Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
623/12.5YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
SENTENÇA
ACTO ADMINISTRATIVO
HOMOLOGAÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS
CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA INTERNACIONAL - PROCESSOS ESPECIAIS / REVISÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 65.º - A, 1094.º, N.º1, 1096.º, 1101.º
Legislação Estrangeira:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO (LEI N.º 5869, DE 11-01-1973): - ARTIGOS 1124.º-A, 1573.º,1574.º, 1580.
LEI 11.441, DE 4 DE JANEIRO DE 2007, DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL: - ARTIGOS 3.º, 4.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 22/05/2013, REVISTA N.º 687/12.1YRLSB.S1.
Sumário :
I - As escrituras públicas prevista no art. 1124.º-A do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n.º 5869, de 11-01-1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no art. 1580.º do Código Civil Brasileiro, através da qual passado um ano da separação se poderá converter o mesmo em divórcio», têm força igual à das sentenças que decretam a separação consensual ou a conversão da separação judicial dos cônjuges em divórcio, uma vez que foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para o efeito.

II - A decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do art. 1094.º, n.º 1, do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.

III - Na realidade, aquilo que releva para a ordem jurídica portuguesa é essencialmente o conteúdo do acto, isto é, o modo como se regulam os interesses privados.

IV - Assim estão verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão (nos termos estabelecidos nos arts. 1096.º e 1101.º do CPC) se (i) a dissolução do vínculo matrimonial tiver sido proferida pela entidade brasileira legalmente competente; (ii) não versar sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (art. 65.º-A do CPC); (iii) não lhe podendo ser opostas excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português; (iv) tiver sido proferida por acordo expresso dos então ainda cônjuges, e com observância dos princípios do contraditório e igualdade das partes; (v) e não for o seu reconhecimento susceptível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português (art. 1096.º do CPC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

AA, de nacionalidade portuguesa, residente na Rua........ - Apartamento ........ - São Paulo, no Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, propôs a presente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra BB, de nacionalidade brasileira, residente na Rua J..............., 000- Casa ...............- FF.......- no Estado de Santa Catarina, República Federativa do Brasil.

Alega em síntese, que a autora e réu casaram, em 10 de Abril de 1999, no Cartório do 37º Subdistrito do Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo - Brasil, e desse casamento não houve filhos.

Porque a autora e o réu não desejavam manter o seu casamento, celebraram em 17 de Março de 2009 escritura pública através da qual dissolveram a sociedade conjugal, passando ao estado civil de separados.

Decorrido que foi um ano após a celebração de tal escritura pública e sem que a autora e o réu se tenham reconciliado, acordaram em celebrar, em 28 de Maio de 2010, nova escritura pública em que declararam querer converter a separação consensual em divórcio consensual e dissolver o vínculo matrimonial, passando ao estado civil de divorciados.

Mais alega a autora que tal "decisão", proferida por entidade administrativa a que a lei brasileira atribui competência para o efeito, transitou em julgado, pelo que nada obsta a que seja confirmada, para que produza efeitos em Portugal.

Conclui, pedindo a confirmação da "decisão revidenda, proferida em 28 de Maio de 2010, constante da escritura lavrada a fls. 167/168 do Livro 3594 do .. Tabelião de Notas da Comarca de São Paulo - SP, República Federativa do Brasil, que decretou a dissolução por divórcio consensual do casamento entre autora e réu, que deverá passar a produzir todos os seus efeitos em Portugal".

Com a petição inicial foram juntos aos autos certidão de casamento entre a autora e o réu, onde constam averbadas as alterações decorrentes das escrituras públicas já mencionadas, bem como certidão das escrituras públicas de separação do casal (de 17 de Março de 2009) e de conversão da separação em divórcio (de 28 de Maio de 2010).

Foi posteriormente junta aos autos certidão, comprovando a transcrição, através do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, do casamento da autora no registo civil português.

Tendo sido citado, o réu não deduziu qualquer oposição.

Foi oficiosamente cumprido o disposto no artigo 1099º do Código de Processo Civil, na sequência do que o Digno Magistrado do Ministério Público e a autora se pronunciaram no sentido de que, no caso presente, nada obstava à procedência do pedido formulado.

O Exc. mo Desembargador Relator, entendendo que no caso inexistia uma "decisão", tal como enunciado no artigo 1094º do Código de Processo Civil, mas apenas uma declaração de vontade expressa pela forma a que a lei brasileira atribui relevância, e porque não estavam reunidos os pressupostos para a requerida revisão e confirmação, ordenou a notificação da autora e, posteriormente, a do Ministério Público, para sobre a questão se pronunciarem, nos termos e para os efeitos consignados no artigo 3º do Código de Processo Civil.

A autora, bem como o Ministério Público, pronunciaram-se no sentido de ser concedida a revisão.

O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 17 de Janeiro de 2013, o douto acórdão de fls. 59 a 63, não concedendo a revisão/confirmação requerida.

Inconformado, recorreu o Exc.mo Procurador - Geral Adjunto, finalizando as alegações, com as seguintes conclusões:

1ª - Foi decretado o divórcio consensual entre Autora e Réu e extinto o vínculo matrimonial que mantinham, passando ao estado civil de divorciados, por escritura pública de conversão de separação em divórcio, outorgada em 28 de Maio de 2010.

2ª - Esta decisão já transitou em julgado, e, foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para esse efeito.

3ª - O facto de a lei processual brasileira consagrar a possibilidade da dissolução do casamento por mútuo consentimento ser efectivada por via administrativa - por escritura pública - não afasta a aplicação dos artigos 1094º e seguintes do Código de Processo Civil, conforme decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2005, e, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.05.2010.

4ª - Conforme decidido nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 4.10.2011 e de 13.11.2012, respectivamente, processos n.os 529/11.5YRLSB e 539/12.5YRLSB, onde se diz textualmente, que "há situações em que com atribuição de eficácia à sentença estrangeira apenas se pretendem tornar efectivas no território nacional as situações definidas na sentença estrangeira em favor do próprio peticionante, sem que haja qualquer confronto com terceiro. Ora, nesses casos a acção de revisão não se estabelece numa relação processual antagónica, em termos de autor/réu, requerente/requerido, mas numa simples demanda ao Estado de atribuição de eficácia à sentença estrangeira; ao reconhecimento da situação por ela definida. Pelo que, a mesma não terá qualquer sujeito a ocupar o lado passivo da relação processual (abstraindo aqui do papel do MP enquanto defensor da legalidade dos princípios de ordem pública). O caso paradigmático dessa situação é o pedido de revisão de sentença estrangeira de divórcio formulado por ambos os cônjuges".

5ª - Situações jurídicas semelhantes não podem ter desfechos tão díspares.

6ª - Trata-se de decisão de autoridade administrativa, pelo que, em nosso entender, foi desrespeitado o estatuído no artigo 1094º do Código de Processo Civil.

Não houve contra – alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

2.

A Relação considerou que os factos a ponderar na presente decisão, para além dos indicados no relatório, são os seguintes:

1º - É do seguinte teor a escritura pública celebrada em 17 de Março de 2009 perante o .. Tabelião de Notas da cidade de São Paulo - Comarca de São Paulo - Brasil (ESCRITURA DE SEPARAÇÃO):

"Aos dezassete (17) dias do mês de Março do ano de dois mil e nove (2009) no .. Tabelião de Notas de São Paulo, situado na Praça da .......... nº .., perante mim, escrevente, compareceram partes entre si, justas e contratadas, a saber:

SEPARANDOS/OUTORGANTES

AA, portuguesa, com direitos de cidadania iguais aos brasileiros, nascida em Portugal no dia 2 de Janeiro de 1971, engenheira, (...) e BB, brasileiro, nascido nesta capital do Estado de São Paulo no dia 12 de Outubro de 1967, engenheiro, (...), domiciliados nesta capital, onde residem na Avenida........... nº ......- fundos - Vila Clementino, casados sob o regime de comunhão parcial de bens na vigência da Lei 6515/77.

ADVOGADO

Comparece a este ato o advogado constituído Dr. CC brasileiro, casado, (...). Os presentes, maiores e capazes, reconhecidos como os próprios de que trato, pelos documentos referidos e apresentados, do que dou fé. Pelos outorgantes foi dito, em idioma nacional que comparecem perante mim, escrevente, acompanhados do seu advogado para realizar a sua separação consensual.

DO CASAMENTO

Os outorgantes contraíram matrimónio no dia dez de abril de mil novecentos e noventa e nove (1999) conforme assento (...). Dessa união não tiveram filhos.

DOS REQUISITOS DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

Os outorgantes declaram de sua livre e espontânea vontade, sem induzimento, coação, dolo ou sugestão que estão casados há mais de um ano e não desejam mais manter a sociedade conjugal; a convivência matrimonial entre eles tornou-se incompatível e é impossível a sua recomposição; a separação preserva os interesses dos cônjuges e não prejudica os interesses de terceiros. Pelo advogado foi dito que ouviu os outorgantes, aconselhou, advertiu das consequências da separação e propôs a reconciliação; os outorgantes recusaram a proposta de reconciliação e declararam que estão convictos que a dissolução da sociedade conjugal é a melhor solução para ambos.

DA SEPARAÇÃO DO CASAL

Cumpridos os requisitos legais e nos termos do artigo 1574º do Código Civil e artigo 1124º - A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441/07, por meio desta escritura, os outorgantes se separam e assim dissolvem a sociedade conjugal que mantinham, passando ao estado civil de separados. Em decorrência dessa separação, ficam extintos os deveres de fidelidade recíproca e coabitação, bem como o regime de bens; permanecem ainda os deveres de mútua assistência, sustento, respeito e consideração mútua.

DOS NOMES, DA PENSÃO ALIMENTÍCIA E DOS BENS

A mulher volta a adotar o seu nome de solteira, qual seja AA. Os outorgantes dispensam mutuamente a prestação de pensão alimentícia, por possuírem recursos financeiros necessários à sua subsistência. Esclarecem que durante o casamento não adquiriram bens e por essa razão não há património para ser partilhado.

DECLARAÇÃO DOS OUTORGANTES E DO ADVOGADO

Os outorgantes afirmam, sob responsabilidade civil e criminal, que os fatos aqui relatados e declarações feitas são a exata expressão da verdade; declaram que estão cientes que devem encaminhar imediatamente esta escritura de separação ao registo civil competente para as devidas averbações e para isso requerem e autorizam o Oficial a efetuar as averbações necessárias para que conste o estado civil de separados no termos do casamento.

ENCERRAMENTO

Pediram que lavrasse esta escritura, que feita e lhes sendo lida em voz alta, aceitaram-ma por achá-la conforme, outorgaram e assinam".

2º - Por sua vez, é do seguinte teor a escritura pública celebrada em 28 de Maio de 2010 perante o .. Tabelião de Notas da cidade de São Paulo - Comarca de São Paulo - Brasil (ESCRITURA DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO):

"Aos vinte e oito (28) dias do mês de Maio do ano de dois mil e dez (2010) no ... Tabelião de Notas de São Paulo, situado na Praça da .......... nº .., perante mim, escrevente, compareceram partes entre si, justas e contratadas, a saber:

DIVORCIANDOS/OUTORGANTES

AA, portuguesa, com direitos de cidadania iguais aos brasileiros, nascida em Portugal no dia 2 de Janeiro de 1971, engenheira, (...) domiciliada nesta Capital, onde reside na Rua ..........., n° ..........., Apartamento 000 e BB, brasileiro, nascido nesta capital do Estado de São Paulo no dia 12 de Outubro de 1967, engenheiro, (...), domiciliado na Cidade de São Carlos, neste Estado, onde reside na Rua .........., s/n, ........... Lote, separados consensualmente.

ADVOGADO

Comparece a este ato o advogado constituído Dr. CC brasileiro, casado, (...). Os presentes, maiores e capazes, reconhecidos como os próprios de que trato, pelos documentos referidos e apresentados, do que dou fé. Pelos outorgantes foi dito, em idioma nacional que comparecerem perante mim, escrevente, acompanhados do seu advogado para realizar a conversão da sua separação extrajudicial em divórcio.

DA SEPARAÇÃO

Os outorgantes contraíram matrimónio no dia dez de abril de mil novecentos e noventa e nove e se separaram extrajudicialmente, por meio de escritura pública de separação, lavrada em 17 de março de 2009 (...). Dessa união não tiveram filhos.

DOS REQUISITOS PARA A CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO

Os outorgantes declaram de sua livre e espontânea vontade, sem induzimento, coação, dolo ou sugestão que desejam converter a separação em divórcio e dissolver o vínculo matrimonial; que se separaram extrajudicialmente, há mais de um ano; que neste período não se reconciliaram e que o divórcio preserva os interesses dos outorgantes e não prejudica os interesses de terceiros. Pelo advogado foi dito que ouviu os outorgantes, aconselhou, advertiu das consequências do divórcio e propôs a reconciliação; os outorgantes recusaram a proposta de reconciliação e declararam que estão convictos que a extinção do vínculo matrimonial é a melhor solução para ambos.

DO DIVÓRCIO DO CASAL

Cumpridos os requisitos legais e nos termos do artigo 1580º do Código Civil e artigo 1124º - A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441/07, por meio desta escritura os outorgantes se divorciam e assim extinguem o vínculo matrimonial que mantinham, passando ao estado civil de divorciados. Em decorrência desse divórcio ficam extintos os deveres de fidelidade recíproca e coabitação e o regime patrimonial de bens.

DOS NOMES/DA PENSÃO ALIMENTÍCIA/DOS BENS

A mulher continua a adotar o seu nome de solteira, qual seja AA. Os outorgantes dispensam mutuamente a prestação de pensão alimentícia, por possuírem recursos financeiros necessários à sua subsistência e esclarecem que não adquiriram património durante o casamento, por essa razão não há o que ser partilhado.

DECLARAÇÃO DOS OUTORGANTES E DO ADVOGADO

Os outorgantes afirmam, sob responsabilidade civil e criminal, que os fatos aqui relatados e declarações feitas são a exata expressão da verdade; declaram que estão cientes que devem encaminhar imediatamente esta escritura de separação ao registo civil competente para as devidas averbações e para isso requerem e autorizam o Oficial a efetuar as averbações necessárias para que conste o estado civil de divorciados no termos do casamento.

ENCERRAMENTO

Nesta data é feita a anotação da conversão ora formalizada à margem da escritura de separação. E me pediram que lavrasse a presente escritura, que feita e lhes sendo lida em voz alta, aceitaram-na por achá-la conforme, outorgaram e assinam".

3º - Na certidão de casamento da autora/requerente e do réu/requerido, o qual foi celebrado em 10 de Abril de 1999, constam averbadas as alterações decorrentes das duas escrituras supra mencionadas.

4º - Em 3 de Setembro de 2002, foi lavrado no Consulado Geral de Portugal em São Paulo o Assento de casamento celebrado entre a autora/requerente e o réu/requerido.

5º - O casamento viria a ser registado por anotação na Conservatória de Registo Civil da Covilhã, em 13 de Novembro de 2002, conforme documento junto aos autos afls25e26.

3.

Perante a situação de facto atrás descrita importa agora decidir se estão reunidos os pressupostos para o deferimento da pretensão formulada, qual seja a de ser confirmada pelos tribunais portugueses, para que possa produzir efeitos em Portugal, a "decisão revidenda" e que, nos termos constantes dos documentos juntos aos autos com o requerimento inicial, foi proferida em 28 de Maio de 2010 e consta da escritura de conversão da separação em divórcio, segundo a qual, “cumpridos os requisitos legais e nos termos do artigo 1580º do Código Civil e artigo 1124º - A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441/07, por meio desta escritura os outorgantes se divorciam e assim extinguem o vínculo matrimonial que mantinham, passando ao estado civil de divorciados. Em decorrência desse divórcio ficam extintos os deveres de fidelidade recíproca e coabitação e o regime patrimonial de bens”.

Ou seja, a questão a decidir é a de saber se o acto que consubstancia o divórcio das partes e que, no caso, tem natureza administrativa, pode ser equiparado a uma sentença para efeitos da sua revisão e confirmação.

4.

Requerente e requerido contraíram casamento civil, segundo o regime de comunhão parcial de bens, em 10 de Abril de 1999, no Cartório do 37º Subdistrito do Oficial de Registo Civil das Pessoas Naturais da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, não tendo nascido quaisquer filhos deste matrimónio.

Nos termos do artigo 1574º do Código Civil brasileiro, “dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção”, acrescentando o & único que “o juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou dos cônjuges”.

De acordo com os artigos 3º e 4º da Lei 11.441, de 4 de Janeiro de 2007, da República Federativa do Brasil, foi acrescentado o artigo 1124º-A ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 5.869, de 11 de Janeiro de 1973, que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, com a seguinte redacção:

A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e á pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adoptado quando se deu o casamento”, acrescentando o seu & 1º que “a escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registo civil e para o registo de imóveis”.

Atendendo ao facto de se encontrarem casados há mais de um ano, não existirem filhos menores ou incapazes do casal e não mais desejarem manter a sociedade conjugal, ou seja, verificados os requisitos previstos no artigo 1573º do Código Civil e no artigo 1124º-A do Código de Processo Civil, foi realizada por escritura pública a separação consensual da autora e réu, perante o Tabelião da Comarca de São Paulo, em 17 de Março de 2009.

Dispõe o artigo 1580º do Código Civil brasileiro que, “decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer a sua conversão em divórcio”, acrescentando o seu & 1º que “a conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará a causa que a determinou”.

No caso sub judice, decorrido um ano após a realização da escritura que decretou a separação consensual entre Requerente e Requerido, sem que, nesse período, se tenham reconciliado, acordaram as partes “converter a separação em divórcio e dissolver o vínculo matrimonial”.

Para este efeito declararam que “a mulher continua a adotar o seu nome de solteira, qual seja, AA”, “os outorgantes dispensam mutuamente a prestação de pensão alimentícia, por possuírem recursos financeiros necessários à sua subsistência” e “não adquiriram património durante o casamento”.

Da conjugação destes citados preceitos, resulta que a escritura pública mencionada tem força igual à das sentenças que decretam seja a separação consensual seja a conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges.

Por essa razão, cumpridos os requisitos legais e nos termos do artigo 1580º do Código Civil e artigo 1124º - A do Código de Processo Civil, acrescido pela Lei 11.441/07, foi decretado o divórcio consensual entre autora e réu e extinto o vínculo matrimonial que mantinham, passando ao estado civil de divorciados, por escritura pública de conversão de separação consensual em divórcio, outorgada em 28 de Maio de 2010.

Esta decisão foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para o efeito.

Para estas situações em que a autoridade administrativa estrangeira decreta o divórcio, desde há muito que se sedimentou a interpretação jurisprudencial no sentido de que a decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 1094º, n.º 1 do Código de Processo Civil, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.

A questão é que a Relação não reconheceu que a escritura pública dos autos, embora seja um acto administrativo, tenha o carácter de decisão.

Segundo o douto acórdão recorrido, a intervenção da autoridade pública não tem qualquer força constitutiva em relação à dissolução do casamento, sendo bastante a declaração dos cônjuges pela forma legalmente adequada para a produção desse efeito.

Tal como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2013[1], abordando um caso idêntico ao dos autos, “a interpretação do acórdão sob recurso do que seja uma decisão da autoridade administrativa estrangeira peca por demasiado restritiva”.

“O que interessa para a ordem jurídica portuguesa é mais o conteúdo do acto administrativo, ou seja, o modo como regula os ditos interesses privados”.

“Do ponto de vista formal apenas releva que o acto administrativo provenha efectivamente duma autoridade administrativa”.

“Se não ofende a ordem pública portuguesa, quanto à maneira como regulou esses interesses privados e provém duma autoridade administrativa, estão preenchidos os requisitos para a confirmação do seu conteúdo”.

“Não releva, portanto, o modo ou a via como se chegou à produção desse acto, ou seja, se através duma emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório, ou se de maneira mais «contratual» apenas através das declarações dos outorgantes. Por outras palavras, basta que se trate de um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido (cfr. artigo 1º da Convenção de Haia Sobre o Reconhecimento dos Divórcios e Separação de Pessoas, de 1/06/1970)”.

Acresce que se, assim não fosse, “estava-se a denegar a força do dito acto, como idóneo para produzir os seus efeitos, como se de sentença fosse. Ou seja, estava-se a denegar a competência da entidade que o produziu, quando é certo que a competência para o acto, como é de jurisprudência, é definida pela lei nacional dessa entidade”, além de que, continua o citado acórdão, “esta natureza meramente contratual da escritura não resulta dos seus termos”.

“Os outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal. Pedem-na e o Tabelião – notário – não se limita a testar as suas declarações, declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”.

“Estamos, pois, perante uma decisão homologatória, logo constitutiva do divórcio”.

A referida escritura pode, por isso, servir de base á presente revisão.

Em face dos elementos constantes dos autos não se suscita a este STJ qualquer dúvida sobre a autenticidade do instrumento notarial revidendo, nem sobre a inteligência do seu conteúdo.

A dissolução por divórcio do vínculo matrimonial foi proferida pela entidade brasileira legalmente competente para esse efeito e tal competência não foi provocada em fraude à lei.

Acresce que a decisão revidenda não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses (vide artigo 65º-A CPC).

Não lhe podem ser opostas as excepções de litispendência ou caso julgado, com fundamento em causa afecta a tribunal português.

A decisão revidenda foi proferida por expresso acordo de ambos os então ainda cônjuges, com regular intervenção do réu, outorgante da escritura, e observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

E o seu reconhecimento não é susceptível de conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português (vide artigo 1096º CPC).

Estão, assim, verificados os requisitos necessários para a confirmação da decisão, conforme o estabelecido nos artigos 1096º e 1101º do Código de Processo Civil.

Concluindo:

O facto da lei processual brasileira consagrar a possibilidade da dissolução do casamento por mútuo consentimento ser efectivada por via administrativa – por escritura pública – não afasta a aplicação dos artigos 1094º e seguintes do Código de Processo Civil.

DECISÃO:

Pelo exposto, acordam em conceder a revista e, em consequência, revogam o acórdão recorrido e, julgando procedente a acção, confirmam, para valer em Portugal, a decisão constante de fls. 11 a 13 dos autos, quanto ao divórcio do autor e da ré.

Custas: sem custas a revista, sendo as demais pela requerente.

Oportunamente comunique-se ao Registo Civil

Lisboa, 25 de Junho de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Pires da Rosa

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[1] REVISTA 687/12.1YRLSB.S1. Conselheiro Bettencourt de Faria