pois, desde que um dos terrenos confinantes tenha área inferior à unidade de cultura.” (Ac. STJ de 4-10-2007, Proc. n.º 07B2739, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino.

A razão de ser deste regime legal tem como objectivo propiciar o emparcelamento de terrenos, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se, assim, a proliferação do minifúndio, considerado incompatível com um aproveitamento fundiário eficiente (cfr. Acs. deste STJ de 18.1.94, in CJ, Tomo I, pág. 46; de 28.2.2008, in www.stj.pt e Prof. ANTUNES VARELA, in RLJ 127-308 e sgs. e 365 e sgs.).
Este artigo - 1380º - confere um direito de preferência com eficácia erga omnes, que, segundo HENRIQUE MESQUITA (Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 225), “não pode qualificar-se como um puro e simples direito potestativo, mas, antes, de uma relação jurídica complexa, integrada por direitos de crédito e direitos potestativos, que visam proporcionar e assegurar ao preferente uma posição de prioridade na aquisição, por via negocial, de certo direito, logo que se verifiquem os pressupostos que condicionam o exercício da prelação”.
Trata-se de um direito legal de aquisição, que depende da verificação de diversos requisitos, cujo ónus da prova incumbe aos que se arrogam titulares do direito de preferência, por se tratar de factos constitutivos desse direito - art. 342º, nº1, do Código Civil.
” [[14]]

Em anotação ao Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Outubro de 1993, [[15]] o Professor Antunes Varela, em munificente apreciação critica de dois arestos prolatados (da Relação de Évora e deste Supremo) a propósito do exercício do direito de prelação que um proprietário de um prédio confinante (com área inferior à unidade de cultura) pretendeu exerceu sobre outro (com área superior à unidade de cultura), escreveu que a alteração produzida pelo artigo 18º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 384/88, de 25 de Outubro (alterada pelo DL n.º 103/90, de 22 de Março e entretanto revogado pela Lei n.º 111/2015, de 27 de Agosto), tinha tido como objectivo e, portanto, deveria ser interpretada no sentido de que “Se o legislador, ao reformular o regime de preferência legal  traçado no artigo 1380º do Código Civil, continuava apenas interessado em eliminar os minifúndios, aproveitando a oportunidade de o seu dono livremente os querer alienar , mas em manter o regime do Código Civil, nem regressar à solução de 1962 (como inequivocamente se depreende do preâmbulo do diploma de 1988), uma única solução é capaz de corresponder  simultaneamente a esse duplo objectivo: - que é a de estabelecer um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos, confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.

Múltiplas são, de facto, as vantagens que podem ser, creditadas a esta solução, a que nós advogámos em parecer junto aos autos e a, que foi aceite, quer no acórdão em exame, quer nos julgados das instâncias.

1ª Diverge, de facto, quer da solução de 1962 quer da rectificação de 1966, por­que ambas estas circunscreviam o âmbito da preferência aos casos em que a venda tinha por objecto o minifúndio. E nessa medida a nova solução corresponde à ideia expressa no preâmbulo do novo diploma de se tratar duma inovação em relação à legislação anterior.

2ª É uma solução mais ampla e mais aberta do que as anteriores precisamente porque estende o objecto da preferência a casos de venda de terreno com área superior à unidade de cultura, desde que haja terrenos confinantes com dimensão inferior a essa unidade.           

3.ª É a solução verdadeiramente, lógica e, coerente com o fim a que se destina visando eliminar os minifúndios, pelos graves inconvenientes duma exploração rural que não reúna as condições mínimas de rentabilidade, ela possibilita a extinção de qualquer minifúndio, seja quando é o minifúndio o objecto da alienação e se concede a preferência aos terrenos confinantes, seja quando é o dono do minifúndio a preferir na alienação do terreno confinante da área inferior ou superior à unidade de cultura.

4.ª É a solução que, ampliando embora o campo de aplicação do direito de preferência, como de algum modo o exigia a escassez dos resultados alcançados com a legislação anterior se mantém fiel ao salutar princípio da reciprocidade.” [[16]/[17]]

Esta posição que vem assumida após o parecer do Professor M. Henriques Mesquita na Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, Tomo II, 1991, págs. 36 a 39 (e a que a anotação citada se refere a página 374-375 que considerou que “I - O direito de preferência que visa fomentar o emparcelamento da propriedade rústica só existe na alienação de prédios minifundiários - isto é, na alienação de prédios cuja área não atinja a unidade de cultura fixada para a região onde os mesmos se situem, quer no domínio da Lei 2116, de 14 de Agosto de 1962 (Base VI, nº 1), quer no do Código Civil de 1966 (artigo 1380º, nº 1), quer, ainda, no do Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro (artigo 18º, nº 1). II - A titularidade desse direito era atribuído aos proprietários dos terrenos confinantes com a alienação, mesmo que tivessem área superior à da unidade de cultura, no domínio da lei 2116 (Base VI, nº 1), mas, após a entrada em vigor do Código Civil de 1966, passou a sê-lo apenas aos proprietários de terrenos confinantes com área inferior à da unidade de cultura, e voltou a ser conferida aos proprietários indicados em primeiro lugar com o Decreto-Lei 384/88. III - Não existe direito de preferência, fundado na circunstância de o terreno a favor do qual se pretende que ela exista ser confinante com o alienado, relativamente à alienação de prédio rústico com área superior à da unidade de cultura, quando o primeiro desses prédios tenha também área superior à da unidade de cultura. IV - A razão legal da instituição deste tipo de preferência funda-se na ideia de promover, tanto quanto possível, o emparcelamento dos prédios com áreas inferiores à da unidade de cultura, para tomar a respectiva exploração mais rentável, o que já se não verifica quando ambos os prédios têm área superior à da referida unidade de cultura.”

Daí que deva dar-se como adquirido que quando o proprietário de um terreno confinante pretende exercer o direito de preempção sobre a venda de um terreno que lhe é confinante deve a aceitação ficar dependente, i) que a preferência é exercida tendo como objectivo axial e inarredável a criação de uma parcela de terreno que se compagina com critérios de rentabilidade da exploração agrícola (para a região) e de extinção de uma forma de exploração da terra que o legislador estimou não ser a mais adequada a uma ajustada rentabilização e aproveitamento dos terrenos; ii) que os terrenos a preferir configurem uma relação de contiguidade suposta para a união e agregação das terras e com isso uma exploração mais proficiente e eficiente da sua qualidade; iii) que qualquer proprietário de terreno confinante e que esteja nas preditas condições pode exercitar (reciprocamente) o direito de prelação, independentemente de o seu terreno se constituir como um minifúndio; iv) que se verifique uma alienação – venda ou dação em cumprimento – de um terreno a um sujeito que não seja dono de terreno que esteja numa relação de confinância com o prédio alienado.  

 “Como é sabido, o direito de preferência que tanto pode ter origem negocial (no chamado pacto de pre­ferência ou em testamento) como legal, con­fere ao respectivo titular prioridade, em igualdade de condições, na celebração de determinado negócio jurídico que o vin­culado à prelação tenha a justado com um terceiro.

Pelo que respeita aos direitos legais de preferência; têm por objecto, na generalidade dos casos, a compra e venda ou a dação em cumprimento da coisa sujeita à prelação.

E, quanto a todos eles a lei manda apli­car-lhes as normas dos artigos 416.º a 418.º do Código Civil, relativas ao regime do pacto de preferência.

A norma que importa aqui analisar é a do artigo 416.º, onde se estatui o seguinte: «1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comu­nicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.»

O objectivo deste preceito é colocar o preferente, antes da realização do contrato de compra e venda em condições de poder decidir se lhe convém ou não fazer valer o seu direito.

Ora, para que o preferente possa exercer o direito de opção, é indispensável que conheça os exactos termos em que o vin­culado à prelação se propõe negociar com um terceiro.

Por isso a doutrina e a jurisprudência entendem pacificamente que ao preferente devem ser comunicados, sem ambiguidades ou lacunas, todos os elementos do negócio a realizar que possam ter influência na sua decisão de preferir ou de abdicar do direito de opção.              

Tratando-se de um contrato de compra e venda, a notificação para preferência deve levar ao conhecimento do preferente não só o montante do preço, mas ainda o prazo ou prazos do respectivo pagamento a data e local da realização do negócio, as cláusulas acessórias nele inseridas e, relativamente a certos direitos de opção (pense-se, por exemplo, na preferência entre comproprie­tários), também o nome do terceiro interes­sado na compra.

Se ao preferente forem comunicados todos os elementos susceptíveis de contribuir para a sua decisão, ele poderá, dentro do prazo de oito dias, tomar uma de três atitudes:

a)Declarar que pretende exercer o direito de opção - hipótese em que o noti­ficante ficará obrigado, por mero efeito dessa declaração potestativa, a realizar com o preferente o negócio que ajustou com um terceiro;

b) Declarar que não quer preferir - hi­pótese em que o direito se extinguirá em consequência da renúncia do respectivo titular;

c) Não fazer q1talquer declaração - hi­pótese em que o direito se extinguirá igualmente, mas agora por virtude do fenómeno da caducidade.

Se ao titular da preferência, diversamente, não for feita qualquer notificação para preferir, se lhe for feita uma notificação incompleta ou se a notificação tiver por objecto negócio diferente daquele que a lei sujeita à prelação, ele poderá exercer o seu direito depois de consumada a alienação, através de uma acção de preferência, desde que proponha esta acção no prazo de seis meses a partir da data em que tenha conhecimento dos elementos essenciais da alienação. Assim se estabelece, a propósito da preferência entre comproprietários, no n.º 1 do artigo 1410.º - norma que o legislador manda aplicar a todos os demais direitos legais de preferência.” [[18]]

Apetrechados com estes ensinamentos repristinemos os dados relevantes para a decisão do caso.

Vem adquirido que: i) ocorreu uma venda formalizada por escritura pública de um prédio misto denominado “...”, da freguesia de ..., composto de cultura arvense e sobreiros, com a área de 260,6500 ha. e urbano, composto de quatro compartimentos para habitação, cavalariça, palheiro e forno de cozer pão, confrontando do Norte com Herdade ..., Sul com Estrada Municipal … – Aldeia de ..., Poente com QQ e Nascente com Herdade ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 1 – secção B e urbana sob o artigo 612 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 00579/000714; ii) este prédio confina com o prédio rústico denominado “...”, sito na freguesia de Santa..., concelho de ..., composto de cultura arvense, com a área de sessenta e cinco mil e quinhentos metros quadrados a desanexar dos descritos na Conservatória do Registo Predial de ..., sob os números quinhentos e sessenta e dois mil trezentos e trinta e um (... – ...), nela registada a aquisição a seu favor, pela inscrição G-um, inscrito na respectiva matriz cadastral sob o art.º 36 – secção B e 22 – secção BB. Que a parcela a desanexar corresponde à referida descrição quinhentos e sessenta e artigo 36 secção B.”; iii) o proprietário deste prédio “(…) tem o gozo e fruição de três terrenos contíguos à “...”, os quais têm uma área total de 438 hectares; explora de forma cíclica e regular cerca de 180 ha. em culturas arvenses; o remanescente da área por explorar fica em repouso e/ou é deixada para a exploração de animais; possui cerca de 550 ovelhas, 70 vacas e 30 porcos.” Ou, em versão concisa, tersa e lhana, o proprietário de um terreno com a área de 6,5500 hectares (cfr. alínea E) dos factos provados) – confinante com o terreno alienado com a área de 252,5250 hectares – e que explora uma área de 438 hectares, sendo 180 hectares de cultura arvense e o resto para pastagem de gado (550 ovelhas, 70 vacas e 30 porcos) pretende, através de um instituto que se destina a propiciar uma exploração agrícola mais consentânea com regras e critérios de rentabilidade, preferir na venda do terreno (que é menor do que aquele que ele já explora, mas cuja área é incomensuravelmente superior à do terreno que apresenta como confinante e com estatuto e estalão para preferir).

A pretensão do recorrente desvela-se como desemparelhada e desquiciada do espirito, sentido e alcance jurídico-programático e pragmático do instituto de preferência tal como ele foi concebido e planeado pelo legislador.

Discorrendo sobre a génese do instituto relativo ao direito de preferência fundado no artigo 1380.º, n.º 1 do Código Civil escreveu o Preclaro Mestre Coimbrão, Professor Antunes Varella, “A ideia de utilizar o mecanismo da preferência legal como um meio esporádico de combate aos ponderosos inconvenientes de ordem económico-social dos prédios rús­ticos de reduzida dimensão, conhecida a tra­dicional reacção dos proprietários rurais contra todas as medidas coercitivas de, em­parcelamento nas regiões do pais em que a solução poderia ter algum real interesse geral, provém da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962, em cuja Base VI, n.º 1, se prescrevia efectivamente que os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência nas transmissões por venda par­ticular ou judicial, adjudicação em processo de execução, dação em pagamento ou afora­mento, a proprietário não confinante, da pro­priedade ou do domínio útil ou de qual­quer fracção alíquota destes direitos sobre prédios rústicos, encravados ou não, com área inferior à unidade de cultura. .

Quando, nos trabalhos preparatórios do novo Código (de 1966), se procurou incluir no regime da propriedade de imóveis (arts. 1344.º e segs.) a definição das regras aplicáveis ao fraccionamento e emparcela­mento dos prédios rústicos, houve natural­mente necessidade de repensar, à sombra dessas figuras, o direito de prelação que a Lei n.º 2116 criara no direito português.

E o texto surgido na chamada 1.ªrevi­são ministerial dos anteprojectos parcelares (art 1367.°, n.º1; do Livro III, editado em 1963) , mais empenhada em alcançar a unidade sistémica e a harmonização formal e linguística dos textos preparatórios da nova codificação do que em reexaminar o acerto substancial das numerosíssimas solu­ções propostas -. embora manifestamente mais simples do que o da Base VI da Lei de 14 de Agosto de 1962, não há dúvida de que reflectia, nas suas coordenadas fundamentais, o mesmo pensamento.

A redacção desse texto projectado em 1963 era o seguinte:

«Os proprietários de terrenos confinantes com prédios rústicos de área infe­rior à unidade de cultura gozam do direito de preferência no caso de venda, dação em pagamento ou aforamento destes prédios a proprietários não confinantes.”

A leitura atenta das duas disposições - uma (a da Base VI, n.º 1, da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962), que foi direito vigente até à entrada em vigor do Código de 1966; a outra, que não passou de mero projecto legislativo, nos trabalhos prepara­tórios do novo Código - mostra que eram duas as coordenadas fundamentais do direito de preferência legal destinado à extinção paulatina dos minifúndios.

A primeira consistia em a preferência abranger apenas os casos em que o prédio rústico alienado (vendido, dado em paga­mento ou aforado) tinha uma área inferior à unidade de cultura.

A segunda traduzia-se no facto de a preferência aproveitar a todos os proprie­tários de terrenos confinantes com o mini­fúndio vendido, independentemente da área desses terrenos.

Quanto a estes proprietários de terrenos confinantes, titulares da prelação, nenhum dos textos fazia qualquer alusão ao requisito da área inferior à unidade de cultura. A referência a essa qualidade ou propriedade (área inferior à unidade de cultura, variável de região para região e consoante a natu­reza das culturas ali exploradas) era exclusivamente feita a propósito do prédio rústico alienado.

A ratio legis dessas disposições era, por conseguinte, a obcecação (ou a firme determinação, se o termo obcecação ferir os tímpanos mais frágeis do leitor) de pôr termo aos minifúndios, logo que o seu titular os pretendesse alienar, privilegiando em termos absolutos os proprietários confinantes em relação aos proprietários não confinantes – e abstraindo, por conseguinte, da questão de saber se os titulares da preferência necessitavam ou não de acrescentar ao seu prédio uma nova área de terreno para assegurarem a rentabilidade suficiente da sua exploração.” [[19]]     

A dispersão/fragmentação da propriedade, a que se associam os elevados custos de produção e a baixa produtividade (relativa) dos terrenos constituiu-se como uma preocupação do Estado, como dão noticia ao pareceres da Câmara Corporativa nº 32/VII, da Câmara Corporativa, de 21-4-60, sobre o Projecto de Decreto-Lei que viria a ser plasmado na Lei nº 2116, de 15-6-62, que, como é referido na munificente  anotação do Professor Antunes Varela, criou as bases de regulação do emparcelamento e que viria a ser substituído pelo regime que resultou da aprovação do Código Civil (artigo 1380.º).

Sendo este o escopo da lei e o seu sentido histórico-social e de ordenação da propriedade rústica, afigura-se-nos que não pode um direito de preferência com base na confinância, nos precisos termos em que o artigo 1380º do Código Civil o prevê, justificar um pedido de preferência formulado por proprietário de um terreno confinante com 6,5500 hectares para emparcelamento com um prédio (terreno) com a área de 252,5250 hectares.

O sentido e alcance da lei ilaqueia de forma categórica a possibilidade configurada nos autos e o pedido desvirtua totalmente o fim com que o legislador pretendeu normativizar as preocupações que estiveram na base do preceito vertido no artigo 1380º, n.º 1 do Código Civil.

A decisão recorrida, ainda que apegada a outros fundamentos não merece, por isso, censura.  

A solução que se antolha para o recurso refreia a possibilidade de conhecimento da questão atinente á benfeitorias.

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção (cível), do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista.

- Condenar o recorrente nas respectivas custas.

                                                           Lisboa, 12 de Abril de 2016

                                                           Gabriel Catarino (Relator)

                                                            Maria Clara Sottomayor

                                                           Sebastião Póvoas

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[1] Cfr. Tarufo, Michelle, in “La Motivazione della sentenza civile”, Padova, 1975, pp. 149-169 considera que a doutrina do silogismo lógico “[è] peraltro erronea si se presenta come una teoria del giudizio, in quanto non è possible dimostrare che il ragionamento decisorio ha strutura silogística, mentre è possible dimostrare che ha una strutura diversa; è invece incompleta se si presenta come teoria della motivazione, poichè la strutura dedutiva è solo una componente della motivazione, mentre vi sono ragioni decisive per respingerla se si presenta como una teoria di ciò che la motivazione dovrebbe essere; infine, la stessa dottrina è priva di significato se si presenta contemporaneamente come teoria sia del giudizio che la motivazione”. Citado por Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivazione de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, “Proceso y Derecho, Madrid, 2011, pág. 253       
[2] Para uma abordagem mais aprofundada veja-se Martinez Zorrilla, David, “Metodologia Jurídica y Argumentación”, Marcial Pons, Madrid, 2010.
[3] “Solo podemos explicar lo que es un hecho con la ayuda de la verdad de un enunciado sobre los hechos; e lo que es real sólo podemos explicarlo en términos de lo que es verdadero” – Habermas, Jürgen, “Verdad y Justificación”, Editorial Trotta, Madrid, 2007, pág. 237. “[…] Uno de los aspectos esenciales de la justificación de un argumento es la llamada justificación interna, esto es, de la corrección lógica del razonamiento. Si no existe un vinculo logicamente correcto entre las premissas y la conclusión, el argumetno es rechazado. (…) Un argumento válido es todo argumento que satisface los requisitos de la lógica; esto es, un argumento logicamente correcto.” - apud Martinez Zorrilla, Davis, op. loc. cit. pág. 207.      
[4] Para uma abordagem conceptual veja-se João Branquinho e Desidério Murcho, in “Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos”, Gradiva, págs.200-2001 e Nicola Abbaganano, in Dicionário de Filosofia”, Martins Fontes, São Paulo, 2003, págs. 203-205.  
[5] Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivazione de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, “Proceso y Derecho, Madrid, 2011, pág. 398.
[6] “Caso mais complexo que a hipótese anterior, posto que a contradição entre os argumentos que constroem o corpo dos motivos impede neste suposto averiguar qual tenha sido a ratio decidendi que preside à justificação, porque a radical contradição lógica entre os argumentos existentes emaranha por completo a motivação, a qual uma vez expressa coram partibus pode justamente qualificar-se de ambígua e formulada com opacidade tal que impede saber com certeza os critérios que conduzem a estimar justificada a decisão” (tradução nossa) – Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivazione de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, “Proceso y Derecho, Madrid, 2011, pág. 399.    
[7] Cfr. Aliste Santos, Tomás-Javier, in “La Motivazione de las Resoluciones Judiciales”, Marcial Pons, “Proceso y Derecho”, Madrid, 2011, pág. 394.
[8] Cfr. Para maiores desenvolvimentos, de la Oliva Santos, Andrés e Diez-Picazo Giménez, Ignacio, in “Derecho Procesal Civil - El proceso de declaración”, Editorial Universitária Ramón Areces, 3.ª edición. 2008, págs. 445-466
[9] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 142-143 nota 5 e 53 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 247 nota 5 e 228 nota 2.
[10] J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[11] Vd. Ac. do STJ de 09-07-1982: B.M.J. 319 pág. 199.
[12] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, págs. 49 e segs.; J. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.; J. Lebre de Freitas e outros, Cód. Proc. Civil Anot, Vol. 2, Coimbra Editora – 2001, págs. 645-646 nota 2. No sentido de que os motivos, argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos não figuram entre as questões a apreciar no art.º 660.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, como jurisprudência unânime, pode ver-se, de entre muitos exemplos, p. ex., RT 61º-134, 68º-190, 77º-147, 78º-172, 89º-456, 90º-219 citados apud Abílio Neto Cód. Proc. Civil Anot. 8.ª Ed. (1987), págs. 514-515 nota 5, em anotação ao art.º 668º. Vd. ainda, v. g., Ac. do STJ de 01-06-1973: B.M.J. 228 pág. 136; Ac. do STJ de 06-01-1977: B.M.J. 263 pág. 187. 
[13] Vd.. Rodrigues Bastos, Notas ao Cód. Proc. Civil, Vol. III, pág. 228 nota 2.
[14] cfr. Ac. STJ de 25-03-2006 (Proc. n.º 1861/1999.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Oliveira Rocha.
[15] Cfr. Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 127º, n.ºs 3847, págs. 294-310; 3848, págs. 326-335 e 365-378 (Direito de preferência de um proprietário de um minifúndio na venda de terreno agrícola confinante com área superior à da unidade de cultura). 
[16] cfr. Antunes Varela, RLJ citada, pág. 373-374.
[17] cfr. neste sentido o Ac. STJ de 30-09-2008, relatado pelo Conselheiro Silva Salazar, em cujo sumário se escreveu (sic): “Com a consagração no artigo 1380.º, n.º 1, do CC, do direito de preferência relativo a prédios rústicos confinantes de área inferior à unidade de cultura pretendeu o legislador conseguir o emparcelamento de pequenas propriedades, reduzindo, na medida do possível, o número dos denominados minifúndios, em ordem a obterem-se explorações agrícolas técnica e economicamente viáveis e mais estáveis. II - Eram, assim, pressupostos do direito de preferência consagrado neste preceito: ser, ou ter sido vendido, um prédio rústico com área inferior à unidade de cultura; ser o preferente dono de prédio confinante com o prédio vendido; não ser o adquirente do prédio proprietário confinante. III - Posteriormente, porém, a redacção do art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 384/38, de 25-10, relativo ao regime do emparcelamento, originou que a doutrina e jurisprudência passassem maioritariamente a entender que o legislador quis estabelecer um direito de preferência a favor dos proprietários rurais na alienação de prédios confinantes com os seus desde que qualquer deles tivesse área inferior à unidade de cultura: entende-se, assim, dada a reciprocidade consagrada no citado art. l380.º, n.º 1, para que aquele art. 18.° remete, que os proprietários de terrenos confinantes em que um deles tenha área inferior à unidade de cultura gozam reciprocamente do direito de preferência, qualquer que seja a área do outro.”
[18] Cfr. M. Henriques Mesquita, RLJ, Ano 126º, Junho de 1993, n.º 3827, págs. 57-64, 81-86.
[19] cfr. Antunes Varela, RLJ, citada págs. 366-367-