Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
64/11.1TXLSB-Y.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
TRÂNSITO EM JULGADO
RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
TEMPESTIVIDADE
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: REMETIDO O PROCESSO À RELAÇÃO DE COIMBRA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do art. 446.º, do CPP, o recurso contra jurisprudência fixada apenas pode ser interposto após o trânsito em julgado da decisão; o acórdão do TC transitou em julgado a 22.10.2020, e os prazos para interposição de recurso ordinário foram interrompidos, nos termos do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11; assim sendo, a partir do dia 22.10.2020, começaram a correr novamente os prazos para interposição de recurso ordinário da decisão do Tribunal de Execução de Penas; tendo em conta o disposto no art. 446.º, do CPP, o recurso foi extemporaneamente interposto, porque interposto (a 19.11.2020) antes de transitada em julgado a decisão recorrida (o que ocorreria a 20.11.2020).
II O art. 242.º, n.º 4, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), determina que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após a “prolação da decisão”, mas deve considerar-se que este apenas se refere aos recursos interpostos nos termos do art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL; isto porque, por força do disposto no art. 244.º, do CEPMPL, as regras relativas, nomeadamente, à interposição desta espécie de recurso devem seguir o disposto no art. 446.º, do CPP, ou seja, apenas deverá ser interposto recurso contra jurisprudência fixada quando a decisão recorrida já tenha transitado em julgado e após o seu trânsito (no prazo de 30 dias).
IV - No caso dos presentes autos ainda era admissível recurso ordinário, dado que os prazos para a sua interposição recomeçaram após o trânsito em julgado da decisão do TC (a 22.10.2020). E tendo recomeçado quando o recurso (aqui em análise) foi interposto, não tinha ainda a decisão transitado em julgado, devendo apenas recorrer-se a um recurso especial como o de contra jurisprudência fixada apenas somente estando esgotadas as possibilidades de recurso ordinário, isto é, as possibilidades de as instâncias poderem (ou não) alterar a decisão recorrida.
V - A congruência das soluções normativas, aparentemente contraditórias, entre o regime consagrado no Código de Processo Penal, para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, que estabelece o prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida -art. 446.º, n.º 1, do CPP- , para interpor o recurso extraordinário e a disciplina constante do art. 242.º, n.º 4, do CEPMPL, que fixa como prazo de recurso, 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, impõe uma interpretação que, como se disse, já foi objecto de cuidada fundamentação nos acórdãos supracitados acórdãos de 12.11.2020, nos processos n.ºs 1283/11.6TXPRT-O. S1 e 3150/10.1TCPRT-R. S1, e de 10.12.2020 proferido no processo n.º 586/12.7TXCBR-R. S1 e que se acompanha na íntegra. O disposto no art. 242.º, n.º 4, do CEPMPL, vale apenas, como se viu, no âmbito do recurso de decisão proferida pelo TEP, no caso de oposição com outra decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie (por um dos TEP), nos termos do art. 242.º, n.º1, al. b, do CEPMPL.
VI - Tendo o Ministério Público interposto recurso em 19.11.2010, data em que não se havia ainda esgotado o prazo para interposição do recurso ordinário, e uma vez que o prazo para interposição de recurso é de 30 dias e se conta a partir da notificação da decisão- art. 411.º, n.º 1, do CPP-, o presente recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada, é extemporâneo. Razão pela qual é rejeitado.
VII - Mais se decide convolar o recurso interposto em recurso ordinário para o Tribunal da Relação de Coimbra, para onde os autos serão enviados oportunamente.
Decisão Texto Integral:

Proc. 64/11.1TXLSB-Y. S1

(recurso extraordinário contra jurisprudência fixada)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. O Ministério Público, junto do Tribunal de Execução de Penas (TEP) …., considerando que a decisão deste Tribunal (Juiz …..), de 17.06.2020, contraria o Acórdão de Fixação de Jurisprudência (doravante designado por AFJ)  n.º 7/2019 ((publicado no DR de 29.11.2019 – I série), veio interpor recurso extraordinário contra jurisprudência fixada, ao abrigo do disposto no artigo 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL (Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12.10 e alterações posteriores).

2. O recurso foi admitido por despacho de 24.11.2020.

3. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde em Parecer, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta considerou não estarem verificados “os pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário contra jurisprudência fixada” concluindo pela sua rejeição, por extemporâneo. Contudo, e transcreve-se: uma vez que o presente recurso foi interposto antes do trânsito em julgado da decisão do TEP, entende-se que o tal “jogo dos recursos normais” ainda pode funcionar. Ou seja, pode-se ainda “lançar mão do expediente normal de impugnação” convolando-se o presente recurso em recurso para o Tribunal da Relação, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos processuais.

4. No exame preliminar a que se refere o artigo 440.º, n.º 1, do CPP ex vi artigo 446.º, n.º 2, do CPP, e artigo 244.º, do CEPMPL, considerou-se que o recurso fora extemporaneamente interposto por quem tinha legitimidade.

5. Foram os autos remetidos a conferência, nos termos do artigo 440.º, n.º 4, do CPP, ex vi artigo 446.º, n.º 1, do CPP, e artigo 244.º, do CEPMPL.

II.

6. Compulsados os autos retira-se o seguinte:
i. Por decisão de 17.06.2020 proferida pela Sra. Juíza do TEP …, não foi aplicada a norma constante do artigo 63.º n.º 4 do Código Penal (CP), na interpretação dada pelo AFJ n.º 7/2019, (publicado no DR de 29/11/2019 – I série), com o fundamento de que a aplicação dessa norma, na interpretação introduzida pela jurisprudência fixada, viola o disposto nos artigos 2.º, 9.º, al. d), 18.º, n.º 2, 26.º , n.º 1, e 30.º,  n.º 1 , todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).
ii. Tal decisão, no que aqui interessa, diz no seguinte: (…) Conclusivamente, dir-se-á que a orientação interpretativa dimanada do APFJ 7/2019 (havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de liberdade condicional) além de ignorar a norma constante do n.º 4 do artigo 64º do CPenal, interpreta o sobredito artigo 63º, 4 do CPenal em colisão com o princípio da proibição do excesso, maxime na sua dimensão de princípio da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2, da CRP) e o princípio (implícito) da socialidade, que impõe ao Estado um dever de ajuda ao condenado, proporcionando-lhe as condições necessárias para a reintegração na sociedade, decorrente da caracterização da República Portuguesa como um Estado de direito (art. 2º, 9º, al. d), 26º, 1 e 30º, 1, todos da CRP),

Tal desadequação à Constituição conduz, nos termos do artigo 204º da CRP, à sua inaplicabilidade, pelo que se passará a efectuar o cômputo das penas em cumprimento, tendo em atenção que o condenado se encontra privado da liberdade desde 18/03/2019.

Assim o meio das penas em cumprimento ocorrerá em 02/06/2022, os 2/3 em 28/06/2023, os 5/6 em 18/11/2024 (4 anos e 6 meses acrescidos da pena residual de 1 ano e 11 meses) verificando-se o fim das penas em 18/08/2025. (…).
iii. Esta decisão foi notificada, em 19.06.2020, ao Ministério Público junto do TEP …..
iv. Em 21.06.2020, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (TC), ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, al. a), e 72.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15.11, com o fundamento de a Sra. Juíza do TEP , na decisão proferida, ter recusado/desaplicado a norma constante do artigo 63.º, n.º 4, do CP, na interpretação dada pelo AFJ n.º 7/2019 do STJ, por entender que a aplicação dessa norma, na interpretação introduzida pela jurisprudência fixada, viola o disposto nos artigos 2.º, 9.º, al. d), 18.º, n.º 2, 26.º, n.º 1, e 30.º, n.º 1, todos da CRP.
v. Em 08.10.2020 foi proferida Decisão Sumária, no âmbito do proc. n.º 594/….….. secção, do TC, em que se decidiu não conhecer do objeto do recurso, por considerar que, havendo lugar a recurso obrigatório por parte do Ministério Público, para o Supremo Tribunal de Justiça, não se pode conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade. Em consequência ordenou a remessa dos autos imediatamente após trânsito em julgado da sua decisão, por ser o momento a partir do qual renascerá o prazo para a interposição de recurso previsto no art.º 242.º, n.º 1, alínea a), do CEPMPL, interrompido por efeito do art.º 75.º, n.º 1, da LTC.
vi. Tal Decisão Sumária transitou em julgado em 22.10.2020.
vii. Em 19.11.2020, o Ministério Público, junto do TEP, interpôs recurso obrigatório contra jurisprudência fixada no AFJ nº 7/2019, para o STJ, alegando, e transcreve-se: “Porque é total a nossa concordância com os pontos expendidos pela Mmª Juíza na decisão de que ora se recorre, abstemo-nos de tecer quaisquer considerações sobre a matéria, que sempre seriam descabidas.”.

III.

7. A questão a decidir nos presentes autos cinge-se em saber se o recurso contra jurisprudência fixada pode ser interposto antes de esgotados os recursos ordinários e antes de transitada em julgado a decisão.

8. Cumpre, desde já, realçar que a questão suscitada nos presentes autos, foi já objeto de decisão, unânime, nesta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 12.11.2020, proferidos nos processos n.ºs 1283/11.6TXPRT-O. S1 e 3150/10.1TCPRT-R. S1, em que foi relatora a Sra. Conselheira Helena Moniz, e de 10.12. 2020 proferido no processo n.º 586/12.7TXCBR-R. S1, em que foi relator, o Sr. Conselheiro António Gama.

Da jurisprudência aí tirada, decorre o exposto no sumário do 1.º dos acórdãos citados que se transcreve:

I. Nos termos do art. 446.º, do CPP, o recurso contra jurisprudência fixada apenas pode ser interposto após o trânsito em julgado da decisão; o acórdão do TC transitou em julgado a 09-07-2020, e os prazos para interposição de recurso ordinário foram interrompidos, nos termos do art. 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11; assim sendo, a partir do dia 09-07-2020, começaram a correr novamente os prazos para interposição de recurso ordinário da decisão do Tribunal de Execução de Penas; tendo em conta o disposto no art. 446.º, do CPP, o recurso foi extemporaneamente interposto, porque interposto (a 28-07-2020) antes de transitada em julgado a decisão recorrida.
II - O art. 242.º, n.º 4, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), determina que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após a “prolação da decisão”, mas deve considerar-se que este apenas se refere aos recursos interpostos nos termos do art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL; isto porque, por força do disposto no art. 244.º, do CEPMPL, as regras relativas, nomeadamente, à interposição desta espécie de recurso devem seguir o disposto no art. 446.º, do CPP, ou seja, apenas deverá ser interposto recurso contra jurisprudência fixada quando a decisão recorrida já tenha transitado em julgado e após o seu trânsito (no prazo de 30 dias).
III - No caso dos presentes autos ainda era admissível recurso ordinário, dado que os prazos para a sua interposição recomeçaram após o trânsito em julgado da decisão do TC (a 09-07-2020). E tendo recomeçado quando o recurso (aqui em análise) foi interposto, não tinha ainda a decisão transitado em julgado, devendo apenas recorrer-se a um recurso especial como o de contra jurisprudência fixada apenas somente estando esgotadas as possibilidades de recurso ordinário, isto é, as possibilidades de as instâncias poderem (ou não) alterar a decisão recorrida.

9. Acompanhamos de muito perto o decidido naqueles acórdãos.

10. O recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi interposto pelo recorrente Ministério Público, “ao abrigo do disposto nos artigos 446.º do CPP e 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL.”

11. Dispõe o n.º 1, do citado artigo 446.º, que é admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo.

Donde se conclui que, segundo o regime do processo penal, o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, só pode ser interposto depois de esgotados os recursos ordinários.

Exige-se, deste modo, que a decisão objeto do recurso extraordinário, tenha transitado em julgado e o recurso seja interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, exigências legais formais taxativas.

12. Por sua vez, dispõe o artigo 242.º, do CEPMPL:

1 - O Ministério Público recorre obrigatoriamente, sendo o recurso sempre admissível:

a) De quaisquer decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça;

b) De decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie;

2 - Para o efeito previsto no n.º 1, o sujeito contra o qual foi proferida a decisão recorrida pode requerer ao Ministério Público a interposição do recurso.

3 - Para o efeito previsto no n.º 1, os serviços prisionais e os serviços de reinserção social comunicam ao Ministério Público a oposição de decisões, logo que dela tomem conhecimento.

4 - O recurso é interposto nos 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, pelo Ministério Público junto do tribunal que a tenha proferido, ao qual são dirigidas as comunicações a que se refere o número anterior e o requerimento previsto no n.º 2.

5 - O recurso interposto de decisão ainda não transitada em julgado suspende, até ao respectivo julgamento:

a) O prazo para interposição de recurso para a Relação;

b) Os termos subsequentes de recurso já instaurado, no que concerne à questão jurídica controvertida.

6 - Na hipótese prevista no número anterior, o recurso só tem efeito suspensivo da decisão recorrida se esse for em concreto o efeito legalmente atribuído à interposição de recurso para a Relação.

A congruência das soluções normativas, aparentemente contraditórias, entre o regime consagrado no Código de Processo Penal, para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, que estabelece o prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida - artigo 446.º, n.º 1, do CPP - , para interpor o recurso extraordinário e a disciplina constante do artigo 242.º, n.º 4, do CEPMPL, que fixa como prazo de recurso, 30 dias subsequentes à prolação da decisão em causa, impõe uma interpretação que, como se disse, já foi objecto de cuidada fundamentação nos acórdãos supracitados acórdãos de 12.11.2020, nos processos n.ºs 1283/11.6TXPRT-O. S1 e 3150/10.1TCPRT-R. S1, e de 10.12. 2020 proferido no processo n.º 586/12.7TXCBR-R. S1.

13. Vejamos.

O Capítulo II, do CEPMPL, trata dos “recursos especiais para uniformização de jurisprudência”.

São os casos de oposição de acórdãos da Relação para recurso para fixação de jurisprudência -artigos 240.º e 243.º, do recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (artigo 242.º, n.º 1, al. a), de recurso de decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie (ou seja, por um dos TEP), artigo 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL) e, finalmente, o recurso no interesse da unidade do direito (artigo 245.º, do CEPMPL).

14. (…) A novidade, no elenco do CEPMPL, é o recurso de decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie (por um dos TEP), art. 242.º/1/b, CEPMPL). Visa esse novo instrumento uniformizar a jurisprudência dos tribunais de execução das penas, na sugestiva formulação do art. 24.º do Anteprojeto da Proposta de Lei-Quadro da Reforma do Sistema Prisional, de modo a assegurar, como se dizia no Preâmbulo do Anteprojeto, uma efetiva igualdade na apreciação judicial das mesmas questões de direito. (…) A questão da uniformização de jurisprudência no âmbito da execução de penas foi tratada na exposição de motivos do Anteprojeto da Proposta de lei-Quadro da Reforma do Sistema Prisional, de fevereiro de 2004, apresentado pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, nos seguintes termos: «cria-se, no domínio da execução das penas, a figura do recurso para uniformização de jurisprudência, de modo a assegurar uma efetiva igualdade na apreciação judicial das mesmas questões de direito». No articulado consta o artigo 24.º (Uniformização da Jurisprudência) com o seguinte teor: «A lei dos tribunais das penas determinará os termos em que a instância judicial que for competente para conhecer dos recursos referidos no artigo anterior é também competente, nos termos por ela estabelecidos, para uniformizar a jurisprudência dos tribunais de execução das penas, nos casos em que essa uniformização se justifique, e a pedido de qualquer recluso, do Ministério público, bem como dos serviços prisionais ou de reinserção social». - ac. proc. n.º 586/12.7TXCBR-R. S1, de 10.12. 2020.

15. O disposto no artigo 242.º, n.º 4, do CEPMPL, vale apenas, como se viu, no âmbito do recurso de decisão proferida pelo TEP, no caso de oposição com outra decisão proferida em processo especial de impugnação que, no domínio da mesma legislação e quanto a idêntica questão de direito, esteja em oposição com outra proferida por tribunal da mesma espécie (por um dos TEP), nos termos do artigo 242.º, n.º 1, al. b, do CEPMPL.

Dizendo por outras palavras, o n.º 4, do artigo 242.º, CEPMPL, apenas se aplica às decisões a que alude o artigo 242.º, n.º 1, al. b) - ac. proc. n.º 1283/11.6TXPRT-O. S1, de 12.11.2020.

Esta interpretação, mais bem desenvolvida nos acórdãos citados, é aquela a que corresponde o espírito do legislador do CPP e do CEPMPL: “O 242.º/4, tem em vista os antecedentes n.ºs 2 e 3, normas estas que, por sua vez, só ganham sentido quando referidas ao n. º1/b.  Este regime especial, tem em vista um tipo de procedimento específico, e só nesse contexto se percebe a intervenção da DGRSP (art. 242.º/3). Só assim é plena de sentido a remissão do art. 244.º, CEPMPL, «à interposição, tramitação e julgamento dos recursos anteriormente previstos e à publicação e eficácia da respetiva decisão aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 438.º a 446.º do Código de Processo Penal.». Se o legislador tivesse consagrado no CEPMPL, a disciplina do recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, não fazia sentido a antecedente remissão. A remissão é necessária e já faz sentido, se a norma do art. 242.º/4, CEPMPL, disciplinar apenas o novo recurso consagrado no CEPMPL, consoante já referido. “- ac. proc. n.º 586/12.7TXCBR-R. S1, de 10.12. 2020.

E, prossegue este acórdão: “A unidade do sistema processual e a congruência da resposta, a uma e mesma questão jurídica, reclama também esta solução.”.

Ver também os acórdãos de 12.11.2020, nos proc. n.ºs 1283/11.6TXPRT-O. S1 e 3150/10.1TCPRT-R. S1, onde se diz e cita-se: (…) E apesar, de o art. 242.º, n.º 4, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), determinar que o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após a “prolação da decisão”, deve considerar-se que este apenas se refere aos recursos interpostos nos termos do art. 242.º, n.º 1, al. b), do CEPMPL[1]. Isto porque, por força do disposto no art. 244.º, do CEPMPL, as regras relativas, nomeadamente, à interposição desta espécie de recurso devem seguir o disposto no art. 446.º, do CPP, ou seja, apenas deverá ser interposto recurso contra jurisprudência fixada quando a decisão recorrida já tenha transitado em julgado e após o seu trânsito (no prazo de 30 dias). Aliás, como é jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, um recurso contra jurisprudência fixada não pode ser interposto quando a decisão recorrida ainda possa ser modificada em sede de recurso ordinário. Na verdade, tendo havido interrupção dos prazos aquando da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, ainda poderia o Ministério Público ter interposto recurso ordinário dando assim possibilidade às instâncias de rever a decisão recorrida. Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 06.07.2011[2], a “justificação para o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada (...) só cobra verdadeira razão de ser quando já não é possível corrigir, através de recurso ordinário, a jurisprudência que se desviou da que se declarou, nos termos do Código, obrigatória.” E prossegue:

““(…) a redacção dada ao nº 1 do art. 446º, pela revisão de 2007, vem prescrever, diversamente, que “é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência põe ele fixada”, donde que não seja obrigatório o esgotamento prévio dos recursos ordinários.

Não significa isso, no entanto, que não possam, e a nosso ver devam, ser interpostos previamente aqueles recursos, designadamente pelo Ministério Público (…) Na verdade, quando o legislador da revisão de 2007 quis que o recurso directo fosse obrigatório, disse-o expressamente, como é o caso do nº 2 do artº 432º, o que não acontece com o artº 446º” (in “Recursos…” pág. 196).

O recurso poderá ser directo para o S T J, não tanto porque esteja na mão do recorrente optar entre o recurso ordinário da decisão, ou o recurso extraordinário para o S T J, mas porque se configuram situações em que a decisão já não é “recorrível pelos meios ordinários” (cf. P. P. Albuquerque loc. cit.).

“Tratando-se de um recurso extraordinário, em nosso entendimento não pode ser interposto se for admissível recurso ordinário” (cf. Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado” pág. 1048).  

Ou seja, segundo estes autores, a posição correcta será sempre a de esgotar os recursos ordinários. Mas no caso de tal não ter tido lugar e se ter deixado transitar em julgado a decisão de primeira instância, então subsistirá sempre, desde que tempestivo, o recurso extraordinário, directo para o S T J e obrigatório para o Mº Pº.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sufragado o ponto de vista apontado: “(…) o recurso deste teor cobra enquadramento ao nível dos recursos extraordinários, de adoptar, por definição, quando o jogo dos recursos normais já não funciona, ou seja, quando o lançar mão do expediente normal de impugnação enfrenta o trânsito do julgado” (cf. Ac. de 2/4/2008, Pº 408/08-3ª Secção. Em consonância, v. g. Ac.s de 16/1/2008, Pº 4270/07-3ª Secção, de 12/3/2009, Pº 478/09-3ª Secção, de 12/11/2009, Pº 1133/08.0PAVNF.S1, ainda da 3ª Secção, ou a nossa decisão sumária de 25/1/2011, Pº 224/09.5 ECLSB.L1.S1, da 5ª Secção, para além do atrás referido). “(…). Assim, ainda que o recurso tenha sido interposto extemporaneamente, porque deveriam ter sido esgotados os recursos ordinários, deverão os autos ser convertidos em recurso ordinário, ao abrigo do princípio do aproveitamento dos atos processuais. (…).

16. Dito isto, vejamos o caso dos autos.

O MP veio interpor recurso contra fixação de jurisprudência, ao abrigo do disposto nos artigos 242.º, n.º 1, al. a), do CEPMPL e 446.º, do CPP.

E, interpôs o presente recurso extraordinário depois de, como já se disse, ter transitado em julgado a decisão do TC.

Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15.01 (Lei do TC), “o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.”

E, a interrupção do prazo implica que, após o termo, seja recomeçada a contagem de um novo prazo desde o início.

Daí que, tendo sido o Ministério Público notificado da decisão do TEP em 19.06.2020, tendo interposto recurso para o TC em 21.06.2020, nesta data, interrompeu-se o prazo para interposição de recurso ordinário.

Apenas no dia 22.10.2020, já com o trânsito em julgado da decisão do TC, recomeçou a contagem do novo prazo para interposição de recurso ordinário. 

Pelo que, o prazo de 30 dias após a notificação da decisão do TEP, ocorreria em 20.11.2020.

O Ministério Público interpôs o recurso em 19.11.2010, data em que não se havia ainda esgotado o prazo para interposição do recurso ordinário.

Consequentemente, uma vez que o prazo para interposição de recurso é de 30 dias e se conta a partir da notificação da decisão- artigo 411.º, n.º 1, do CPP-, o presente recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada, interposto em 19.11.2020, é extemporâneo.

17. Em conclusão:

À data em que o foi interposto o presente recurso extraordinário contra jurisprudência fixada, a decisão recorrida ainda não tinha transitado em julgado, e a decisão recorrida, à data em que foi interposto o presente recurso, ainda não tinha transitado, uma vez que ainda era susceptível de recurso ordinário para o Tribunal da Relação (in casu de ……) .

Pelo que, o presente recurso extraordinário contra jurisprudência fixada é inadmissível, por extemporâneo, razão pela qual é rejeitado.

IV.

18. Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:
a)  não admitir o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, e
b) decidir convolar o recurso interposto em recurso ordinário para o Tribunal da Relação …., para onde os autos serão enviados oportunamente.
c) Sem custas.

11 de Fevereiro de 2021

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos signatários.

Margarida Blasco (Relatora)

Eduardo Loureiro (Adjunto)

 

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[1] Por outro lado, no caso de oposição entre decisões do Tribunal de Execução de Penas [art. 242.º, n.º 1, al. b)], o recurso é interposto para o Tribunal da Relação nos termos dos n.ºs 4 e 5, do mesmo dispositivo. E havendo oposição entre acórdãos de Tribunais da Relação o recurso é interposto, nos termos do art. 240.º, do CEPMPL, para o pleno das seções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (cf. art. 243.º, do CEPMPL) e segue os termos do CPP, por força do disposto no art. 244.º.
[2]Proc.n.º4044/09.9TAMTS.S1,Relator:ConsSoutodeMoura,in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4aa9050bce1787e28025790b004d3448?OpenDocument