Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
861/13.3TTVIS.C1.S2
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
QUESTÃO NOVA
CADUCIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / RESOLUÇÃO DO CONTRATO PELO TRABALHADOR
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / CADUCIDADE / EXERCÍCO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos Em Processo Civil – Novo Regime, Almedina, 2.ª Edição, 25 e ss.; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, Almedina, 94 e ss..
- José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. III, Tomo 1, 2.ª Ed., Coimbra Editora, 8.
- José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 96 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Processo Civil, 2.ª Edição, 395 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 298.º, N.º 2, 303.º, 333.º, N.º 2, 342.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 573.º, N.º 1, 1.ª PARTE, 627.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 394.º, N.º 2, ALÍNEA A), E N.º 3, ALÍNEA C), 395.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 08/11/2006, PROCESSO N.º 06S2571, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14/06/2011, PROCESSO N.º 296/07. 7TTFIG.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I – Nos termos dos artigos 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Código Civil, a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não pode ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno.

II – Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.

III – Tendo o Autor resolvido o respectivo contrato de trabalho em 25 de Janeiro de 2013, com fundamento no não pagamento integral da respectiva retribuição e subsídios a partir de 2002, poderia a Ré ter invocado, logo em sede de contestação, a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo decurso do prazo previsto no n.º 1, do art.º 395.º, do Código do Trabalho.

IV – A Relação não violou o direito de defesa e de acesso aos Tribunais consagrado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa ao não tomar conhecimento da excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, invocada somente na apelação, por incumprimento dos ónus legais relativos aos princípios da concentração da defesa e da preclusão estabelecidos na primeira parte do art.º 573.º, n.º 1, do CPC.
Decisão Texto Integral:




ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA

Instaurou a presente acção declarativa, sob a forma do processo comum, contra:

BB, S.A.

Pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 95.019,83, dos quais € 22.909,00 a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho por falta de pagamento de retribuições e o remanescente a título de créditos laborais diversos que discrimina.
  
Alegou, para o efeito e em síntese, que:
Foi admitido pela Ré, em 1982, para exercer funções inerentes à categoria profissional de trabalhador avícola, mediante o recebimento de uma retribuição base de € 955,00.
Porém, em 25 de Janeiro de 2013, viu-se obrigado a rescindir o seu contrato de trabalho por salários em atraso desde 2002.

2. A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional.

a) Contestou argumentando, em síntese, que o Autor negociou a sua saída da empresa para ir trabalhar para uma entidade concorrente e que lhe pagou parte dos quantitativos reclamados, sendo diferente o valor da remuneração por ele auferida daquela que o Autor alegou na p.i. Por isso inexiste justa causa para pôr fim ao contrato que o unia à R.;
b) Reconvindo pediu a condenação do Autor no pagamento de uma indemnização no valor de € 4.500,00 e, ainda, como litigante de má-fé.

3. Em resposta, o Autor manteve o alegado na petição e pediu a condenação da Ré, por má fé, em indemnização no valor de € 5.000,00.
4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré no pagamento, ao Autor, das seguintes quantias:

a) € 2.539,00, correspondente a retribuições não pagas;

b) € 11.454,50, correspondente ao valor da indemnização por resolução do contrato;
c) € 1.617,83, correspondente ao pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal, e respectivos proporcionais vencidos no ano de 2013, aquando da extinção do contrato;
d) A quantia que vier a liquidar-se, não superior a € 54.169,07, correspondente a retribuições para cujo pagamento a Ré entregou ao Autor cheques que este não descontou;
e) E juros, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.

                  

f) Absolveu a Ré de tudo o mais contra ela pedido pelo Autor.

g) Absolveu o Autor do pedido reconvencional.
h) E condenou ambas as partes em: custas pelo Autor e Ré, na razão dos respectivos decaimentos, e sendo provisoriamente em partes iguais.
    
5. Inconformada, a Ré apelou, tendo o Tribunal da Relação de … produzido Acórdão que rejeitou o conhecimento da impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente por considerar que não foram observados os ónus neste âmbito, consagrados no art. 640.º, nºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil.

6. Irresignada, a Ré interpôs recurso de revista, tendo esta Secção do Supremo Tribunal, por Acórdão exarado em 03/Março/2016, determinado ”a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de … a fim de conhecer do recurso de apelação na parte relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto, oportunamente impugnada, com recurso à prova testemunhal e documental produzida e posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso”.

7. Baixados os autos, o Tribunal da Relação de ... proferiu novo Acórdão, em 05/Maio/2016, no qual concluiu pela improcedência do recurso interposto, confirmando integralmente a sentença recorrida.

7.1. Nesse Acórdão, a Relação de ... definiu o âmbito do recurso, em face das suas conclusões, elencando as seguintes questões a apreciar:
1ª. A impugnação da matéria de facto;
2ª. A prova do pagamento das retribuições reclamadas pelo Autor;
3ª. A caducidade do direito do Autor de resolver, com justa causa, o contrato de trabalho;
4ª. A litigância de má fé;
 5ª. Saber se deve proceder a reconvenção.
7.2. Depois de ter apreciado a prova testemunhal e documental produzida nos autos e julgado improcedente a impugnação da matéria de facto – 1ª questão – a Relação concluiu, quanto à 2ª questão, que “caberia à Ré ter provado quais, se é que isso se verificou, os meses em que procedeu ao pagamento em dinheiro ou em que o Autor procedeu a essa retenção, não devolvendo, contudo, os correspondentes cheques que havia recebido, mais concretamente aqueles que foram juntos aos autos. Não o tendo feito, esse non liquet probatório terá de funcionar contra ela, por sobre ela impender o respectivo ónus”.
E, por essa razão, julgou improcedente a apelação nesta parte.

7.3. Quanto à 3ª questão – a caducidade do direito do Autor de resolver, com justa causa, o contrato de trabalho – a Relação considerou que se estava perante “uma questão nova” porque o Apelante não a tinha suscitado perante o Tribunal de 1ª instância e, nessa medida, decidiu não se pronunciar sobre tal matéria.

7.4. Relativamente à litigância de má-fé – 4ª questão - também não conheceu da arguida nulidade por não ter sido invocada nos termos estabelecidos pelo art. 77º, nº 1, do CPT.
E improcedendo a apelação, considerou que prejudicado ficou o conhecimento da quinta questão objecto do recurso, relativa à procedência da reconvenção.

7.5. Concluiu, por fim, nos seguintes termos:
“Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pela apelante”.

8. Em face deste Acórdão novamente a Ré recorreu de revista tendo apresentado as seguintes conclusões:

1ª - Não se verifica, in casu, o impedimento previsto no artigo 671°, n° 3, do Novo Código de Processo Civil.
2a – O Acórdão agora em crise recusou conhecer da excepção de caducidade invocada pela Ré/Recorrente nas suas alegações de Apelação, por entender que a mesma era extemporânea, na medida em que não havia sido alegada na contestação e, por isso, sendo questão nova, estava-lhe vedada a apreciação da mesma.
3a – O douto Tribunal recorrido incorreu em erro crasso, partindo do falso pressuposto de que a Ré, ora Recorrente, podia invocar a referida excepção na sua contestação.
4a – Quando, na verdade, não o podia fazer, pois que os factos constitutivos da mesma apenas vieram a ser apurados na sentença de primeira instância.
5a – Motivo pelo qual apenas o poderia fazer nas alegações de recurso de apelação, junto do Tribunal da Relação de ..., como efectivamente fez.
6a – Tendo o Tribunal recorrido recusado o conhecimento de tal excepção (insiste-se: em tempo invocada), violou o direito de defesa e de acesso aos Tribunais, que assiste à Ré, com consagração no artigo 20° da Constituição.
7a – Será também inconstitucional (por violação da mesma norma) a interpretação do artigo 671°, n° 3, do Novo Código de Processo Civil, no sentido de que, em situação como a dos Autos, esteja vedado ao Recorrente impugnar Acórdão do Tribunal da Relação que não conhece de excepção invocada em tempo perante aquele, com fundamento na (inexistente) extemporaneidade de tal invocação.
8a – Está em causa questão de relevância jurídica, necessária para uma melhor aplicação do direito, à luz da alínea a), do n° 1, do artigo 672°, do Código de Processo Civil, quando a questão a submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça seja controversa ou debatida na doutrina, e cuja resolução se impõe, ou questão que, pelo seu ineditismo, deva ser apreciada para sedimentação futura.
9a – Importa também que se trate de questão relevante por condicionar uma melhor aplicação do direito, sendo esta assim entendida quando pretende o Recorrente esclarecer o sentido de um preceito legal ou para inteligir as suas conexões com outros lugares do sistema e, no plano prático e previsível que essa mesma questão venha a ressurgir em contextos futuros.
10a – No presente recurso, pretende a ora Recorrente submeter à apreciação deste douto Tribunal a questão de qual o momento próprio de invocar uma excepção peremptória (no caso a caducidade) quando os factos constitutivos da mesma apenas são apurados/conhecidos na sentença de primeira Instância.
11a – Estando em causa violação de norma e direito fundamental constitucionalmente consagrados, é manifesto que a questão em apreciação é de extrema relevância jurídica, e impõe-se a sua resolução para um evidente e necessária melhor aplicação do Direito.
12a – Tendo a sentença de primeira instância considerado que a mais recente das retribuições em falta ao Autor se reportava a Novembro de 2010, não poderia aquela ter concluído, como o fez, pela validade da resolução do contrato de trabalho pelo Autor/Recorrido, em Janeiro de 2013, por há muito estar esgotado o prazo de caducidade a que alude o n° 1 do artigo 395° do Código do Trabalho.
13a – Ao contrário do expendido no douto aresto em crise, não podia a Ré invocar na Contestação a caducidade, se na Petição Inicial o Autor invocava que não recebera as retribuições de 2002 a 2012, inclusive, e apenas surgindo na sentença o facto de a ultima das retribuições não recebidas remontar a 2010 (e a carta de resolução do contrato data de 25.01.2013) só então podia a Ré/recorrente invocar tal questão (ou ser conhecida pelo Tribunal).
14a – De acordo com o disposto no n° 1 do artigo 395° do Código do Trabalho, o trabalhador, quando considere que ocorre justa causa para proceder à resolução do contrato de trabalho, deve comunicar ao empregador os factos que integram essa justificação nos trinta dias subsequentes ao seu conhecimento.
15a – A excepção de caducidade foi alegada pela Ré/recorrente em tempo, e por isso, devia o douto Tribunal recorrido dela ter conhecido, concluindo pela insubsistência da justa causa para resolução do contrato, invocada pelo Autor.
16a – O Autor é responsável pelo pagamento à Recorrente de montante igual à retribuição correspondente ao período de pré-aviso em falta, a calcular nos termos do artigo 401° do Código do Trabalho aplicável ex vi do artigo 399°.
17a – O Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 394°, 395°, 396°, 399° e 401° do Código do Trabalho, 20° da Constituição da República Portuguesa e 655° do Código de Processo Civil.
18a – Deve, pois, ser revogado e substituído por outro que julgando a acção improcedente, absolva a Ré do pedido e condene o Autor no pedido reconvencional.

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer pronunciando-se no sentido de ser negada a revista, porquanto a Ré não invocou, como lhe competia, na contestação, a questão da caducidade do direito do trabalhador em resolver o contrato.

11. Notificado às partes o mencionado Parecer, nada foi aduzido.

12. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do Código de Processo Civil.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se:

1. Deve ser conhecida a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do Autor, invocada pela Ré/Recorrente nas suas conclusões de Apelação;
2. Existiu violação dos direitos constitucionais de defesa e de acesso aos Tribunais.

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

A) DE FACTO

- As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré, para exercer funções na empresa da mesma, por contrato de trabalho sem termo, em 1982.
2. Sendo que nessa época a empresa era “CC”.
3. Em 2002, o Autor passou para a BB, S.A., tendo-lhe sido reconhecidos todos os seus direitos e créditos laborais.
4. Com a categoria profissional de trabalhador avícola e mediante a retribuição mensal ilíquida que, actualmente, se cifrava em € 739,00 de vencimento base, € 100,00 por trabalho aos sábados e domingos e € 140,00 de subsídio de refeição.
5. Para, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, exercer as suas funções correspondentes a essa categoria profissional, nomeadamente o transporte e venda de aves.
6. Em 25 de Janeiro de 2013, o Autor enviou à Ré a missiva cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido nos seus precisos termos – é o que consta da folha 7, rescindindo o seu contrato de trabalho, invocando também, como motivo, salários em atraso.
7. Com base na relação de amizade entre o Autor e o anterior representante legal da Ré, Sr. CC, este, por vezes, solicitou-lhe que não procedesse ao desconto do cheque da retribuição mensal, em virtude dos problemas financeiros que a empresa atravessava, ao que o Autor acedeu.
8. Fazia parte das funções do Autor receber encomendas dos clientes, comunicá-las à Ré, entregar os produtos aos Clientes e, bem assim, receber destes o preço dos produtos que entregava.
9. O produto das vendas teria de ser entregue pelo Autor à Ré, sendo prestadas as respectivas contas.
10. A Ré entregou ao Autor os cheques para pagamento das retribuições correspondentes aos meses de Junho e Novembro de 2002, Março a Dezembro e subsídios de férias e de Natal de 2003, Janeiro, Março e Maio a Dezembro e subsídios de férias e de Natal de 2004, Janeiro a Março, Maio a Dezembro e subsídios de férias e de Natal de 2005, Março a Maio, Agosto, Novembro e Dezembro e subsídios de férias e de Natal de 2006, Janeiro a Dezembro e subsídios de férias e de Natal de 2007 e 2008, Maio, Setembro, Outubro, Dezembro e subsídios de férias e de Natal de 2009, Maio, Junho, Agosto a Novembro de 2010, Março e Dezembro de 2011, todo o ano de 2012 e Janeiro de 2013 - (redacção deste ponto de facto dada pelo Tribunal da Relação).
11. O subsídio de Natal de 2005, foi processado em Outubro, com o cheque da retribuição desse mês.
12. O Subsídio de férias de 2006, foi processado juntamente com o vencimento de Agosto e o subsídio de Natal com o de Outubro.
13. Os subsídios de férias dos anos de 2007 e de 2008 foram processados com os meses de Agosto de cada um desses anos.
14. Os subsídios de férias e de Natal do ano de 2010 foram processados com os meses de Julho e de Novembro desse mesmo ano.
15. Por vezes, entre Autor e Ré, era acordado que, caso o Autor não tivesse ainda apresentado o cheque do seu vencimento a pagamento, e havendo de entregar dinheiro dos clientes à Ré, o Autor não descontava o cheque e retinha o dinheiro dos clientes para pagar o seu vencimento.
16. Em 2002, o vencimento mensal do Autor era de 600,00 €.
17. Não foram descontados os cheques dos meses de Junho e Novembro de 2002.
18. Em 2003, o vencimento mensal do Autor era de 600,00 €.
19. Não foram descontados os cheques de Março a Dezembro de 2003.
20. Em 2004, o vencimento do Autor era de 700,00 €.
21. Não foram descontados os cheques correspondentes ao ano de 2004.
22. Em 2005, o vencimento do Autor era de 710,00 €.
23. Não foram descontados os cheques de Janeiro, Fevereiro, dois de Março, Maio a Setembro e Dezembro de 2005.
24. Em 2006, o vencimento do Autor era de 720,00 €.
25. Não foram descontados os cheques correspondentes aos meses de Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2006.
26. Em 2007, o vencimento do Autor era de 720,00 €.
27. Não foram descontados os cheques correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Junho, Julho, Setembro, Novembro e Dezembro de 2007.
28. Em 2008, o vencimento do Autor era de 720,00 €.
29. Não foram descontados os cheques correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Junho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2008.
30. Em 2009, o vencimento do Autor era de 739,00 €.
31. Não foram descontados os cheques correspondentes aos meses de Setembro e de Dezembro de 2009.
32. Em 2010, o vencimento do Autor era de 739,00 €.
33. Não foram descontados os cheques correspondentes aos meses de Maio, Junho, Agosto, Setembro e Outubro de 2010.
34. Em 2011, o vencimento do Autor era de 739,00 €.
35. Não foi descontado o cheque correspondente ao mês de Março de 2011.


B) DE DIREITO

1. A propositura da presente acção assenta, de acordo com o articulado inicial, no facto de o Autor ter resolvido, em 25 de Janeiro de 2013, o respectivo contrato de trabalho que celebrara com a Ré, com fundamento na falta do pagamento integral da respectiva retribuição e subsídios, que lhe eram devidos a partir de 2002 e até à referida data de 2013.
Alegou o Autor, na sua petição inicial, que procedeu à resolução do seu contrato de trabalho com justa causa consubstanciada na falta culposa, por parte da Ré, do pagamento pontual da retribuição, nos termos que enuncia.

Na sua contestação a Ré limitou-se a impugnar os factos, argumentando, em síntese, que o Autor apenas pretendeu com a resolução do contrato ir trabalhar para a concorrência e, em reconvenção, pediu a condenação do Autor como litigante de má-fé.
Nesse articulado a Ré não deduziu qualquer defesa a título de excepção – explícita ou implicitamente.
Mais tarde, em sede de apelação, veio a Ré, entre outras questões jurídicas, suscitar nas suas alegações de recurso a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho da iniciativa do Autor.

Decididas as questões anteriores – v.g., a relativa ao conhecimento da matéria de facto cuja decisão fora impugnada – a Relação julgou improcedente a apelação por entender que a Ré não podia escudar-se numa caducidade que anteriormente não fora alegada.

Por conseguinte, a questão essencial que importa dirimir, atento o objeto do recurso, incide sobre a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho do Autor, invocada pela Ré/Recorrente somente nas suas alegações de apelação e que o Tribunal da Relação recusou conhecer por considerar extemporânea a sua arguição na medida em que não havia sido alegada na contestação e, por isso, considerou-a como uma questão nova.

Neste ponto, o Acórdão recorrido fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

«Sustenta a Ré que o direito do Autor de resolver o contrato com justa causa caducou, uma vez que decorreram mais de 30 dias entre o envio da carta comunicando a resolução e o não pagamento da última retribuição reclamada.
Mais argumenta que tal caducidade é de conhecimento oficioso.
Vejamos.
Conforme refere Vaz Serra, BMJ 107, 255, deve-se distinguir-se conforme a caducidade for estabelecida pela lei em domínio subtraído à disponibilidade das partes, ou for noutro domínio. Se se trata de domínio não subtraído à disponibilidade das partes, podem estas renunciar à caducidade, quer antes, quer depois de produzida.
Foi sufragando esta doutrina que o art. 333º do CC estabeleceu:
“1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo Tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes .
2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no art. 303º”.

É sabido que é de interesse e ordem pública a maior parte das normas que integram o direito do trabalho. A especificidade das relações laborais, em que verifica a desigualdade da posição das partes- trabalhador e entidade empregadora, determina uma maior protecção à parte mais desfavorecida - o trabalhador - através, por exemplo, da simplicidade de fórmulas dos actos jurídicos e da celeridade processual, com vista à rapidez das decisões judiciais.
Daí a premência da criação e manutenção de normas de carácter imperativo, cujo principal desiderato reside, precisamente, na protecção dessa parte mais fraca.
Sem se negar a natureza de direito económico e social do direito do trabalho, o que é certo é que o trabalhador e a entidade empregadora são livres para celebrar contratos por força dos quais aquele, mediante retribuição, coloque a sua força de trabalho ao serviço da última; assim como o são para, em qualquer momento, por mútuo acordo, alterarem, suspenderem ou até porem termo a essa situação.
Abordada assim a questão, facilmente se assume que não estamos perante uma caducidade de conhecimento oficioso, por os interesses em jogo não contenderem com a protecção do trabalhador ou defesa de valores a que ordem jurídica atribua especial significado.
A caducidade que está em causa é a que resulta da estatuição legal do art. 395º, nº 1, do CT, nos termos do qual “o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.
Nos termos do citado nº 2 do art. 333º do CC, se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303º, nos termos do qual: “o Tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.”.

No sentido de que a caducidade do direito do trabalhador resolver com justa causa para o efeito o contrato de trabalho está consagrada em matéria não excluída da disponibilidade das partes se pronunciaram os Acórdãos da Relação do Porto, de 17/11/2014, proc. 739/12.8TTMTS-A.P1, e de 4/5/2009, proc. 680/07.6TTVFR, bem como o Acórdão deste Tribunal da Relação, de 14/12/2006, proc. 125/06.9TTAVR.C1, de que foi relator o aqui primeiro adjunto.

Lida a contestação da Ré, verifica-se claramente que nela não foi suscitada a questão da caducidade do direito do Autor proceder à resolução do contrato de trabalho.
Consequentemente, não tendo a mesma sido invocada pela Ré no momento e lugar próprios - a contestação, estamos perante uma questão nova, não submetida à apreciação na 1ª instância.
E, em sede de recurso, não é possível invocarem-se questões novas não suscitadas anteriormente nos autos, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
A apelante não suscitou tal aspecto perante o Tribunal “a quo”, fazendo-o apenas perante esta 2ª instância, pelo que estamos diante de uma  questão nova, que este Tribunal da Relação nem sequer pode apreciar, já que o seu conhecimento, enquanto instância de recurso, se circunscreve à apreciação de questões que já tenham sido colocadas na 1ª instância.
Como refere Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 3ª edição, pág. 212, "visando os recursos (…)... modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova, não podem tratar-se neles de questões que não tenham sido suscitadas perante o Tribunal recorrido".
Aliás, "a jurisprudência tem repetidamente afirmado em numerosíssimos arestos que os recursos visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova" – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, Lex, pág. 395.
Do que decorre que este Tribunal de recurso se não pronuncia sobre tal questão.»

Contrapondo o que antecede, veio a Recorrente sustentar em sede revista, nas suas conclusões 3.ª a 6.ª, que o Acórdão do Tribunal da Relação, a que nos referimos, violou o seu direito de defesa e de acesso aos Tribunais consagrados no artigo 20° da Constituição, pois partiu “(…) do falso pressuposto de que a Ré, ora Recorrente, podia invocar a referida excepção na sua contestação (…) quando, na verdade, não o podia fazer, pois que os factos constitutivos da mesma apenas vieram a ser apurados na sentença de primeira instância (…), motivo pelo qual apenas o poderia fazer nas alegações de recurso de apelação (…) como efectivamente fez”.

E acrescenta nas conclusões 12.ª e 13.ª que:
“Tendo a sentença de primeira instância considerado que a mais recente das retribuições em falta ao Autor se reportava a Novembro de 2010, não poderia aquela ter concluído, como o fez, pela validade da resolução do contrato de trabalho pelo Autor/Recorrido, em Janeiro de 2013, por há muito estar esgotado o prazo de caducidade a que alude o n° 1 do artigo 395° do Código do Trabalho”, pelo que, “Ao contrário do expendido no douto aresto em crise, não podia a Ré invocar na Contestação a caducidade, se na Petição Inicial o Autor invocava que não recebera as retribuições de 2002 a 2012, inclusive, e apenas surgindo na sentença o facto de a última das retribuições não recebidas remontar a 2010 (e a carta de resolução do contrato data de 25.01.2013) só então podia a Ré/recorrente invocar tal questão (ou ser conhecida pelo Tribunal)”.

É com esta fundamentação que a Recorrente pretende, em síntese, ver invertida a decisão da Relação de ....
Porém, desde já se adianta que não lhe assiste razão.

Vejamos porquê.

2. Enquadrando a situação dos autos, importa ter presente que a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com fundamento em justa causa depende da observância do procedimento previsto no art. 395.º, do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009).

Nos termos do n.º 1 desta norma, “o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.

Daqui resulta que o direito à resolução do contrato com fundamento em justa causa deve ser exercido pelo trabalhador no mencionado prazo de 30 dias, contados a partir do conhecimento dos factos que motivam a resolução, pela forma prevista no citado dispositivo, ou seja por escrito, através de comunicação dirigida ao empregador e que deve integrar a «indicação sucinta dos factos que a justificam».

Este prazo é um prazo de caducidade[2], como decorre do n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil, nos termos do qual, “quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.

Estatuindo o art. 333.º do mesmo Código que “a caducidade é apreciada oficiosamente pelo Tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes” (n.º 1), mas “se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º” (n.º 2).

Quer isto dizer que em matéria sujeita à disponibilidade das partes o Tribunal não pode suprir ex officio a caducidade, necessitando esta, para ser eficaz, de ser invocada por aquele a quem aproveita.

Ora, tal como se afirma no Acórdão recorrido, a caducidade não é, na situação dos autos, do conhecimento oficioso.[3]

É que a caducidade do direito de resolução prevista no art. 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, está estabelecida em matéria não excluída de disponibilidade das partes.

3. Com efeito, a resolução do contrato de trabalho, enquanto forma de cessação de contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sempre que este considere ocorrer justa causa para o efeito, corresponde a um direito cujo exercício depende apenas do seu livre entendimento, depois de conhecida a prática do comportamento ilícito do empregador.
Considerando-se como integradores dessa qualificação (de justa causa) os comportamentos do empregador que traduzam uma violação culposa dos seus deveres para com o trabalhador, neles se incluindo, em matéria de retribuição, quer a falta culposa de pagamento pontual da mesma (cf. art. 394º, nº 2, alínea a), do CT/2009), quer a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição (art. 394º, nº 3, alínea c), do CT/2009).

E, por isso, nos termos dos arts. 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Código Civil, a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não pode ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita e no momento oportuno.

4. Sabido que a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho exercido pelo trabalhador aproveita à empregadora, incumbirá a esta o respetivo ónus de alegação e prova, enquanto facto extintivo do direito invocado pelo trabalhador, conforme decorre do disposto no art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
E o momento oportuno para o fazer é o da apresentação da respectiva defesa, ou seja, através da respectiva contestação, aí deduzindo os meios de defesa – por impugnação e/ou por excepção  – que tenha por pertinentes contra a pretensão do trabalhador e tendo em vista neutralizar ou extinguir eventuais direitos deste.

Trata-se do princípio da concentração da defesa de que fala José Lebre de Freitas[4], estabelecido na primeira parte do art. 573.º, n.º 1, do NCPC, que dispõe que “a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado”.

Este princípio, que segundo aquele Autor é explicado (…) pela necessidade dum processo quanto possível célere (…) é excepcionado nas situações previstas no n.º 2, do art. 573.º, onde se estipula que: “depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que deva conhecer oficiosamente”.

Reporta-se tal normativo aos meios de defesa supervenientes que abarcam:
a) quer os casos em que os factos em que eles se baseiam se verificam supervenientemente (superveniência objectiva), quer aqueles em que esses factos são anteriores à contestação, mas só posteriormente se tornam conhecidos pelo Réu (superveniência subjectiva), devendo em ambos os casos ser alegados em articulado superveniente (art. 588.º, nº 2, do NCPC);
b) os meios de defesa de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, abrangendo a impugnação de direito (art. 5.º, nº 3, do NCPC) e a maioria das excepções dilatórias (art. 578.º do NCPC) e peremptórias (art.º 579.º do NCPC), sem prejuízo de os factos em que as excepções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvo nos casos excepcionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: art. 412.º do NCPC), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto em articulado superveniente.[5]  

O mencionado princípio da concentração da defesa é corolário do princípio da preclusão, segundo o qual o Réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo Autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória, com excepção das que forem supervenientes, e deduzir as excepções não previstas no art. 573.º, n.º 2, do NCPC.

O que significa que ultrapassada determinada fase processual, com as ressalvas previstas na lei, deixam as partes de poder praticar os actos que aí se deveriam inserir.

Precludida fica, por conseguinte, a possibilidade de o fazer.[6]

5. Reportando-nos ao caso sub judice, verifica-se que:

Conforme decorre da petição inicial que apresentou nos autos, o Autor alegou ter resolvido, em 25 de Janeiro de 2013, o contrato de trabalho que mantinha com a Ré desde 1982, com fundamento no não pagamento integral da respectiva retribuição e subsídios a partir de 2002.
E a caducidade do direito de resolução previsto no art. 395.º, n.º 1, do CT, está estabelecida, pelas razões aduzidas supra, em matéria não excluída de disponibilidade das partes e, nessa medida, nos termos dos arts. 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Código Civil, não poderia ser oficiosamente conhecida, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveitava e no momento oportuno.

No caso dos autos, a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho exercido pelo Autor aproveitava à Ré, enquanto empregadora, pelo que lhe incumbia o respetivo ónus de alegação e prova, conforme decorre do disposto no art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
E o momento oportuno para o fazer seria o da apresentação da respectiva contestação, porquanto não estamos perante nenhuma das situações excepcionais a que alude o art. 573.º, n.º 2, do NCPC.

Ora, nem a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho exercido pelo Autor constitui um meio de defesa cujo exercício a lei expressamente admita posteriormente à contestação, nem é de conhecimento oficioso, nos termos explicitados supra.

Tão pouco está aqui em causa um meio de defesa superveniente, como parece ser o entendimento da Recorrente.

Na verdade, tendo o Autor resolvido o respetivo contrato de trabalho em 25 de Janeiro de 2013, com fundamento no não pagamento integral da respectiva retribuição e subsídios a partir de 2002, poderia a Ré ter desde logo invocado, em sede de contestação, a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo decurso do prazo previsto no n.º 1 do art. 395.º do CT/2009.

A mera circunstância de a sentença da 1.ª instância ter dado como demonstrado estarem em falta apenas as retribuições vencidas a partir de 2010, não tem a virtualidade de conferir natureza superveniente à excepção peremptória de caducidade aqui em causa, para efeitos do disposto no art. 573.º, n.º 2, do NCPC.
E isto porque:
- Por um lado, o facto que fundamenta a caducidade não se verificou supervenientemente ao momento da apresentação da contestação, e
- Por outro lado, o facto que fundamenta a caducidade era do conhecimento da Ré à data da contestação, pois esta já então sabia que o Autor fundava a sua pretensão na falta culposa do pagamento da retribuição e de outros créditos laborais alegadamente vencidos desde 2002.

Deste modo, ao invocar a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador apenas nas alegações da apelação, sem ter colocado tal questão perante a 1ª instância, e sem que esta se tivesse pronunciado sobre a mesma, a aqui Recorrente suscitou indevidamente perante a Relação uma questão nova, não submetida à apreciação na 1ª instância, questão essa que poderia ter deduzido em sede de contestação, ao abrigo do princípio da concentração da defesa e em homenagem ao princípio da preclusão acima referenciados.

É que, como é sabido, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (art. 627.º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso, o que, como vimos, não é o caso.
6. De acordo com a terminologia proposta por Teixeira de Sousa[7], não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.

Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido.[8]

Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.

A este propósito, também Abrantes Geraldes[9] explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas.

O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas. [10]

Assim sendo, bem andou o Tribunal da Relação ao não tomar conhecimento da excepção de caducidade em causa por considerá-la uma questão nova.
7. Alega ainda a Recorrente que, ao não apreciar a questão relativa à caducidade do direito de resolução exercido pelo Autor, suscitada na apelação, o Acórdão aqui em causa violou o direito de defesa e de acesso aos Tribunais consagrado no art. 20° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Mas também aqui não tem razão.

É corolário do Estado de Direito a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do Direito.
Daí que no art. 20º, n.º 5, da CRP, determine que “para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
No entanto, haverá que distinguir, por um lado, o direito de acesso aos meios judiciários com vista à salvaguarda e definição do Direito para o caso concreto e, por outro, o procedimento definido pelo legislador ordinário quanto ao modo do exercício daquele direito.

Ora, o direito de defesa e de acesso aos Tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados a faculdade de alegar de forma ilimitada e em qualquer fase processual os factos constitutivos do seu direito e/ou os factos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito invocado pela contraparte.

Tendo sido exactamente para defesa dos direitos, liberdades e garantias, que a Lei Fundamental colocou à disposição dos cidadãos regras e procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e eficácia, garantias de imparcialidade e de independência, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil dos seus direitos, nos termos do art. 20.º da CRP.

Mostra-se, por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus e regras para quem pretende alegar os factos pertinentes à pretensão que pretende ver reconhecida em juízo.

Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, imperioso se torna concluir que a posição do Tribunal da Relação de não tomar conhecimento da excepção de caducidade invocada no recurso da apelação pela Ré, por incumprimento dos ónus legais relativos aos princípios da concentração da defesa e da preclusão acima referenciados, não viola os princípios constitucionais de defesa e do acesso ao direito invocado pela Recorrente.
8. Invoca, ainda, a Ré, nas suas conclusões 8ª a 10ª, que “está em causa na presente acção uma questão de relevância jurídica, necessária para uma melhor aplicação do direito, à luz da alínea a), do nº 1, do art. 672º do CPC”, pelo que “pretende o Recorrente esclarecer o sentido de um preceito legal ou para inteligir as suas conexões com outros lugares do sistema e, no plano prático e previsível que essa mesma questão venha a ressurgir em contextos futuros”.
Porém, resulta dos autos que a Ré apenas interpôs recurso de revista – cf. seu requerimento de fls. 377, do 2º Vol. -, daí que a sua pretensão de ver a presente questão apreciada e decidida à luz da alínea a), do nº 2, do art. 672º, do NCPC, ou seja, enquanto fundamento de revista excepcional, não possa ser acolhida.

9. Mantém-se, assim, o Acórdão recorrido e, por consequência, improcede, in totum, a presente revista.


IV – DECISÃO:

- Face ao exposto acorda-se em julgar improcedente o presente recurso de re-
vista, mantendo-se o Acórdão recorrido.

- Custas pela Recorrente, parte vencida.

- Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 17 de Novembro de 2016.


Ana Luísa Geraldes (Relatora)



Ribeiro Cardoso



Ferreira Pinto




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[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Neste sentido, vd. Acórdão deste Supremo Tribunal de 14.06.2011, proferido no âmbito do processo nº 296/07. 7TTFIG.C1.S1, Relatado por Pinto Hespanhol, e disponível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido de que a caducidade não é do conhecimento oficioso, cf. Acórdão desta Secção do STJ., datado de 08/11/2006, proferido no âmbito do processo nº 06S2571.dgsi.pt., Relatado por Sousa Peixoto, e disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. José Lebre de Freitas, em “A Acção Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3.ª Edição, Coimbra Editora, págs. 96 e segts.
[5] Neste sentido, cf. José Lebre de Freitas, ibidem, pág. 97.
[6] Cf., neste sentido, José Lebre de Freitas, ibidem, págs. 98-99.
[7] Cf. Neste sentido, cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Processo Civil”, 2ª Edição, págs. 395 e segts.
No mesmo sentido cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2016,
3ª Edição, Almedina, pág. 98.
[8] Neste sentido, cf. tb. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “CPC Anotado”, Vol. III. Tomo 1, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 8.
[9] Ibidem, em “Recursos Em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, 2ª Edição, págs. 25 e segts.
[10] Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, págs. 94 e segts.